Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

As crenças na razão

Texto escrito por Adriana Maamari (*) e originalmente publicado na edição de Maio (2014) da Revista de História da Biblioteca Nacional.

O que há em comum nas obras de autores diversos durante um século inteiro a ponto de justificar uma única denominação para aquele longo percurso intelectual? No século XVIII, esta questão pode ser respondida com o auxílio da metáfora que o batizou: as “Luzes”.

A crença comum dos autores daquele período era a possibilidade de empreender uma passagem da obscuridade à luz, ou das trevas da ignorância à sabedoria. Para isso, era preciso definir um método que realizasse tal proeza. Um método priorizando a razão e a experiência, e não mais as verdades reveladas nas sagradas escrituras e propagadas por autoridades religiosas.

Mas a concordância terminava aí. Os pensadores da época nunca chegaram a uma doutrina comum, capaz de abarcar todas as outras em seu interior. Defendiam diferentes concepções filosófico-políticas. Em resumo, não houve uma unidade de pensamento no século das Luzes, mas sim muitas vozes dissonantes. Por isso é que o Iluminismo não pode ser qualificado como uma doutrina ou unidade teórica.

Cartas persas (1721) e Espírito das leis (1748) foram as obras de Montesquieu que deram início ao Iluminismo. A primeira é redigida a partir de dois protagonistas que vêm de longe, de um contexto não europeu e, portanto, estranho aos valores, aos costumes e às instituições do Velho Mundo. Esta é a maneira que o autor encontra para criticar o seu tempo e apresentar a sua concepção de um mundo melhor. Escrever na forma de romance era característica de muitos filósofos daquele século, inspirados no que Montesquieu havia inaugurado. É uma maneira de tornar a leitura da filosofia leve, prazerosa e acessível. Ela penetra nas consciências sem que o leitor perceba que está se deparando com filosofia e com as questões áridas que tradicionalmente ela se propõe a tratar. O filósofo autor de romances tem, portanto, a esperança de mudar opiniões, atuando pedagogicamente junto ao leitor e transformando o mundo ao seu redor. Tornar o mundo melhor é, por sinal, outra ambição comum aos pensadores iluministas.

Montesquieu é partidário de uma concepção de República muito próxima do modelo dos romanos, diferente do que entendemos hoje deste conceito. Sua concepção filosófico-política apresenta a convicção na forma institucional de se governar, com divisão de poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo) e respeito às leis instituídas ou à Constituição do Estado. Mas a virtude política que sustenta é semelhante àquela que encontramos nos antigos, como Sócrates, e inclui a noção de sacrifício, abnegação e autocontenção. A vida política ou republicana, para este pensador, depende da capacidade daqueles que desempenham o poder político de terem a virtude necessária para tanto. Do contrário, teremos um mau governo. Montesquieu também era um filósofo deísta, ou seja, mantinha a crença em Deus.

Voltaire (1694-1778) é também um deísta, admirador da seita religiosa Quaker, que tem origem na Inglaterra e se propaga nos Estados Unidos. Ao escrever principalmente na forma de panfletos e de contos, pretende alcançar a opinião pública em geral, mudá-la, enfim, transformar o mundo. E ele de fato se tornou um filósofo bastante influente e popular, interferindo nos acontecimentos de sua época. A concepção filosófico-política de Voltaire baseia-se no despotismo esclarecido, em que há a confiança num monarca que segue a orientação da razão em suas tomadas de decisão e maneira de governar. 

O despotismo esclarecido também norteia a filosofia de Denis Diderot (1713-1784). A diferença é que este pensador era materialista e ateu. Escreveu romances, alguns deles de literatura libertina. Sua principal obra foi um grande projeto editorial, desenvolvido em parceria com D’Alembert (1717-1783), ao qual se dedicou por muitos anos e que o levou à prisão. Trata-se da Enciclopédia, uma obra inacabada, cujos verbetes foram escritos por vários autores e que se transformou no principal símbolo do pensamento do século XVIII. Na Enciclopédia, o espírito sistemático, o uso da razão e a dúvida permanentemente posta em ação constituem o método para alcançar as verdades comprovadas e demonstráveis. Ao contrário das filosofias do século XVII, que são doutrinas ou grandes sistemas acabados e perfeitos, as filosofias do século XVIII seguem o caminho da investigação constante. São filosofias capazes de sustentar verdades pontuais sobre este ou aquele assunto, mas não têm a pretensão de tratar de todos os domínios já percorridos pelo espírito humano.

No interior da própria Enciclopédia é possível verificar as diferenças, muitas vezes profundas, que marcam os autores do período. Em suas contribuições pontuais, cada qual apresenta distintos posicionamentos sobre um mesmo assunto. Um importante exemplo desta divergência entre os autores está no verbete “Genebra”, redigido por D’Alembert. Nele, o autor elogia o teatro parisiense e a trupe de comediantes franceses. Ao fazer isso, critica a república de Genebra por ter proibido a entrada de atores franceses e a exibição do teatro parisiense na cidade. Rousseau, em resposta, escreve “Carta a d’Alembert”, opondo-se a este filósofo e ao elogio que faz ao teatro parisiense. Rousseau defende a posição do governo genebrino de censurar este gênero de espetáculo, argumentando que a exibição que há nele de vícios e costumes corrompidos, presentes nas grandes cidades como Paris, a um povo virtuoso e de bons costumes como o genebrino poderia levá-lo à degeneração e à decadência moral, estando assim correta a censura que lhe havia sido imposta.

O suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), um dos mais ilustres representantes do período – talvez o maior deles – é ainda o filósofo que mais demarca as diferenças do seu pensamento em relação aos demais. Enquanto Voltaire e Diderot confiam na razão como a faculdade humana que, posta em ação, conduz necessariamente ao progresso, ao bem-estar geral e à felicidade entre os homens, para Rousseau ocorre o contrário. A razão, segundo ele, leva os homens a se distanciarem da natureza e a se corromperem, degenerando-se, inserindo-se no vício e caminhando para a infelicidade. Quanto mais o homem se aperfeiçoa com base na razão, mais ele decai e degenera. Com isso, Rousseau é quase uma antítese do seu século, se quisermos insistir em enquadrá-lo numa definição.

Do ponto de vista filosófico-político, Rousseau também se distancia de todos os outros, pois prefere o governo republicano baseado na vontade geral dos cidadãos. Não se trata propriamente da democracia, mas é algo que se aproxima bastante desse ideário, pois desloca a soberania, que era até então atributo do governante, para o povo, ou seja, os cidadãos que manifestam juntos a vontade geral.

Considerado o último autor do período, Condorcet (1743-1794) produziu uma síntese do legado deixado pelos pensadores anteriores e de seu tempo, como Voltaire e Rousseau. Seu pensamento expressa a confiança na razão como meio de progresso, bem-estar geral e felicidade humana, mas reconhece que nem sempre a história conduz a esse quadro. Há momentos em que a humanidade mergulha em espessas trevas e a razão é impedida de ser exercida. Para Condorcet, a forma de governo mais capaz de dificultar a humanidade de cair novamente na obscuridade e na ignorância é a república, sendo o melhor regime político a democracia representativa. Ele vive a Revolução Francesa e é inclusive o responsável pela concepção do modelo de participação baseado no voto universal – defendido como o meio que permite o acesso de todos à participação política.

Esta imagem do Iluminismo feita de filosofias discordantes se reflete na definição do filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945): o século XVIII leva a filosofia para todos os lugares, sem pedir licença e sem esperar para ser aceita. A filosofia invade tudo e populariza-se. A imagem aqui é a de um rio que enche, transborda e, com a sua força, quebra todos os diques. A filosofia do XVIII rompe as barreiras do preconceito, da ignorância e avança. É a mesma impressão que Kant nos lança sob o lema ou a palavra de ordem “Sapere aude!” “Ousai saber!”.

(*) Adriana Maamari é professora da Universidade Federal de São Carlos e autora da tese O republicanismo democrático de Thomas Paine (USP, 2008).

Saiba mais – Bibliografia

CASSIRER, Ernst. Filosofia do Iluminismo. Campinas: EdUnicamp, 1997.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. “Carta a d´Alembert”. Campinas: EdUnicamp, 1993.
TORRES FILHO, Rubens Rodrigues. Ensaio sobre Filosofia Ilustrada. São Paulo: Iluminuras, 2004.