Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Diderot... Voltaire... e a trajetória de uma frase

Você provavelmente já se deparou com uma frase parecida com esta: "O homem só será livre quando o último rei for estrangulado com as entranhas do último padre". Pois bem, já vi esta frase ser atribuída a Diderot e também a Voltaire, dois pensadores iluministas. Afinal, quem é o autor da frase?

Segue abaixo um interessante texto de Giba Assis Brasil sobre a trajetória e a autoria da frase:


"O último rei e o último padre", por Giba Assis Brasil


Quem for procurar no Google, e se contentar com a primeira página de resultados, vai descobrir que a frase "O mundo (ou o homem) só será livre (ou deixará de ser miserável) quando o último rei (ou déspota) for enforcado nas tripas do último padre" é de Diderot (ou Voltaire).


Mas a primeira página do Google é apenas um retrato da internet: uma babilônia de dados confusos, repetidos, contraditórios, inúteis e muitas vezes incorretos. Se fizermos o mesmo tipo de pesquisa apressada com, por exemplo, "Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, sem amor eu nada seria", vamos chegar à conclusão de que a Primeira Epístola aos Coríntios foi escrita pelo Renato Russo.



Além da primeira página do Google, aparece a verdadeira riqueza oculta da internet: informação quase ilimitada, a biblioteca de Alexandria dos tempos modernos, eternamente em construção. Os únicos requisitos para chegar lá são curiosidade, paciência e um pouco de sorte.



A frase original em francês sobre reis e padres é um pouco diferente, tão violenta quanto a que chegou aos nossos dias, mas de um ponto de vista individual e não vinculado a uma possível libertação da humanidade: "Eu gostaria, e este será o último e o mais ardente dos meus desejos, eu gostaria que o último rei fosse estrangulado com as tripas do último padre." ("Je voudrais, et ce sera le dernier et le plus ardent de mes souhaits, je voudrais que le dernier des rois fût étranglé avec les boyaux du dernier prêtre.")



Desde 1729, ano em que a frase foi publicada, duas grandes revoluções e muitos embates menores arrancaram as tripas de muita gente, até mesmo de alguns reis e padres. E a frase foi sendo modificada de acordo com as conveniências do momento: "o mundo só será livre quando..." marca a crença na "revolução final" que viria libertar a humanidade de séculos de opressão; o ato criminoso, mas individual, do estrangulamento foi substituído pela forca, provavelmente numa tentativa de dar um caráter ritual à violência dos processos históricos; o próprio rei a ser assassinado deixou de ser um rei qualquer e foi especificado como déspota, certamente num período em que se supunha possível uma monarquia democrática ou "progressista". Mas o padre continuou lá, morto e eviscerado, em quase todas as versões, mesmo depois de João XXIII e do Concílio de Puebla.



E o mais surpreendente em torno dessa frase não é tanto o fato de ela ser anterior a Diderot, Voltaire e o enciclopedismo, mas que seu autor, na verdade, tenha sido um padre.



Jean Meslier (1664-1729), cura da aldeia de Étrépigny, passou seus últimos anos de vida rezando missas, celebrando batizados e matrimônios, enquanto, à noite, preparava uma tentativa de extrema unção do Estado católico francês: seu livro de memórias, de título quilométrico, geralmente reduzido para "Memória dos pensamentos e sentimentos do abade Jean Meslier", tratando dos "erros e abusos dos governos" e principalmente da "falsidade de todos os deuses e religiões do mundo". Foi neste livro que nasceu a frase, o "desejo mais ardente", as tripas de uns no pescoço dos outros.



Publicado postumamente, o livro do "padre ateu" Meslier tornou-o um dos precursores do iluminismo. Voltaire, então com 35 anos, foi seu primeiro editor, fazendo circular por toda a França suas ideias subversivas e anticatólicas numa versão reduzida, "Extrait des sentiments de Jean Meslier".



Diderot, que na época tinha apenas 14 anos, mais tarde escreveria (em "Les Éleuthéromanes") um poema em alusão direta à frase mais violenta e mais conhecida do "pai do ateísmo": "E suas mãos arrancarão as entranhas do padre / na falta de uma corda para estrangular os reis." ("Et ses mains ourdiraient les entrailles du prêtre / Au défaut d'un cordon pour étrangler les rois.") Violento sem dúvida, eventualmente visionário, mas sem a menção aos "últimos" e menos ainda à necessidade de mortes para a redenção dos sobreviventes.



Foi Jean-François de la Harpe, que só iria nascer em 1739, 12 anos após a morte de Meslier, o responsável pela confusão em torno da autoria da frase. La Harpe, um pós-iluminista que, ao contrário de Voltaire e Diderot, viveu para presenciar a Revolução de 1789 e o terror jacobino, tornou-se no final da vida um reacionário defensor da monarquia.
Em seu "Cours de Littérature Ancienne et Moderne" (1799), La Harpe alterou os versos de Diderot, citando-os assim: "E com as tripas do último padre / estrangulemos o pescoço do último rei." ("Et des boyaux du dernier prêtre / Serrons le cou du dernier roi.") Engano histórico? Talvez. Mas não me parece tendencioso ver aí uma deliberada intenção de acusar os iluministas (e por extensão os intelectuais, as ideias) pelos rumos violentos da História.



Seja como for, a frase seguiu seu rumo, às vezes usada para justificar assassinatos, outras para exprimir ódios mortais ou simples revoltas, às vezes apenas para atribuir culpas. O livro de Meslier, que eu saiba, só foi publicado em português em 2003, pela editora Antígona, de Lisboa, com tradução de Luís Leitão. Em 2004, Paulo Jonas de Lima Piva doutorou-se em Filosofia na USP com uma tese sobre "os manuscritos de um padre anticristão e ateu: materialismo e revolta em Jean Meslier".



Uma das muitas e criativas pichações de maio de 1968 em Paris propunha uma variação interessante para o desejo de Meslier: "E depois de estrangular o último burocrata nas tripas do último sociólogo, ainda teremos problemas?" ("Lorsque nous aurons étranglé le dernier bureaucrate avec les tripes du dernier sociologue, aurons-nous encore des problèmes?").


Quanto aos iluministas, eu prefiro ficar com outra frase de Voltaire, sem tripas, sem enforcamentos, sem mísseis: "Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo." É só estar preparado para ouvir (e ler) muita bobagem.

(Texto originalmente publicado no Portal Terra, em 2006).

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O Iluminismo no século XVIII

LEMBRAR: o cenário político e social europeu. Sociedade dividida: a) nobreza; b) clero; c) povo (servos, camponeses, profissionais liberais, burguesia).

- O clero e a nobreza possuíam privilégios desde o período medieval.

- O Absolutismo: poder centralizado e forte nas mãos do rei (poder vitalício, hereditário e divino).

- A burguesia (cada vez mais forte economicamente) começa a questionar o poder absoluto dos reis e os privilégios da nobreza.


ORIGENS DO ILUMINISMO - Século XVII

René Descartes (1596-1650), francês - Racionalismo como base do conhecimento. Por meio da dúvida é possível chegar a uma verdade absoluta. Essa verdade é a sua própria capacidade de pensar, que decorre de sua própria existência ("Penso, logo existo"). O universo é criado por Deus e governado por leis eternas. A razão humana deve desvendar tais leis.

Isaac Newton (1642-1727), inglês - O universo é governado por leis e não há interferência divina. Interpretação das leis da natureza por meio de expressões matemáticas. Se há leis governando a natureza, também devem existir leis governando a sociedade.

John Locke (1632-1704), inglês - Lançou os princípios da filosofia política iluminista. Autor de Segundo Tratado sobre o governo civil. Os direitos naturais do homem: vida, liberdade e propriedade. Para garantir tais direitos os homens criaram o governo onde, por meio de um contrato, o governante recebeu a autoridade da maioria (os governados). O governante deve a partir disso garantir os direitos das pessoas. Caso o governante romper tal contrato, governando apenas para os seus próprios interesses, a sociedade tem o direito de derrubá-lo. O pensamento de Locke é uma rejeição ao absolutismo.


SÉCULO XVIII - O "século das luzes"

Voltaire (1694-1778), francês - Fez críticas à Igreja e ao clero, mas acreditava em Deus. Criticou também os resquícios da servidão feudal. Defendeu a liberdade de expressão (vista como um direito natural do homem). Criticou qualquer forma de censura: "Posso não concordar com uma única palavra que dizeis, mas defenderei até a morte o direito de dizê-la". Fez também críticas à guerra e à ideia de revolução. Defendia que os monarcas deveriam ser orientados por filósofos: um governo progressista e "esclarecido". Foi conselheiro de monarcas da Prússia e da Rússia (inspiração para o despotismo esclarecido).

Montesquieu (1689-1755), francês - Os três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Ao afirmar que o governante deveria apenas executar leis redigidas por legisladores e julgadas por tribunais, defendeu a limitação do poder absolutista dos reis. As leis, arregimentadas na Constituição, devem expressar os valores de toda a sociedade e devem ser obedecidas até pelos governantes.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), francês - Crítica ao absolutismo. Sua crítica à propriedade privada não agradou à burguesia. Os homens nascem iguais e livres, e são eles que criam leis e organizam a sociedade conforme a sua livre-vontade. Defesa da democracia como expressão da vontade geral da população. Crítica ao racionalismo excessivo. Valorização dos sentimentos. A alta burguesia rejeitou as suas críticas ao racionalismo, ao elitismo governamental e à opulência. As ideias de Rousseau foram aceitas pelos setores médios e populares.

Denis Diderot (1713-1784) e Jean d'Alembert (1717-1783) - Compilação da Enciclopédia, obra dividida em vários volumes e que procurava apresentar todo o conhecimento humano acumulado até então, conforme entendido pelos iluministas. Voltaire, Montesquieu e Rousseau estiveram entre os colaboradores da Enciclopédia. Algumas ideias presentes na obra: racionalismo como substituto da fé, estímulo à ciência, crença em Deus como a força impulsionadora do universo, a ideia de contrato entre governantes e governados.


OS ECONOMISTAS DO ILUMINISMO

Fisiocracia - a terra era vista como a única fonte de riqueza. Crítica às ideias mercantilistas (em especial ao princípio do metalismo, segundo o qual o acúmulo de metais preciosos é a única fonte de riqueza). Segundo os fisiocratas, o comércio e a manufatura apenas transformam e fazem circular a riqueza oriunda da terra, da agricultura. Alguns fisiocratas: François Quesnay (1694-1774), Anne Robert Jacques Turgot (1727-1781) e Vincent de Gournay (1712-1759).

Liberalismo - Adam Smith (1723-1790). Crítica ao mercantilismo. Segundo Smith, o trabalho é a única fonte de riqueza, e não o comércio. Racionalização da produção. Defesa da concorrência, da divisão do trabalho e do livre comércio.


O FENÔMENO DO DESPOTISMO ESCLARECIDO

No intuito de amenizar as tensões com a burguesia, monarcas absolutistas europeus no final do século XVIII realizaram reformas de cunho iluminista sendo assessorados por ministros "esclarecidos".

- Modernização e aumento da eficiência administrativa dos reinos. Incentivo à educação pública, com a criação de escolas. Apoio a academias literárias e científicas. Estímulo à cultura, às artes e à filosofia.

- As reformas do "despotismo esclarecido" visavam prolongar a existência do absolutismo, eram uma forma de agradar a burguesia (que a longo prazo não ficaria satisfeita apenas com tais reformas).

- Alguns déspotas esclarecidos: José II (Áustria), Catarina II (Rússia), Frederico II (Prússia), D. José II (Portugal) e Carlos III (Espanha). As suas reformas enfatizavam o campo econômico, de modo a enfrentar a concorrência da França e da Inglaterra.

IMPORTANTE: Lembrar que na Inglaterra o rei já estava submetido a um parlamento burguês desde a Revolução Gloriosa de 1688. Já na França, os reis impunham a sua autoridade, mantendo-se irredutíveis, o que originou uma insatisfação crescente que acabaria explodindo em uma revolução burguesa em 1789.

Resumindo: a partir do exposto acima, temos que o Iluminismo surgiu em um momento de tensões entre monarquias absolutistas e burguesia, com o processo de declínio do Estado moderno absolutista.


Para pensar...



O quadro acima é intitulado Filósofos iluministas reunidos no salão de madame Geoffrin, e foi pintado por Anicet-Charles Lemmonier em 1812. Trata-se de uma obra bastante conhecida. Agora analise atentamente o quadro. O que você vê? Como é o ambiente no qual as pessoas estão? Tente descrever o salão. Quais objetos aparecem? Como é a decoração do local? Observe também os detalhes das pessoas, suas roupas e expressões faciais. Sobre o quê elas devem estar conversando?