Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

De tigres a mijões*

* Texto escrito pela pesquisadora Lilia Moritz Schwarcz e originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo (20 fev. 2010).

Desde que o Rio é Rio de Janeiro, ou melhor desde 1763, quando desbancou Salvador e tornou-se capital - e o grande centro administrativo colonial e depois imperial -, duas faces pretensamente distintas convivem, se suportam. De um lado, a Cidade Maravilhosa, cuja natureza deixou estupefatos tantos e mais tantos estrangeiros. Aí está o paraíso edenizado, descrito por suas colinas e baías, com seus golfinhos pulando nas águas e o sol a dourar tudo e todos. Do outro lado, reside o espetáculo da população mestiçada, dada a hábitos estranhos, como diziam e reclamavam os viajantes. Os relatos mencionam a existência de "africanos por toda parte", com seus dorsos nus, danças lascivas, vozerio alto e festas barulhentas, descontroladas. Tal qual Janus, o deus grego de duas faces, o Rio de Janeiro mais lembrava uma cidade dividida: uma face representava a civilização e a corte, que pretendia se assemelhar aos Bourbons, Habsburgos e também Braganças; a outra reproduzia o mundo escravo, com costumes e práticas considerados "odiosos". E esse tipo de dicotomia tomou as descrições e a imaginação dos cientistas, naturalistas, ou meros curiosos, que foram se acumulando com o passar dos anos. Na mesma medida em que tentavam compreender essa exótica corte tropical dos portugueses, estranhavam as ambiguidades de todos os tipos que por aqui grassavam.

O viajante inglês Luccock dizia que todo cuidado era pouco quando se caminhava pelas ruas. O andarilho desavisado, que pretendia apenas tomar "uma fresca", podia facilmente levar um balde de excrementos na cabeça. Abriam-se janelas e gelosias e, do alto do segundo pavimento das casas, um líquido escuro era arremessado, sendo antecipado apenas por um breve aviso: "Lá vai carga!" Dispositivos foram criados com o objetivo de impedir tal prática, assim como se tentou disciplinar o cheiro pestilento das ruas, recorrendo-se aos tigres. Tigres, ou tigrados, eram escravos cuja atividade resumia-se a recolher detritos que se acumulavam nas ruas e nas calçadas. O apelido era, por sua vez, resultado da naturalização da vexatória profissão: de tanto lidarem com as fezes ficavam como que camuflados; tigrados. Nada de esgotos, banheiros públicos ou privados; a prática implicava, simplesmente, deixar as amostras ao ar livre.

Não é de hoje, portanto, o problema que assola nossos governantes cariocas. Já em finais do século 18 e inícios do 19 as ruas do Rio eram caracterizadas como fétidas e insalubres, assim como suas vias, consideradas intransitáveis. O conde de Joinville, do alto de sua nobreza, rogava todas as pragas contra os cachorros, que "legavam suas necessidades para a posteridade, sujando cantos e espaços privilegiados". Limpeza, ou melhor, a falta dela, transformava-se em tema constante quando se tratava de descrever a Cidade Maravilhosa.

Na época da chegada de d. João, a grande preocupação era, novamente, limpeza. A família real estava para aportar, em 1808, e seria preciso "dar boa impressão", eufemismo necessário para evitar a referência desagradável ao estado pútrido da cidade. O Senado publicou, na ocasião, decreto que pedia não só para que se ornassem casas e janelas, mas que as ruas por onde o cortejo real passasse tivessem "a conveniente limpeza e inspeção": "Ordena o mesmo senhor que se mande fazer os reparos que forem precisos na calçada dela, e dê às providências para que se ache limpa, areada e livre de todo o pejamento".

Outro tema presente na pauta local, porém mencionado de maneira discreta (para cometermos mais um eufemismo), era o conhecido "espetáculo das raças" que desfilavam pelas ruas do Rio. Em Reisen in Brasilien, um viajante alemão mencionava como lhe parecia difícil lidar com "a atividade intensa e febril, que aturdia o visitante, desacostumado a ver gente de todas as raças, múltiplas cores e costumes variadíssimos". Mais uma vez, Luccok sentenciava: "A cidade do Rio é a mais suja associação humana vivendo sob a curva dos céus".

Claro que não é de bom-tom confiar cegamente nas avaliações, muitas vezes preconceituosas, dos viajantes. Mas o importante é que as ruas do Rio sempre representaram espetáculo à parte: barulhentas, cheias de gente e de detritos, com suas calçadas de terra e cobertas por imundícies de toda sorte. Na bela visão de Oliveira Lima, por elas circulavam tipos dos mais estranhos: "Andadores de almas e pedintes de irmandades com suas opas verdes, escarlates e azuis, estendendo aos transeuntes e abrindo debaixo das janelas os largos sacos vermelhos; ou os cumpridores de promessas devotas, tirando por humildade cristã e não por necessidade esmolas para um missa em ação de graças". Mas circulava, ainda, muito "detrito acumulado", resultado do depósito de centenas de anos sem o devido serviço de coleta.

O fato é que os problemas se acumulavam, e a olhos vistos. Dizia o protestante Bosche que o badalar incessante dos sinos das igrejas e mosteiros, o frequente estampido dos foguetes, eram o suficiente para perturbar "o pensamento de qualquer homem razoável e para levar o recém-chegado ao desespero". A poluição era, assim, não só olfativa ou visual, como também sonora.

E, se no cotidiano pacato, a situação escapava ao controle, o que dizer dos dias de festa? O viajante Kidder definiu de maneira límpida o alcance dos rituais no Brasil: "Feriados, no entender de muitos naturais do país, são aqueles dias aos quais todos os outros estão subordinados". Datas de exceção eram, pois, aquelas em que não se celebrava nenhum feriado. O habitual era o transeunte se deparar com alguma festa animada, quando as ruas ficavam ainda mais sonoras e sujas. Por sinal, as procissões sempre estiveram na ordem do dia. No Rio de Janeiro colonial eram sete: a de São Sebastião, a 28 de janeiro; a de Santo Antônio, na Quarta-Feira de Cinzas; a do Triunfo, na sexta-feira que antecede o Domingo de Ramos; a do Senhor dos Passos, na segunda-feira da quaresma; a do Enterro, na Sexta-Feira Santa; a do Corpo de Deus; e a da Visitação, a 2 de julho. Nessas ocasiões, até mesmo a corte e seus figurões, portando orgulhosamente seus uniformes bordados, saíam em desfile, com o infalível cortejo de soldados de barretina pendurada no antebraço, estandartes religiosos, cantores da Real Capela e demais pessoas gradas. Os préstitos seguiam por entre cânticos e mais foguetes, enquanto a multidão compactada aplaudia a procissão e o comércio lucrava alto com a venda de doces e bolos. Já os "restos humanos", dizia o padre Perereca, grande "microfone ambulante" à época da família real, permaneciam como marcas indeléveis dos eventos.

Afinal, ninguém é de ferro: não havia dia sem festa e não havia festa que não valesse um bom dia. Mas não eram só as procissões que brotavam nas ruas. Foguetórios, leilões, batuques, fandangos, cavalhadas, a queima do Judas no Sábado Santo, a festa do Imperador do Espírito Santo, os aniversários da realeza, as demais datas religiosas... Qualquer motivo era bom para tirar a cidade da, aparente, calma semanal. Enfim, dia sim e dia não, as festas contornavam o cotidiano e mostravam um outro lado da cidade. Outro lado e o mesmo. Se uma superfície do espelho refletia a civilizada corte, a outra representava o dia a dia, tomado por "gentes estranhas", muito barulho e mais sujeira.

Visto sob esse ângulo, o panorama mais se assemelhava a uma batalha entre barbárie e civilização, sujeira versos pureza, barulho oposto a calma, negros contra brancos. Mas mais do que duas versões, dispostas de maneira cartesiana, temos aqui dois termos da mesma equação. Não havia corte sem escravos a trabalhar, luxo sem imundície e detritos. Tudo tão distante, mas tão (irritantemente) semelhante. O outro lado do espelho sempre foi, afinal, parte do mesmo espelho.

Não parece, pois, coincidência, sinal dos céus ou fatalidade da natureza o que temos lido nesses últimos dias do reino de Momo. Nessa semana, o ambiente foi tomado por pronunciamentos que evocam velhos discursos eugenistas do século 19, com seu tom de missão civilizacional e interventora. Eduardo Paes, por exemplo, fez uma verdadeira campanha contra os "mijões" e seus atos obscenos, assim como coibiu os "atos de barbárie" com muita cadeia, repressão e cobertura jornalística. Nada contra as regras ou os projetos de higiene. Ao contrário, tais práticas erradicaram muitas epidemias, que matavam mais que nosso fraco coração. Estranho, porém, é o tom de guerra que contaminou nossos governantes, como se estivessem diante de um exército armado de invasores mijões.

Não há, porém, como jogar a culpa na exceção, ou lançar a conta exclusivamente no bolso dos "bárbaros invasores". Invasores somos nós mesmos e, mais uma vez, a dialética mostra como não há como ficar exclusivamente com a face brilhante do espetáculo. Aspectos menos nobres, e por isso com frequência ocultos, quando não silenciados, insistem (secularmente) em se apresentar. Os bastidores - a sujeira, o barulho, o descontrole - fazem parte integral do mesmo show, que chamamos carnaval. Engraçado como só de vez em quando é que acionamos a frase da rainha da França que, inclusive morreu por conta dela: "De perto ninguém é mesmo normal". Sempre que possível, e quando bem convém, usamos esse "complexo de Maria Antonieta", de efeito calmante, uma vez que cria novas e seguras fronteiras simbólicas: lá estão eles; aqui permanecemos nós.

Frágil castelo de cartas, pronto para ser destruído. Como canta Caetano Veloso: Narciso acha (e continua a achar) feio o que não é espelho!

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Uma imagem para se pensar sobre a Conjuração Baiana

A edição de julho de 2015 da Revista de História da Biblioteca Nacional trouxe um interessante dossiê sobre a Conjuração Baiana. Para além das instigantes informações trazidas pelos artigos, chamou a atenção de todos a ilustração apresentada na capa da referida edição da revista. Elaborada pelo artista João Teófilo, a imagem retrata os quatro homens que foram condenados à morte por terem participado da Conjuração Baiana.

Veja a imagem:

Ilustração feita por João Teófilo (2015). A imagem
apareceu na capa da RHBN de julho/2015.

Agora leia abaixo um pequeno texto escrito pela professora Camila Dazzi. Nele, a autora apresenta algumas reflexões sobre a obra de João Teófilo. (Este texto foi originalmente publicado na edição de julho/2015 da RHBN.)

"A imagem da capa, realizada pelo artista João Teófilo, é uma provocação. Sobre um cadafalso, vemos os membros esquartejados de quatro homens negros dispostos em cima de um pano branco. A cena pode remeter às fotografias jornalísticas de chacinas que ocorrem no Brasil, nas quais os vitimados em tanto se assemelham aos protagonistas da aquarela de Teófilo. Mas foi uma pintura que lhe serviu de inspiração: “Tiradentes esquartejado”, produzida por Pedro Américo em 1893.

Com a Proclamação da República (1889), fez-se necessária a construção de uma identidade nacional para a pátria. Era premente a escolha de mártires republicanos para o lugar de D. Pedro I, o herói da monarquia. Duas revoltas, em especial, poderiam conceder aos republicanos o personagem que buscavam: a Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798). Na Inconfidência Mineira, somente Tiradentes foi condenado à pena última (que consistia em ser enforcado e esquartejado) por crime de lesa-majestade. Na Conjuração Baiana, foram quatro os condenados à mesma pena: João de Deus, Manoel Faustino, Luís Gonzaga e Lucas Dantas. Por que nenhum dos inconfidentes baianos foi alçado ao patamar de herói e mártir da República? Por que coube a Tiradentes esta glória? A aquarela de João Teófilo nos apresenta a resposta: os quatro baianos eram negros – ou, como eles mesmos se compreendiam segundo os registros do século XVIII, mulatos.

Um dos principais desafios para a criação do panteão nacional republicano foi a aceitação dos heróis e mártires pelos brasileiros. No contexto das revoltas separatistas coloniais, Tiradentes se apresentava como a única escolha possível. A abolição ocorrera em 1888, apenas um ano antes da Proclamação da República, e embora os negros estivessem libertos, na prática continuavam tão subjugados quanto antes. Abundavam, no meio intelectual, teorias ligadas ao racismo científico, que atribuíam à presença do negro o motivo do atraso nacional em face das nações europeias. O debate em torno da raça, então em ebulição, tornava impossível a escolha dos inconfidentes baianos pelo simples fato de que uma parte significativa da população, da intelectualidade e do próprio governo não aceitaria negros ou mulatos no panteão de heróis republicanos.

Toda imagem fala sobre seu tempo histórico de produção. Somente na contemporaneidade, quando os movimentos raciais e as estratégias de empoderamento negro se fazem cada vez mais presentes no Brasil, uma aquarela como a de João Teófilo poderia ser produzida. Ao substituir Tiradentes pelos quatro inconfidentes negros, o artista propõe repensarmos a história e levantarmos o véu que ainda cobre a difícil barreira racial existente em nossa sociedade."

domingo, 9 de agosto de 2015

[Seção dos Alunos]: Conteúdo de História inspira desenhos de aluna

Muitos são os talentos dos nossos alunos. Enquanto uns possuem uma facilidade muito grande para se expressar oralmente, escrever, tocar instrumentos musicais, dançar, cantar, etc., outros possuem um enorme talento para desenhar. Este é o caso da aluna Monize de Paula, do 2°E (2015), que se inspirou nos temas estudados no 2° bimestre para fazer alguns desenhos. Confira abaixo:

Napoleão Bonaparte, por Monize de Paula (2015).


Mineração, por Monize de Paula (2015).


Negra do tabuleiro, por Monize de Paula (2015).

sábado, 8 de agosto de 2015

O primeiro governo de Getúlio Vargas no Brasil (1930-1945)

Getúlio Vargas assumiu o poder no Brasil em 1930. O período entre 1930 e 1934 ficou conhecido como o do Governo Provisório de Vargas e foi marcado por medidas centralizadoras. A Constituição de 1891 foi abolida e Getúlio procurou se aproximar da Igreja Católica e dos militares que o ajudaram a derrubar a República oligárquica. Vargas dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas estaduais e as Câmaras municipais, sendo instituído em seguida um regime de emergência. Vargas assumiu o comando do Legislativo, e suas medidas e decretos não podiam mais ser contestados pela Justiça. Os governadores estaduais (que eram chamados de presidentes) foram depostos e interventores escolhidos por Vargas assumiram o comando do poder executivo nos estados. O único governador que permaneceu em seu cargo foi Olegário Maciel, que governava Minas Gerais. O presidente buscou manter a supremacia do Exército sobre as polícias estaduais, impondo um limite de investimentos dos estados na área militar. Os estados não podiam ter contingentes mais bem armados e preparados do que o Exército. Muitos dos novos interventores tinham feito parte do movimento tenentista.

Vargas subiu ao poder apoiado pelas elites dirigentes de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e da Paraíba, contando ainda com o apoio dos militares e do Partido Democrático de São Paulo. As primeiras medidas adotadas por Vargas beneficiavam claramente os militares. A centralização do poder era uma das aspirações dos tenentes e foi atendida. Porém, ao longo do tempo o tenentismo foi pouco a pouco perdendo a sua força. O movimento, que propunha derrubar as oligarquias e promover algumas reformas, revelou-se limitado ideologicamente e, em meados dos anos 1930, acabou se esgotando. Alguns de seus representantes voltaram aos quartéis, enquanto outros aderiram ao comunismo ou ingressaram em grupos simpatizantes do fascismo. Os tenentistas que permaneceram no governo estavam subordinados a Vargas.

O caráter autoritário e centralizador de Vargas desagradou os civis, ocorrendo até uma indisposição entre o governo federal e o Partido Democrático de São Paulo. A nomeação do interventor pernambucano João Alberto Lins de Barros – um tenentista – para interventor do estado de São Paulo não agradou às elites locais, que exigiam um interventor civil e paulista. Vargas indicou o paulista Pedro de Toledo para interventor do estado de São Paulo, criou um Código Eleitoral e convocou uma Assembleia Constituinte, mas isso não acalmou os ânimos da população paulista. Em maio de 1932, quando quatro estudantes foram mortos em um enfrentamento com a polícia getulista, as tensões políticas aumentaram ainda mais em São Paulo. O Movimento MMDC – sigla que fazia referência aos nomes dos estudantes mortos, Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo – tornou-se símbolo da luta contra Getúlio. Em julho de 1932, iniciou-se a chamada Revolução Constitucionalista em São Paulo. A revolta contestava o autoritarismo de Getúlio, defendia a autonomia dos estados e exigia a elaboração de uma nova Constituição para o país. Os confrontos duraram até outubro, e as tropas federais venceram os rebelados paulistas, que não tiveram o apoio de outros estados.

O café continuava sendo o principal produto de exportação do Brasil e, por causa disso, Vargas julgou ser importante conseguir o apoio político dos cafeicultores, que ainda eram um grupo importante dentro do país. O governo deu continuidade à tradicional política de valorização do café, por meio da compra e da queima dos excedentes do produto. Entre 1931 e 1944, cerca de 78,2 milhões de sacas de café foram destruídos. A medida tentava ajudar os cafeicultores, prejudicados com a crise mundial iniciada em 1929. Todavia, os preços do café continuaram baixos, o que deu origem a uma falta de recursos para importar produtos industrializados. Para substituir as importações e criar um parque industrial nacional foram feitos investimentos na industrialização do país ao longo da década de 1930. O Estado brasileiro tornou-se o agente da industrialização, restringindo a importação de bens de consumo não duráveis (alimentos, bebidas) e estimulando a importação de bens de produção (máquinas, equipamentos) e bens de consumo duráveis (automóveis, caminhões).

Houve reformas na área educacional por meio da criação do Ministério da Educação e Saúde, em novembro de 1930. O objetivo era formar uma elite mais bem preparada do ponto de vista intelectual. Ficou definido que o ensino secundário duraria sete anos, divididos em dois ciclos. O ciclo ginasial, com duração de quatro anos, daria uma formação humanística ao estudante. Já o segundo ciclo objetivava preparar o aluno para o ensino superior, e duraria três anos. As bases do sistema universitário, fundado na pesquisa e no ensino, foram lançadas. Em 1934 foram criadas a Universidade de São Paulo – USP – e a Universidade de Porto Alegre – atual UFRGS. No ano seguinte foi criada a Universidade do Distrito Federal – UDF – no Rio de Janeiro, organizada pelo educador Anísio Teixeira.

Com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1930, surgiu também a legislação trabalhista. Leis regularam o trabalho de mulheres e crianças, estabeleceu-se uma jornada diária máxima de trabalho de oito horas, criou-se o descanso semanal remunerado, garantiu-se o direito a férias e à aposentadoria, além de outras novidades. Essas leis foram sistematizadas em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Paralelamente, o governo procurou controlar o movimento sindical, tentando afastar os trabalhadores da influência comunista e anarquista. A Lei de Sindicalização, aprovada em 1931, definiu os sindicatos como órgãos consultivos e de colaboração com o poder público. Uma autorização ministerial era necessária ao funcionamento dos sindicatos. Representantes do governo tinham que acompanhar as assembleias sindicais. Além disso, o Ministério do Trabalho poderia intervir nos sindicatos, inclusive afastando diretores que o governo considerava “indesejáveis”. Alguns grupos anarquistas e comunistas consideravam tais decisões autoritárias e as criticaram, organizando greves e manifestações. Porém, as medidas acabaram sendo acatadas por diversos setores sindicais.

A legislação trabalhista e a aproximação entre governo e sindicatos fariam parte daquilo que ficaria conhecido como política populista nos anos em que o Brasil foi governado por Vargas. Chamado de pai dos pobres, Getúlio era representado como um protetor dos trabalhadores. Nesse discurso, as leis trabalhistas apareciam como fruto da bondade do presidente, e não dos anos de lutas dos trabalhadores.

Os negros fundaram na cidade de São Paulo a Frente Negra Brasileira, em 1931, que seria a mais importante entidade de afrodescendentes no Brasil durante a primeira metade do século XX. Eles procuravam combater as desigualdades entre brancos e negros, bem como lutar contra o preconceito e a discriminação racial no país. Uma escola era mantida pelo grupo e ali era oferecido o curso primário, além do ensino de música, inglês, educação física, teatro, corte e costura, etc. As mulheres tinham participação ativa e estavam divididas em dois grupos internos: as Rosas Negras organizavam bailes e festivais, enquanto a Cruzada Feminina praticava o assistencialismo. Havia no movimento uma espécie de “milícia”, composta por capoeiristas. O jornal A voz da raça, com tiragem de até 5 mil exemplares, divulgava as ações da FNB. Dentro do movimento existiam socialistas, integralistas e até mesmo monarquistas, mas é preciso dizer que muitos dos representantes da Frente simpatizavam-se com Vargas, sobretudo em decorrência das Leis Trabalhistas. A partir do estado de São Paulo, a FNB chegou a estados como Bahia, Rio Grande do Sul e Pernambuco, somando 60 representações e 200 mil filiados em todo o Brasil. Em 1936, a FNB se tornou um partido político, mas no ano seguinte o mesmo foi extinto com o advento do Estado Novo.

Um novo Código Eleitoral foi aprovado pelo governo de Vargas em 1932. Criou-se a Justiça Eleitoral, que tinha como função coibir as fraudes eleitorais, estabeleceu-se o voto obrigatório e secreto para minar a influência dos coronéis sobre os eleitores, a idade mínima do eleitor passou de 21 para 18 anos e o direito de voto foi garantido às mulheres, desde que elas fossem casadas (com autorização do marido) ou viúvas e solteiras com renda própria.[1] Foi criada também a figura dos deputados classistas, que deveriam ser eleitos pelos sindicatos de empregados e de patrões. Após a divulgação do novo Código Eleitoral e tendo em vista a pressão exercida por diversos setores da sociedade brasileira, o governo convocou eleições para maio de 1933, no intuito de formar uma Assembleia Constituinte. A decisão governamental contrariava os tenentes, que desejavam manter o regime de exceção.

A nova Constituição foi promulgada em julho de 1934 e ela incorporou a legislação trabalhista em vigor, instituindo o salário mínimo (que só seria efetivamente criado em 1940), garantindo as férias anuais e o descanso semanal remunerados e criando o Tribunal do Trabalho. Também foi garantida a autonomia e a pluralidade dos sindicatos. Desta maneira, podiam existir dois ou mais sindicatos para uma mesma categoria profissional, o que diminuía, pelo menos em tese, as chances de manipulação ou controle por parte do Ministério do Trabalho. A autonomia dos estados foi preservada e houve a nacionalização de minas, jazidas e quedas-d’água. A nova Carta mantinha os analfabetos e os soldados sem o direito de votar. Também ficou estabelecido que a primeira eleição para a presidência após a aprovação da Constituição seria indireta. No mesmo mês de julho de 1934, os constituintes elegeram Vargas para a Presidência da República. A Constituição definia que o mandato do presidente iria até 1938, quando um novo presidente deveria ser eleito pelo voto livre e direto.

O Governo Constitucional de Vargas (1934-1937)

Apesar da aparência de democracia e da estabilidade política gerada pela nova Constituição e pela eleição de Vargas, o que houve no Brasil durante os anos que se seguiram foi uma forte polarização política. Surgiram dois movimentos bastante antagônicos: a Ação Integralista Brasileira – AIB –, de direita, e a Aliança Nacional Libertadora – ANL –, de esquerda.

Assim, como ocorria na Europa, onde a democracia liberal dava lugar a governos totalitários em diversos países, pessoas passaram a defender a instauração de uma ditadura de direita no Brasil, semelhante ao governo de Mussolini, na Itália. Foi em defesa dessa ideia que foi fundada a Ação Integralista Brasileira, em 1932, sob a liderança de Plínio Salgado. Inspirados pelo fascismo, alguns intelectuais, religiosos, ex-tenentistas e membros da classe média e da burguesia aderiram ao integralismo. Sob o lema “Deus, Pátria e Família”, a AIB tinha um caráter nacionalista, antiliberal, anticomunista e contrário ao capitalismo financeiro internacional. Valores cristãos e tradicionais foram adotados pelos integralistas para atrair novos militantes. O controle do Estado sobre a economia e o fim da pluralidade partidária e da democracia representativa eram desejados pelos integralistas. Em 1936, a AIB contava com cerca de 200 mil militantes. Os integralistas desfilavam com seus uniformes verdes e ostentavam uma braçadeira na qual se via a letra grega sigma, o símbolo do movimento. Essa letra tem o significado de somatória em Matemática e, para os integralistas, ela remetia à ideia de totalidade, integração e unidade nacional. A palavra de origem indígena Anauê (“você é meu parente”) era a sua saudação, e deveria ser proferida com o braço direito levantado. Quando ocorreram as eleições municipais em 1936, os integralistas elegeram vereadores e prefeitos em vários municípios brasileiros.

A Aliança Nacional Libertadora surgiu em 1935 e seu presidente de honra era o líder comunista Luís Carlos Prestes. A ANL reunia grupos de variadas tendências: militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB), socialistas, liberais, anti-integralistas, intelectuais independentes, estudantes e ex-tenentistas descontentes com o autoritarismo de Vargas. De caráter nacionalista e anti-imperialista, a ANL propunha a suspensão do pagamento da dívida externa, a nacionalização de empresas estrangeiras e a reforma agrária, chegando a reunir de 70 mil a 100 mil filiados. Mesmo antes da fundação da ANL já ocorriam conflitos entre integralistas e comunistas. Quando vários desses embates foram registrados em 1935, Vargas conseguiu a aprovação de uma Lei de Segurança Nacional, que classificou como “crimes contra a ordem” as greves e as manifestações. Quatro meses após a fundação da ANL, Vargas a declarou ilegal, o que obrigou os seus militantes a agirem na clandestinidade.

Em 1935, seguindo orientações da Internacional Comunista, membros do PCB ligados à ANL lideraram insurreições militares em Natal, Recife e no Rio de Janeiro, no intuito de tomar o poder e implantar o comunismo no Brasil. Todavia, devido à má articulação e à falta de apoio do Exército e de outros estados, a Intentona Comunista fracassou e o governo deu início a uma forte repressão anticomunista. Vargas decretou o estado de sítio e determinou que mais de 6 mil pessoas fossem presas, incluindo jornalistas, intelectuais, um senador e quatro deputados. Luís Carlos Prestes e sua esposa Olga Benário, uma judia alemã, estavam entre os detidos. Prestes seria condenado a 16 anos de reclusão e Olga, mesmo grávida de sete meses, foi deportada em 1936 para a Alemanha nazista, onde morreria em 1942, em um campo de concentração. As liberdades constitucionais estavam suspensas no país e qualquer oposição ao governo Vargas era considerada “crime contra a nação”. Como soldados e oficiais do Exército morreram no combate ao levante comunista, a Intentona Comunista seria usada por décadas para alimentar o anticomunismo entre os militares.

A campanha eleitoral para a escolha do sucessor de Vargas iniciou-se em 1937, em um clima de tensão e repressão à esquerda. Vargas não poderia participar da disputa eleitoral, mas já articulava a sua permanência no poder junto com as Forças Armadas e os governadores. Armando de Salles Oliveira era o candidato do Partido Constitucionalista, ligado ao Partido Democrático de São Paulo. José Américo de Almeida era o candidato do governo. Por sua vez, Plínio Salgado era o candidato da Ação Integralista Brasileira. Paralelamente à disputa, Vargas discursava insinuando que a situação política do país não era favorável à realização de eleições, denunciando o “perigo comunista” que, segundo ele, poderia se aproveitar das eleições para dar um golpe.

No final de 1937, foi divulgada a existência de um plano comunista para tomar o poder, assassinar centenas de personalidades públicas e realizar atentados a igrejas e prédios públicos. O Plano Cohen (referência ao nome do judeu que seria o seu autor), como ficou conhecido, era totalmente falso e havia sido elaborado na verdade por um oficial integralista, o capitão Olímpio Mourão Filho. Contudo, Vargas usou o plano como um pretexto para fechar o Congresso em 10 de novembro de 1937. Por meio do rádio, Vargas cancelou as eleições presidenciais e instaurou o “Estado Novo”, que ele definiu como “um regime forte, de paz, justiça e trabalho”. Uma nova Constituição, que ficaria conhecida como Polaca, em alusão a suas semelhanças com a Constituição polonesa, de inspiração fascista, foi outorgada. Houve suspensão das garantias individuais e abolição do direito de reunião. A população foi proibida de se organizar, reivindicar seus direitos e de manifestar suas opiniões. O golpe de Estado realizado por Vargas marcou o início de uma ditadura centralizada na figura de Getúlio.

O Estado Novo (1937-1945)

A nova Constituição colocava o Executivo acima do Legislativo e, neste “Estado Novo”, Getúlio Vargas passou a governar por meio de decretos-lei e com apoio dos militares e de industriais. Partidos políticos foram extintos, incluindo a AIB que havia apoiado o golpe de Estado. Os integralistas tentaram tomar o poder em 1938, mas fracassaram e seus líderes foram presos ou exilados. A AIB se extinguiu.

Os governadores eleitos só seriam empossados nos cargos se Getúlio autorizasse. Do contrário, Vargas nomeava alguém para governar determinado estado. Era o fim da autonomia dos estados. Um efeito dessa medida foi a perda de força política por parte das oligarquias regionais, que nem sempre conseguiam eleger seus candidatos. Apesar de existir oposição às suas ações, Vargas anulava os espaços legais de contestação ao seu governo, reprimindo principalmente os movimentos de esquerda. O governo retomou o princípio de um sindicato único para cada categoria profissional. Associações sindicais diferentes para uma mesma categoria até podiam existir, mas apenas aquela reconhecida pelo governo era considerada legal. As greves foram proibidas e ganhou destaque a figura do “pelego”, ou seja, o sindicalista que era favorável aos interesses do Estado e do patrão.

Na ideologia do Estado Novo havia uma ênfase na ideia da construção de uma nação pautada na ordem, na obediência à autoridade e na aceitação das desigualdades sociais. O Estado deveria exercer, assim, uma tutela sobre a nacionalidade brasileira. No intuito de controlar os meios de comunicação e moldar a opinião pública, criou-se o Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP – em 1939. Sob a inspiração do serviço de comunicação nazista, o DIP se encarregou não apenas de elaborar a propaganda oficial do Estado Novo, mas também de censurar jornais, revistas, livros, rádio e cinema. As peças publicitárias produzidas pelo DIP mostravam Vargas como uma figura paternal, bondosa, severa (mas também justa) e exigente. O Cinejornal Brasileiro era um dos cinedocumentários que deveriam ser obrigatoriamente exibidos em todos os cinemas antes do início dos filmes. Os filmes educativos tinham a função de divulgar a história e os valores nacionais, exaltando o Brasil e o governo Vargas. Livros e cartilhas escolares enalteciam a figura de Getúlio e transmitiam noções de patriotismo e civismo. Nas escolas, a disciplina de Educação Moral e Cívica procurava formar o cidadão de acordo com os critérios de boa conduta moral e amor à pátria. O ministro da educação, Gustavo Capanema (que ficou no cargo entre 1934 e 1945), também investiu no ensino profissionalizante para qualificar a mão de obra comercial e industrial.

Gustavo Capanema também apoiou artistas modernistas que queriam compreender a identidade nacional. Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Manuel Bandeira, entre outros, prestaram serviços na área da cultura. Outros intelectuais se dedicaram a realizar estudos acerca da história e da identidade brasileira. Alguns estudos que hoje são considerados clássicos foram publicados naquela época: Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre (1933), Evolução política do Brasil, de Caio Prado Jr. (1933), e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda (1936). Em 1937, foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), órgão que se propunha a preservar bens móveis e imóveis relacionados à história e à cultura do Brasil.

Mensagens de Vargas eram transmitidas pelo programa radiofônico Hora do Brasil (programa que hoje é chamado de Voz do Brasil), criado em 1934. A Rádio Nacional foi encampada pelo governo no ano de 1940 e se transformou em um instrumento de apoio ao Estado Novo e de divulgação dos valores nacionais. Agentes do DIP produziam mais da metade das notícias que eram divulgadas pela imprensa. No campo da música, canções que exaltavam a malandragem tiveram as suas letras alteradas para que passassem a valorizar o trabalho, visto como um valor social a ser buscado. A partir de 1937, as escolas de samba do Rio de Janeiro foram obrigadas a apresentar sambas-enredos com temáticas históricas e patrióticas. Festividades oficiais eram organizadas pelo DIP e levavam uma grande quantidade de pessoas às ruas. Essas festividades ocorriam, por exemplo, no 1° de Maio, durante a Semana da Raça e da Pátria, em setembro, e no aniversário de Vargas, em abril. Foi nesse ambiente de controle e repressão que foi criada a Polícia Especial, comandada por Filinto Müller, que prendia arbitrariamente e praticava a tortura contra os presos.

Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas se viu em uma complexa situação. Por um lado, como o Estado Novo era um regime autoritário, havia uma aproximação ideológica entre o governo de Vargas e as forças do Eixo. Vargas até assinou acordos com os alemães, para os quais o Brasil vendia produtos como algodão e café, e dos quais comprava produtos industrializados. Por outro lado, a proximidade geográfica dos Estados Unidos da América também era um fator a ser levado em conta, pois, mesmo antes da entrada dos EUA no conflito o governo norte-americano já se mostrava simpático aos Aliados. Vargas preferiu em um primeiro momento adotar uma postura ambígua, ora favorável ao Eixo, ora favorável aos Aliados. O presidente brasileiro chegou a elogiar o sucesso das tropas nazistas na Europa em 1940. Grupos políticos ligados aos militares pressionavam Vargas para que o presidente se aproximasse mais da Alemanha, enquanto outros setores da sociedade brasileira defendiam a manutenção das relações comerciais e políticas com os EUA.

O governo norte-americano adotou a política de boa vizinhança para atrair o apoio de Vargas e, assim, ter acesso às bases militares brasileiras no Nordeste e às matérias-primas produzidas pelo Brasil. Os EUA forneceram empréstimos, vantagens comerciais e técnicos ao Brasil. O desenhista e produtor cinematográfico Walt Disney escolheu a música “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso, para musicar o desenho animado Alô, amigos. Um empréstimo fornecido pelos EUA possibilitou a construção da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, que forneceria aço aos Aliados durante a Segunda Guerra e, assim que terminasse o conflito, seria a base da produção de maquinário e armamentos para o Brasil. A Companhia Vale do Rio Doce, voltada para a extração de minério de ferro, também foi criada com o auxílio do capital norte-americano e deveria abastecer os Aliados durante a guerra. Assim, o governo brasileiro se afastava cada vez mais do Eixo e se aproximava dos Aliados. Em resposta à postura assumida por Vargas, submarinos alemães afundaram navios mercantes brasileiros em 1942. Após manifestações populares e estudantis, Getúlio Vargas declarou guerra aos países do Eixo.

Com a entrada do Brasil na guerra, as famílias italianas, alemãs e japonesas que viviam no nosso país passaram a enfrentar muitas dificuldades. Os “súditos do Eixo”, como eram chamados, eram vistos como uma ameaça à segurança nacional. O governo brasileiro começou a perseguir os italianos, alemães e japoneses que aqui viviam. Muitos daqueles que moravam em regiões consideradas estratégicas tiveram que abandonar suas casas, empregos e negócios para ir viver no interior. Os “súditos do Eixo” não podiam portar rádios e máquinas fotográficas e eram proibidos de falar a sua língua natal em ambientes públicos, sendo obrigados a se comunicar por meio da língua portuguesa. Os desobedientes eram presos. Escolas foram fechadas. Quando italianos, alemães e japoneses precisavam fazer alguma transação financeira, a mesma deveria ser autorizada pelo Banco do Brasil. Houve o congelamento dos bens desses estrangeiros, sob o pretexto de que, se o Brasil fosse prejudicado por ataques do Eixo, os bens congelados seriam usados para o pagamento de indenizações. O governo brasileiro confinou os “súditos do Eixo” em verdadeiros campos de concentração, locais onde o alojamento e a alimentação eram precários e onde os prisioneiros eram obrigados a realizar trabalhos agropecuários. Cerca de 3 mil italianos, alemães e japoneses foram confinados nestes campos em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Minas Gerais, Pará, Bahia, Pernambuco, Amazonas, Espírito Santo, Paraíba, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul, entre 1942 e 1945. Tais espaços foram extintos com o término da Segunda Guerra.

Cerca de 25 mil soldados brasileiros foram enviados à Itália, em 1944, compondo a Força Expedicionária Brasileira. Temendo um ataque inimigo à capital brasileira, que estava situada no litoral, Getúlio Vargas iniciou, em 1943, um projeto de povoamento da região central do Brasil. Era a Marcha para o Oeste brasileira e, graças a ela, muitos municípios surgiram no interior do país, em especial no estado de Mato Grosso. A participação das Forças Armadas brasileiras na guerra contra o nazifascismo recebeu o apoio de parcela da população brasileira, como se viu em manifestações estudantis e populares lideradas pela União Nacional dos Estudantes – UNE – em 1942. Todavia, essas mesmas manifestações também dariam início a um processo de distensão no clima sufocante do Estado Novo. Durante a guerra uma contradição era evidente: o Brasil vivia sob um regime autoritário e fechado, mas lutava ao lado das forças democráticas.

Quando houve um congresso da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – em 1943, um grupo de políticos e intelectuais de Minas Gerais lançou o Manifesto dos Mineiros, pedindo o fim do Estado Novo e o retorno da democracia. Os participantes do Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores, ocorrido no início de 1945, também pediram o fim do governo autoritário de Vargas. Pressionado, Getúlio pôs fim à censura da imprensa, anistiou presos políticos – incluindo Luís Carlos Prestes – e convocou eleições para uma Assembleia Constituinte.

Definiu-se que seriam realizadas eleições para o cargo de Presidente da República. Autorizou-se a existência de partidos políticos, o que levou ao surgimento de vários deles. Entre os novos partidos estavam a União Democrática Nacional – UDN –, formada por membros das classes médias e altas, opositores oligárquicos, liberais, intelectuais e dissidentes do Estado Novo, que se aglutinaram em torno da candidatura de Eduardo Gomes; o Partido Social Democrático – PSD –, que representava os interesses de antigos coronéis e interventores nos estados; e o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB –, formado por líderes sindicais ligados ao Ministério do Trabalho. O PSD e o PTB surgiram do interior do governo Vargas, e Getúlio era o presidente dos dois partidos, que lançaram oficialmente como o seu candidato às eleições o general Dutra. Por sua vez, o Partido Comunista do Brasil foi legalizado. Enquanto a campanha política já estava nas ruas, líderes do PTB e de alguns sindicatos, apoiados pelo Partido Comunista,[2] começaram a defender a permanência de Getúlio Vargas no poder. O coro “Queremos Getúlio!” era gritado nas ruas. Esse movimento contava com o aval do presidente, que no fundo queria continuar na presidência da República.

Todavia, o queremismo não garantiu a permanência de Vargas no cargo de presidente. Os generais Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra exigiram a sua renúncia. Vargas afastou-se do poder em outubro de 1945, fato que marcou o fim do Estado Novo. José Linhares, presidente do Supremo Tribunal à época, assumiu a Presidência em caráter provisório. O calendário eleitoral foi mantido e, no dia 2 de dezembro de 1945 mais de seis milhões de brasileiros foram às urnas. O vencedor das eleições foi Eurico Gaspar Dutra.



[1] As restrições ao voto feminino só foram suprimidas com o Código Eleitoral de 1934. Até 1946, o voto feminino no Brasil não era obrigatório, o que ocorreu apenas com a Constituição de 1946, que tornou obrigatório o voto feminino para as mulheres que exercessem profissões remuneradas. A universalização da obrigatoriedade do voto feminino no Brasil só ocorreu em 1965.
[2] O próprio Luís Carlos Prestes defendeu a ideia de que Vargas deveria ser mantido na presidência até a elaboração de uma nova Constituição para o país. No fundo, havia um certo receio de que o afastamento de Vargas do poder significasse o controle do país por grupos mais conservadores da sociedade, sob influência das oligarquias e sob as pressões dos EUA. Apesar de ter sofrido com as perseguições impostas pelo governo Vargas, o PCB seguiu as orientações vindas de Moscou, que diziam que os partidos comunistas deviam apoiar os governos que lutaram contra o nazifascismo na Segunda Guerra.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Sugestão de leitura: os "Autos da Devassa" da Inconfidência Mineira

Os interessados em aprofundar um pouco mais os seus conhecimentos sobre a Inconfidência Mineira podem buscar mais informações em uma vasta documentação histórica que está disponível na internet, no Portal da Inconfidência. Neste site, é possível ler online os 11 volumes que constituem os Autos da Devassa da Inconfidência Mineira. O mesmo site disponibiliza ainda outros materiais e referências bibliográficas sobre o assunto. Vale a pena conferir!

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