A
edição de julho de 2015 da Revista de História da Biblioteca Nacional trouxe um
interessante dossiê sobre a Conjuração Baiana. Para além das instigantes
informações trazidas pelos artigos, chamou a atenção de todos a ilustração
apresentada na capa da referida edição da revista. Elaborada pelo artista João
Teófilo, a imagem retrata os quatro homens que foram condenados à morte por
terem participado da Conjuração Baiana.
Veja
a imagem:
Ilustração feita por João Teófilo (2015). A imagem
apareceu na capa da RHBN de julho/2015.
Agora
leia abaixo um pequeno texto escrito pela professora Camila Dazzi. Nele, a
autora apresenta algumas reflexões sobre a obra de João Teófilo. (Este texto
foi originalmente publicado na edição de julho/2015 da RHBN.)
"A imagem da capa, realizada pelo artista João
Teófilo, é uma provocação. Sobre um cadafalso, vemos os membros esquartejados
de quatro homens negros dispostos em cima de um pano branco. A cena pode
remeter às fotografias jornalísticas de chacinas que ocorrem no Brasil, nas
quais os vitimados em tanto se assemelham aos protagonistas da aquarela de
Teófilo. Mas foi uma pintura que lhe serviu de inspiração: “Tiradentes
esquartejado”, produzida por Pedro Américo em 1893.
Com
a Proclamação da República (1889), fez-se necessária a construção de uma
identidade nacional para a pátria. Era premente a escolha de mártires republicanos
para o lugar de D. Pedro I, o herói da monarquia. Duas revoltas, em especial,
poderiam conceder aos republicanos o personagem que buscavam: a Inconfidência
Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798). Na Inconfidência Mineira, somente
Tiradentes foi condenado à pena última (que consistia em ser enforcado e
esquartejado) por crime de lesa-majestade. Na Conjuração Baiana, foram quatro
os condenados à mesma pena: João de Deus, Manoel Faustino, Luís Gonzaga e Lucas
Dantas. Por que nenhum dos inconfidentes baianos foi alçado ao patamar de herói
e mártir da República? Por que coube a Tiradentes esta glória? A aquarela de
João Teófilo nos apresenta a resposta: os quatro baianos eram negros – ou, como
eles mesmos se compreendiam segundo os registros do século XVIII, mulatos.
Um
dos principais desafios para a criação do panteão nacional republicano foi a
aceitação dos heróis e mártires pelos brasileiros. No contexto das revoltas
separatistas coloniais, Tiradentes se apresentava como a única escolha
possível. A abolição ocorrera em 1888, apenas um ano antes da Proclamação da
República, e embora os negros estivessem libertos, na prática continuavam tão
subjugados quanto antes. Abundavam, no meio intelectual, teorias ligadas ao
racismo científico, que atribuíam à presença do negro o motivo do atraso
nacional em face das nações europeias. O debate em torno da raça, então em
ebulição, tornava impossível a escolha dos inconfidentes baianos pelo simples
fato de que uma parte significativa da população, da intelectualidade e do
próprio governo não aceitaria negros ou mulatos no panteão de heróis
republicanos.
Toda
imagem fala sobre seu tempo histórico de produção. Somente na
contemporaneidade, quando os movimentos raciais e as estratégias de
empoderamento negro se fazem cada vez mais presentes no Brasil, uma aquarela
como a de João Teófilo poderia ser produzida. Ao substituir Tiradentes pelos
quatro inconfidentes negros, o artista propõe repensarmos a história e
levantarmos o véu que ainda cobre a difícil barreira racial existente em nossa
sociedade."