Getúlio
Vargas assumiu o poder no Brasil em 1930. O período entre 1930 e 1934 ficou
conhecido como o do Governo Provisório
de Vargas e foi marcado por medidas centralizadoras. A Constituição de 1891 foi
abolida e Getúlio procurou se aproximar da Igreja Católica e dos militares que
o ajudaram a derrubar a República oligárquica. Vargas dissolveu o Congresso
Nacional, as Assembleias Legislativas estaduais e as Câmaras municipais, sendo
instituído em seguida um regime de emergência. Vargas assumiu o comando do
Legislativo, e suas medidas e decretos não podiam mais ser contestados pela
Justiça. Os governadores estaduais (que eram chamados de presidentes) foram depostos e interventores escolhidos por Vargas
assumiram o comando do poder executivo nos estados. O único governador que
permaneceu em seu cargo foi Olegário
Maciel, que governava Minas Gerais. O presidente buscou manter a supremacia
do Exército sobre as polícias estaduais, impondo um limite de investimentos dos
estados na área militar. Os estados não podiam ter contingentes mais bem
armados e preparados do que o Exército. Muitos dos novos interventores tinham
feito parte do movimento tenentista.
Vargas
subiu ao poder apoiado pelas elites dirigentes de Minas Gerais, do Rio Grande
do Sul e da Paraíba, contando ainda com o apoio dos militares e do Partido
Democrático de São Paulo. As primeiras medidas adotadas por Vargas beneficiavam
claramente os militares. A centralização do poder era uma das aspirações dos
tenentes e foi atendida. Porém, ao longo do tempo o tenentismo foi pouco a
pouco perdendo a sua força. O movimento, que propunha derrubar as oligarquias e
promover algumas reformas, revelou-se limitado ideologicamente e, em meados dos
anos 1930, acabou se esgotando. Alguns de seus representantes voltaram aos
quartéis, enquanto outros aderiram ao comunismo ou ingressaram em grupos
simpatizantes do fascismo. Os tenentistas que permaneceram no governo estavam
subordinados a Vargas.
O
caráter autoritário e centralizador de Vargas desagradou os civis, ocorrendo
até uma indisposição entre o governo federal e o Partido Democrático de São
Paulo. A nomeação do interventor pernambucano João Alberto Lins de Barros – um tenentista – para interventor do
estado de São Paulo não agradou às elites locais, que exigiam um interventor
civil e paulista. Vargas indicou o paulista Pedro de Toledo para interventor do estado de São Paulo, criou um
Código Eleitoral e convocou uma Assembleia Constituinte, mas isso não acalmou
os ânimos da população paulista. Em maio de 1932, quando quatro estudantes
foram mortos em um enfrentamento com a polícia getulista, as tensões políticas
aumentaram ainda mais em São Paulo. O Movimento
MMDC – sigla que fazia referência aos nomes dos estudantes mortos, Martins,
Miragaia, Dráusio e Camargo – tornou-se símbolo da luta contra Getúlio. Em
julho de 1932, iniciou-se a chamada Revolução
Constitucionalista em São Paulo. A revolta contestava o autoritarismo de
Getúlio, defendia a autonomia dos estados e exigia a elaboração de uma nova
Constituição para o país. Os confrontos duraram até outubro, e as tropas
federais venceram os rebelados paulistas, que não tiveram o apoio de outros
estados.
O
café continuava sendo o principal produto de exportação do Brasil e, por causa
disso, Vargas julgou ser importante conseguir o apoio político dos cafeicultores, que ainda eram um grupo
importante dentro do país. O governo deu continuidade à tradicional política de
valorização do café, por meio da
compra e da queima dos excedentes do produto. Entre 1931 e 1944, cerca de 78,2
milhões de sacas de café foram destruídos. A medida tentava ajudar os
cafeicultores, prejudicados com a crise mundial iniciada em 1929. Todavia, os
preços do café continuaram baixos, o que deu origem a uma falta de recursos
para importar produtos industrializados. Para substituir as importações e criar
um parque industrial nacional foram feitos investimentos na industrialização do
país ao longo da década de 1930. O Estado brasileiro tornou-se o agente da
industrialização, restringindo a importação de bens de consumo não duráveis
(alimentos, bebidas) e estimulando a importação de bens de produção (máquinas,
equipamentos) e bens de consumo duráveis (automóveis, caminhões).
Houve
reformas na área educacional por meio da criação do Ministério da Educação e Saúde, em novembro de 1930. O objetivo era
formar uma elite mais bem preparada do ponto de vista intelectual. Ficou
definido que o ensino secundário duraria sete anos, divididos em dois ciclos. O
ciclo ginasial, com duração de quatro anos, daria uma formação humanística ao
estudante. Já o segundo ciclo objetivava preparar o aluno para o ensino
superior, e duraria três anos. As bases do sistema universitário, fundado na
pesquisa e no ensino, foram lançadas. Em 1934 foram criadas a Universidade de São Paulo – USP – e a Universidade de Porto Alegre – atual
UFRGS. No ano seguinte foi criada a Universidade
do Distrito Federal – UDF – no Rio de Janeiro, organizada pelo educador
Anísio Teixeira.
Com
a criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, em 1930, surgiu também a legislação trabalhista. Leis regularam o trabalho de mulheres e
crianças, estabeleceu-se uma jornada diária máxima de trabalho de oito horas,
criou-se o descanso semanal remunerado, garantiu-se o direito a férias e à
aposentadoria, além de outras novidades. Essas leis foram sistematizadas em
1943, com a Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT. Paralelamente, o governo procurou controlar o movimento
sindical, tentando afastar os trabalhadores da influência comunista e
anarquista. A Lei de Sindicalização,
aprovada em 1931, definiu os sindicatos como órgãos consultivos e de
colaboração com o poder público. Uma autorização ministerial era necessária ao
funcionamento dos sindicatos. Representantes do governo tinham que acompanhar
as assembleias sindicais. Além disso, o Ministério do Trabalho poderia intervir
nos sindicatos, inclusive afastando diretores que o governo considerava
“indesejáveis”. Alguns grupos anarquistas e comunistas consideravam tais
decisões autoritárias e as criticaram, organizando greves e manifestações.
Porém, as medidas acabaram sendo acatadas por diversos setores sindicais.
A
legislação trabalhista e a aproximação entre governo e sindicatos fariam parte
daquilo que ficaria conhecido como política
populista nos anos em que o Brasil foi governado por Vargas. Chamado de pai dos pobres, Getúlio era representado
como um protetor dos trabalhadores. Nesse discurso, as leis trabalhistas apareciam
como fruto da bondade do presidente, e não dos anos de lutas dos trabalhadores.
Os
negros fundaram na cidade de São Paulo a Frente
Negra Brasileira, em 1931, que seria a mais importante entidade de
afrodescendentes no Brasil durante a primeira metade do século XX. Eles
procuravam combater as desigualdades entre brancos e negros, bem como lutar
contra o preconceito e a discriminação racial no país. Uma escola era mantida
pelo grupo e ali era oferecido o curso primário, além do ensino de música,
inglês, educação física, teatro, corte e costura, etc. As mulheres tinham
participação ativa e estavam divididas em dois grupos internos: as Rosas Negras
organizavam bailes e festivais, enquanto a Cruzada Feminina praticava o
assistencialismo. Havia no movimento uma espécie de “milícia”, composta por
capoeiristas. O jornal A voz da raça,
com tiragem de até 5 mil exemplares, divulgava as ações da FNB. Dentro do
movimento existiam socialistas, integralistas e até mesmo monarquistas, mas é
preciso dizer que muitos dos representantes da Frente simpatizavam-se com
Vargas, sobretudo em decorrência das Leis Trabalhistas. A partir do estado de
São Paulo, a FNB chegou a estados como Bahia, Rio Grande do Sul e Pernambuco,
somando 60 representações e 200 mil filiados em todo o Brasil. Em 1936, a FNB
se tornou um partido político, mas no ano seguinte o mesmo foi extinto com o
advento do Estado Novo.
Um
novo Código Eleitoral foi aprovado
pelo governo de Vargas em 1932. Criou-se a Justiça
Eleitoral, que tinha como função coibir as fraudes eleitorais, estabeleceu-se
o voto obrigatório e secreto para minar a influência dos coronéis sobre os
eleitores, a idade mínima do eleitor passou de 21 para 18 anos e o direito de
voto foi garantido às mulheres, desde que elas fossem casadas (com autorização
do marido) ou viúvas e solteiras com renda própria.[1] Foi criada também a figura
dos deputados
classistas, que deveriam ser eleitos pelos sindicatos de empregados e
de patrões. Após a divulgação do novo Código Eleitoral e tendo em vista a
pressão exercida por diversos setores da sociedade brasileira, o governo
convocou eleições para maio de 1933, no intuito de formar uma Assembleia
Constituinte. A decisão governamental contrariava os tenentes, que desejavam
manter o regime de exceção.
A
nova Constituição foi promulgada em julho de 1934 e ela incorporou a legislação
trabalhista em vigor, instituindo o salário mínimo (que só seria efetivamente
criado em 1940), garantindo as férias anuais e o descanso semanal remunerados e
criando o Tribunal do Trabalho. Também foi garantida a autonomia e a
pluralidade dos sindicatos. Desta maneira, podiam existir dois ou mais
sindicatos para uma mesma categoria profissional, o que diminuía, pelo menos em
tese, as chances de manipulação ou controle por parte do Ministério do
Trabalho. A autonomia dos estados foi preservada e houve a nacionalização de
minas, jazidas e quedas-d’água. A nova Carta mantinha os analfabetos e os
soldados sem o direito de votar. Também ficou estabelecido que a primeira
eleição para a presidência após a aprovação da Constituição seria indireta. No
mesmo mês de julho de 1934, os constituintes elegeram Vargas para a Presidência
da República. A Constituição definia que o mandato do presidente iria até 1938,
quando um novo presidente deveria ser eleito pelo voto livre e direto.
O Governo Constitucional de
Vargas (1934-1937)
Apesar
da aparência de democracia e da estabilidade política gerada pela nova
Constituição e pela eleição de Vargas, o que houve no Brasil durante os anos
que se seguiram foi uma forte polarização política. Surgiram dois movimentos
bastante antagônicos: a Ação
Integralista Brasileira – AIB –, de direita, e a Aliança Nacional Libertadora – ANL –, de esquerda.
Assim,
como ocorria na Europa, onde a democracia liberal dava lugar a governos
totalitários em diversos países, pessoas passaram a defender a instauração de
uma ditadura de direita no Brasil, semelhante ao governo de Mussolini, na
Itália. Foi em defesa dessa ideia que foi fundada a Ação Integralista
Brasileira, em 1932, sob a liderança de Plínio
Salgado. Inspirados pelo fascismo, alguns intelectuais, religiosos,
ex-tenentistas e membros da classe média e da burguesia aderiram ao
integralismo. Sob o lema “Deus, Pátria e
Família”, a AIB tinha um caráter nacionalista, antiliberal, anticomunista e
contrário ao capitalismo financeiro internacional. Valores cristãos e
tradicionais foram adotados pelos integralistas para atrair novos militantes. O
controle do Estado sobre a economia e o fim da pluralidade partidária e da
democracia representativa eram desejados pelos integralistas. Em 1936, a AIB
contava com cerca de 200 mil militantes. Os integralistas desfilavam com seus
uniformes verdes e ostentavam uma braçadeira na qual se via a letra grega sigma, o símbolo do movimento. Essa
letra tem o significado de somatória em Matemática e, para os integralistas, ela
remetia à ideia de totalidade, integração e unidade nacional. A palavra de
origem indígena Anauê (“você é meu parente”) era a sua saudação, e deveria ser
proferida com o braço direito levantado. Quando ocorreram as eleições
municipais em 1936, os integralistas elegeram vereadores e prefeitos em vários
municípios brasileiros.
A
Aliança Nacional Libertadora surgiu em 1935 e seu presidente de honra era o
líder comunista Luís Carlos Prestes.
A ANL reunia grupos de variadas tendências: militantes do Partido Comunista do
Brasil (PCB), socialistas, liberais, anti-integralistas, intelectuais
independentes, estudantes e ex-tenentistas descontentes com o autoritarismo de
Vargas. De caráter nacionalista e anti-imperialista, a ANL propunha a suspensão
do pagamento da dívida externa, a nacionalização de empresas estrangeiras e a
reforma agrária, chegando a reunir de 70 mil a 100 mil filiados. Mesmo antes da
fundação da ANL já ocorriam conflitos entre integralistas e comunistas. Quando
vários desses embates foram registrados em 1935, Vargas conseguiu a aprovação
de uma Lei de Segurança Nacional, que classificou como “crimes contra a ordem”
as greves e as manifestações. Quatro meses após a fundação da ANL, Vargas a
declarou ilegal, o que obrigou os seus militantes a agirem na clandestinidade.
Em
1935, seguindo orientações da Internacional Comunista, membros do PCB ligados à
ANL lideraram insurreições militares em Natal, Recife e no Rio de Janeiro, no
intuito de tomar o poder e implantar o comunismo no Brasil. Todavia, devido à
má articulação e à falta de apoio do Exército e de outros estados, a Intentona Comunista fracassou e o
governo deu início a uma forte repressão anticomunista. Vargas decretou o
estado de sítio e determinou que mais de 6 mil pessoas fossem presas, incluindo
jornalistas, intelectuais, um senador e quatro deputados. Luís Carlos Prestes e
sua esposa Olga Benário, uma judia
alemã, estavam entre os detidos. Prestes seria condenado a 16 anos de reclusão
e Olga, mesmo grávida de sete meses, foi deportada em 1936 para a Alemanha
nazista, onde morreria em 1942, em um campo de concentração. As liberdades
constitucionais estavam suspensas no país e qualquer oposição ao governo Vargas
era considerada “crime contra a nação”. Como soldados e oficiais do Exército
morreram no combate ao levante comunista, a Intentona Comunista seria usada por
décadas para alimentar o anticomunismo entre os militares.
A
campanha eleitoral para a escolha do sucessor de Vargas iniciou-se em 1937, em
um clima de tensão e repressão à esquerda. Vargas não poderia participar da
disputa eleitoral, mas já articulava a sua permanência no poder junto com as
Forças Armadas e os governadores. Armando de Salles Oliveira era o candidato do
Partido Constitucionalista, ligado ao Partido Democrático de São Paulo. José
Américo de Almeida era o candidato do governo. Por sua vez, Plínio Salgado era
o candidato da Ação Integralista Brasileira. Paralelamente à disputa, Vargas
discursava insinuando que a situação política do país não era favorável à
realização de eleições, denunciando o “perigo comunista” que, segundo ele,
poderia se aproveitar das eleições para dar um golpe.
No
final de 1937, foi divulgada a existência de um plano comunista para tomar o
poder, assassinar centenas de personalidades públicas e realizar atentados a
igrejas e prédios públicos. O Plano
Cohen (referência ao nome do judeu que seria o seu autor), como ficou
conhecido, era totalmente falso e havia sido elaborado na verdade por um
oficial integralista, o capitão Olímpio Mourão Filho. Contudo, Vargas usou o
plano como um pretexto para fechar o Congresso em 10 de novembro de 1937. Por
meio do rádio, Vargas cancelou as eleições presidenciais e instaurou o “Estado Novo”, que ele definiu como “um
regime forte, de paz, justiça e trabalho”. Uma nova Constituição, que ficaria
conhecida como Polaca, em alusão a suas semelhanças com a Constituição
polonesa, de inspiração fascista, foi outorgada. Houve suspensão das garantias
individuais e abolição do direito de reunião. A população foi proibida de se
organizar, reivindicar seus direitos e de manifestar suas opiniões. O golpe de
Estado realizado por Vargas marcou o início de uma ditadura centralizada na
figura de Getúlio.
O Estado Novo (1937-1945)
A
nova Constituição colocava o Executivo acima do Legislativo e, neste “Estado
Novo”, Getúlio Vargas passou a governar por meio de decretos-lei e com apoio
dos militares e de industriais. Partidos políticos foram extintos, incluindo a
AIB que havia apoiado o golpe de Estado. Os integralistas tentaram tomar o
poder em 1938, mas fracassaram e seus líderes foram presos ou exilados. A AIB
se extinguiu.
Os
governadores eleitos só seriam empossados nos cargos se Getúlio autorizasse. Do
contrário, Vargas nomeava alguém para governar determinado estado. Era o fim da
autonomia dos estados. Um efeito dessa medida foi a perda de força política por
parte das oligarquias regionais, que nem sempre conseguiam eleger seus
candidatos. Apesar de existir oposição às suas ações, Vargas anulava os espaços
legais de contestação ao seu governo, reprimindo principalmente os movimentos
de esquerda. O governo retomou o princípio de um sindicato único para cada
categoria profissional. Associações sindicais diferentes para uma mesma
categoria até podiam existir, mas apenas aquela reconhecida pelo governo era
considerada legal. As greves foram proibidas e ganhou destaque a figura do
“pelego”, ou seja, o sindicalista que era favorável aos interesses do Estado e
do patrão.
Na
ideologia do Estado Novo havia uma ênfase na ideia da construção de uma nação
pautada na ordem, na obediência à autoridade e na aceitação das desigualdades
sociais. O Estado deveria exercer, assim, uma tutela sobre a nacionalidade
brasileira. No intuito de controlar os meios de comunicação e moldar a opinião
pública, criou-se o Departamento de
Imprensa e Propaganda – DIP – em 1939. Sob a inspiração do serviço de
comunicação nazista, o DIP se encarregou não apenas de elaborar a propaganda
oficial do Estado Novo, mas também de censurar jornais, revistas, livros, rádio
e cinema. As peças publicitárias produzidas pelo DIP mostravam Vargas como uma
figura paternal, bondosa, severa (mas também justa) e exigente. O Cinejornal
Brasileiro era um dos cinedocumentários que deveriam ser obrigatoriamente
exibidos em todos os cinemas antes do início dos filmes. Os filmes educativos
tinham a função de divulgar a história e os valores nacionais, exaltando o
Brasil e o governo Vargas. Livros e cartilhas escolares enalteciam a figura de
Getúlio e transmitiam noções de patriotismo e civismo. Nas escolas, a
disciplina de Educação Moral e Cívica procurava formar o cidadão de acordo com
os critérios de boa conduta moral e amor à pátria. O ministro da educação, Gustavo Capanema (que ficou no cargo
entre 1934 e 1945), também investiu no ensino profissionalizante para
qualificar a mão de obra comercial e industrial.
Gustavo
Capanema também apoiou artistas modernistas que queriam compreender a
identidade nacional. Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Manuel Bandeira,
entre outros, prestaram serviços na área da cultura. Outros intelectuais se
dedicaram a realizar estudos acerca da história e da identidade brasileira.
Alguns estudos que hoje são considerados clássicos foram publicados naquela
época: Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre (1933), Evolução
política do Brasil, de Caio Prado Jr. (1933), e Raízes do Brasil, de
Sérgio Buarque de Holanda (1936). Em 1937, foi criado o Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), órgão que se propunha a preservar bens
móveis e imóveis relacionados à história e à cultura do Brasil.
Mensagens
de Vargas eram transmitidas pelo programa radiofônico Hora do Brasil (programa que hoje é chamado de Voz do Brasil), criado em 1934. A Rádio
Nacional foi encampada pelo governo no ano de 1940 e se transformou em um
instrumento de apoio ao Estado Novo e de divulgação dos valores nacionais.
Agentes do DIP produziam mais da metade das notícias que eram divulgadas pela
imprensa. No campo da música, canções que exaltavam a malandragem tiveram as
suas letras alteradas para que passassem a valorizar o trabalho, visto como um
valor social a ser buscado. A partir de 1937, as escolas de samba do Rio de
Janeiro foram obrigadas a apresentar sambas-enredos com temáticas históricas e
patrióticas. Festividades oficiais eram organizadas pelo DIP e levavam uma
grande quantidade de pessoas às ruas. Essas festividades ocorriam, por exemplo,
no 1° de Maio, durante a Semana da Raça e da Pátria, em setembro, e no
aniversário de Vargas, em abril. Foi nesse ambiente de controle e repressão que
foi criada a Polícia Especial, comandada por Filinto Müller, que prendia
arbitrariamente e praticava a tortura contra os presos.
Quando
eclodiu a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas se viu em uma complexa
situação. Por um lado, como o Estado Novo era um regime autoritário, havia uma
aproximação ideológica entre o governo de Vargas e as forças do Eixo. Vargas
até assinou acordos com os alemães, para os quais o Brasil vendia produtos como
algodão e café, e dos quais comprava produtos industrializados. Por outro lado,
a proximidade geográfica dos Estados Unidos da América também era um fator a
ser levado em conta, pois, mesmo antes da entrada dos EUA no conflito o governo
norte-americano já se mostrava simpático aos Aliados. Vargas preferiu em um
primeiro momento adotar uma postura ambígua, ora favorável ao Eixo, ora
favorável aos Aliados. O presidente brasileiro chegou a elogiar o sucesso das
tropas nazistas na Europa em 1940. Grupos políticos ligados aos militares
pressionavam Vargas para que o presidente se aproximasse mais da Alemanha,
enquanto outros setores da sociedade brasileira defendiam a manutenção das
relações comerciais e políticas com os EUA.
O
governo norte-americano adotou a política de boa vizinhança para
atrair o apoio de Vargas e, assim, ter acesso às bases militares brasileiras no
Nordeste e às matérias-primas produzidas pelo Brasil. Os EUA forneceram
empréstimos, vantagens comerciais e técnicos ao Brasil. O desenhista e produtor
cinematográfico Walt Disney escolheu
a música “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso, para musicar o desenho animado Alô,
amigos. Um empréstimo fornecido pelos EUA possibilitou a construção da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta
Redonda, que forneceria aço aos Aliados durante a Segunda Guerra e, assim
que terminasse o conflito, seria a base da produção de maquinário e armamentos
para o Brasil. A Companhia Vale do Rio
Doce, voltada para a extração de minério de ferro, também foi criada com o
auxílio do capital norte-americano e deveria abastecer os Aliados durante a
guerra. Assim, o governo brasileiro se afastava cada vez mais do Eixo e se
aproximava dos Aliados. Em resposta à postura assumida por Vargas, submarinos
alemães afundaram navios mercantes brasileiros em 1942. Após manifestações
populares e estudantis, Getúlio Vargas declarou guerra aos países do Eixo.
Com
a entrada do Brasil na guerra, as famílias italianas, alemãs e japonesas que
viviam no nosso país passaram a enfrentar muitas dificuldades. Os “súditos do
Eixo”, como eram chamados, eram vistos como uma ameaça à segurança nacional. O
governo brasileiro começou a perseguir os italianos, alemães e japoneses que
aqui viviam. Muitos daqueles que moravam em regiões consideradas estratégicas
tiveram que abandonar suas casas, empregos e negócios para ir viver no
interior. Os “súditos do Eixo” não podiam portar rádios e máquinas fotográficas
e eram proibidos de falar a sua língua natal em ambientes públicos, sendo
obrigados a se comunicar por meio da língua portuguesa. Os desobedientes eram
presos. Escolas foram fechadas. Quando italianos, alemães e japoneses
precisavam fazer alguma transação financeira, a mesma deveria ser autorizada
pelo Banco do Brasil. Houve o congelamento dos bens desses estrangeiros, sob o
pretexto de que, se o Brasil fosse prejudicado por ataques do Eixo, os bens
congelados seriam usados para o pagamento de indenizações. O governo brasileiro
confinou os “súditos do Eixo” em verdadeiros campos de concentração, locais
onde o alojamento e a alimentação eram precários e onde os prisioneiros eram
obrigados a realizar trabalhos agropecuários. Cerca de 3 mil italianos, alemães
e japoneses foram confinados nestes campos em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa
Catarina, Minas Gerais, Pará, Bahia, Pernambuco, Amazonas, Espírito Santo,
Paraíba, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul, entre 1942 e 1945. Tais
espaços foram extintos com o término da Segunda Guerra.
Cerca
de 25 mil soldados brasileiros foram enviados à Itália, em 1944, compondo a Força Expedicionária Brasileira.
Temendo um ataque inimigo à capital brasileira, que estava situada no litoral,
Getúlio Vargas iniciou, em 1943, um projeto de povoamento da região central do
Brasil. Era a Marcha para o Oeste brasileira
e, graças a ela, muitos municípios surgiram no interior do país, em especial no
estado de Mato Grosso. A participação das Forças Armadas brasileiras na guerra
contra o nazifascismo recebeu o apoio de parcela da população brasileira, como
se viu em manifestações estudantis e populares lideradas pela União
Nacional dos Estudantes – UNE
– em 1942. Todavia, essas mesmas manifestações também dariam início a um
processo de distensão no clima sufocante do Estado Novo. Durante a guerra uma
contradição era evidente: o Brasil vivia sob um regime autoritário e fechado,
mas lutava ao lado das forças democráticas.
Quando
houve um congresso da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – em 1943, um grupo de políticos
e intelectuais de Minas Gerais lançou o Manifesto dos Mineiros, pedindo o
fim do Estado Novo e o retorno da democracia. Os participantes do Primeiro
Congresso Brasileiro de Escritores, ocorrido no início de 1945, também
pediram o fim do governo autoritário de Vargas. Pressionado, Getúlio pôs fim à
censura da imprensa, anistiou presos políticos – incluindo Luís Carlos Prestes
– e convocou eleições para uma Assembleia Constituinte.
Definiu-se
que seriam realizadas eleições para o cargo de Presidente da República. Autorizou-se
a existência de partidos políticos, o que levou ao surgimento de vários deles.
Entre os novos partidos estavam a União Democrática Nacional – UDN –, formada por membros das
classes médias e altas, opositores oligárquicos, liberais, intelectuais e
dissidentes do Estado Novo, que se aglutinaram em torno da candidatura de
Eduardo Gomes; o Partido Social Democrático – PSD –, que representava os
interesses de antigos coronéis e interventores nos estados; e o Partido
Trabalhista Brasileiro – PTB –, formado por líderes sindicais ligados
ao Ministério do Trabalho. O PSD e o PTB surgiram do interior do governo
Vargas, e Getúlio era o presidente dos dois partidos, que lançaram oficialmente
como o seu candidato às eleições o general
Dutra. Por sua vez, o Partido Comunista do Brasil foi
legalizado. Enquanto a campanha política já estava nas ruas, líderes do PTB e
de alguns sindicatos, apoiados pelo Partido Comunista,[2] começaram a defender a
permanência de Getúlio Vargas no poder. O coro “Queremos Getúlio!” era gritado
nas ruas. Esse movimento contava com o aval do presidente, que no fundo queria
continuar na presidência da República.
Todavia,
o queremismo
não garantiu a permanência de Vargas no cargo de presidente. Os generais Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra exigiram a sua renúncia. Vargas afastou-se do
poder em outubro de 1945, fato que marcou o fim do Estado Novo. José Linhares,
presidente do Supremo Tribunal à época, assumiu a Presidência em caráter
provisório. O calendário eleitoral foi mantido e, no dia 2 de dezembro de 1945
mais de seis milhões de brasileiros foram às urnas. O vencedor das eleições foi
Eurico Gaspar Dutra.
[1] As restrições ao voto feminino só foram
suprimidas com o Código Eleitoral de 1934. Até 1946, o voto feminino no Brasil
não era obrigatório, o que ocorreu apenas com a Constituição de 1946, que
tornou obrigatório o voto feminino para as mulheres que exercessem profissões
remuneradas. A universalização da obrigatoriedade do voto feminino no Brasil só
ocorreu em 1965.
[2] O próprio Luís Carlos Prestes defendeu
a ideia de que Vargas deveria ser mantido na presidência até a elaboração de
uma nova Constituição para o país. No fundo, havia um certo receio de que o
afastamento de Vargas do poder significasse o controle do país por grupos mais
conservadores da sociedade, sob influência das oligarquias e sob as pressões
dos EUA. Apesar de ter sofrido com as perseguições impostas pelo governo
Vargas, o PCB seguiu as orientações vindas de Moscou, que diziam que os
partidos comunistas deviam apoiar os governos que lutaram contra o nazifascismo
na Segunda Guerra.