Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

segunda-feira, 4 de abril de 2016

A Revolução Francesa vista de diferentes maneiras

A Revolução Francesa enquanto um complexo processo histórico suscitou as mais diferentes interpretações por parte dos historiadores ao longo do tempo. Assim, cada pesquisador analisou os acontecimentos que se desenrolaram na França no final do século XVIII fazendo distintos “recortes” na realidade.

Muitos historiadores concordam que a Revolução Francesa teve essencialmente um caráter burguês, embora também tenha recebido o apoio de camponeses, da população pobre urbana e de alguns integrantes do clero e da nobreza. Todavia, não há um consenso absoluto sobre tal caráter burguês da Revolução.

Outro ponto que já gerou grandes discussões é a relação das ideias do Iluminismo com o desenrolar da Revolução Francesa. Segundo certos pesquisadores, os ideais da Revolução eram baseados no Iluminismo. Na obra As origens intelectuais da Revolução Francesa (1933), Daniel Mornet (1878-1954) defendeu a ideia de que havia na França uma circulação das ideias iluministas que percorria hierarquicamente o seguinte caminho: elites → burguesia → pequena burguesia → povo. Ainda de acordo com Mornet, as ideias iluministas eram difundidas a partir de Paris, e eram levadas da capital em direção às regiões periféricas da França. A conclusão do autor é que o Iluminismo foi essencial para a derrubada do absolutismo em solo francês. A interpretação feita por Mornet foi reproduzida por diversos outros historiadores, assim, muitos pesquisadores argumentaram que a própria Declaração dos Direitos do Homem apresentava um conteúdo baseado nas ideias iluministas.

Mas a análise feita por Mornet não foi aceita por todos os historiadores, pois certos pesquisadores questionaram a ideia de que o Iluminismo levou por si só à Revolução Francesa. Um argumento comum em tais críticas diz respeito ao fato de que, para muitos dos iluministas, a figura de um déspota esclarecido, ou seja, o rei, é quem deveria impulsionar o governo.

Na época do bicentenário da Revolução Francesa, já no final do século XX, o historiador Roger Chartier (1945-) publicou o livro As origens culturais da Revolução Francesa, no qual ele inverteu a forma da análise feita por Mornet. Para Chartier, não foi o Iluminismo que gerou a Revolução Francesa, mas o contrário, ou seja, o processo revolucionário é que gerou o Iluminismo, pois, de acordo com o autor, os revolucionários é que selecionaram alguns pensadores tais como Voltaire, Rousseau, Mably e Raynal, para justificar e legitimar a Revolução, no intuito de demonstrar que eles – os revolucionários de 1789 – estariam apenas colocando em prática as ideias de tais filósofos “das Luzes”. Ademais, Chartier ainda questionou em sua obra a capacidade de livros terem provocado a Revolução Francesa, argumentando que os livros de pensadores iluministas eram lidos tanto por apoiadores quanto por opositores do rei da França, ou seja, tais livros não foram uma condição sine qua non para o início da Revolução Francesa, uma vez que eles eram lidos e interpretados de distintas formas pelos seus diferentes leitores.

Seguindo uma linha de raciocínio próxima à de Roger Chartier, a historiadora francesa contemporânea Joëlle Chevé também afirmou que os revolucionários de 1789 na França precisavam de um suporte teórico para fundamentar e legitimar as suas ações, e que o Iluminismo foi escolhido por eles para isso. Ademais, Chevé também salientou em distintas pesquisas que muitos dos chamados “enciclopedistas”, ou seja, os pensadores ligados à produção dos volumes da Enciclopédia (obra coletiva organizada por Denis Diderot e Jean le Rond d’Alembert) não eram favoráveis à ideia de revolução, uma vez que eles se consideravam os protótipos do novo gênero humano. Tal concepção elitista estava afastada da preocupação com a questão da igualdade universal. Com tais argumentos, a autora defendeu a ideia de que não há razão para afirmar que o Iluminismo foi preponderante no processo que levou à Revolução Francesa. De acordo com a pesquisadora, a própria falência do Estado Absolutista e o enfraquecimento das instituições já são suficientes para explicar o fim do Antigo Regime na França.

Quanto ao caráter burguês da Revolução Francesa, este é realmente um tema que gerou distintas interpretações por parte dos estudiosos. O norte-americano Robert Darnton (1939-) argumentou que a oposição entre a nobreza e a burguesia naquele contexto histórico não era tão clara. Assim, a partir de tal perspectiva, é importante lembrarmos que muitos nobres começaram a fazer negócios no campo do comércio, aburguesando-se, enquanto que houve casos de burgueses que estavam interessados em garantir privilégios e até mesmo em tornar-se nobres, comprando inclusive títulos de nobreza para isso.

Por sua vez, o historiador francês François Furet (1927-1997), autor da obra Pensando a Revolução Francesa (1978) criticou a caracterização da referida Revolução como uma revolução burguesa porque, segundo ele, houve na época várias revoluções em andamento ao mesmo tempo, e não apenas uma, já que as classes populares urbanas e os camponeses fizeram as suas próprias revoluções. Os camponeses, por exemplo, adotaram em determinados momentos uma postura até mesmo reacionária, defendendo a volta de certas garantias feudais de que gozavam no passado. Ademais, segundo Furet, a aristocracia esclarecida, que protegeu os iluministas, talvez tenha tido um papel mais importante que o da burguesia, que se mostrou bastante conservadora em diversos momentos da Revolução Francesa.

Cabe mencionar ainda a análise feita pelo historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012) a respeito da Revolução Francesa que está presente em sua obra A Era das Revoluções (1962). Para ele, embora a Revolução não tenha sido o produto de um único partido, houve um consenso de ideias entre a burguesia e o liberalismo iluminista. Os burgueses tiveram, de acordo com Hobsbawm, um papel fundamental na Revolução, uma vez que tinham uma forte presença política e intelectual junto ao Terceiro Estado, tendo a burguesia sido capaz – contando para isto com o apoio dos camponeses e dos trabalhadores – de fazer o rei convocar os Estados Gerais.

Como se vê, são muitas as interpretações a respeito da Revolução Francesa. Não se trata de escolhermos a visão mais “correta” acerca de tal acontecimento histórico, mas de conhecermos os diferentes pontos de vista interpretativos sobre o assunto, de modo que possamos compreender a grande complexidade que envolveu tal processo. O importante é percebermos que o tipo da interpretação historiográfica está relacionado aos critérios que cada historiador adota para analisar determinado processo histórico. No intuito de deixarmos mais clara esta nossa última observação, façamos agora a leitura de dois trechos extraídos dos textos de diferentes historiadores que se debruçaram sobre o tema da Revolução Francesa. Vejamos:

Texto 1 - “Se não é certo que a França estivesse prestes a alcançar a Inglaterra em 1789, o balanço econômico do período revolucionário é, ainda assim, negativo, incluindo, entre outros, fenômenos de desindustrialização e desastre do comércio marítimo e colonial. A recuperação napoleônica foi insuficiente: em 1815, expandira-se a distância entre a França e uma Inglaterra definitivamente dona dos mares e dominante em todos os circuitos comerciais. A revolução jurídica contribuiu para liberar – às custas de uma miséria notoriamente maior para os mais desfavorecidos – certas forças antigamente obstruídas; porém, não se pode considerar modernizador o desenvolvimento considerável da pequena propriedade agrícola induzido pela Revolução. Ademais, o período revolucionário e imperial parece ter enraizado comportamentos pouco favoráveis ao desenvolvimento econômico, a começar pelo gosto excessivo das elites pelas carreiras na administração pública e do exército.”(BLUCHE, Frédéric [et al.]. Revolução Francesa. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 141.)

Texto 2 - “Levando em consideração seus resultados gerais, a Revolução Inglesa desempenhou na história da Inglaterra um papel equivalente ao da Revolução Francesa na história da França. Ela não só substituiu uma poderosa monarquia absoluta por um governo representativo, porém não democrático, terminando com o domínio exclusivo da Igreja de Estado perseguidora, como também preparou o caminho para o desenvolvimento do capitalismo. Segundo um dos seus mais recentes historiadores, ‘ela colocou um ponto final na Idade Média’. Os últimos vestígios do feudalismo foram varridos, os arrendamentos feudais abolidos, assegurando à classe dos proprietários fundiários a absoluta posse dos seus bens. O confisco e a venda dos bens da Igreja, da Coroa e dos partidários do rei romperam as tradicionais relações feudais no campo e aceleraram a acumulação de capital. As corporações perderam toda importância econômica; os monopólios comerciais, financeiros e industriais foram abolidos. Foi o fim da intervenção paternalista de um governo incompetente; o controle da vida econômica passou para o Parlamento, que favoreceu uma maior liberdade do comércio interno. ‘O Antigo Regime teve de ser derrubado’, escreveu Charles Hill, ‘para que a Inglaterra pudesse conhecer esse desenvolvimento econômico mais livre, necessário para aproveitar ao máximo a riqueza nacional e para obter uma posição de liderança no mundo; para que a política, inclusive a política estrangeira, passasse para o controle daqueles que eram realmente importantes na nação; para que a sociedade se liberasse da obrigação de submeter-se às regras antiquadas, impostas por uma Igreja de Estado perseguidora [...]’. No entanto, a Revolução Inglesa foi muito menos radical que a Francesa: utilizando a expressão de Jaures em sua Histoire socialiste, ela foi ‘estreitamente burguesa e conservadora’ em comparação com a Revolução Francesa, ‘largamente burguesa e democrática’.”(SOBOUL, Albert. Posfácio. In: LEFEBVRE, Georges. O surgimento da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 322-323.)

A respeito dos textos citados acima, podemos dizer que no Texto 1 há uma grande preocupação com a questão em torno da temática do desenvolvimento econômico posterior à Revolução Francesa. Assim, de acordo com o primeiro texto, a Revolução Francesa pode até ter produzido mais liberdade, mas não foi capaz de gerar as condições necessárias para o desenvolvimento da indústria e do comércio em escala tal que tornasse a economia francesa uma concorrente importante para os ingleses (pioneiros da Revolução Industrial).

Já o autor do Texto 2 está bastante preocupado com a questão dos avanços sociais, da distribuição de propriedades e dos direitos políticos obtidos por cada revolução. É por isso que Albert Soboul afirma ao final do trecho citado acima que “a Revolução Inglesa foi muito menos radical que a Francesa: utilizando a expressão de Jaures em sua Histoire socialiste, ela foi ‘estreitamente burguesa e conservadora’ em comparação com a Revolução Francesa, ‘largamente burguesa e democrática’.” Na perspectiva de Soboul, a Revolução Francesa foi mais radical que a Revolução Inglesa, ao realizar grandes mudanças na França. Como os critérios adotados para a análise histórica são diferentes em cada um dos dois textos, o Texto 1 nos remete às limitações das conquistas da Revolução Francesa, ao passo que o Texto 2 aborda os avanços obtidos por tal Revolução.