Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

As crenças na razão

Texto escrito por Adriana Maamari (*) e originalmente publicado na edição de Maio (2014) da Revista de História da Biblioteca Nacional.

O que há em comum nas obras de autores diversos durante um século inteiro a ponto de justificar uma única denominação para aquele longo percurso intelectual? No século XVIII, esta questão pode ser respondida com o auxílio da metáfora que o batizou: as “Luzes”.

A crença comum dos autores daquele período era a possibilidade de empreender uma passagem da obscuridade à luz, ou das trevas da ignorância à sabedoria. Para isso, era preciso definir um método que realizasse tal proeza. Um método priorizando a razão e a experiência, e não mais as verdades reveladas nas sagradas escrituras e propagadas por autoridades religiosas.

Mas a concordância terminava aí. Os pensadores da época nunca chegaram a uma doutrina comum, capaz de abarcar todas as outras em seu interior. Defendiam diferentes concepções filosófico-políticas. Em resumo, não houve uma unidade de pensamento no século das Luzes, mas sim muitas vozes dissonantes. Por isso é que o Iluminismo não pode ser qualificado como uma doutrina ou unidade teórica.

Cartas persas (1721) e Espírito das leis (1748) foram as obras de Montesquieu que deram início ao Iluminismo. A primeira é redigida a partir de dois protagonistas que vêm de longe, de um contexto não europeu e, portanto, estranho aos valores, aos costumes e às instituições do Velho Mundo. Esta é a maneira que o autor encontra para criticar o seu tempo e apresentar a sua concepção de um mundo melhor. Escrever na forma de romance era característica de muitos filósofos daquele século, inspirados no que Montesquieu havia inaugurado. É uma maneira de tornar a leitura da filosofia leve, prazerosa e acessível. Ela penetra nas consciências sem que o leitor perceba que está se deparando com filosofia e com as questões áridas que tradicionalmente ela se propõe a tratar. O filósofo autor de romances tem, portanto, a esperança de mudar opiniões, atuando pedagogicamente junto ao leitor e transformando o mundo ao seu redor. Tornar o mundo melhor é, por sinal, outra ambição comum aos pensadores iluministas.

Montesquieu é partidário de uma concepção de República muito próxima do modelo dos romanos, diferente do que entendemos hoje deste conceito. Sua concepção filosófico-política apresenta a convicção na forma institucional de se governar, com divisão de poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo) e respeito às leis instituídas ou à Constituição do Estado. Mas a virtude política que sustenta é semelhante àquela que encontramos nos antigos, como Sócrates, e inclui a noção de sacrifício, abnegação e autocontenção. A vida política ou republicana, para este pensador, depende da capacidade daqueles que desempenham o poder político de terem a virtude necessária para tanto. Do contrário, teremos um mau governo. Montesquieu também era um filósofo deísta, ou seja, mantinha a crença em Deus.

Voltaire (1694-1778) é também um deísta, admirador da seita religiosa Quaker, que tem origem na Inglaterra e se propaga nos Estados Unidos. Ao escrever principalmente na forma de panfletos e de contos, pretende alcançar a opinião pública em geral, mudá-la, enfim, transformar o mundo. E ele de fato se tornou um filósofo bastante influente e popular, interferindo nos acontecimentos de sua época. A concepção filosófico-política de Voltaire baseia-se no despotismo esclarecido, em que há a confiança num monarca que segue a orientação da razão em suas tomadas de decisão e maneira de governar. 

O despotismo esclarecido também norteia a filosofia de Denis Diderot (1713-1784). A diferença é que este pensador era materialista e ateu. Escreveu romances, alguns deles de literatura libertina. Sua principal obra foi um grande projeto editorial, desenvolvido em parceria com D’Alembert (1717-1783), ao qual se dedicou por muitos anos e que o levou à prisão. Trata-se da Enciclopédia, uma obra inacabada, cujos verbetes foram escritos por vários autores e que se transformou no principal símbolo do pensamento do século XVIII. Na Enciclopédia, o espírito sistemático, o uso da razão e a dúvida permanentemente posta em ação constituem o método para alcançar as verdades comprovadas e demonstráveis. Ao contrário das filosofias do século XVII, que são doutrinas ou grandes sistemas acabados e perfeitos, as filosofias do século XVIII seguem o caminho da investigação constante. São filosofias capazes de sustentar verdades pontuais sobre este ou aquele assunto, mas não têm a pretensão de tratar de todos os domínios já percorridos pelo espírito humano.

No interior da própria Enciclopédia é possível verificar as diferenças, muitas vezes profundas, que marcam os autores do período. Em suas contribuições pontuais, cada qual apresenta distintos posicionamentos sobre um mesmo assunto. Um importante exemplo desta divergência entre os autores está no verbete “Genebra”, redigido por D’Alembert. Nele, o autor elogia o teatro parisiense e a trupe de comediantes franceses. Ao fazer isso, critica a república de Genebra por ter proibido a entrada de atores franceses e a exibição do teatro parisiense na cidade. Rousseau, em resposta, escreve “Carta a d’Alembert”, opondo-se a este filósofo e ao elogio que faz ao teatro parisiense. Rousseau defende a posição do governo genebrino de censurar este gênero de espetáculo, argumentando que a exibição que há nele de vícios e costumes corrompidos, presentes nas grandes cidades como Paris, a um povo virtuoso e de bons costumes como o genebrino poderia levá-lo à degeneração e à decadência moral, estando assim correta a censura que lhe havia sido imposta.

O suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), um dos mais ilustres representantes do período – talvez o maior deles – é ainda o filósofo que mais demarca as diferenças do seu pensamento em relação aos demais. Enquanto Voltaire e Diderot confiam na razão como a faculdade humana que, posta em ação, conduz necessariamente ao progresso, ao bem-estar geral e à felicidade entre os homens, para Rousseau ocorre o contrário. A razão, segundo ele, leva os homens a se distanciarem da natureza e a se corromperem, degenerando-se, inserindo-se no vício e caminhando para a infelicidade. Quanto mais o homem se aperfeiçoa com base na razão, mais ele decai e degenera. Com isso, Rousseau é quase uma antítese do seu século, se quisermos insistir em enquadrá-lo numa definição.

Do ponto de vista filosófico-político, Rousseau também se distancia de todos os outros, pois prefere o governo republicano baseado na vontade geral dos cidadãos. Não se trata propriamente da democracia, mas é algo que se aproxima bastante desse ideário, pois desloca a soberania, que era até então atributo do governante, para o povo, ou seja, os cidadãos que manifestam juntos a vontade geral.

Considerado o último autor do período, Condorcet (1743-1794) produziu uma síntese do legado deixado pelos pensadores anteriores e de seu tempo, como Voltaire e Rousseau. Seu pensamento expressa a confiança na razão como meio de progresso, bem-estar geral e felicidade humana, mas reconhece que nem sempre a história conduz a esse quadro. Há momentos em que a humanidade mergulha em espessas trevas e a razão é impedida de ser exercida. Para Condorcet, a forma de governo mais capaz de dificultar a humanidade de cair novamente na obscuridade e na ignorância é a república, sendo o melhor regime político a democracia representativa. Ele vive a Revolução Francesa e é inclusive o responsável pela concepção do modelo de participação baseado no voto universal – defendido como o meio que permite o acesso de todos à participação política.

Esta imagem do Iluminismo feita de filosofias discordantes se reflete na definição do filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945): o século XVIII leva a filosofia para todos os lugares, sem pedir licença e sem esperar para ser aceita. A filosofia invade tudo e populariza-se. A imagem aqui é a de um rio que enche, transborda e, com a sua força, quebra todos os diques. A filosofia do XVIII rompe as barreiras do preconceito, da ignorância e avança. É a mesma impressão que Kant nos lança sob o lema ou a palavra de ordem “Sapere aude!” “Ousai saber!”.

(*) Adriana Maamari é professora da Universidade Federal de São Carlos e autora da tese O republicanismo democrático de Thomas Paine (USP, 2008).

Saiba mais – Bibliografia

CASSIRER, Ernst. Filosofia do Iluminismo. Campinas: EdUnicamp, 1997.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. “Carta a d´Alembert”. Campinas: EdUnicamp, 1993.
TORRES FILHO, Rubens Rodrigues. Ensaio sobre Filosofia Ilustrada. São Paulo: Iluminuras, 2004.

Pequena galeria de imagens que retratam o processo de Independência dos Estados Unidos da América

Aqueles que gostaram da nossa postagem sobre como o processo de independência dos Estados Unidos da América foi retratado em imagens feitas por Paul Revere também vão gostar desta nova postagem aqui, com mais imagens sobre a independência dos EUA.

Imagem 1


A imagem acima é intitulada Sociedade de Senhoras Patriotas de Edenton (sátira inglesa, autor desconhecido, 1775). Nela, temos a representação de um episódio ocorrido durante a luta das 13 colônias inglesas da América do Norte por sua autonomia. Na ilustração, mulheres da Carolina do Norte juram não tomar mais chá até a libertação e defendem a participação feminina na vida política americana. No processo de Independência dos EUA, era comum que "mulheres patriotas" organizassem boicotes a produtos ingleses e incentivassem a produção caseira.


Imagem 2


A imagem acima se chama O espírito de 1776, de autoria de Archibald M. Willard (1891). Ela simboliza a Independência dos EUA.


Imagem 3


A imagem acima é de autoria de William Walcutt (1854) e mostra o povo de Nova York derrubando uma estátua do rei Jorge III. Na luta por sua independência, os colonos rompem com antigos símbolos. Com o país livre do domínio inglês, outros símbolos surgiriam, tais como os "pais da pátria".


Imagem 4


O quadro acima se chama Scene at the Signing of the Constitution of the United States e é de autoria de Howard Chandler Christy. Nele, temos uma representação do momento histórico da assinatura da Constituição.


Imagem 5


A imagem acima é de autoria de Benjamin West e se chama American Commissioners of the Peace Negotiating. Nela, o autor procurou retratar as negociações de paz entre ingleses e estadunidenses. Como os delegados ingleses se recusaram a posar para o quadro, a obra ficou incompleta (boa parte do lado direito da tela ficou em branco).

A Independência dos Estados Unidos da América em duas imagens de Paul Revere

Estudar a História por meio de imagens é um exercício muito instigante. Nesta postagem, apresentamos duas imagens de autoria de Paul Revere que remetem ao processo de Independência dos Estados Unidos da América. Confira:

Imagem 1


A imagem acima é uma gravura intitulada O Massacre de Boston, de autoria de Paul Revere (1770). Essa gravura foi usada como propaganda por aqueles colonos que defendiam a independência das 13 colônias inglesas da América do Norte em relação à Inglaterra. No lado direito da gravura, observa-se um grupo de soldados britânicos (casacos vermelhos) em formação de tiro. A ilustração retrata o momento em que os disparos ocorrem. No lado esquerdo, estão os colonos que sofrem o ataque. Ao contrário da fileira de soldados britânicos, há muita confusão entre os colonos que estão sendo atingidos pelas balas (uns começam a correr, outros estão feridos ou mortos). Paul Revere assume o ponto de vista dos colonos. As tropas inglesas são desenhadas como organizadas e violentas, enquanto os colonos são desenhados na posição de vítimas indefesas. Desorganizados, os colonos parecem não estar preparados para revidar ao ataque. Algo que chama a atenção é a ausência de armas do lado dos colonos. A presença do cão, um animal de estimação, e do sangue escorrendo de alguns colonos caídos no chão são elementos que ampliam o caráter dramático da cena. Também merece ser observada a forma como o autor da imagem usa as cores. No fundo, predomina um cenário quase neutro, que não chama a atenção do espectador. Ao contrário, no primeiro plano há a presença marcante do vermelho (tanto no sangue dos colonos quanto nos uniformes dos soldados ingleses), que dá uma força expressiva maior à cena principal, ou seja, ao massacre.

Para uma melhor compreensão do contexto histórico no qual foi desenhada a gravura acima (Imagem 1), leia o texto abaixo:

“Com a Lei do Selo, a Coroa havia incomodado a elite das colônias. A reação foi grande, assustando os agentes do tesouro da Inglaterra. Houve um movimento de boicote ao comércio inglês; no verão de 1765, decaiu o comércio com a Inglaterra em 600 mil libras. Em quase todas as colônias, os agentes do tesouro inglês eram impossibilitados de colocar os selos nos documentos. A reação era generalizada. Em 1766, o Parlamento inglês viu-se obrigado a abolir a odiada lei. Os colonos haviam demonstrado sua força. A Inglaterra retrocedia para avançar mais, logo em seguida. Um novo ministério formado na Inglaterra traria ao poder homens mais dispostos a submeter a colônia do que ceder às pressões dos colonos. O ministro da Fazenda, Charles Townshend, decretou, em 1767, medidas que foram conhecidas como Atos Townshend. Esses atos lançavam impostos sobre o vidro, corantes e chá. A Assembleia de Nova York foi dissolvida por não cumprir a Lei de Hospedagem. Foram nomeados novos funcionários para reprimir o contrabando, bastante praticado nas colônias. O resultado dessas novas leis foi novos protestos, novos boicotes e declarações dos colonos contra as medidas. As leis acabariam sendo revogadas. No entanto, em Boston, quase ao mesmo tempo em que se deu a anulação dos Atos Townshend, um choque entre americanos e soldados ingleses tornaria as relações entre as duas partes muito difíceis. Protestando contra os soldados, um grupo de colonos havia atirado bolas de neve contra o quartel. O comandante, assustado, mandara os soldados defenderem o prédio. Estes acabaram disparando contra os manifestantes. Cinco colonos morreram. Seis outros colonos foram feridos, mas conseguiram sobreviver. Era 5 de março de 1770. O Massacre de Boston, como ficou conhecido, foi usado largamente como propaganda dos que eram adeptos da separação. Um desenho com a cena do massacre percorreu a colônia. O cheiro de guerra começava a ficar mais forte.”

(KARNAL, Leandro. O processo de Independência. In: ______ [et al.]. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed. 1. reimpr. São Paulo: Contexto, 2013, p. 78-79.)

Para uma descrição mais detalhada da Imagem 1, leia o texto abaixo (em inglês):

"Paul Revere created his most famous engraving titled the “Bloody Massacre Perpetrated in Kings Street in Boston” just 3 weeks after the Boston Massacre occurred on March 5, 1770. It is regarded by historians as an important document of the pre-revolutionary period. At the same time it is known to contain number of inaccuracies because the author used it as a propaganda piece to advance the cause of Independence. Let’s take closer look at the details.

The engraving shows the Boston Massacre event unfolding in front of the State House. The composition of the engraving is clearly divided into two sides as if telling “It’s us against them!” On the right side there are the British soldiers dressed in uniform with their rifles with bayonets drawn, firing into the crowd. One of the British regulars is clearly the commander raising the sword and giving the order to fire. All solders and the officer have cold and determined looks on their faces.

On the left side, across the clouds of smoke there is a crowd of colonists. Their faces show horror and panic. The engraving accurately shows the five victims. Three men are laying on the ground with blood gushing from the wounds which are clearly shown. Two of them lay right in front and the third one is somewhat obscured by other men standing in the bottom left corner. The man with two chest wounds is believed to be Crispus Attucks, the fist victim to fall during the shooting as he was standing in the front row. Two addition bodies are being carried by the crowd in the attempt to help them. One of the men in the crowd is looking directly at the solders raising his hand towards them as if trying to make them stop firing.

A very interesting detail of the engraving is a small spotted dog pensively standing in the bottom center, between the shooting solders and the crowd. The dog is being spared from the firing guns. Perhaps P.R. meant it as a symbol of the British Soldiers treating colonists worse than dogs?

On the bottom of the engraving, there is a poem written by P.R. full of the outrage about the killing. One of of the lines reads “Like fierce barbarians grinning o'er their prey
Approve the carnage and enjoy the day.”

P.R. also honored the names of the dead and wounded listing them just below the poem:
Mesr's Sam'l Gray, Sam'l Maverick, James Caldwell Crispus Attucks, & Patr. Carr Killed
Six wounded; two of them (Christ'r Monk & John Clark) mortally.

The tall building in the center is the Old State House which still stands in Boston today and is a popular tourist attraction. Of course back then it was the only State House. Another historic building depicted in the engraving is the First Church with the dome and the steeple towering on the left of the State House.

Inaccuracies in the Engraving

We are used to treating historic documents with a degree of trust, however the composition of this the engraving contains serveral inaccuracies that a serious researcher should be aware of.

There are seven soldiers and the captain shown in the picture. In reality there were only 6 British soldiers. Two captains, lieutenant, corporal and two private regulars.

British Grenadiers are depicted as if moving in the line of attack just like in a battlefield. However by all accounts the Boston Massacre was a scene of chaos and the soldiers were separated form each other by the crowd when they started using their weapons against the colonists.

A lonely gun is shown sticking out from a second story window of the Customs House firing into the crowd.

Customs House on the right side of the engraving is labeled ‘Butcher’s Hall’

The events of the Boston Massacre took place a night but the sky in the picture is rather light. On the other hand a crescent moon is visible above the roof lines, indicating that the author intended to show a night scene but was constrained by the engraving technology or simply chose not to make the picture too dark.

Crispus Attucks shown as the victim with two chest wouds laying on the ground does not seem to have African mulatto features, but some researchers who analysed the engraving found otherwise. You decide.

Captain Preston is shown as giving the order to fire by waving his sword. At his trial in court, this was proven not be had been the case.

Finally, it is a well known fact is that P.R. did not create the drawing himself. He was a skillful engraver but not an artist and therefore used the image created by a young artist Henry Pelham to make his engraving. Furthermore Pelham publicly accused P.R. in Boston Gazette of copying his drawing without permission. In Revere’s defence we could note that copying somebody’s work at that time was not considered a crime and the feud was probably more about the silversmith not sharing the proceeds from selling the print with Pelham."

(Texto disponível em: <http://www.paul-revere-heritage.com/boston-massacre-engraving.html>. Acesso em: 18 fev. 2015.)


Imagem 2


A ilustração acima também é de autoria de Paul Revere e seu título é The Able Doctor or America Swallowing the Bitter Draught (1774). Nesta imagem, a América Inglesa (representada pela mulher que está no chão) aparece cercada por europeus e está dominada por britânicos enquanto é forçada a tomar o chá comercializado pela Inglaterra. Trata-se de uma representação da Lei do Chá, aprovada em 1773, que deu o monopólio do comércio do chá à Companhia Britânica das Índias Orientais, fato que gerou insatisfação entre os colonos das 13 colônias inglesas na América do Norte. Mais uma vez, Revere coloca os colonos na posição de vítimas indefesas da violência e da crueldade da Metrópole. Tanto a Imagem 1 quanto a Imagem 2 apontam para a necessidade urgente dos colonos de se libertarem do domínio da Inglaterra.

Para uma descrição mais detalhada da Imagem 2, leia o texto abaixo (em inglês):

"Description: Cartoon showing a European gentleman with the Boston Port Bill in his pocket pouring tea down a [native American] woman's mouth. She is being held down by a lascivious gentleman at her feet and a judge at her arms. A woman holding a spear and shield covers her eyes while a gentleman holds a sword with "Military Law" on it. In the background is a scene of "Boston cannonaded" and in the foreground is a tattered paper containing Boston's petition to England.

Notes: Britannia weeps as Frederick, Lord North, pours tea into the mouth of America, while a Frenchman and a Spaniard (with the Order of the Golden Fleece) watch from the side. William Murray, first earl of Mansfield (Lord Chief Justice) and an opponent of repealing the Stamp Act, holds America's wrist while John Montagu, fourth earl of Sandwich (First Lord of the Admiralty), holds her ankles. The man with a sword represents John Stuart, earl of Bute, (prime minister for George III from 1762 to 1763 and instrumental in negotiating the Treaty of Paris) in a Scottish hat and kilt. Revere copied this image from an original in London Magazine, Apr. 1774, vol. 43, p. 185; the only change being that Revere added the word "tea" to the teapot. The Boston Port Bill, levied as a punishment for the Boston Tea Party, was signed into law on March 31, 1774, and provided the final wedge between Massachusetts and the crown. Image is placed horizontally on page. Published first by Isaiah Thomas and then Joseph Greenleaf in Boston, this magazine was produced from January 1774 until April 1775 when the war put an end to publication."

(Texto disponível na internet por meio do seguinte link: <http://jcb.lunaimaging.com/luna/servlet/detail/JCB~1~1~1801~2760003:The-able-Doctor,-or-America-Swallow>. Acesso em: 18 fev. 2015.)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Sugestão de filme: "Nós que aqui estamos por Vós esperamos" (1999)

O filme Nós que aqui estamos por Vós esperamos (1999), de Marcelo Masagão, é excelente para se pensar sobre o Século XX. A obra é resultado de uma edição/montagem de várias sequências de imagens de arquivo – a maioria delas em preto e branco – acompanhadas por letreiros que contam as histórias de diversos personagens. Junto com as imagens e os letreiros, temos apenas as músicas que constituem a trilha sonora. Não há a voz de um narrador no filme.

Logo no início, letreiros anunciam que o filme apresentará uma “Memória do breve século XX” por meio de “Pequenas histórias/Grandes personagens” e “Pequenos personagens/Grandes histórias”. Com esta proposta, o filme apresenta imagens que remetem às rápidas transformações que ocorreram em várias áreas ao longo do século passado: a industrialização, o desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação e as novidades nos campos da pintura (Picasso), da psicanálise (Freud), da política (Revolução Russa) e da física (Einstein). No balanço feito por Masagão, todas essas transformações aconteceram de maneira muito rápida, o que nos remete ao tema da aceleração da História durante o Século XX. Como diz um dos próprios letreiros do filme, de um dia para o outro a cidade deixou de cheirar a cavalo. Mais do que qualquer outra época anterior, o século passado foi marcado por uma certa concepção de "progresso": o homem parecia cada vez mais apto a superar todos os seus limites.

Todavia, Nós que aqui estamos por Vós esperamos não faz uma apologia dessa ideia de progresso. Muito pelo contrário, o filme explora as contradições da contemporaneidade, denunciando os limites do ser humano. O alfaiate que tenta voar ao saltar da torre Eiffel, em Paris, acaba se arrebentando no chão. O ônibus espacial Challenger explode no céu, em 1986. Em tais imagens, Marcelo Masagão nos recorda que, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, o homem continua sendo um ser limitado.

Outros momentos do documentário nos remetem ao mundo do trabalho no contexto do sistema capitalista. Na indústria automobilística, temos a inovação da linha de montagem. O Ford T é fabricado em série e em um ritmo cada vez mais ágil. É a produção que se acelera. O trabalhador é explorado com uma pesada jornada de trabalho e baixo salário. Mesmo tendo ajudado a fabricar vários carros ao longo da vida, o trabalhador nunca foi dono de um. O mundo do trabalho é o mundo da exploração: centenas de homens se aglomeram no formigueiro humano de Serra Pelada, no Brasil, em busca de ouro, trabalhando em condições degradantes. O mundo do trabalho não está dissociado do universo da política: o soviético que foi eleito operário padrão por cinco anos consecutivos, apaixonou-se por uma turista italiana, discordou do partido e acabou morrendo na Sibéria.

No campo cultural, o filme aborda o tema da internacionalização da cultura. A operária japonesa que fabrica aparelhos de TV é fã de Elvis Presley. O boliviano pobre que nunca assistiu a um programa televisivo gosta de Coca-Cola. Temos no documentário também uma reflexão sobre as mudanças no padrão de consumo durante o Século XX: o consumismo se revela na compra desenfreada de objetos como o rádio, a TV, o carro e os eletrodomésticos. Os novos hábitos levam ao vício em aspirina. Como se não bastasse, também temos referências ao universo do cinema (Fred Astaire), ao mundo do futebol (Mané Garrincha) e ao cenário da música (o festival de Woodstock). Também o campo das religiões é objeto de interesse de Marcelo Masagão. O filme apresenta cenas de manifestações religiosas, com fiéis de diversos credos, e parece desconfiar de tais religiões: mesmo a crença em Deus é questionada ao fim do documentário, quando Deus parece estar distante e alheio às tragédias do Século XX.

E o século passado é visto no filme como uma sucessão de várias tragédias. A crise econômica iniciada com a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, provoca fome e desemprego. Um engenheiro passa a vender maçãs. Durante a Guerra Fria, a construção do Muro de Berlim é um acontecimento emblemático, que demonstra a separação entre os homens. Na China Comunista, a Revolução Cultural significa a morte de várias pessoas. E temos as guerras. Quatro gerações de homens de uma mesma família participaram, cada uma delas, de algum conflito ocorrido no Século XX: as duas Guerras Mundiais, a Guerra do Vietnã e a Guerra do Golfo. Um casal alemão é obrigado a se separar quando eclode a Primeira Guerra Mundial: ele (Hans) vai para a frente de batalha atirar bombas, enquanto ela (Anna) vai trabalhar em uma fábrica de bombas. Um homem sofre com o “Choque de guerra” e treme descontroladamente. A bomba atômica mata uma família japonesa inteira. O kamikaze sabe que a guerra é algo sem sentido, mas afirma que voltar para casa seria uma humilhação. O monge budista com o corpo em chamas protesta contra a guerra do Vietnã (1969). Na China, um homem se coloca na frente de uma fila de tanques de guerra, na Praça da Paz Celestial (1989), em uma das mais emblemáticas imagens do Século XX.

A violência praticada nas guerras e nos mais variados conflitos do último século aparece em cenas de explosões, homens atirando e aviões bombardeando áreas inteiras. Tudo isso nos remete à dificuldade do homem em conviver com o que é diferente, em conviver em paz com o outro. Nós que aqui estamos por Vós esperamos nos mostra os rostos de homens como Hitler, Stalin, Mao Tsé-Tung, Mussolini, Pol Pot, Franco, Salazar, Idi Amin, Ceausescu, Ferdinand Marcos, Pinochet, Reza Pahlavi, Videla, Médici e Mobutu. Assim, Marcelo Masagão faz o espectador do filme lembrar de vários governantes autoritários que centralizaram o poder em suas mãos e procuraram destruir os seus opositores. Em outras palavras, temos a lembrança das experiências totalitárias e ditatoriais que tanto marcaram o século passado. A imagem de tais regimes políticos está articulada à questão da intolerância. Nesta perspectiva, merece atenção a sequência do filme que mostra a queima de livros escritos por “autores degenerados” durante a Alemanha nazista (1939), em um verdadeiro Fahrenheit 451 da vida real, como o documentário nos sugere por meio de um letreiro. Como um comentário a esta sequência da queima de livros, temos na tela trechos de autoria de Oscar Wilde, Franz Kafka, Sigmund Freud e Karl Kraus, além de um breve relato da vida de um nazista que veio morar no Brasil e aqui morreu obsessivo e brigado com os vizinhos. Masagão deixa registrada a sua crítica ao totalitarismo.

Além dos líderes políticos autoritários, o filme também apresenta imagens de outras figuras históricas importantes do século XX: “Che” Guevara, Gandhi, Martin Luther King e John Lennon que, em um breve relato fictício, estão na lua discutindo assuntos humanos. Nós que aqui estamos por Vós esperamos também faz questão de abordar o papel assumido pela mulher ao longo do século passado: elas ganharam espaço no mercado de trabalho, mudaram seus hábitos (maiô, cigarro, minissaia) e lutaram pelo direito ao voto. Mas o filme nos lembra das limitações das conquistas femininas: em um sequência, uma mulher que trabalhara na indústria bélica, após o fim da guerra, volta a ficar reclusa ao ambiente doméstico, cuidando dos filhos, do marido e sofrendo de depressão.

O retrato do Século XX feito por Marcelo Masagão, portanto, é bastante complexo e está articulado às contradições desse período da história da humanidade. Ao mesmo tempo em que o homem realizou uma série de conquistas e avanços nos campos das ciências, das artes e da tecnologia, ele também foi capaz de produzir violência, desigualdade, opressão e morte. Nós que aqui estamos por Vós esperamos problematiza, portanto, a noção de “progresso” na História. Um bom exemplo disso está na questão em torno da eletricidade, tecnologia usada tanto na iluminação/decoração durante a Exposição Universal de Paris, em 1900, quanto na execução de um homem na cadeira elétrica (um sujeito que sequer tinha luz elétrica em sua própria casa). As novas tecnologias podem ter usos variados, para o bem e para o mal.

A narrativa do filme de Marcelo Masagão não é rigidamente linear. As “pequenas histórias” dos “grandes personagens” e as “grandes histórias” dos “pequenos personagens” são contadas em uma sequência cheia de avanços e recuos no tempo cronológico do Século XX, levando o espectador a refletir sobre alguns aspectos da História contemporânea. Merece destaque o fato de o filme trabalhar com a ideia da morte. Todos os personagens que aparecem em Nós que aqui estamos por Vós esperamos já estão mortos, pertencem ao campo do passado. Não por acaso, em diversos momentos do filme temos imagens de um cemitério e dos túmulos ali existentes. São as histórias de pessoas já mortas que o filme exibe. E o documentário se dedica a narrar tais histórias porque o passado não pode simplesmente ser esquecido. O passado deve ser narrado para que os homens do presente possam dar um lugar a ele e, desta maneira, fiquem liberados para viver. Marcelo Masagão nos lembra de um importante papel exercido pela escrita da História, a respeito do qual tão bem nos falou o historiador Michel de Certeau:

“A escrita não fala do passado senão para enterrá-lo. Ela é um túmulo no duplo sentido de que, através do mesmo texto, ela honra e elimina. Aqui a linguagem tem como função introduzir no dizer aquilo que não se faz mais. [...] a recondução do “morto” ou do passado, num lugar simbólico, articula-se, aqui, com o trabalho que visa a criar, no presente, um lugar (passado ou futuro) a preencher, um “dever-fazer”. A escrita acumula o produto desse trabalho. Através dele, libera o presente sem ter que nomeá-lo. Assim, pode-se dizer que ela faz mortos para que os vivos existam.” (CERTEAU, 2011: 110)

Mas falar dos mortos também é um exercício válido porque ele nos lembra de nossa própria condição humana. A vida humana é frágil e um dia, cedo ou tarde, todos nós morreremos. É esse o recado transmitido pela mensagem existente na entrada do cemitério filmado por Masagão, mensagem essa que dá nome ao filme: Nós que aqui estamos por Vós esperamos. Os mortos estão à nossa espera porque nós morreremos algum dia e nos juntaremos a eles. Aqui temos a ideia da “sequência de gerações (contemporâneos, predecessores e sucessores)” que, Segundo Paul Ricoeur (2010), é um instrumento que permite aos homens apreender o tempo histórico.

Nesta perspectiva, pouco importa se um determinado personagem do filme é “grande” (como um chefe político) ou “pequeno” (como um operário). “Grandes” e “pequenos”, agora estão todos mortos. Independentemente do papel que tenham exercido em vida, todos são iguais na morte. Aqui, Nós que aqui estamos por Vós esperamos nos lembra o epílogo de Barry Lyndon (1975), de Stanley Kubrick: “Foi no reinado de George III que estes personagens viveram e brigaram; bons ou maus, belos ou feios, ricos ou pobres, agora eles são todos iguais”.


Referências:

CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. 3. ed. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. Revisão técnica de Arno Vogel. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

RICOEUR, Paul. Entre o tempo vivido e o tempo universal: o tempo histórico. In: ______. Tempo e Narrativa: o tempo narrado. Tradução de Claudia Berliner. Revisão da tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 176-213. v. 3.

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O YouTube disponibiliza o filme Nós que aqui estamos por Vós esperamos na íntegra (data de acesso: 17 fev. 2015). Não deixe de assistir!


quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O Início do Século XX

O início do século XX viu os desdobramentos da Revolução Industrial, fenômeno que havia se iniciado no século XVIII. Houve uma profunda alteração social, com a multiplicação da população, dos serviços e das mercadorias. O aumento da produtividade das fábricas foi acompanhado por uma redução nos custos de produção. O capitalismo desenvolveu a sua capacidade de criar o seu próprio mercado consumidor. Algumas transformações interessantes do período foram o uso de máquinas no lugar de ferramentas e o uso de forças naturais no lugar da força humana. A Revolução Industrial, portanto, foi marcada pela aceleração do crescimento econômico, a introdução de novas técnicas industriais e a revolução tecnológica. É preciso lembrar que este foi um processo que se desenrolou ao longo de muito tempo, a partir dos cercamentos na Inglaterra, do domínio do capital mercantil sobre a produção artesanal e do poderio econômico, comercial e militar inglês.

No final do século XIX, a velocidade e o impacto das transformações desencadeadas pela Revolução Industrial foram tão intensos que muitos chegaram a falar que o mundo já vivenciava uma Segunda Revolução Industrial. O processo de industrialização atingiu uma escala mundial (Inglaterra, Europa, Estados Unidos e Japão). Algumas tecnologias desenvolvidas na época foram a eletricidade, motores a combustão, siderurgia do aço e indústria química. As indústrias se aperfeiçoaram, bem como as estradas de ferro e a navegação, que agora eram complementadas pelos automóveis e pelos aviões.

Neste cenário, os países mais industrializados começaram a competir entre si pelo controle de diversas áreas do mundo, em busca de mercados consumidores e matérias-primas para os seus produtos. Por meio da dominação política direta ou indireta, os países europeus, o Japão e os EUA subordinaram vários outros locais do mundo, sobretudo na América, na África e na Ásia. Tal era o contexto daquilo que ficaria conhecido como imperialismo.

A passagem do século XIX para o século XX também foi marcada pela ascensão dos Estados Unidos da América que, após as conquistas territoriais obtidas com a Marcha para o Oeste, fizeram da América Central uma área de influência, estenderam sua hegemonia para a América do Sul e começaram a ocupar algumas regiões do oceano Pacífico.

O continente africano se viu dividido pelas potências europeias a partir da Conferência Internacional de Berlim (1884-1885). O continente asiático, por sua vez, foi marcado por conflitos que envolveram os interesses de países da Europa, dos EUA, da Rússia e do Japão.

Do ponto de vista cultural, pode-se dizer que a passagem do século XIX para o século XX foi marcada pela existência de algumas ideologias. O liberalismo econômico, esboçado a partir do final do século XVII, defendia que os governos deveriam garantir a liberdade de comércio, de modo que a pouca interferência do Estado possibilitasse que as forças de mercado definissem os rumos da economia. Nesta perspectiva, havia a defesa da propriedade privada, das leis do mercado e da busca do lucro, demandas da burguesia.

O liberalismo político ganhou corpo ao longo do século XIX e baseou-se na defesa dos direitos à liberdade individual, à propriedade e à igualdade de todos perante a lei. É preciso dizer que havia diversas correntes liberais, com diferenças entre si, ou seja, o que se entendia por cada um desses direitos dependia em muito da corrente liberal específica. Todavia, não se pode negar que o governo representativo foi estabelecido a partir do liberalismo. O Estado deveria ser organizado de modo que os homens tivessem garantidos os seus direitos naturais e pudessem participar da vida pública como eleitores e por meio de seus representantes. A partir da noção de que a soberania era derivada da nação e do povo, o Estado passou a ser visto como a incorporação da vontade de seus cidadãos, e não mais como uma propriedade particular de um governante. Este Estado-Nação estaria acima do rei, da Igreja, de grupos políticos, da corporação e da província. Paralelamente a esta ideia, desenvolveu-se também uma noção de unidade nacional, onde um passado idealizado em comum, afinidades étnicas, a cultura popular e as tradições formavam um sentimento de identidade nacional. Cada país tinha assim os seus mitos, mártires e dias sagrados.

Contra este nacionalismo e contra o Estado burguês, ativistas do movimento operário denunciaram a exploração da classe trabalhadora, em uma perspectiva internacionalista. A inspiração dessa postura eram as ideias de Karl Marx e Friedrich Engels, que defendiam que os trabalhadores de todo o mundo deveriam se unir contra as concepções liberais e nacionalistas. O que era desejado por Marx e Engels era uma revolução global. Sob esse prisma, os socialistas viam nas revoluções burguesas um mero instrumento nacionalista de exploração do trabalho assalariado pelo capital. Os trabalhadores deveriam tomar consciência de seu caráter internacional. Segundo Marx, a história da luta entre as classes sociais era a própria história da humanidade. A superação da sociedade capitalista seria o fim das próprias classes sociais, ou seja, o advento de uma sociedade sem explorados e exploradores. Esta nova sociedade, em que a propriedade seria coletiva, só seria possível por meio da revolução socialista onde o proletariado venceria a burguesia. Neste mundo desejado por Marx e Engels, o Estado deixaria de existir.

Além do liberalismo e do socialismo, não podemos nos esquecer do anarquismo, movimento que teve como inspiração as ideias de Pierre Joseph Proudhon. Os anarquistas criticavam a exploração dos trabalhadores, defendiam o fim da propriedade privada e apoiavam a ideia de que o fim do Estado deveria acontecer a partir da derrubada imediata do capitalismo. Uma figura importante dentro do pensamento anarquista como Mikhail Bakunin temia que os marxistas se tornassem os novos exploradores após a derrota do capitalismo. Segundo Bakunin, uma vez no poder, os marxistas se transformariam em uma minoria privilegiada que passaria a defender apenas os seus próprios interesses, e não mais os da ampla massa de trabalhadores. Segundo o ideário anarquista, os trabalhadores deveriam, portanto, destruir imediatamente o Estado após a revolução.

A Belle Époque

As transformações ocorridas a partir da Segunda Revolução Industrial fizeram com que muitos acreditassem que o mundo estava caminhando para um futuro melhor. Em meio a este entusiasmo, a passagem do século XIX para o século XX ficou conhecida como Belle Époque (do francês “bela época”). Diversas descobertas científicas foram feitas naquele período. Foram inventados a bicicleta (1861), o metrô (1863), o bonde elétrico (1874), a locomotiva elétrica (1879), a motocicleta (1885) e o automóvel (1886). Quanto aos meios de comunicação, foram criados o telefone (1876), o fonógrafo (1877) e o telégrafo sem fios (1895), além do cinema (1895), desenvolvido pelos irmãos franceses Auguste e Louis Lumière, e do rádio, que surgiu no início do século XX e, ao lado do cinema, seria muito presente no lazer de massa da sociedade moderna. O cinema era acessível a várias camadas sociais, uma vez que as entradas tinham o preço baixo, possibilitando que o proletariado fizesse parte do público espectador.

A própria indústria passou por transformações, como a criação da linha de montagem na fábrica de automóveis Ford, nos EUA. A produção em série proporcionada pela linha de montagem levou a um aumento da produtividade e à diminuição dos preços dos produtos. As formas de pagamento também se diversificaram, como bem demonstra o surgimento das vendas a crédito. Os primeiros magazines, como a rede parisiense Au Bon Marché (1876), também surgiram neste período e foram os precursores das lojas de departamentos.

A área médica e de saúde também viu algumas descobertas acontecerem durante a Belle Époque. Os bacteriólogos Robert Koch (1843-1910), da Alemanha, e Louis Pasteur (1822-1895), da França, descobriram que as doenças eram causadas por agentes infecciosos, como as bactérias. Até 1890, os agentes de doenças como tuberculose, cólera, febre tifoide e tétano já haviam sido identificados e vacinas vinham sendo desenvolvidas. Esses avanços foram importantíssimos para que o número de mortes causadas por tais doenças fosse reduzido. Na mesma época, constatou-se que o uso de antissépticos impedia infecções pós-operatórias, o que reduziu a taxa de mortalidade decorrente de intervenções cirúrgicas. O desenvolvimento dos anestésicos, por sua vez, possibilitou aos médicos o alívio da dor de seus pacientes e a realização de cirurgias mais demoradas, algo até então impraticável.

A democratização da Europa

O movimento de luta pela democracia ampliou-se na Europa durante aquele período, a quantidade de eleitores aumentou e as pessoas de classes de baixa renda ganharam o direito de serem votadas. O sistema eleitoral foi reformado por meio de leis na Inglaterra, na Bélgica, na Noruega, na Suécia e em outros países. Os primeiros partidos políticos modernos foram formados, e muitas pessoas que até então não eram bem representadas no jogo político ganharam mais espaço. Esses partidos eram verdadeiros centros de reflexão, responsáveis por formular doutrinas e ideologias.

As mulheres intensificaram sua luta pelo direito de votar e de concorrer em eleições. Elas fundaram associações e participaram de protestos em várias partes do mundo. A partir dessas e de outras mobilizações, o sufrágio universal começou a ser adotado em várias partes do mundo. Em 1893, a Nova Zelândia tornou-se o primeiro país onde as mulheres podiam votar. A Finlândia foi o primeiro país europeu a aprovar o voto feminino, em 1906. Outros países somente seguiram este exemplo depois da Grande Guerra (1914-1918), tais como Inglaterra (1918), Estados Unidos (1920) e Brasil (1932).

No intuito de combater o analfabetismo, vários países europeus tornaram obrigatória e gratuita a educação de crianças. O número de leitores de jornais, livros e revistas aumentou, surgindo publicações voltadas para os públicos infantil e feminino. Em tais publicações, existiam fotografias e ilustrações coloridas, algo até então pouco comum.

As classes sociais na Europa passaram por um processo de acomodações e rearranjos. A aristocracia tradicional, dona de grandes áreas de terras, estava reduzida, mas ainda era detentora de uma força simbólica importante e ocupava posições destacadas na sociedade. A burguesia enriquecida procurava ligar-se à aristocracia por meio de casamentos ou do convívio social. Formada por empresários, industriais, banqueiros, grandes comerciantes, etc., a burguesia tinha em suas mãos boa parte do poder econômico e financeiro, captando o poder político de modo mais ou menos rápido.

A classe média era outro setor que conquistava um espaço político importante. Este grupo era composto por pequenos comerciantes, profissionais liberais, artesãos, lojistas, professores, funcionários públicos, etc. Era um grupo bastante diversificado, pois reunia assalariados não proletários, pequenos empresários, pessoas que trabalhavam por conta própria, etc. A importância política da classe média estava relacionada ao fato de que ela tinha uma participação eleitoral decisiva e um papel importante na opinião pública.

Por sua vez, o proletariado, ou classe operária, reunia mineradores, ferroviários, portuários, trabalhadores industriais. Esta era a classe mais numerosa da Europa e a que mais sofria com as desigualdades sociais decorrentes da Revolução Industrial. Quando o proletariado surgiu, muitos dos operários eram de origem camponesa e haviam abandonado a zona rural em busca de melhores condições de vida nas cidades (empregos, mais alimentos, moradias melhores, etc.). Passando a viver nas cidades, eles tiveram que se submeter ao difícil trabalho nas fábricas e às péssimas condições sanitárias das moradias operárias. Foi a partir deste contexto que os trabalhadores organizaram associações de classe no intuito de lutar por melhores condições de vida e trabalho.

Na França, a classe trabalhadora começou a participar politicamente por meio da votação em grupos socialistas e da realização de levantes e insurreições, como em 1848 e 1871, com a Comuna de Paris. No continente europeu, foi criada a Associação Internacional de Trabalhadores, que reuniu representantes da classe operária de várias partes do mundo. Fundada em 1864, a Primeira Internacional Socialista – como a Associação Internacional de Trabalhadores ficou conhecida – buscava obter o reconhecimento legal dos sindicatos, promover a solidariedade aos trabalhadores e às suas lutas, além de conquistar o poder político por meio de partidos operários. Karl Marx foi um dos seus líderes mais renomados, além de autor do manifesto inaugural da associação. Em decorrência de divergências internas entre anarquistas e marxistas, a Primeira Internacional se dissolveu no início da década de 1870. Alguns anos depois, em 1889, grupos socialistas de diversos países fundaram a Segunda Internacional, em Paris, que, dominada por marxistas, foi desfeita no início da Primeira Guerra Mundial, em 1914.

Em 1907, em Stuttgart, na Alemanha, as mulheres realizaram a primeira conferência da Internacional Socialista de Mulheres, onde discutiram o direito ao voto, a equiparação salarial com os homens e a garantia de outros direitos políticos às mulheres. Foi durante a Conferência Internacional das Mulheres Comunistas, realizada em 1921, que o dia 8 de março passou a ser celebrado como o Dia Internacional da Mulher. Esta data foi escolhida porque foi no dia 08/03/1917 que as operárias russas organizaram uma greve de grandes proporções que levou mais de 90 mil pessoas às ruas, no contexto do declínio do czarismo russo que marcaria o advento da Revolução Russa.

Toda essa mobilização da classe trabalhadora gerou alguns frutos. Em 1864, o governo francês reconheceu o direito de greve. Em 1867, os trabalhadores franceses passaram a poder formar cooperativas de trabalho. Em 1875, o governo inglês reconheceu o direito dos trabalhadores de se organizarem em sindicatos. A partir de 1880, na Alemanha algumas leis garantiram a proteção social dos trabalhadores por meio de seguros contra acidentes e doenças profissionais, aposentadoria, etc.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O Iluminismo em imagens

As imagens podem ser um interessante recurso para compreendermos os aspectos de determinados períodos da História. No caso do Iluminismo, existem algumas imagens que nos auxiliam na compreensão do papel desempenhado pela ideia de razão na Europa durante os séculos XVII e XVIII. Vejamos abaixo alguns exemplos:

Imagem 1 - O Sono da razão produz monstros


A imagem acima é uma gravura feita pelo espanhol Francisco de Goya, em 1799. Trata-se de uma representação dos perigos que pairam sobre o homem quando a razão adormece. A gravura, portanto, faz uma referência à importância do uso da razão para o ser humano, o que nos remete à perspectiva iluminista.
Aos amantes da sétima arte, recomendamos o filme "Sombras de Goya" (2006), dirigido por Milos Forman e que conta com as presenças de Natalie Portman e Javier Bardem no elenco. O filme retrata a época em que viveu Goya, com destaque para a Inquisição espanhola.
Vale lembrar que toda a obra de Francisco de Goya está disponível na internet por meio do site do Museu do Prado, situado na Espanha. Para ter acesso a todo este material, clique aqui.


Imagem 2 - O projeto de uma cidade


A figura acima mostra a perspectiva da cidade de Chaux, conforme o projeto do arquiteto francês Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806). Repare que as construções são distribuídas racionalmente. A planta da cidade é geométrica. Há uma grande praça central onde aparentemente estão situados os edifícios públicos. Todas as grandes vias de transporte convergem para a região central da cidade. Em torno do centro, temos grandes propriedades e alamedas. Mais além, está a zona suburbana. Na imagem, todas as partes da cidade parecem estar integradas e organizadas de maneira funcional. Podemos dizer que neste projeto o espaço urbano é organizado racionalmente. Aqui, a razão ajuda a moldar a cidade.


Imagem 3 - O gabinete de Bonnier de la Mosson


A imagem acima é uma pintura de autoria do francês Jacques de Lajoue, datada de 1734. Nela, há uma prateleira contendo estruturas mecânicas, enquanto que em outras estão objetos óticos, pedras ou rochas. Nota-se a presença de esculturas e de um homem lendo um livro. Todos os objetos existentes no Gabinete estão dispostos de maneira racional, organizados e classificados a partir de critérios claros. É um Gabinete da época do Iluminismo.


Imagem 4 - Experiência com pássaro em bomba de ar


A figura acima é uma pintura produzida por Joseph Wright, em 1768. Ela mostra um grupo de pessoas observando uma experiência científica. Na cúpula de vidro há um pássaro. No alto, há uma válvula. O animal morrerá por falta de oxigênio se o ar for bombeado para fora. O objetivo da experiência é provar o efeito da presença ou ausência do oxigênio. Na tela, a ciência desperta diferentes reações: as meninas estão apreensivas com a iminente morte do pássaro; um homem parece querer convencer as duas garotas de que sacrifícios precisam ser feitos em nome do amor à ciência; o filósofo pesquisador no centro do quadro está totalmente atento à experiência; o casal de namorados à esquerda está indiferente ao que acontece na cena; nos demais, percebe-se o fascínio pela ciência e pela razão.


Imagem 5 - O marquês de Pombal


A imagem acima é uma pintura de autoria de Louis-Michel van Loo, datada de 1766. Nela temos a figura de Marquês de Pombal, personagem importante do despotismo esclarecido em Portugal. Em 1755, Lisboa foi surpreendida por um terremoto que destruiu boa parte da cidade. A pintura acima retrata o Marquês de Pombal como o responsável pela reconstrução do lugar. Por meio do quadro, Louis-Michel van Loo procurou reforçar a ideia de que Portugal era uma monarquia ilustrada e administrada com planejamento científico. Na tela, vemos o Marquês apontando para a cidade como se estivesse apresentando orgulhosamente a Lisboa que foi reconstruída. Em primeiro plano, vê-se os projetos de reconstrução da cidade. A pintura retrata o triunfo da razão humana sobre o terremoto.


Imagem 6 - A lição de anatomia do doutor Tulp


Não se pode entender o Iluminismo sem pensar o papel que teve a Holanda na elaboração e na circulação de ideias que inspirariam o "Século das Luzes". Em meados do século XVII, havia na Holanda uma efervescência cultural muito grande: poetas, intelectuais, músicos e filósofos organizavam-se em associações para difundir suas obras e defender seus interesses. Dois dos filósofos considerados precursores do Iluminismo chegaram a residir na Holanda: John Locke e René Descartes.
No território holandês também viviam e trabalhavam alguns dos melhores pintores do norte da Europa, entre os quais destaca-se Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669), autor da pintura acima.
A dissecação de cadáveres foi proibida pela Igreja Católica durante muito tempo, passando a ser timidamente praticada a partir do século XV. Foi no século XVII que as primeiras autópsias públicas começaram a ser praticadas. A autópsia retratada por Rembrandt em seu quadro aconteceu no dia 31 de janeiro de 1632, em Amsterdã, Holanda. Aulas como essa eram raras - ocorriam uma ou duas vezes ao ano - e elas aconteciam apenas no inverno, pois o frio permitia que o cadáver fosse preservado por mais tempo. Tais dissecações eram um verdadeiro acontecimento social, pois as aulas eram abertas não apenas para os cirurgiões, mas para o público em geral (estudantes, burgueses, personalidades locais), que pagava ingresso para assistir ao evento.
No quadro, não se vê o público, mas apenas os cirurgiões. O esboço do braço dissecado foi feito no próprio local em que ocorreu a autópsia. Os retratos dos cirurgiões foram feitos no ateliê de Rembrandt, em um momento posterior.
Jacob de Witt, diretor da guilda de cirurgiões de Amsterdã, e Mathys Kalkieb, um cirurgião, são retratados demonstrando grande interesse pela aula do doutor Tulp. O colarinho branco utilizado pelos personagens era comum em eventos oficiais e solenes. O doutor Tulp é o único que usa chapéu, fato que revela a sua ascendência sobre os demais. Médico e professor, Nicolas Tulp (1593-1674) era o presidente da guilda dos cirurgiões de Amsterdã e foi ele quem encomendou o quadro a Rembrandt. Provavelmente, o quadro foi encomendado para comemorar o primeiro ano das aulas de anatomia ministradas por Tulp na cidade. Para os retratados, aparecer na pintura poderia significar um melhor reconhecimento profissional. Um dos personagens segura uma lista onde aparecem os nomes das pessoas que acompanharam a autópsia. Essa relação de nomes não existia inicialmente, e foi incluída posteriormente pelo artista. O doutor Tulp reproduz o movimento dos dedos da mão autopsiada quando o músculo que está sendo pinçado é contraído. O músculo flexor superficial dos dedos origina-se no lado interno do cotovelo, mas o pintor o retratou originando-se externamente. No canto inferior direito do quadro, vê-se o livro Da organização do corpo humano, que é usado como referência para a aula do doutor Tulp. Esse livro foi escrito por Andreas Vesalius e foi publicado em 1543, sendo considerado a primeira grande obra ricamente ilustrada a respeito da anatomia humana.
Geralmente, os quadros que retratavam as autópsias não mostravam o rosto do cadáver, mas Rembrandt decidiu mostrar o rosto do morto encoberto parcialmente por uma sombra. O corpo autopsiado era do fabricante de flechas Adriaan Adriaanszoon, um homem que havia sido condenado à morte na forca por ter furtado um casaco, em Amsterdã, e espancado a vítima. As dissecações públicas só eram permitidas em corpos de criminosos.


Para pensar...

Imagens como as mostradas acima parecem enaltecer a razão e a ciência. De fato, ao longo dos tempos os homens demonstraram em várias oportunidades um certo orgulho em relação à sua capacidade de pensar, de desenvolver tecnologias e de produzir ciência. No Iluminismo, por exemplo, havia uma noção de que a humanidade estaria caminhando em direção a uma realidade melhor, no sentido de um progresso.

Ora, no campo das manifestações artísticas houve a produção de obras que não enalteceram o potencial da razão, mas preferiram seguir uma atitude bem diferente, mostrando um outro aspecto da condição humana, a saber, a transitoriedade da vida. Um ótimo exemplo disso são as pinturas do tipo Vanitas, como o quadro abaixo:

Imagem 7 - Vanitas


A pintura acima é de autoria de Edwaert Collier, e é datada de 1693. Trata-se de uma obra que procura lembrar a transitoriedade da vida humana. Não importa o tamanho das realizações do homem no campo das ciências e da arte - os vários objetos sobre a mesa - a vida humana é frágil e um dia todos nós morreremos. No quadro, o crânio transmite justamente essa ideia de finitude da vida humana. É como se Collier nos alertasse: "Vangloriem-se menos de sua razão e de suas capacidades, todos vocês vão morrer um dia".