As imagens podem ser um interessante recurso para compreendermos os aspectos de determinados períodos da História. No caso do Iluminismo, existem algumas imagens que nos auxiliam na compreensão do papel desempenhado pela ideia de razão na Europa durante os séculos XVII e XVIII. Vejamos abaixo alguns exemplos:
Imagem 1 - O Sono da razão produz monstros
A imagem acima é uma gravura feita pelo espanhol Francisco de Goya, em 1799. Trata-se de uma representação dos perigos que pairam sobre o homem quando a razão adormece. A gravura, portanto, faz uma referência à importância do uso da razão para o ser humano, o que nos remete à perspectiva iluminista.
Aos amantes da sétima arte, recomendamos o filme "Sombras de Goya" (2006), dirigido por Milos Forman e que conta com as presenças de Natalie Portman e Javier Bardem no elenco. O filme retrata a época em que viveu Goya, com destaque para a Inquisição espanhola.
Vale lembrar que toda a obra de Francisco de Goya está disponível na internet por meio do site do Museu do Prado, situado na Espanha. Para ter acesso a todo este material, clique aqui.
Imagem 2 - O projeto de uma cidade
A figura acima mostra a perspectiva da cidade de Chaux, conforme o projeto do arquiteto francês Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806). Repare que as construções são distribuídas racionalmente. A planta da cidade é geométrica. Há uma grande praça central onde aparentemente estão situados os edifícios públicos. Todas as grandes vias de transporte convergem para a região central da cidade. Em torno do centro, temos grandes propriedades e alamedas. Mais além, está a zona suburbana. Na imagem, todas as partes da cidade parecem estar integradas e organizadas de maneira funcional. Podemos dizer que neste projeto o espaço urbano é organizado racionalmente. Aqui, a razão ajuda a moldar a cidade.
Imagem 3 - O gabinete de Bonnier de la Mosson
A imagem acima é uma pintura de autoria do francês Jacques de Lajoue, datada de 1734. Nela, há uma prateleira contendo estruturas mecânicas, enquanto que em outras estão objetos óticos, pedras ou rochas. Nota-se a presença de esculturas e de um homem lendo um livro. Todos os objetos existentes no Gabinete estão dispostos de maneira racional, organizados e classificados a partir de critérios claros. É um Gabinete da época do Iluminismo.
Imagem 4 - Experiência com pássaro em bomba de ar
A figura acima é uma pintura produzida por Joseph Wright, em 1768. Ela mostra um grupo de pessoas observando uma experiência científica. Na cúpula de vidro há um pássaro. No alto, há uma válvula. O animal morrerá por falta de oxigênio se o ar for bombeado para fora. O objetivo da experiência é provar o efeito da presença ou ausência do oxigênio. Na tela, a ciência desperta diferentes reações: as meninas estão apreensivas com a iminente morte do pássaro; um homem parece querer convencer as duas garotas de que sacrifícios precisam ser feitos em nome do amor à ciência; o filósofo pesquisador no centro do quadro está totalmente atento à experiência; o casal de namorados à esquerda está indiferente ao que acontece na cena; nos demais, percebe-se o fascínio pela ciência e pela razão.
Imagem 5 - O marquês de Pombal
A imagem acima é uma pintura de autoria de Louis-Michel van Loo, datada de 1766. Nela temos a figura de Marquês de Pombal, personagem importante do despotismo esclarecido em Portugal. Em 1755, Lisboa foi surpreendida por um terremoto que destruiu boa parte da cidade. A pintura acima retrata o Marquês de Pombal como o responsável pela reconstrução do lugar. Por meio do quadro, Louis-Michel van Loo procurou reforçar a ideia de que Portugal era uma monarquia ilustrada e administrada com planejamento científico. Na tela, vemos o Marquês apontando para a cidade como se estivesse apresentando orgulhosamente a Lisboa que foi reconstruída. Em primeiro plano, vê-se os projetos de reconstrução da cidade. A pintura retrata o triunfo da razão humana sobre o terremoto.
Imagem 6 - A lição de anatomia do doutor Tulp
Não se pode entender o Iluminismo sem pensar o papel que teve a Holanda na elaboração e na circulação de ideias que inspirariam o "Século das Luzes". Em meados do século XVII, havia na Holanda uma efervescência cultural muito grande: poetas, intelectuais, músicos e filósofos organizavam-se em associações para difundir suas obras e defender seus interesses. Dois dos filósofos considerados precursores do Iluminismo chegaram a residir na Holanda: John Locke e René Descartes.
No território holandês também viviam e trabalhavam alguns dos melhores pintores do norte da Europa, entre os quais destaca-se Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669), autor da pintura acima.
A dissecação de cadáveres foi proibida pela Igreja Católica durante muito tempo, passando a ser timidamente praticada a partir do século XV. Foi no século XVII que as primeiras autópsias públicas começaram a ser praticadas. A autópsia retratada por Rembrandt em seu quadro aconteceu no dia 31 de janeiro de 1632, em Amsterdã, Holanda. Aulas como essa eram raras - ocorriam uma ou duas vezes ao ano - e elas aconteciam apenas no inverno, pois o frio permitia que o cadáver fosse preservado por mais tempo. Tais dissecações eram um verdadeiro acontecimento social, pois as aulas eram abertas não apenas para os cirurgiões, mas para o público em geral (estudantes, burgueses, personalidades locais), que pagava ingresso para assistir ao evento.
No quadro, não se vê o público, mas apenas os cirurgiões. O esboço do braço dissecado foi feito no próprio local em que ocorreu a autópsia. Os retratos dos cirurgiões foram feitos no ateliê de Rembrandt, em um momento posterior.
Jacob de Witt, diretor da guilda de cirurgiões de Amsterdã, e Mathys Kalkieb, um cirurgião, são retratados demonstrando grande interesse pela aula do doutor Tulp. O colarinho branco utilizado pelos personagens era comum em eventos oficiais e solenes. O doutor Tulp é o único que usa chapéu, fato que revela a sua ascendência sobre os demais. Médico e professor, Nicolas Tulp (1593-1674) era o presidente da guilda dos cirurgiões de Amsterdã e foi ele quem encomendou o quadro a Rembrandt. Provavelmente, o quadro foi encomendado para comemorar o primeiro ano das aulas de anatomia ministradas por Tulp na cidade. Para os retratados, aparecer na pintura poderia significar um melhor reconhecimento profissional. Um dos personagens segura uma lista onde aparecem os nomes das pessoas que acompanharam a autópsia. Essa relação de nomes não existia inicialmente, e foi incluída posteriormente pelo artista. O doutor Tulp reproduz o movimento dos dedos da mão autopsiada quando o músculo que está sendo pinçado é contraído. O músculo flexor superficial dos dedos origina-se no lado interno do cotovelo, mas o pintor o retratou originando-se externamente. No canto inferior direito do quadro, vê-se o livro Da organização do corpo humano, que é usado como referência para a aula do doutor Tulp. Esse livro foi escrito por Andreas Vesalius e foi publicado em 1543, sendo considerado a primeira grande obra ricamente ilustrada a respeito da anatomia humana.
Geralmente, os quadros que retratavam as autópsias não mostravam o rosto do cadáver, mas Rembrandt decidiu mostrar o rosto do morto encoberto parcialmente por uma sombra. O corpo autopsiado era do fabricante de flechas Adriaan Adriaanszoon, um homem que havia sido condenado à morte na forca por ter furtado um casaco, em Amsterdã, e espancado a vítima. As dissecações públicas só eram permitidas em corpos de criminosos.
Para pensar...
Imagens como as mostradas acima parecem enaltecer a razão e a ciência. De fato, ao longo dos tempos os homens demonstraram em várias oportunidades um certo orgulho em relação à sua capacidade de pensar, de desenvolver tecnologias e de produzir ciência. No Iluminismo, por exemplo, havia uma noção de que a humanidade estaria caminhando em direção a uma realidade melhor, no sentido de um progresso.
Ora, no campo das manifestações artísticas houve a produção de obras que não enalteceram o potencial da razão, mas preferiram seguir uma atitude bem diferente, mostrando um outro aspecto da condição humana, a saber, a transitoriedade da vida. Um ótimo exemplo disso são as pinturas do tipo Vanitas, como o quadro abaixo:
Imagem 7 - Vanitas
A pintura acima é de autoria de Edwaert Collier, e é datada de 1693. Trata-se de uma obra que procura lembrar a transitoriedade da vida humana. Não importa o tamanho das realizações do homem no campo das ciências e da arte - os vários objetos sobre a mesa - a vida humana é frágil e um dia todos nós morreremos. No quadro, o crânio transmite justamente essa ideia de finitude da vida humana. É como se Collier nos alertasse: "Vangloriem-se menos de sua razão e de suas capacidades, todos vocês vão morrer um dia".