Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

sábado, 25 de outubro de 2014

Os Tupis-Guaranis antes da chegada dos portugueses à América

Na parte do continente americano que viria a ser explorada pelos portugueses, habitavam povos indígenas que formavam uma população de 1 a 8,5 milhões de pessoas (os dados são imprecisos e as estimativas variam). Alguns especialistas afirmam que aqueles povos nativos dividiam-se em mais de mil povos, cada um com sua cultura específica. Existiam por volta de 1300 línguas diferentes, a maioria das quais eram agrupadas em dois troncos linguísticos principais, o tupi e o macro-jê.

Entre os vários grupos tupi estavam os Guarani, os Tupinambá, os Tupiniquim, os Caeté, os Potiguar, os Tabajara, os Carijó e os Tamoio. Eram povos que habitavam a região da atual costa brasileira, desde o Ceará até o Rio Grande do Sul. Por sua vez, os do tronco linguístico macro-jê viviam sobretudo nos cerrados, como os Bororo e os Carajá. Os Tupi chamavam essas populações de tapuias, termo genérico e de sentido pejorativo usado para designar os que falavam línguas distintas da dos Tupi.

Esses povos indígenas seriam dizimados pelos portugueses por causa das guerras, das doenças e da escravização, sobretudo os que viviam na área litorânea. Os índios remanescentes ou migraram para o interior da América Portuguesa ou se incorporaram à sociedade colonial formada por portugueses e africanos escravizados.

Inicialmente, por conta das dificuldades de avançar em direção ao interior, a maioria dos portugueses ocupou basicamente o litoral e, portanto, muitas das informações a respeito dos índios daquela época referem-se principalmente aos Tupi, com os quais os portugueses tiveram mais contato. Já a respeito dos índios do interior existem poucos relatos, entre os quais podemos citar o de Martinho de Nantes, padre capuchinho francês que viveu entre os Cariri no século XVII (região do atual estado da Paraíba), e o de Joan Nieuhof (1618 – 1672), viajante holandês que conheceu os Tarairiú no sertão nordestino durante o século XVII. Textos como esses apresentam importantes informações sobre os indígenas, contudo, uma maior produção de conhecimento sobre aqueles povos só se tornou mais intensa a partir do final do século XIX, quando pesquisas etnológicas com os povos nativos passaram a ser feitas. Infelizmente, àquela época muitas etnias já estavam extintas ou em vias de extinção.

Atualmente, cerca de duzentos povos indígenas vivem no Brasil, constituindo uma população de 817 mil indivíduos, ou seja, 0,4% da população brasileira, conforme o censo de 2010. A maioria dos atuais povos indígenas do Brasil não possui mais do que 500 integrantes, exceção feita aos Ticuna, aos Guarani e aos Kaingang, que contam com mais de 25 mil pessoas. Estima-se que sejam faladas aproximadamente 170 línguas indígenas no território brasileiro, número que já foi maior, mas que foi reduzido porque diversas comunidades adotaram a língua portuguesa ou o idioma de outro povo indígena com o qual tiveram contato. Mais de 80% das atuais terras indígenas encontram-se na região Norte.

A CULTURA TUPI

Os Tupis-Guaranis teriam se originado há mais de 5 mil anos na atual região amazônica, passando a migrar para outras regiões séculos depois. Aqueles que percorreram o litoral acabariam por formar os Tupi, enquanto aqueles que percorreram o interior em direção ao sul formaram os Guarani.

Os Tupi viviam em aldeias formadas por quatro a sete malocas – grandes habitações coletivas sem divisões internas que abrigavam de trinta a cem pessoas e eram feitas de madeira e cobertas por folhas de palmeira – distribuídas em um grande círculo. No centro do círculo formado pelas malocas havia um terreiro conhecido como ocara, o espaço principal da aldeia e onde ocorriam cerimônias religiosas, festas e rituais. Neste terreiro também aconteciam reuniões nas quais se discutiam questões de interesse da comunidade.

Naquelas sociedades indígenas as mulheres se ocupavam da arte cerâmica e da produção do cauim (bebida fermentada à base de mandioca), atividades relacionadas a rituais. O corpo dos guerreiros mortos ou de prisioneiros sacrificados era recebido em cerâmicas, enquanto o cauim era usado em rituais como o da antropofagia. As mulheres ainda coletavam os alimentos, plantavam, cozinhavam, cuidavam das crianças e fabricavam os utensílios domésticos. Os homens, por sua vez, derrubavam árvores, guerreavam, caçavam, pescavam, preparavam a terra para o cultivo, construíam as malocas e fabricavam instrumentos como armas e canoas. As crianças ajudavam os adultos em tarefas compatíveis com sua idade. Os bens produzidos pertenciam a toda a comunidade. Tanto as armas como os objetos de uso diário eram feitos de pedra, osso, madeira ou barro. O conhecimento era socializado, todos os indivíduos tinham acesso ao saber necessário à sua realização pessoal e sobrevivência.

A alimentação variava conforme a região e era baseada na caça, na pesca e na coleta. A pesca era importante em áreas próximas a rios e mares. No interior do continente era muito presente o cultivo de mandioca, milho, abóbora, inhame e batata-doce. A caça era importante em áreas de floresta. Antes da chegada dos portugueses havia a apropriação coletiva da natureza, onde a terra, a floresta, a água e os animais pertenciam a todos, não existindo a propriedade privada da terra ou de qualquer outro recurso natural. Muitos povos indígenas praticavam o nomadismo: quando o solo se esgotava, o grupo que ocupava aquela área abandonava a aldeia e se estabelecia em outra região.

A mandioca era um dos alimentos mais importantes e se tornou comestível porque os índios descobriram uma forma de extrair o veneno existente em sua raiz. Tal veneno era utilizado nas pontas das flechas para torná-las ainda mais mortais. Após extraírem o veneno, os índios usavam a mandioca para fazer farinha seca, tapioca, beiju e outras iguarias. A domesticação da mandioca teria ocorrido há 8 mil anos, começando nas áreas que hoje formam os estados de Rondônia, Mato Grosso e Acre.

O líder da aldeia era escolhido entre os guerreiros que haviam se destacado em guerras, possuía prisioneiros, parentes e esposas, controlando assim a produção de alimentos. O líder da aldeia Tupi – conhecido como morubixaba – impunha ordens ou determinações ao grupo, servia como conselheiro, intermediava as relações entre as pessoas para evitar conflitos. Os presentes e as ofertas eram as bases das relações pessoais, sendo a generosidade um aspecto importante da cultura Tupi. As decisões – como declarar guerra a uma aldeia vizinha – eram tomadas por meio de um consenso entre os principais chefes das grandes famílias, que formavam uma espécie de conselho. O pajé, que desempenhava as funções de médico e sacerdote, era uma pessoa extremamente respeitada da aldeia. O poder não era centralizado, e os mais velhos eram ouvidos em primeiro lugar.

Como não havia propriedade privada e nem poder político forte e centralizado, as comunidades indígenas tinham um caráter igualitário, não havendo privilégios, nem divisões de classes, nem desigualdades sociais.

Eram comuns as alianças entre aldeias vizinhas por meio de casamentos ou de acordos informais, contudo, a guerra era uma atividade importante entre os Tupis-Guaranis. O inimigo morto ou ferido em combate podia ser devorado no campo de batalha. Em outros casos, era comum fazer prisioneiros de guerra que eram conduzidos à aldeia, onde podiam ser mortos em rituais ou passar a fazer parte da rotina da comunidade, podendo viver dessa maneira por anos (o prisioneiro ficava sob a responsabilidade daquele que o capturou e até podia casar-se com uma mulher do lugar). Ser prisioneiro não era algo mal visto, pois para um guerreiro a maior desonra era a morte natural. Os Tupi homenageavam seus inimigos comendo-os, pois acreditavam que assim assimilariam sua força e valentia. Povos indígenas do interior, por sua vez, costumavam ingerir a carne de uma parente morto por causas naturais no intuito de obter suas virtudes e qualidades.


A antropofagia foi vista pelos europeus do século XVI como um sinal do barbarismo dos índios. Assim, os povos nativos foram julgados como incapazes de se autogovernar, o que serviu de justificativa para os homens do Velho Mundo colonizarem a América. 

sábado, 11 de outubro de 2014

Relatos da Conquista Espanhola da América e a Resistência Indígena

A chegada dos espanhóis ao continente americano e o posterior processo de conquista do território foram eventos que deram origem a distintas narrativas. Vejamos alguns deles...

O PONTO DE VISTA DO CONQUISTADOR: O RELATO DE CORTEZ

O próprio Hernan Cortez, responsável pela conquista do México, registrou a sua versão da luta dos espanhóis contra os astecas. Entre os acontecimentos que são descritos nessa narrativa estão: a ida dos espanhóis a Tenochtitlán (a capital asteca, onde governava o líder daquele povo àquela época, Montezuma), o contato com os índios (que, segundo o relato de Cortez, às vezes era amistoso, às vezes conflituoso), o contato com o líder asteca, Montezuma.

É interessante perceber que Hernan Cortez procura em algumas passagens destacar a sua própria determinação em chegar a Tenochtitlán. Ademais, há em tal relato a tentativa de justificar o domínio espanhol sobre aquele território: ao descrever um discurso de Montezuma, Cortez afirma que o chefe dos astecas teria dito que o rei espanhol seria o “senhor natural” dos astecas (Cf. CORTEZ, 1986, p. 41).

Ainda sobre Montezuma, Cortez conta como o senhor de Tenochtitlán se deixou dominar e até ajudou os espanhóis oferecendo informações sobre o território. Ainda de acordo com o conquistador espanhol, tal processo foi interrompido por causa da chegada de outro agente espanhol, Paniilo de Narváez, que se dizia a mando da Coroa Espanhola e que iria tirar Hernan Cortez do comando da conquista do território. Segundo o relato de Hernan Cortez, foi durante o seu conflito contra Narváez que os índios de Tenochtitlán se rebelaram, dando início a uma guerra na qual morreram espanhóis e o próprio Montezuma (ele recebeu uma pedrada enquanto tentava pedir aos índios que parassem de guerrear, segundo Cortez).

Ao narrar o processo da conquista do México, Cortez fala da dificuldade enfrentada pelos espanhóis ao lutarem contra os astecas. O conquistador espanhol também lembra as alianças que foram feitas com povos nativos inimigos de Tenochtitlán, fazendo questão de registrar a sua valentia/coragem pessoal naquela guerra. De fato, em seu relato Cortez procura elaborar a imagem de si próprio como um grande herói.

No que diz respeito à relação entre a linguagem utilizada na elaboração da narrativa e a realidade descrita, Cortez afirma ter uma certa dificuldade em encontrar as palavras adequadas para descrever a cidade de Tenochtitlán e os acontecimentos. De qualquer modo, o espanhol procura reforçar a ideia de que está tentando em seu relato “ser o mais fiel possível aos acontecimentos” (CORTEZ, 1986, p. 62), ou seja, ele quer se mostrar um narrador imparcial, que comunica apenas a verdade dos fatos.

É a partir dessa pretensão que Cortez procura justificativas para dominar Tenochtitlán. Segundo ele, era preciso punir a traição dos índios que se rebelaram contra os espanhóis, ampliar a fé católica, lutar contra aquela gente “bárbara” e garantir a sobrevivência dos espanhóis que, de acordo com o seu ponto de vista, estavam ameaçados naquelas terras.

No que concerne aos conflitos propriamente ditos, Cortez afirma em várias passagens que tentou negociar a paz, mas que os índios de Tenochtitlán não se rendiam. Todavia, é preciso salientar que, em certos momentos do relato, Cortez não deixa de vibrar com as vitórias e os massacres promovidos pelos espanhóis. A vitória espanhola foi possível, segundo Cortez, graças à estratégia de cerco a Tenochtitlán, ao uso de cavalos e armas de fogo e às alianças com povos indígenas que eram inimigos dos astecas.

Outro elemento importante do relato de Cortez é a sua relação com a religião católica. Em diversos momentos do texto, o conquistador espanhol agradece a Deus pelas vitórias nas batalhas. Por mais terríveis que tenham sido alguns dos seus atos, Cortez procura sempre se justificar, tentando construir uma imagem de si mesmo como um herói, bem como a ideia de superioridade dos espanhóis em relação aos indígenas (vistos como traiçoeiros).

OS RELATOS DE ORIGEM INDÍGENA

Se o espanhol deixou registrada a sua versão da conquista do México, os próprios astecas também transmitiram o seu ponto de vista sobre aqueles acontecimentos. Ao recuperar alguns relatos astecas sobre a conquista, o pesquisador Miguel León-Portilla (1991) nos mostra como a dominação espanhola foi vista pelos indígenas. Nas narrativas de origem asteca, aparece em lugar de destaque a estratégia usada por Hernan Cortez para se comunicar com os astecas: o conquistador espanhol falava na sua própria língua com Jerónimo de Aguilar (um náufrago que se estabelecera em Yucatán e que havia aprendido o idioma maia), que falava na língua maia com a índia Malinche que, por sua vez, finalmente traduzia a mensagem para a língua asteca (Malinche falava os idiomas maia e asteca).

Segundo os testemunhos indígenas, o líder asteca Montezuma teria achado inicialmente que a chegada dos espanhóis era o retorno de Quetzalcóatl e dos demais deuses que o acompanhavam. Todavia, tão logo se revelou o objetivo daqueles homens tão diferentes que chegavam a Tenochtitlán, bem como a violência que estavam dispostos a praticar para conquistar o território, os astecas passaram a chamar os espanhóis de popolocas, termo que pode ser traduzido por “bárbaros”.

Em tais relatos astecas da conquista espanhola também aparecem os presságios que teriam surgido nos anos anteriores e que diziam respeito à chegada dos espanhóis e à destruição de Tenochtitlán. Alguns dos presságios descritos nessas narrativas são: uma espiga de fogo no céu, o incêndio em um templo, um grito de mulher no meio da noite. Todos esses presságios seriam sinais da tragédia que seria trazida pelas mãos dos conquistadores espanhóis. Nas narrativas astecas, a existência de tais presságios estão relacionadas à angustia, ao espanto e ao terror sentidos por Montezuma quando da chegada dos espanhóis (Cf. LEÓN-PORTILLA, 1991, p. 27-29).

É interessante observar como os astecas registraram a sua versão acerca da guerra entre o povo de Tenochtitlán e os espanhóis. Segundo os relatos astecas, Cortez teria saído de Tenochtitlán para combater Narváez, mas alguns espanhóis ficaram na capital asteca e, sob a liderança de Alvarado, atacaram indígenas em um templo religioso, fato esse que provocou a revolta asteca contra a presença espanhola. Tal narrativa é instigante porque no relato feito por Hernan Cortez o ataque de Alvarado aos indígenas não aparece com muito destaque. Cortez até afirma que os índios se revoltaram contra os espanhóis, mas não deixa muito claros os motivos de tal rebelião. É como se, para Cortez, os índios de Tenochtitlán fossem traiçoeiros por terem se aproveitado de sua ausência da cidade, enquanto ele combatia Narváez.

Cabe mencionar ainda que, como os astecas se viam como um povo destinado a subjugar outros povos, a derrota para os espanhóis significou um grande “trauma”. De fato, o que se apreende dos testemunhos astecas da conquista espanhola é que o povo de Tenochtitlán sentiu muito a sua derrota, a perda do modo de vida, da cultura e a “morte” dos seus deuses. A descrição do sofrimento causado pela dominação espanhola (a exploração, os trabalhos forçados, etc.) não é uma exclusividade das narrativas dos astecas, pois nos relatos de origem maia tal elemento também aparece. Aliás, nas narrativas maias sobre a conquista espanhola também são feitas menções a presságios da vinda dos espanhóis (as profecias) que teriam ocorrido tempos antes da conquista espanhola.

Por sua vez, a queda do Tahuantinsuyu – o Estado inca localizado na América do Sul – também foi registrada segundo o ponto de vista indígena. De acordo com os relatos incas, a morte do chefe inca Huayna Cápac em 1525 (aproximadamente) provocou a divisão dos territórios incas com a guerra entre Huáscar, o herdeiro legítimo, e Atahualpa, que residia em Quito e também era filho de Huayna Cápac. Com o desenrolar dos conflitos, Huáscar tornou-se prisioneiro de Atahualpa e, portanto, quando os conquistadores espanhóis Francisco Pizarro e Diego Almagro chegaram à América do Sul encontraram os incas divididos.

Pizarro foi à Espanha obter a autorização por parte de Carlos V (líder do império espanhol) para conquistar a região. Segundo as narrativas de origem inca, ao saber da chegada dos homens brancos, Atahualpa teria pensado que fosse o regresso dos deuses, a volta de Huiracocha. Entre o temor, a curiosidade e a dúvida, Atahualpa permitiu o avanço progressivo dos europeus pelo território. O líder inca confiava nos seus 40 mil homens armados.

Já sobre o contato entre Atahualpa e os espanhóis, os relatos incas registram que Pizarro e o chefe inca conversaram com a ajuda de um índio intérprete. Atahualpa teria dito que era um grande senhor e que acreditava nos seus próprios deuses e que, para os incas, eles não eram “falsos” tal como diziam os espanhóis. Atahualpa teria até arremessado para longe uma bíblia que lhe fora entregue pelo frei Vicente de Valverde. De acordo com a memória inca, foi após de tal gesto que os espanhóis atacaram e aprisionaram Atahualpa.

O chefe inca tentou comprar sua liberdade com ouro, porém, mesmo após o pagamento do resgate, os espanhóis o acusaram de idolatria, incesto, adultério, etc. e o condenaram à morte, matando-o em 1533. Os incas ofereceriam resistência à dominação espanhola por 40 anos. Os espanhóis até tentaram apaziguá-los coroando o meio irmão de Atahualpa, Manco II. Contudo, Manco II se rebelou contra os conquistadores. Houve então várias guerras e os incas impuseram dificuldades aos espanhóis.

Para piorar a situação dos espanhóis, Francisco Pizarro e Diego Almagro começaram a brigar entre si. Após os conflitos, Pizarro venceu Almagro e o condenou à morte. Anos depois, o filho de Almagro matou Pizarro. Em 1545 ocorreu a morte de Manco II, e o seu sucessor no posto de chefe inca foi seu filho Sayri Túpac, que se entregou aos espanhóis e morreu envenenado. Os incas coroaram o seu irmão, Titu Cusi Yupanqui, que aumentou os ataques contra os espanhóis. Yupanqui morreu de pneumonia em 1569, sendo sucedido pelo seu irmão Túpac Amaru, o último chefe inca. Túpac Amaru foi preso e morto em 1572, quando os espanhóis finalmente concretizaram o seu domínio sobre o território inca. Todos esses episódios aparecem nas narrativas de origem inca sobre a conquista espanhola do território, processo ao qual os indígenas procuraram resistir.

A RESISTÊNCIA INDÍGENA

A conquista espanhola da América foi marcada por muita violência, a qual os espanhóis – como Hernan Cortez, por exemplo – tentavam justificar a partir da “necessidade” de dominar os “bárbaros” povos indígenas que viviam fora dos dogmas da fé católica. No “encontro” entre europeus e índios, os homens do Velho Mundo pensavam estar diante de uma cultura inferior à europeia e que, por isso, tinha que ser destruída. De fato, a imagem do índio para o europeu foi quase sempre uma imagem negativa.

Todavia, cabe mencionar aqui um personagem dessa história que assumiu contornos mais complexos. Falamos do frei Bartolomé de Las Casas (1474-1566), religioso que, apesar de ser um defensor da cristianização, assumiu uma postura contrária à escravização e ao extermínio dos povos nativos do continente americano.

Por um lado, Las Casas procurou construir uma “imagem servil do índio”. Os povos originados da América pré-colombiana seriam medrosos, destinados à derrota, pusilânimes, fracos, dóceis, inocentes, humildes, pacíficos e obedientes a tal ponto que pareciam ser verdadeiros imbecis. Por outro lado, o frei registrou também em seus escritos as habilidades e a inteligência dos índios, as quais ele admirava. Las Casas até valorizou em certos momentos a valentia e a capacidade de resistência indígena à conquista espanhola do território, embora também tenha criticado o fato de muitos índios terem traído o seu próprio povo, como a índia Malinche, amante e intérprete de Hernan Cortez.

É importante dizer que quando se fala em resistência indígena à dominação espanhola, muitas vezes se restringe tal processo à resistência por meio da guerra, da força. Exemplos notáveis disso foram a resistência dos índios araucanos, que só aceitaram a paz no século XIX, e a revolta liderada pelo cacique Enriquillo em Santo Domingo (1519-1529). Todavia, a resistência indígena ao conquistador europeu assumiu muitas vezes um caráter “sub-reptício”, ou seja, ela se dava de maneira dissimulada, escondida, parecendo ser uma coisa, mas significando outra. Em outras palavras, por trás da aparente passividade indígena registrada por Las Casas, houve sim várias formas de resistência.

Uma primeira forma de resistência sub-reptícia foi o silêncio. Os índios evitavam falar, principalmente em castelhano. O silêncio era não só um sinal do “trauma” por causa da derrota, mas também uma forma de preservar os segredos da própria cultura. Os índios também agiam com teimosia para conseguir algo que era do seu interesse, e não deixavam os colonizadores espanhóis em paz até que alcançassem um determinado objetivo. A mentira, por sua vez, era uma estratégia usada para enganar os espanhóis: os índios diziam-se pobres para não pagar tributos aos espanhóis; também diziam que havia metais preciosos em lugares distantes apenas para fazerem os espanhóis perderem tempo indo procurar tais riquezas.

Outro comportamento indígena que tinha uma finalidade de resistência era a bebedeira. Se em muitas sociedades pré-colombianas do continente americano o consumo exagerado de bebidas alcoólicas era severamente punido, a bebedeira se tornou um hábito comum entre os índios após a chegada dos europeus, que não conseguiam controlar o comportamento dos nativos em relação à bebida. Enquanto estavam bêbados, os índios aproveitavam para reverenciar seus próprios deuses, mesmo estando vestidos como espanhóis/cristãos. Os membros da Igreja católica muitas vezes se sentiam perdidos, sem saber como, e se, deviam punir tais atitudes, já que os índios que se embriagavam não demonstravam ter muita consciência do que estavam fazendo.

Enfim, a preguiça era uma outra forma de resistir ao conquistador. Os índios não se mostravam muito interessados em trabalhar para os espanhóis. Afinal, por que eles produziriam muitas riquezas para os invasores?

Todos esses comportamentos – o silêncio, a teimosia, a mentira, a bebedeira e a preguiça – eram vistos pelos espanhóis como traços negativos dos índios. Contudo, Bartolomé de Las Casas não via tais atitudes como negativas, mas como relacionadas ao modo de vida dos índios. Os índios tinham, de fato, um outro ritmo de trabalho, não tinham um apetite ilimitado pela riqueza. Além disso, os povos nativos valorizavam os momentos de lazer.

Mais que isso, tais comportamentos indígenas faziam parte do que pode ser chamado de “a simulação dos vencidos”, uma forma de resistência que se baseia em mentiras. Os índios se mostravam como cristãos no espaço público, mas continuavam com suas práticas religiosas no espaço privado. Assim, eles conseguiram por vezes preservar seu idioma e seus hábitos. Alguns índios até aprendiam o castelhano e também a usar as leis espanholas a seu favor (sobretudo os índios que aprendiam a ler e a escrever). Por outro lado, nem todos os espanhóis se dedicavam muito a aprender as línguas indígenas, e os espanhóis ficavam extremamente irritados quando os índios falavam exclusivamente nas línguas nativas perto deles: não era possível saber se os índios estavam caçoando dos espanhóis ou preparando alguma armadilha.

As línguas nativas eram usadas pelos índios ao fazerem suas festas e rezas. Também ocorria a mistura das duas religiões, onde Jesus Cristo tornava-se apenas mais um ídolo entre os vários que os índios cultuavam. Rezando na sua própria língua e misturando os santos católicos com suas próprias divindades, os índios pediam proteção contra os espanhóis. Graças a estratégias desse tipo os índios preservaram elementos da sua cultura e a sua própria identidade coletiva. Se tal “simulação” foi uma forma de luta, a resistência cultural pode ser vista como uma vitória. De fato, se por um lado os povos indígenas da América foram vencidos (conquistados) pelos europeus, por outro lado eles foram vencedores ao conseguirem preservar partes de sua cultura.

Sem sombra de dúvidas, a “simulação dos vencidos” e a resistência cultural indígena nos mostram que o projeto de sociedade organizada, católica e obediente que os espanhóis procuraram concretizar na América não se tornou realidade. O próprio Las Casas e outros cronistas espanhóis da época registraram que não só os índios, mas também os filhos de espanhóis nascidos na América eram desobedientes às leis vindas da Espanha. A nova sociedade hispano-indígena, segundo os cronistas do período, já nascia fracassada, seja por causa da resistência indígena, seja por causa da mestiçagem que “piorava”, segundo aqueles europeus, a natureza dos homens nascidos em solo americano.


BIBLIOGRAFIA

BRUIT, Héctor H. Bartolomé de Las Casas e a simulação dos vencidos. São Paulo: Unicamp: Iluminuras, 1995.

CORTEZ, Hernan. A Conquista do México. Tradução de Jurandir Soares dos Santos. Porto Alegre: L&PM, 1986.


LEÓN-PORTILLA, Miguel. A Conquista da América Latina vista pelos índios: relatos astecas, maias e incas. 4. ed. Tradução de Augusto Ângelo Zanatta. Petrópolis: Vozes, 1991.

O Segundo Reinado no Brasil

O chamado Segundo Reinado da história brasileira se iniciou em 1840 com dom Pedro II assumindo o trono do Império por meio do Golpe da Maioridade, fato que marcou o fim do Período Regencial. O governo de dom Pedro II durou até o ano de 1889 e foi marcado por um longo processo de centralização política e administrativa acompanhada da pacificação do país, por meio da contenção de revoltas.

Durante o Segundo Reinado dois grupos políticos disputaram o poder no âmbito do Legislativo: os conservadores – burocratas, grandes comerciantes e fazendeiros ligados à lavoura de exportação – e os liberais – profissionais liberais urbanos e fazendeiros encarregados do abastecimento do mercado interno. Esses dois grupos se alternavam constantemente no comando do Poder Legislativo e muitos estudiosos chegam a afirmar que o Segundo Reinado foi marcado pela conciliação entre conservadores e liberais, processo do qual dom Pedro II não ficou ausente.

ECONOMIA E SOCIEDADE NO SEGUNDO REINADO

Durante o governo de dom Pedro II alguns produtos tinham certa importância na nossa economia, como o açúcar, o cacau e a borracha. Contudo, o café acabou se tornando o produto nacional mais importante. É preciso dizer que a produção agrícola brasileira tinha um caráter escravista-exportador, embora o que se viu ao longo do século XIX foi o declínio do trabalho escravo e o aumento do trabalho assalariado.

Ocorreu também um relativo desenvolvimento capitalista, com o crescimento da importância econômica e política da região sudeste, em detrimento de outras regiões como o nordeste, por exemplo. A composição da população brasileira também passou por mudanças, com o aumento da imigração europeia.

No que diz respeito ao café brasileiro, temos que inicialmente o seu cultivo era voltado para o consumo interno. Foi apenas com o declínio da produção francesa no Haiti e na Guiana Francesa que a produção do café brasileiro se voltou para a exportação. Se no início o produto era muito plantado no Rio de Janeiro, com o passar dos anos, porém, o café ganharia outras áreas do Brasil, tais como a Zona da Mata Mineira, o Vale do Paraíba e, enfim, o oeste da província de São Paulo, que acabaria concentrando a produção nacional do café. Cabe mencionar ainda que o plantio de café provocou em certas regiões, especialmente no Vale do Paraíba, um processo de erosão e esgotamento do solo, além da derrubada de matas. Além dos impactos ambientais, o café também permitiu a ascensão política dos chamados barões do café, cada vez mais enriquecidos com o aumento das exportações do café brasileiro, cuja demanda no exterior era crescente.

Foi com a diminuição da importância, para a economia brasileira, de produtos como o açúcar (houve a concorrência da produção antilhana e do açúcar de beterraba europeu; além disso, iniciou-se a produção norte-americana do produto que fez com que os Estados Unidos parassem de comprar o açúcar brasileiro), o algodão (houve a concorrência do produto de origem norte-americana), o fumo (este produto perdeu importância com o fim do tráfico negreiro) e o couro (houve a concorrência da produção dos países da bacia Platina) que o café brasileiro passou a liderar a produção agrícola nacional.

Além da presença marcante do café na economia brasileira, o Segundo Reinado viu também um surto de industrialização. Em 1844 foi aprovada a Tarifa Alves Branco por meio de um decreto do ministro das finanças, Manuel Alves Branco. Essa medida taxou em 30% os produtos importados sem similares produzidos no Brasil e em 60% aqueles com similares produzidos localmente. O aumento dos preços dos produtos importados acabou por estimular a produção industrial brasileira. Personagem de destaque do surto de industrialização ocorrido na época foi Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá, dono de empreendimentos industriais particulares, bancos, estrada de ferro, companhia de gás no Rio de Janeiro, fundição e estaleiro. Em 1860, a Tarifa Alves Branco foi substituída por outra mais baixa graças à pressão de comerciantes ingleses. Mauá não conseguiu competir com os produtos importados e acabou indo à falência em 1878.

O Segundo Reinado foi marcado também por um longo debate em torno da questão da mão-de-obra. Em um cenário internacional de desenvolvimento capitalista, houve a pressão da Inglaterra pelo fim do trabalho escravo. Os britânicos desejavam a ampliação do mercado consumidor de seus produtos por meio do aumento do número de trabalhadores assalariados. Em 1845, em resposta ao aumento dos impostos sobre os produtos britânicos no Brasil, a Inglaterra decretou a Bill Aberdeen, lei que dava à marinha inglesa o poder de prender navios negreiros que atravessavam o Oceano Atlântico em direção ao Brasil. O governo brasileiro acabou cedendo à pressão e aprovou, em 1850, a Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico negreiro (que continuou existindo sob a forma de contrabando). É preciso salientar que a referida lei não foi aprovada apenas por conta da pressão inglesa, mas também por causa da resistência dos negros (fugas e rebeliões ocorriam) e do crescimento do número de pessoas contrárias à escravidão.

Com o fim do tráfico negreiro, fazendeiros passaram a agenciar a vinda de imigrantes europeus. O senador de São Paulo, Nicolau de Campos Vergueiro, foi um dos primeiros a adotar o sistema de parceria em suas terras, onde os imigrantes ficavam com um terço dos lucros da produção agrícola e o restante servia para o fazendeiro pagar os altos custos da viagem. Todavia, a “parceria” fracassou por conta da exploração exagerada dos imigrantes pelos fazendeiros.

De qualquer forma, a imigração europeia para o Brasil continuou, especialmente por causa da crise econômica e das guerras existentes no continente europeu que provocavam a saída de muitas pessoas do Velho Mundo em direção a outras partes do globo. O governo imperial brasileiro acabou por subvencionar a imigração europeia e, com a vinda dos europeus e a consolidação do trabalho assalariado livre, as elites latifundiárias brasileiras receberam com alegria a Lei de Terras de 1850, que definiu que só podia ser dono de terras quem pagasse um alto preço por elas. Tal lei, portanto, servia para limitar o acesso à terra.

POLÍTICA NO SEGUNDO REINADO

O governo de dom Pedro II pode ser dividido, do ponto de vista da política interna, em três fases: consolidação do domínio oligárquico (1840-1850), conciliação (1850-1870) e crise (1870-1889). Durante as duas primeiras, o Partido Conservador e o Partido Liberal, representantes das elites, alternaram-se no controle do governo. Naquele período, as eleições para deputados eram marcadas pelo uso da violência e pela ocorrência de fraudes no processo eleitoral. Não é por acaso que os processos eleitorais da época ficaram conhecidos como eleições do cacete.

O Poder Legislativo era subordinado ao Poder Executivo. O imperador podia dissolver a câmara e demitir o presidente do Conselho de Ministros. As eleições, por sua vez, eram sempre elitizadas, por meio do voto censitário. Tais características marcaram o parlamentarismo às avessas do Segundo Reinado.

Tal centralização política provocou reações. Entre 1848 e 1850, por exemplo, a província de Pernambuco vivenciou a Revolução Praieira. O Diário Novo, jornal localizado na Rua da Praia na cidade do Recife, divulgava ideias como a ampliação do direito de voto, a liberdade de imprensa, a nacionalização do comércio (que era controlado por portugueses e ingleses), maior autonomia para a província de Pernambuco e extinção do Poder Moderador. A circulação de tais ideias levou à mobilização de liberais, senhores de engenho e segmentos populares locais contra o governo central do Império. Após um período de intensa agitação política em Pernambuco, o governo imperial conseguiu sufocar a revolta.

Já no que diz respeito à política externa, o Segundo Reinado viu a ocorrência de atritos contra a Inglaterra, notadamente por conta do trabalho escravo, e de atritos na região do Rio da Prata (1850-1851, 1852, 1864-1865) a partir de conflitos com Argentina e Uruguai. Já entre 1864 e 1870 ocorreu a Guerra do Paraguai. Esse conflito armado envolveu a política expansionista do líder político paraguaio Solano López e os interesses de Brasil, Argentina e Uruguai (países esses que formariam a Tríplice Aliança contra os paraguaios) na região. A rivalidade entre Paraguai e a Tríplice Aliança levou a uma grande guerra que devastou o Paraguai, que saiu derrotado do conflito. Cabe destacar que muitos escravos participaram da guerra na expectativa de ganhar a liberdade.

A partir da década de 1870 o Império brasileiro passaria a enfrentar uma grave crise. Um dos fatores foi certamente o debate em torno da escravidão. Em 1871 foi aprovada a Lei do Ventre Livre e em 1885 foi a vez de a Lei dos Sexagenários também ser aprovada, as duas leis tinham as suas limitações, mas apontavam para a direção da abolição da escravidão. Enquanto isso, crescia o movimento abolicionista, especialmente após a Guerra do Paraguai, quando brancos e negros lutaram lado a lado, o que fez com que muitos membros do Exército passassem a se simpatizar com o abolicionismo. Em algumas regiões do império, os escravos recebiam a ajuda dos caifazes para fugir dos seus senhores. Um desses caifazes foi Antonio Bento de Souza e Castro (1843-1898), jornalista e advogado que organizou um quilombo perto de Santos. O ápice do processo de luta contra o trabalho escravo durante o Segundo Reinado foi a aprovação da Lei Áurea no dia 13 de maio de 1888, assinada pela Princesa Isabel, que finalmente proibiu a escravidão no país. A abolição seria responsável por diminuir o apoio de grandes donos de terras à monarquia.

O governo imperial teve que lidar também com atritos na sua relação com a Igreja ao final do século XIX. Inicialmente, a Igreja e o Estado imperial eram bem unidos, o regime do padroado garantia ao imperador o poder de nomear bispos, enquanto o beneplácito fazia com que medidas implantadas pelo papa em Roma só fossem adotadas pela Igreja no Brasil após a aprovação do imperador. Contudo, o papa Pio IX proibiu, em 1864, a presença de membros da maçonaria na Igreja, proibição com a qual dom Pedro II não concordou, uma vez que ele mesmo era ligado à maçonaria. O imperador, portanto, acabou não permitindo que tal proibição fosse colocada em prática na Igreja brasileira e isso provocou atritos com alguns religiosos, tais como os bispos de Olinda e Belém, que optaram por seguir as recomendações do papa. O imperador acabou punindo severamente os bispos, fato que desagradou fortemente o clero brasileiro.

Por sua vez, o Exército brasileiro também passou a fazer oposição ao imperador em decorrência dos baixos salários, das lentas promoções e dos poucos investimentos. Oficiais acabaram aderindo ao abolicionismo, ao republicanismo e até ao positivismo (baseado nas ideias de ordem e progresso). O republicanismo, aliás, também cresceu entre os cafeicultores paulistas, indivíduos que, a despeito de seu poder econômico, não tinham todo o espaço que queriam na política imperial, que era muito centralizada no Rio de Janeiro.


Assim, o Império enfrentava oposição de vários setores da sociedade brasileira, inclusive das aristocracias agrárias tradicionais que se viam como traídas pela monarquia após a abolição da escravidão. O clímax desse ambiente de crise política seria a Proclamação da República que daria fim ao Segundo Reinado em 1889.