Na
parte do continente americano que viria a ser explorada pelos portugueses,
habitavam povos indígenas que formavam uma população de 1 a 8,5 milhões de
pessoas (os dados são imprecisos e as estimativas variam). Alguns especialistas
afirmam que aqueles povos nativos dividiam-se em mais de mil povos, cada um com
sua cultura específica. Existiam por volta de 1300 línguas diferentes, a
maioria das quais eram agrupadas em dois troncos linguísticos principais, o tupi e o macro-jê.
Entre
os vários grupos tupi estavam os Guarani, os Tupinambá, os Tupiniquim, os Caeté,
os Potiguar, os Tabajara, os Carijó e os Tamoio. Eram povos que habitavam a
região da atual costa brasileira, desde o Ceará até o Rio Grande do Sul. Por
sua vez, os do tronco linguístico macro-jê viviam sobretudo nos cerrados,
como os Bororo e os Carajá. Os Tupi chamavam essas populações de tapuias, termo
genérico e de sentido pejorativo usado para designar os que falavam línguas
distintas da dos Tupi.
Esses
povos indígenas seriam dizimados pelos portugueses por causa das guerras, das
doenças e da escravização, sobretudo os que viviam na área litorânea. Os índios
remanescentes ou migraram para o interior da América Portuguesa ou se
incorporaram à sociedade colonial formada por portugueses e africanos
escravizados.
Inicialmente,
por conta das dificuldades de avançar em direção ao interior, a maioria dos
portugueses ocupou basicamente o litoral e, portanto, muitas das informações a
respeito dos índios daquela época referem-se principalmente aos Tupi, com os
quais os portugueses tiveram mais contato. Já a respeito dos índios do interior
existem poucos relatos, entre os quais podemos citar o de Martinho de Nantes,
padre capuchinho francês que viveu entre os Cariri no século XVII (região do
atual estado da Paraíba), e o de Joan Nieuhof (1618 – 1672), viajante holandês
que conheceu os Tarairiú no sertão nordestino durante o século XVII. Textos
como esses apresentam importantes informações sobre os indígenas, contudo, uma
maior produção de conhecimento sobre aqueles povos só se tornou mais intensa a
partir do final do século XIX, quando pesquisas etnológicas com os povos
nativos passaram a ser feitas. Infelizmente, àquela época muitas etnias já
estavam extintas ou em vias de extinção.
Atualmente,
cerca de duzentos povos indígenas vivem no Brasil, constituindo uma população
de 817 mil indivíduos, ou seja, 0,4% da população brasileira, conforme o censo
de 2010. A maioria dos atuais povos indígenas do Brasil não possui mais do que
500 integrantes, exceção feita aos Ticuna, aos Guarani e aos Kaingang, que
contam com mais de 25 mil pessoas. Estima-se que sejam faladas aproximadamente 170
línguas indígenas no território brasileiro, número que já foi maior, mas que
foi reduzido porque diversas comunidades adotaram a língua portuguesa ou o
idioma de outro povo indígena com o qual tiveram contato. Mais de 80% das
atuais terras indígenas encontram-se na região Norte.
A
CULTURA TUPI
Os
Tupis-Guaranis teriam se originado há mais de 5 mil anos na atual região
amazônica, passando a migrar para outras regiões séculos depois. Aqueles que
percorreram o litoral acabariam por formar os Tupi, enquanto aqueles que
percorreram o interior em direção ao sul formaram os Guarani.
Os
Tupi viviam em aldeias formadas por quatro a sete malocas – grandes habitações
coletivas sem divisões internas que abrigavam de trinta a cem pessoas e eram
feitas de madeira e cobertas por folhas de palmeira – distribuídas em um grande
círculo. No centro do círculo formado pelas malocas havia um terreiro conhecido
como ocara, o espaço principal da aldeia e onde ocorriam cerimônias
religiosas, festas e rituais. Neste terreiro também aconteciam reuniões nas
quais se discutiam questões de interesse da comunidade.
Naquelas
sociedades indígenas as mulheres se ocupavam da arte cerâmica e da produção do
cauim (bebida fermentada à base de mandioca), atividades relacionadas a
rituais. O corpo dos guerreiros mortos ou de prisioneiros sacrificados era
recebido em cerâmicas, enquanto o cauim era usado em rituais como o da
antropofagia. As mulheres ainda coletavam os alimentos, plantavam, cozinhavam,
cuidavam das crianças e fabricavam os utensílios domésticos. Os homens, por sua
vez, derrubavam árvores, guerreavam, caçavam, pescavam, preparavam a terra para
o cultivo, construíam as malocas e fabricavam instrumentos como armas e canoas.
As crianças ajudavam os adultos em tarefas compatíveis com sua idade. Os bens
produzidos pertenciam a toda a comunidade. Tanto as armas como os objetos de
uso diário eram feitos de pedra, osso, madeira ou barro. O conhecimento era
socializado, todos os indivíduos tinham acesso ao saber necessário à sua
realização pessoal e sobrevivência.
A
alimentação variava conforme a região e era baseada na caça, na pesca e na
coleta. A pesca era importante em áreas próximas a rios e mares. No interior do
continente era muito presente o cultivo de mandioca, milho, abóbora, inhame e
batata-doce. A caça era importante em áreas de floresta. Antes da chegada dos
portugueses havia a apropriação coletiva da natureza, onde a terra, a floresta,
a água e os animais pertenciam a todos, não existindo a propriedade privada da
terra ou de qualquer outro recurso natural. Muitos povos indígenas praticavam o
nomadismo: quando o solo se esgotava, o grupo que ocupava aquela área
abandonava a aldeia e se estabelecia em outra região.
A
mandioca era um dos alimentos mais importantes e se tornou comestível porque os
índios descobriram uma forma de extrair o veneno existente em sua raiz. Tal
veneno era utilizado nas pontas das flechas para torná-las ainda mais mortais.
Após extraírem o veneno, os índios usavam a mandioca para fazer farinha seca,
tapioca, beiju e outras iguarias. A domesticação da mandioca teria ocorrido há
8 mil anos, começando nas áreas que hoje formam os estados de Rondônia, Mato
Grosso e Acre.
O
líder da aldeia era escolhido entre os guerreiros que haviam se destacado em
guerras, possuía prisioneiros, parentes e esposas, controlando assim a produção
de alimentos. O líder da aldeia Tupi – conhecido como morubixaba – impunha
ordens ou determinações ao grupo, servia como conselheiro, intermediava as
relações entre as pessoas para evitar conflitos. Os presentes e as ofertas eram
as bases das relações pessoais, sendo a generosidade um aspecto importante da
cultura Tupi. As decisões – como declarar guerra a uma aldeia vizinha – eram
tomadas por meio de um consenso entre os principais chefes das grandes famílias,
que formavam uma espécie de conselho. O pajé, que desempenhava as funções de
médico e sacerdote, era uma pessoa extremamente respeitada da aldeia. O poder
não era centralizado, e os mais velhos eram ouvidos em primeiro lugar.
Como
não havia propriedade privada e nem poder político forte e centralizado, as
comunidades indígenas tinham um caráter igualitário, não havendo privilégios,
nem divisões de classes, nem desigualdades sociais.
Eram
comuns as alianças entre aldeias vizinhas por meio de casamentos ou de acordos
informais, contudo, a guerra era uma atividade importante entre os
Tupis-Guaranis. O inimigo morto ou ferido em combate podia ser devorado no campo
de batalha. Em outros casos, era comum fazer prisioneiros de guerra que eram
conduzidos à aldeia, onde podiam ser mortos em rituais ou passar a fazer parte
da rotina da comunidade, podendo viver dessa maneira por anos (o prisioneiro
ficava sob a responsabilidade daquele que o capturou e até podia casar-se com
uma mulher do lugar). Ser prisioneiro não era algo mal visto, pois para um
guerreiro a maior desonra era a morte natural. Os Tupi homenageavam seus
inimigos comendo-os, pois acreditavam que assim assimilariam sua força e
valentia. Povos indígenas do interior, por sua vez, costumavam ingerir a carne
de uma parente morto por causas naturais no intuito de obter suas virtudes e
qualidades.
A
antropofagia foi vista pelos europeus do século XVI como um sinal do barbarismo
dos índios. Assim, os povos nativos foram julgados como incapazes de se
autogovernar, o que serviu de justificativa para os homens do Velho Mundo
colonizarem a América.