Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

sábado, 25 de outubro de 2014

Os Tupis-Guaranis antes da chegada dos portugueses à América

Na parte do continente americano que viria a ser explorada pelos portugueses, habitavam povos indígenas que formavam uma população de 1 a 8,5 milhões de pessoas (os dados são imprecisos e as estimativas variam). Alguns especialistas afirmam que aqueles povos nativos dividiam-se em mais de mil povos, cada um com sua cultura específica. Existiam por volta de 1300 línguas diferentes, a maioria das quais eram agrupadas em dois troncos linguísticos principais, o tupi e o macro-jê.

Entre os vários grupos tupi estavam os Guarani, os Tupinambá, os Tupiniquim, os Caeté, os Potiguar, os Tabajara, os Carijó e os Tamoio. Eram povos que habitavam a região da atual costa brasileira, desde o Ceará até o Rio Grande do Sul. Por sua vez, os do tronco linguístico macro-jê viviam sobretudo nos cerrados, como os Bororo e os Carajá. Os Tupi chamavam essas populações de tapuias, termo genérico e de sentido pejorativo usado para designar os que falavam línguas distintas da dos Tupi.

Esses povos indígenas seriam dizimados pelos portugueses por causa das guerras, das doenças e da escravização, sobretudo os que viviam na área litorânea. Os índios remanescentes ou migraram para o interior da América Portuguesa ou se incorporaram à sociedade colonial formada por portugueses e africanos escravizados.

Inicialmente, por conta das dificuldades de avançar em direção ao interior, a maioria dos portugueses ocupou basicamente o litoral e, portanto, muitas das informações a respeito dos índios daquela época referem-se principalmente aos Tupi, com os quais os portugueses tiveram mais contato. Já a respeito dos índios do interior existem poucos relatos, entre os quais podemos citar o de Martinho de Nantes, padre capuchinho francês que viveu entre os Cariri no século XVII (região do atual estado da Paraíba), e o de Joan Nieuhof (1618 – 1672), viajante holandês que conheceu os Tarairiú no sertão nordestino durante o século XVII. Textos como esses apresentam importantes informações sobre os indígenas, contudo, uma maior produção de conhecimento sobre aqueles povos só se tornou mais intensa a partir do final do século XIX, quando pesquisas etnológicas com os povos nativos passaram a ser feitas. Infelizmente, àquela época muitas etnias já estavam extintas ou em vias de extinção.

Atualmente, cerca de duzentos povos indígenas vivem no Brasil, constituindo uma população de 817 mil indivíduos, ou seja, 0,4% da população brasileira, conforme o censo de 2010. A maioria dos atuais povos indígenas do Brasil não possui mais do que 500 integrantes, exceção feita aos Ticuna, aos Guarani e aos Kaingang, que contam com mais de 25 mil pessoas. Estima-se que sejam faladas aproximadamente 170 línguas indígenas no território brasileiro, número que já foi maior, mas que foi reduzido porque diversas comunidades adotaram a língua portuguesa ou o idioma de outro povo indígena com o qual tiveram contato. Mais de 80% das atuais terras indígenas encontram-se na região Norte.

A CULTURA TUPI

Os Tupis-Guaranis teriam se originado há mais de 5 mil anos na atual região amazônica, passando a migrar para outras regiões séculos depois. Aqueles que percorreram o litoral acabariam por formar os Tupi, enquanto aqueles que percorreram o interior em direção ao sul formaram os Guarani.

Os Tupi viviam em aldeias formadas por quatro a sete malocas – grandes habitações coletivas sem divisões internas que abrigavam de trinta a cem pessoas e eram feitas de madeira e cobertas por folhas de palmeira – distribuídas em um grande círculo. No centro do círculo formado pelas malocas havia um terreiro conhecido como ocara, o espaço principal da aldeia e onde ocorriam cerimônias religiosas, festas e rituais. Neste terreiro também aconteciam reuniões nas quais se discutiam questões de interesse da comunidade.

Naquelas sociedades indígenas as mulheres se ocupavam da arte cerâmica e da produção do cauim (bebida fermentada à base de mandioca), atividades relacionadas a rituais. O corpo dos guerreiros mortos ou de prisioneiros sacrificados era recebido em cerâmicas, enquanto o cauim era usado em rituais como o da antropofagia. As mulheres ainda coletavam os alimentos, plantavam, cozinhavam, cuidavam das crianças e fabricavam os utensílios domésticos. Os homens, por sua vez, derrubavam árvores, guerreavam, caçavam, pescavam, preparavam a terra para o cultivo, construíam as malocas e fabricavam instrumentos como armas e canoas. As crianças ajudavam os adultos em tarefas compatíveis com sua idade. Os bens produzidos pertenciam a toda a comunidade. Tanto as armas como os objetos de uso diário eram feitos de pedra, osso, madeira ou barro. O conhecimento era socializado, todos os indivíduos tinham acesso ao saber necessário à sua realização pessoal e sobrevivência.

A alimentação variava conforme a região e era baseada na caça, na pesca e na coleta. A pesca era importante em áreas próximas a rios e mares. No interior do continente era muito presente o cultivo de mandioca, milho, abóbora, inhame e batata-doce. A caça era importante em áreas de floresta. Antes da chegada dos portugueses havia a apropriação coletiva da natureza, onde a terra, a floresta, a água e os animais pertenciam a todos, não existindo a propriedade privada da terra ou de qualquer outro recurso natural. Muitos povos indígenas praticavam o nomadismo: quando o solo se esgotava, o grupo que ocupava aquela área abandonava a aldeia e se estabelecia em outra região.

A mandioca era um dos alimentos mais importantes e se tornou comestível porque os índios descobriram uma forma de extrair o veneno existente em sua raiz. Tal veneno era utilizado nas pontas das flechas para torná-las ainda mais mortais. Após extraírem o veneno, os índios usavam a mandioca para fazer farinha seca, tapioca, beiju e outras iguarias. A domesticação da mandioca teria ocorrido há 8 mil anos, começando nas áreas que hoje formam os estados de Rondônia, Mato Grosso e Acre.

O líder da aldeia era escolhido entre os guerreiros que haviam se destacado em guerras, possuía prisioneiros, parentes e esposas, controlando assim a produção de alimentos. O líder da aldeia Tupi – conhecido como morubixaba – impunha ordens ou determinações ao grupo, servia como conselheiro, intermediava as relações entre as pessoas para evitar conflitos. Os presentes e as ofertas eram as bases das relações pessoais, sendo a generosidade um aspecto importante da cultura Tupi. As decisões – como declarar guerra a uma aldeia vizinha – eram tomadas por meio de um consenso entre os principais chefes das grandes famílias, que formavam uma espécie de conselho. O pajé, que desempenhava as funções de médico e sacerdote, era uma pessoa extremamente respeitada da aldeia. O poder não era centralizado, e os mais velhos eram ouvidos em primeiro lugar.

Como não havia propriedade privada e nem poder político forte e centralizado, as comunidades indígenas tinham um caráter igualitário, não havendo privilégios, nem divisões de classes, nem desigualdades sociais.

Eram comuns as alianças entre aldeias vizinhas por meio de casamentos ou de acordos informais, contudo, a guerra era uma atividade importante entre os Tupis-Guaranis. O inimigo morto ou ferido em combate podia ser devorado no campo de batalha. Em outros casos, era comum fazer prisioneiros de guerra que eram conduzidos à aldeia, onde podiam ser mortos em rituais ou passar a fazer parte da rotina da comunidade, podendo viver dessa maneira por anos (o prisioneiro ficava sob a responsabilidade daquele que o capturou e até podia casar-se com uma mulher do lugar). Ser prisioneiro não era algo mal visto, pois para um guerreiro a maior desonra era a morte natural. Os Tupi homenageavam seus inimigos comendo-os, pois acreditavam que assim assimilariam sua força e valentia. Povos indígenas do interior, por sua vez, costumavam ingerir a carne de uma parente morto por causas naturais no intuito de obter suas virtudes e qualidades.


A antropofagia foi vista pelos europeus do século XVI como um sinal do barbarismo dos índios. Assim, os povos nativos foram julgados como incapazes de se autogovernar, o que serviu de justificativa para os homens do Velho Mundo colonizarem a América.