Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

terça-feira, 26 de maio de 2015

Totalitarismos no século XX: Fascismo italiano, Nazismo alemão, Stalinismo soviético e o surgimento de ditaduras na Península Ibérica

Após o término da Primeira Guerra Mundial, em 1918, muitas pessoas estavam desiludidas com o presente e sem muitas esperanças em relação ao futuro. Na África, continente que estava subjugado por nações europeias, surgiram diversos movimentos que passaram a defender o fim do colonialismo. Nos países da América Latina, os problemas sociais se avolumavam e ocorriam revoltas ou até guerras civis. Por sua vez, os europeus se viam na difícil tarefa de reconstruir seus países após a perda de muitas vidas humanas na Grande Guerra. Foi nesse cenário que muitos passaram a desconfiar do liberalismo, pois esse sistema político não conseguiu impedir a guerra e nem resolver todos os problemas criados pelo conflito. Assim, no lugar do regime liberal, certos grupos passaram a defender um Estado nacional mais forte. No leste, a Rússia (União Soviética a partir de 1922) com o seu Estado forte parecia apontar um caminho de igualdade e justiça social, chamando a atenção de trabalhadores de todo o mundo.

Apesar das diferenças, os movimentos autoritários que surgiram na Europa e o governo soviético centralizado em Stalin a partir de 1924 convergiam para um ponto em comum, a saber, o totalitarismo. Essa nova forma de poder opunha-se ao liberalismo e era bem diferente dos outros regimes políticos anteriores, até mesmo do absolutismo monárquico. O totalitarismo funda-se essencialmente no terror permanente contra o indivíduo. Por meio da repressão, da propaganda ideológica e da supressão dos direitos individuais e coletivos, o Estado totalitário procura controlar a vida pública e a vida privada dos cidadãos. Nessa forma de organização do Estado, o poder está concentrado nas mãos de poucas pessoas, em geral organizadas em torno de um partido único. Normalmente, esse partido tem uma base de massas, mas são apenas os seus dirigentes que tomam as decisões, sendo que a máquina do partido confunde-se com o próprio aparelho do Estado. O Estado totalitário usa os meios de comunicação para difundir sua ideologia e exaltar o governo e a figura do líder, visto como uma pessoa excepcional e dotada de qualidades superiores e quase sobrenaturais. A ideia de “pátria” é importante no totalitarismo, a nação está acima de tudo e de todos. O patriotismo extremo é acompanhado pelo ódio aos estrangeiros e pela militarização de toda a sociedade.

No totalitarismo, a ênfase na unidade da nação resulta na defesa da ditadura. O liberalismo é visto como uma ideologia prejudicial, pois leva ao individualismo e à desunião, decorrente dos embates entre as distintas opiniões que se manifestam em qualquer regime democrático. Em alguns dos Estados totalitários surgidos no século XX, o marxismo era tido como um inimigo, pois pensava-se que o domínio de uma classe – o proletariado – sobre as outras levaria à divisão da sociedade e não à união.

Utilizando-se da censura, da delação e da violência – normalmente praticada contra as minorias, como judeus, imigrantes, ciganos, homossexuais –, os regimes totalitários se estabeleceram em alguns países da Europa depois da Primeira Guerra Mundial. Era comum em tais regimes a noção de que existiria uma “raça” superior a todas as outras, raça essa que era representada pelo próprio Estado totalitário. Era com essa ideia que os totalitarismos perseguiam as minorias, consideradas “inferiores”.

Três famosos exemplos de totalitarismo foram o fascismo italiano, o nazismo alemão e o stalinismo soviético. Houve ainda a instauração de regimes autoritários inspirados principalmente no fascismo e no nazismo, em especial na Espanha e em Portugal.


O fascismo italiano

Ao final da Primeira Guerra Mundial, a Itália estava do lado dos países vencedores, mas ficou insatisfeita com os resultados do conflito. Com 670 mil mortos e um milhão de feridos, os italianos não obtiveram as conquistas territoriais desejadas, uma vez que não conseguiram anexar nenhuma das antigas colônias alemãs na África e nem regiões mais próximas nos Balcãs. Surgiu então um profundo ressentimento contra as potências democrático-liberais, ressentimento esse que foi acompanhado por uma crescente insatisfação social contra a inflação, a carestia de vida e o desemprego provocados pela guerra. Três milhões de trabalhadores urbanos participaram de greves entre 1919 e 1920. A classe média ficava cada vez mais com a sensação de que o governo perdia o controle.

Foi nesse contexto que um ex-combatente chamado Benito Mussolini (1883-1945) fundou um grupo nacionalista de extrema direita conhecido como Fascio di Combattimento (Feixe de Combate), em 1919. O símbolo do grupo era um feixe de varas (fascio) atado à lâmina de um machado, um dos emblemas do Império Romano e que representava a união corporativa da sociedade em torno do Estado. Mussolini propunha reconquistar o antigo poderio de Roma. Divulgando suas ideias de teor ultranacionalista, anticomunista e antiliberal, os Fasci di Combattimento (“Feixes” de Combate, no plural) espalharam-se por toda a Itália. Desejavam instaurar um governo forte, autoritário e capaz de combater os grupos de esquerda (comunistas e socialistas), dando um fim às greves e às manifestações operárias, vistas como desordem. Aqui, o Estado liberal era visto como fraco, daí a necessidade de sua substituição por um Estado totalitário.

O fascismo prometia o advento de uma nova civilização, exaltando a vontade, o sangue e o sentimento. A ação instintiva e agressiva era valorizada, em detrimento da discussão intelectual e da análise crítica. O líder e o partido saberiam o que era melhor para a nação e aliviariam o indivíduo da necessidade de tomar decisões. O fascismo atraiu, sobretudo, aqueles que temiam tanto o grande capitalismo quanto o socialismo, como pequenos comerciantes, artesãos, funcionários, empregados de escritórios e camponeses de alguns recursos. Muitos alimentavam a esperança de que o fascismo pudesse proteger a todos da competição das grandes empresas e impedir o advento de um Estado marxista (visto como uma ameaça para a propriedade privada).

No início da década de 1920, os Fasci di Combattimento contavam com cerca de 320 mil adeptos, além de milícias organizadas e uniformizadas que espalhavam o terror pelo país. Os camisas negras, como ficaram conhecidos, perseguiam e matavam militantes de esquerda, dissolviam manifestações operárias e intimidavam políticos de orientação democrática. Diante desse comportamento, o governo italiano nada fazia.

Os Fasci di Combattimento foram unificados em torno de Mussolini no ano de 1921, fato que permitiu a constituição do Partido Nacional Fascista. Desempregados, ex-combatentes, pessoas da classe média, industriais e proprietários de terras que temiam o advento de uma revolução comunista na Itália formavam a base de apoio a esse partido. Quando ocorreram as eleições parlamentares de 1921, foram eleitos como deputados 35 fascistas, entre os quais estava o próprio Mussolini. Em uma demonstração de força, 30 mil camisas negras chefiados por Mussolini invadiram a capital italiana em 1922. A Marcha sobre Roma ocupou prédios públicos e estações ferroviárias. O rei Vitor Emanuel III acabou convidando Mussolini para ocupar o cargo de primeiro-ministro. Tal fato representou a chegada do fascismo ao poder.

Inicialmente, Mussolini governou em conjunto com outras forças políticas, entre os anos de 1922 e 1925. Todavia, ele foi aos poucos ampliando os seus poderes e se transformando em um ditador, valendo-se do uso de fraudes eleitorais, perseguições e assassinatos. O Parlamento italiano perdeu a sua autoridade. Os partidos políticos foram extintos, com exceção do Partido Nacional Fascista. Prefeitos e chefes locais perderam os seus cargos e foram substituídos por seguidores de Mussolini. Uma polícia política secreta foi criada para perseguir opositores do regime. Cerca de 300 mil pessoas preferiram refugiar-se no exterior. Uma forte censura foi implantada aos meios de comunicação. Qualquer organização que não fosse fascista passava a ser considerada ilegal. Il duce (O Líder, O Chefe), como Mussolini era conhecido, centralizou todo o poder já no início da década de 1930.

De acordo com os fascistas, era fundamental doutrinar as crianças e os jovens. Nessa perspectiva, nas escolas e universidades os professores se viam obrigados a exaltar o regime, suas realizações e os aspectos da vida do duce. Os alunos, por sua vez, eram incentivados a denunciar os docentes que demonstrassem uma atitude mais crítica em relação ao regime. Os manuais escolares diziam que Mussolini era o “salvador da pátria”. Organizações foram criadas para promover festas, competições, acampamentos e atividades ao ar livre que procuravam transmitir a ideologia fascista aos mais jovens. Mussolini usou os meios de comunicação de massa para conquistar o apoio da população: jornais, rádios e documentários divulgavam os feitos do governo e cultuavam a figura do líder. O duce era normalmente representado como um homem viril, atlético e trabalhador. Mussolini era fotografado de peito nu ou usando uniforme com um capacete de aço. As suas imagens que eram divulgadas normalmente mostravam o duce cavalgando, dirigindo carros velozes, pilotando aviões e brincando com filhotes de leões. O discurso nacionalista afirmava a necessidade de reerguer o país, retomando o passado grandioso da Itália, em especial a fase do Império Romano. O cinema e o rádio divulgavam a ideia de que ele teria erradicado o crime, a pobreza e as tensões sociais.

Houve uma aproximação entre o governo e a Igreja Católica quando Mussolini firmou o Tratado de Latrão com o Papa Pio XI, em 1929. Por meio do Tratado, o ensino religioso tornou-se obrigatório em todas as escolas secundárias e os Estados Pontifícios foram reduzidos ao Vaticano, o que deu fim a uma longa disputa com a Igreja. A política fascista conseguiu se afirmar entre a população italiana por meio da intervenção do Estado na economia, o que ocorreu principalmente no período posterior ao crash da Bolsa de Nova York. O Estado italiano conseguiu reduzir o desemprego por meio de um programa de obras públicas e do incentivo à produção de armas. Ademais, a instituição da Carta del Lavoro (Carta do Trabalho), em 1927, combinou algumas concessões aos trabalhadores com medidas de controle policial sobre eles. Ao mesmo tempo em que os trabalhadores passavam a contar com seguro contra acidentes de trabalho e jornada de oito horas, as greves foram proibidas e os sindicatos extintos. O documento estabeleceu uma concepção corporativista da legislação trabalhista.

Mussolini ordenou a invasão da Etiópia em 1935. Tratava-se de um país africano que ainda não estava dominado pelos europeus. Em 1936, o duce interveio na Guerra Civil Espanhola, apoiando as forças do general Francisco Franco. Conforme o governo de Mussolini se consolidava, ditaduras de direita foram surgindo em outros países europeus, tais como Portugal, Hungria e Polônia. Em 1933, o nazismo chegou ao poder na Alemanha.


O nazismo alemão

A Alemanha passou a enfrentar uma grave crise após o fim da Primeira Guerra Mundial. O kaiser Guilherme II renunciou e saiu do país em direção à Holanda, em 1918. Sob o impacto da Revolução Russa, trabalhadores alemães saíam às ruas e os soldados se amotinavam. Operários, soldados e marinheiros tentaram tomar o poder por meio de uma insurreição armada, em 1919. Os socialistas da Liga Espartaquista estiveram à frente da rebelião, liderados por Rosa Luxemburgo (1871-1919) e Karl Liebknecht (1871-1919). A revolta acabou fracassando, e seus dois líderes foram presos e executados.

No mesmo ano de 1919, foram realizadas eleições para uma assembleia constituinte, reunida na cidade de Weimar. A nascente República de Weimar (1919-1933) era a primeira experiência democrática da história da Alemanha e se caracterizava como uma república federativa parlamentarista. O presidente da República era o chefe de Estado e tinha o poder de escolher o chanceler (primeiro-ministro), que desempenhava o papel de chefe de governo. Tal escolha dependia do partido que tivesse a maioria no Reichstag, o Parlamento. Os primeiros anos da nova República foram difíceis, pois o país estava sem dinheiro para pagar as indenizações de guerra e acabou aumentando a emissão de dinheiro, o que fez a população sofrer com uma das maiores inflações já vistas. Os preços das mercadorias chegavam a subir diversas vezes ao longo de um único dia. Se em abril de 1922 um dólar valia mil marcos, em setembro de 1923 um dólar já era equivalente a 350 milhões de marcos. A injeção de capitais norte-americanos ajudou a economia alemã a se estabilizar a partir de 1924, todavia, a população alemã continuava insatisfeita com os termos dos tratados de paz que puseram um fim à Primeira Guerra Mundial.

O sentimento de orgulho nacional ferido estimulou a formação de grupos ultranacionalistas interessados em instaurar um Estado forte, capaz de unificar os alemães e lutar pela recuperação da grandeza do país. Um desses grupos era o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (que, em alemão, originaria a expressão nazista), criado em 1919, liderado por Adolf Hitler (1889-1945), um soldado austríaco que havia lutado no Exército alemão durante a Primeira Guerra Mundial, e que contava com o apoio de comerciantes arruinados pela crise, desempregados, ex-militares, etc. Assim como os fascistas italianos, os nazistas alemães formaram grupos paramilitares. As milícias nazistas conhecidas como SA (sigla para “Seção de Assalto”, em alemão) reprimiam violentamente os comunistas e os socialistas, garantindo também a segurança dos comícios nazistas. Inspirando-se na Marcha sobre Roma de Mussolini, o líder nazista Adolf Hitler tentou dar um golpe de Estado na cidade de Munique, 1923, contando com a presença de 3 mil militantes. Essa intentona – ou putsch de Munique, como ficou conhecida – fracassou e Hitler foi preso.

Ele ficou na cadeia por um tempo e ali escreveu o livro Mein Kampf (Minha Luta), onde sistematizou a ideologia nazista. Hitler defendia a superioridade dos arianos – um povo puro e do qual descenderiam os alemães – em relação a judeus, eslavos, ciganos, negros e outros povos. Segundo Hitler, judeus e comunistas eram os responsáveis por praticamente todos os males do mundo. Os alemães teriam ainda, segundo a sua perspectiva, o direito a um espaço vital, um território na Europa onde viviam os povos germânicos. Isso significava que a Áustria e a região tchecoslovaca dos Sudetos, por exemplo, deveriam ser anexadas à Alemanha.

O apoio a Hitler foi pequeno no início. Contudo, a partir de 1930, com a Grande Depressão provocada pelo crash da Bolsa de Nova York, crise que arruinou a classe média e fez milhões de trabalhadores alemães ficarem desempregados, a situação começou a mudar. De fato, a crise econômica aumentou o sentimento de humilhação que atingia os alemães desde 1918. As pessoas ansiavam pelo aparecimento de um líder carismático que pudesse resgatar a “honra nacional” e colocar a Alemanha novamente entre as grandes potências, afastando assim o “perigo comunista”. Exaltando a “raça ariana”, Hitler parecia ser este líder predestinado e, desta maneira, o Partido Nazista cresceu vertiginosamente, conquistando o apoio da classe média, da burguesia industrial e do empresariado. Entre 1930 e 1932, o número de deputados nazistas no Parlamento alemão cresceu de 170 para 230. Os nazistas formavam a maior bancada, mas a maioria ainda estava com os deputados comunistas e socialistas. Todavia, a esquerda não conseguiu estabelecer uma aliança e, em 1933, o presidente alemão – o marechal Paul von Hindenburg – convidou Hitler para ocupar o cargo de chanceler (primeiro-ministro) de seu governo.

O ano de 1933, portanto, marcou a chegada dos nazistas ao poder na Alemanha, o que deu início ao Terceiro Reich alemão (o Primeiro foi o Sacro Império Romano-Germânico e o Segundo foi o da unificação alemã, conquistada por Bismarck em 1870). O palácio do Reichstag foi incendiado em 1933 e Hitler culpou os comunistas, o que lhe deu o respaldo para perseguir os partidos de esquerda. No ano seguinte, o presidente Hindenburg morreu, e Hitler acabou unificando os cargos de chanceler e de presidente, adotando o título de führer (chefe). No controle absoluto do poder, Hitler anulou a Constituição de 1919, instituiu a censura e suspendeu os direitos e garantias civis. Membros da Gestapo – a polícia secreta – e das SS (“Tropas de Proteção”, inicialmente funcionavam como a guarda pessoal de Hitler) perseguiam, prendiam e torturavam padres, ciganos, homossexuais, judeus, líderes sindicais, comunistas e opositores do regime. Alcoólatras, doentes mentais e deficientes físicos eram internados à força e submetidos a cirurgias de esterilização. Houve durante o nazismo na Alemanha a tentativa de se “purificar a raça ariana” por meio do controle genético. A reprodução deveria ocorrer apenas entre pessoas da raça ariana e a miscigenação com pessoas de “raças inferiores” estava proibida. Foi nesse sentido que se deu a “política de eliminação de incapazes”.

A repressão era uma marca do regime nazista e era baseada na SA, na Gestapo e na SS. A SA, que havia sido útil na época em que os nazistas lutavam para desestabilizar o governo, acabou se tornando algo inconveniente quando Hitler assumiu o governo. O Exército alemão, que temia que a SA passasse a ser a força armada oficial do Estado nazista, começou a pressionar Hitler pela extinção da milícia. Em 1934, Hitler ordenou a prisão e o assassinato dos principais líderes da SA e, foi a partir disso, que criou-se a SS, o braço armado do Partido Nazista que estava sob o comando de Heinrich Himmler e que agia sem a intervenção do Exército alemão. Era a SS que controlava a Gestapo, a polícia secreta do Estado nazista que investigava e identificava os opositores do regime por meio de torturas em seus interrogatórios. Quem fosse considerado perigoso à dominação nazista era executado sem julgamento.

Em meio a este clima extremamente tenso, intelectuais, cientistas e artistas contrários ao nazismo acabaram exilando-se no exterior, entre os quais o físico Albert Einstein (1879-1955), o dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956) e o escritor Thomas Mann (1875-1955). Aqueles que insistiam em permanecer no país corriam o risco de ser enviados a campos de concentração. Em 1933, havia cerca de 40 mil presos políticos nesses locais. O ideal artístico nazista procurava resgatar a arte clássica e se opunha às produções modernas – vistas como “degeneradas”. Houve a proibição de obras ligadas ao Cubismo, Impressionismo e Expressionismo. O discurso oficial insistia na ideia de que todas as grandes realizações humanas tinham sido obra dos arianos. No que concerne à filosofia, à literatura e à ciência, diversos autores foram descartados. Obras de judeus como Einstein e Freud, por exemplo, foram proibidas, sendo comum a queima de livros de autores judeus.

A partir de 1934, o antissemitismo se tornou uma política oficial do Estado: os judeus ficaram impedidos de trabalhar em órgãos públicos, os seus bens foram confiscados e eles foram proibidos por meio das Leis de Nuremberg (1935) de se casar com pessoas consideradas arianas e de ter empregados alemães em suas casas. A propaganda nazista divulgava os judeus como cruéis e gananciosos. Houve campanhas nas ruas contra empresas pertencentes a judeus e ocorreram agressões a judeus sem que a polícia reprimisse. Um exemplo disso foi a Noite dos Cristais, ocorrida em 9 de novembro de 1938, quando em várias cidades alemãs e austríacas a SS comandou a destruição de residências e lojas pertencentes a judeus, a depredação de sinagogas e a prisão de muitos judeus. Houve muitos mortos. Os vidros despedaçados das janelas deram o nome a esse triste episódio de intolerância. Os judeus foram responsabilizados pela arruaça e acabaram sendo expropriados de seus negócios e obrigados a viver em áreas confinadas – os guetos –, usando em suas roupas uma estrela amarela. Essa política de segregação ficaria ainda mais forte quando os judeus foram proibidos de frequentar certos lugares (universidades, restaurantes, hospitais, teatros e campos de atletismo, por exemplo) e, depois, quando eles começaram a ser enviados para os campos de concentração – locais de extermínio em massa.

Ao terror praticado pelo regime somou-se a propaganda política, que ficou a cargo do ministro Joseph Goebbels (1897-1945). O Ministério do Esclarecimento Popular controlava a imprensa, a publicação de livros, o rádio, o teatro e o cinema. Goebbels revelou-se um mestre da propaganda e mantinha as emoções em permanente mobilização. A propaganda foi crucial na consolidação do nazismo, pois ela possibilitava a transmissão da ideologia nazista por meio de documentários cinematográficos, programas de rádio, pôsteres e cartazes. Em comícios, Hitler reunia milhares de pessoas ao seu redor. Nestes verdadeiros espetáculos, tudo era minuciosamente preparado para demonstrar a grandeza do führer e do povo alemão.

A doutrinação envolvia também as crianças na sala de aula. Os mais jovens aprendiam desde cedo a ter orgulho de pertencer à raça ariana e a venerar e prestar obediência ao führer. Os professores eram instruídos a respeito de como ensinar certas matérias e, para garantir a obediência às determinações nazistas, os alunos tinham que denunciar os mestres que lhes parecessem suspeitos. As salas de aula eram decoradas com retratos de Hitler e bandeiras nazistas. Os currículos escolares privilegiavam o treinamento físico, os esportes e a “ciência racial”. Aos dez anos de idade, os meninos eram alistados e, depois de passarem por provas esportivas, ingressavam no Deutsch Jungvolk (Jovem Povo Alemão), onde permaneciam por quatro anos e tinham todos os seus progressos físicos e ideológicos registrados em cadernetas. Por sua vez, quando chegavam aos dez anos de idade, as meninas entravam nas Jungmädel (Jovens Virgens). Meninos e meninas tinham que aprender quais eram os “deuses e heróis germanos” e os “grandes alemães” (como Frederico, o Grande, e Bismarck), bem como a história dos “vinte anos de combate pela Alemanha” (os “anos de luta” do nazismo) e tudo a respeito de “Adolf Hitler e seus companheiros de luta”. Quando completavam 14 anos de idade, eles entravam nas Juventudes Hitleristas. Aos dezoito, estavam aptos a entrar em outras estruturas do partido, como a Frente de Trabalho, as SA e as SS. Cursos sobre “o combate pelo Reich” e a “obra de Hitler” eram oferecidos aos jovens entre 14 e 18 anos. Temas como esses também faziam parte de transmissões de rádio voltadas aos jovens. Aqueles que se recusassem a entrar nas Juventudes Hitleristas não podiam se matricular em escolas e nem conseguir empregos.

O Partido Nazista abriu agências em 83 países, incluindo o Brasil, onde uma delas foi criada em 1928 e era sediada na cidade de São Paulo. A estrutura era similar à do Partido Nazista na Alemanha, ou seja, havia chefes nacionais, regionais e locais, além de organizações paralelas como a Juventude Hitlerista, a Associação Nazista das Mulheres e a Frente Alemã. No Brasil, o Partido Nazista não ficou apenas em São Paulo, mas abriu sedes em 17 estados brasileiros, muitas delas nas regiões sul e sudeste. Em 1937, os nazistas chegaram a contar com 2,9 mil filiados brasileiros, muitos dos quais eram imigrantes alemães, simplesmente o maior número em um partido nazista fora da Alemanha. Já no Estado Novo, em 1938, Getúlio Vargas extinguiu o partido do país, que continuaria, todavia, funcionando clandestinamente por mais alguns anos. Os nazistas brasileiros também usavam a imprensa para divulgar suas ideias. Em 1932, por exemplo, começou a circular o jornal Deutscher Morgen (Aurora Alemã), que encerraria suas atividades apenas em 1941. O periódico divulgava as ideias nazistas, informava a respeito dos fatos ocorridos no III Reich e divulgava os pronunciamentos de Hitler e de outras autoridades nazistas.

Na Alemanha, a popularidade do regime nazista cresceu graças à recuperação econômica do país. Tal recuperação veio com a intervenção do Estado na economia, que realizou obras públicas, incentivou a indústria de armamentos e estabeleceu formas de planejamento econômico. O governo nazista contou com a ajuda de grandes capitalistas nacionais e internacionais. Hitler entusiasmou-se com o crescimento econômico alemão e passou a violar as determinações do Tratado de Versalhes, que havia dado um fim à Primeira Guerra Mundial. A Alemanha foi remilitarizada e deu início a uma política expansionista, o que abriria caminho para a Segunda Guerra Mundial.


O stalinismo soviético

Após a morte de Lênin, o comando da União Soviética foi assumido oficialmente por Josef Stalin, em dezembro de 1925. Stalin centralizou o poder, esmagou a democracia no interior dos sovietes, suprimiu os direitos dos cidadãos, prendeu e matou seus opositores, criando assim um Estado totalitário de partido único, o Partido Comunista da União Soviética (PCUS), bastante rígido e burocrático.

Do ponto de vista da organização da economia, Stalin colocou em prática, a partir de 1928, os planos quinquenais, constituídos por planos de desenvolvimento baseados na planificação econômica. A economia soviética foi toda estatizada, o que deixou a Nova Política Econômica (NEP) de Lênin para trás. Houve muitos investimentos do governo na indústria pesada de máquinas e equipamentos, em detrimento da indústria de bens de consumo. Foram construídas diversas siderurgias, indústrias químicas e petrolíferas, fábricas de tratores e de equipamentos agrícolas. A produção de aço aumentou de 1,4 milhão de toneladas em 1922 para 38,1 milhões em 1953. O governo adotou a política de coletivização forçada no campo, estatizando propriedades rurais que eram agora transformadas em grandes fazendas coletivas (sovkhoses) e grandes cooperativas (kolkhoses). Foi promovida também uma reforma educacional que praticamente acabou com o analfabetismo no país. Os sistemas de transporte, habitação e saúde tornaram-se acessíveis à população.

Por outro lado, os direitos individuais e coletivos foram suprimidos. As greves foram proibidas e o terror de Estado tornou-se um dos componentes da vida soviética. Opositores do regime e até antigos aliados eram agora perseguidos pela polícia secreta. Mais de 5 milhões de soviéticos foram detidos entre 1936 e 1938, muitos deles acabaram executados. Em um único dia, cerca de mil pessoas podiam ser torturadas e mortas. No campo, aqueles camponeses que se manifestaram contra a coletivização forçada foram presos e assassinados. 11 milhões de camponeses foram deportados. Era comum que muitas dessas pessoas fossem mandadas para os Gulags, campos de trabalhos forçados que foram criados para abrigar os opositores do stalinismo. O regime soviético silenciou uma geração criativa de intelectuais e artistas, tais como o cineasta Sergei Eisenstein (1898-1948) e a poeta Anna Akhmatova (1889-1966). A desilusão com o stalinismo e o temor em relação à polícia secreta levaram algumas pessoas ao suicídio, como no caso do poeta Vladimir Maiakovski (1893-1930). A imprensa era controlada pelo governo e foi usada para a propaganda do regime. O ditador era cultuado em paradas militares e em imensos retratos em todas as partes do país. O sonho de uma sociedade mais justa e igualitária que os primeiros socialistas tinham foi transformado em um terrível pesadelo por um Estado policial controlado pela liderança do Partido Comunista.


A Guerra Civil Espanhola

Uma ditadura militar de inspiração fascista dominou a Espanha entre 1923 e 1930, sob o comando de Primo de Rivera, que assumiu o poder com o aval do rei Alfonso XIII. Após uma grave crise social e econômica, Rivera renunciou ao poder. Eleições para uma assembleia constituinte foram realizadas em 1931 e, nelas, a união de anarquistas, comunistas e socialistas conquistou cerca de 70% dos votos. O rei renunciou ao trono e, em abril de 1931, a República foi proclamada pela Assembleia. Segundo o historiador Josep Buades, era o surgimento de uma Espanha democrática, modernizadora e igualitária. Houve a separação entre Igreja e Estado – o que desagradou a muitos cristãos –, além da implantação de reformas educacional, trabalhista e agrária – medidas vistas com desconfiança pelas elites espanholas, que temiam uma revolução de esquerda em seu país.

O ambiente político espanhol ficou dividido entre dois grupos bastante antagônicos. A Frente Popular (esquerda) era composta por setores democráticos republicanos e grupos de esquerda que contavam com o apoio dos trabalhadores e de uma parcela da classe média. Já a Falange Tradicionalista Espanhola (direita) tinha uma tendência fascista e era composta por militares, grandes proprietários de terras e representantes da Igreja e da burguesia urbana. Nas eleições de 1933 houve uma vitória da direita, que procurou anular as leis que haviam sido aprovadas em 1931. Nas eleições de 1936 foi a vez de a esquerda conquistar a maioria dos votos e voltar ao poder. O novo governo aumentou o salário dos trabalhadores, retomou a reforma agrária e concedeu anistia aos presos políticos. Todavia, a polarização política na Espanha só fez aumentar e ocorriam conflitos nas ruas entre grupos de esquerda e de direita. Grupos que desejavam a volta da monarquia incentivavam os militares a se rebelar contra os republicanos.

Quando atiradores de esquerda assassinaram um líder monarquista iniciou-se um levante armado contra o governo. No mês de julho de 1936, tropas espanholas que estavam no Marrocos – uma colônia espanhola à época – se rebelaram sob o comando do general Francisco Franco (1892-1975), ligado à Falange. Começava a Guerra Civil Espanhola, conflito armado que dividiu a Espanha. A população resistiu aos militares por meio de armas e de barricadas nas ruas das cidades. Em Madri, a capital do país, a resistência era grande e tinha como um dos seus símbolos a deputada comunista Dolores Ibárruri, uma mulher que ficou conhecida como La Pasionaria e que instigava a luta dos republicanos com o grito de “Não passarão!”.

Tendo em vista a forte resistência republicana, os militares recorreram à ajuda externa. Itália e Alemanha enviaram à Espanha soldados, armas, munições, tanques e veículos blindados, em apoio às tropas franquistas. O governo português do ditador António Salazar enviou 13 mil soldados para enfrentar os republicanos. Também empresas dos EUA forneceram armas, caminhões e petróleo às forças do general Francisco Franco. Por outro lado, a União Soviética apoiou os republicanos enviando-lhes armas, munições, aviões, veículos de guerra e especialistas em armamentos e combates. Também em apoio aos republicanos, chegaram à Espanha cerca de 50 mil voluntários oriundos de diversos países, combatentes que formaram as Brigadas Internacionais e enfrentaram os falangistas.

Vários artistas e intelectuais de todo o mundo manifestaram o seu apoio à causa republicana, entre os quais podemos citar os atores Charlie Chaplin (1889-1977) e Clark Gable (1901-1960). Outros chegaram a pegar em armas contra os nacionalistas, tais como os escritores George Orwell (1903-1950), Ernest Hemingway (1899-1961), Saint-Exupéry (1900-1944) e André Malraux (1901-1976). Enquanto isso, pintores como Juan Miró (1893-1983) e Pablo Picasso (1881-1973) usaram a sua arte para manifestar-se a favor da Frente Popular. Em 1937, Picasso pintou o famoso quadro Guernica, onde expressava toda a sua indignação em relação ao bombardeio da cidade de Guernica por aviões da divisão Condor, da Alemanha, a serviço de Franco.

Todavia, apesar do apoio de todos esses intelectuais, o governo republicano espanhol não conseguiu o apoio nem das democracias europeias nem do governo dos EUA, que preferiram não intervir na Espanha. A partir de 1938, o governo soviético reduziu a sua presença no conflito, o que piorou a situação para os republicanos. A Guerra terminou em 1939, deixando um triste saldo de 1 milhão de mortos. Com a vitória dos falangistas, Francisco Franco assumiu o poder como ditador, e ali ficaria até 1975, ano de sua morte. A sua ditadura ficou conhecida como franquismo.


O salazarismo em Portugal

Em Portugal, a República foi implantada em 1910, mas o país vivia sob a luta entre a burguesia conservadora e os operários socialistas. Os governos eram instáveis e havia no país muitos simpatizantes do fascismo. Em meio a um clima político bastante tumultuado, houve um golpe de Estado em 1926, do qual participou o general Óscar Carmona, personagem que acabou eleito presidente de Portugal em 1928. Carmona convidou o professor António de Oliveira Salazar para o Ministério da Economia. Carmona defendia um Estado autoritário que reprimisse os movimentos de esquerda, principalmente os comunistas, e impusesse a paz social com a manutenção da religião católica e da propriedade privada. O general Carmona acabou com a oposição, censurou a imprensa e centralizou o poder, ampliando assim a ditadura.

O ministro Salazar, por sua vez, conduziu uma política econômica rígida que possibilitou a volta do crescimento econômico, tornando-se uma figura tão importante dentro do governo que acabou sendo indicado para o cargo de primeiro-ministro, em 1932. No ano seguinte, Salazar instituiu o Estado Novo, transformando-se no líder supremo de um Estado autoritário, inspirado no fascismo. O poder ficou concentrado nas mãos do primeiro-ministro, enquanto o cargo de presidente da República passava a ser apenas honorífico. Salazar governou Portugal até 1968, quando afastou-se do poder por problemas de saúde. Ele morreu apenas em 1970 e o regime que criou em Portugal recebeu o nome de salazarismo.

domingo, 10 de maio de 2015

Napoleão Bonaparte em algumas imagens

Muitos pesquisadores têm se dedicado a estudos sobre as relações entre História e Imagens. De fato, existem imagens que nos fazem pensar a respeito de uma série de questões ligadas a determinado momento da História. Quando o assunto é o Império Napoleônico, não há como não mencionarmos uma série de imagens que nos ajudam a entender o processo de ascensão e queda de Napoleão Bonaparte.

Tendo centralizado o poder em suas mãos, Bonaparte procurou controlar as críticas ao seu governo com base na experiência ocorrida durante a Revolução Francesa, quando as artes tiveram grande papel na desestabilização do Antigo Regime. Diversos escultores e pintores, no período napoleônico, retratavam temas ligados às conquistas do imperador e à mitologia greco-romana. Um destes artistas foi Jacques-Louis David (1748-1825), pintor oficial de Napoleão. Em seu famoso quadro intitulado Napoleão cruzando os Alpes (1801), David pintou Bonaparte como um herói solitário e invencível, que enfrenta o vento e o frio montado em seu cavalo branco. Com a mão direita, Napoleão aponta para a frente e para o alto, como se estivesse indicando um futuro de glórias. Alguns dos soldados de Bonaparte podem ser vistos ao fundo da imagem (Figura 1).

Figura 1 - Neste quadro todos os elementos que compõem o cenário colaboram para uma representação positiva de Bonaparte. O cavalo sobre o qual Napoleão está montado é forte, vigoroso e está em posição imponente, empinando. Em pose heroica, Bonaparte aparece usando uma roupa brilhante. A paisagem ao seu redor confere ao conjunto da obra uma atmosfera de grandeza.

É preciso dizer que Jacques-Louis David pertenceu ao clube dos jacobinos e sua arte serviu aos ideais republicanos. Com o fim da República, foi preso e se afastou da política. À época de Napoleão, retornou à cena artística como pintor oficial da corte. As formas simples e austeras do período revolucionário deram lugar à pompa e ao requinte da época do Império. Na obra Consagração do Imperador Napoleão e coroação da Imperatriz Josefine (1805-1807), David procurou fixar o exato momento em que Napoleão, de costas para o papa, está prestes a coroar sua esposa Josefina, que aguarda ajoelhada (Figura 2). Vale lembrar que, naquele dia 2 de dezembro de 1804, na catedral de Notre-Dame, em Paris, Napoleão tornou-se imperador dos franceses, tomando a coroa real das mãos do papa, que celebrava a cerimônia, e coroando a si mesmo.

Figura 2 - Neste quadro, o pintor Jacques-Louis David elaborou uma composição monumental que reúne mais de 200 figuras e foi inspirada na cena da Coroação de Maria de Médici, pintada por Peter Paul Rubens. No quadro de David, à direita do papa, aparece o cardeal Giovanni Caprara. À sua esquerda, o cônsul Charles-François Lebrun usando um manto roxo bordado a ouro, segurando na mão esquerda um bastão encimado pela águia imperial. À direita de Lebrun, o chanceler Jean-Jacques-Régis de Cambacérès, de perfil, segurando a mão da justiça, e ao lado dele, marechal Louis-Alexandre Berthier segurando a almofada com a esfera imperial. A distribuição dos personagens segue uma ordenação de importância, que é destacada pelas gradações de cor e luz. David distribuiu os grupos com jogo de luz e foco nas cenas principais, diminuindo até a escuridão à esquerda. Casal imperial, papa, cardeais e marechais estão em plena luz enquanto os cortesãos e os irmãos estão na sombra. Madame de La Rochefoucauld e Madame Lavalette, damas de honra, carregam o pesado manto da imperatriz.

Outra representação de Napoleão como imperador foi elaborada pelo pintor Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780-1867). Datado de 1806, o quadro Napoleão I no trono imperial também mostrou Bonaparte de maneira magnífica (Figura 3).

Figura 3 - Neste quadro, Ingres retratou Napoleão como um ser quase divino, coberto por um manto de veludo e tendo a cabeça cingida por uma coroa de louros. O cetro, símbolo do poder imperial, está sendo segurado pela sua mão direita.

Imagens como as reproduzidas acima lograram êxito em representar Napoleão Bonaparte em todo o seu poder. De fato, o Império Napoleônico, em seu auge, dominou diversos territórios no continente europeu durante o início do século XIX. Todavia, o Império de Bonaparte não duraria para sempre e, sobretudo após os acontecimentos da "Campanha da Rússia", Bonaparte passaria a vivenciar um processo de declínio de seu poder político. Em 1848, vários anos após o fim do Império Napoleônico, o pintor Paul Delaroche (1797-1856) produziu um quadro intitulado Bonaparte cruzando os Alpes que mostra Napoleão de uma maneira bem diferente (Figura 4).

Figura 4 - No quadro de Delaroche, Napoleão aparece de maneira bem diferente se comparado ao modo como foi retratado por Jacques-Louis David na Figura 1. No quadro de 1848, o cavalo sobre o qual Bonaparte está montado é um animal fraco, em posição combalida. Napoleão está curvado, como se estivesse cansado, e veste uma roupa simples e amarrotada. A paisagem é opressiva, e nela temos a presença de pessoas a pé, em aparente dificuldade de locomoção. Delaroche pintou o seu quadro muitos anos após a deposição do imperador, quando seus opositores podiam exprimir-se livremente.

Como se vê, a partir das imagens acima é possível pensarmos sobre a ascensão e o fim do Império Napoleônico!

A Crise de 1929

Ao contrário dos países europeus que saíram arrasados da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os Estados Unidos terminaram o conflito mais prósperos do que antes, pois a riqueza do país aumentou em 250% entre 1914 e 1920. Esse enriquecimento dos EUA se deu em decorrência não apenas da exportação de alimentos, armamentos e outros produtos industrializados para a Europa durante a guerra, mas também por conta do aumento do comércio com a América Latina e a Ásia. Antes da guerra os EUA estavam endividados, depois da guerra os norte-americanos já detinham créditos comerciais de mais de 3 bilhões de dólares. O país ainda tinha a receber cerca de 9,5 bilhões de dólares de empréstimos feitos a governos europeus no período.

A década de 1920 nos EUA ficaria conhecida como os Roaring Twenties, os “vibrantes anos vinte”. Houve a mecanização na agricultura e o aumento da produção nas fábricas (para o qual contribuiu a instalação das linhas de montagem móvel nas indústrias). Um mesmo produto passava a ser fabricado em série, com o uso de uma mão de obra menor e em menos tempo. As mercadorias chegavam às lojas a preços mais acessíveis ao consumidor. Nos Estados Unidos, difundia-se a ideia de que a prosperidade estava ao alcance de todos. Todavia, esta era uma ideia ilusória, pois 13% da população concentrava 90% da renda nacional, enquanto 6 milhões de famílias viviam com apenas 3 dólares por dia. Os negros compunham a maior parte desse contingente. O operariado estava submetido a baixos salários e a uma legislação que não lhe concedia muitos direitos e previa uma jornada diária de trabalho de dez horas. As mulheres e as crianças que trabalhavam recebiam um salário inferior ao dos homens. O governo reprimia o movimento sindical. Essa política de baixos salários e de controle do movimento operário potencializava o lucro e a expansão econômica dos EUA.

As classes média e alta foram as que realmente desfrutaram da prosperidade dos “vibrantes anos vinte”, pois tinham o dinheiro necessário para consumir os novos produtos: fogões elétricos, aparelhos de rádio, automóveis, aspiradores de pó, geladeiras, etc. A família média estadunidense vivia melhor, comia melhor, vestia melhor. A busca por novos bens duráveis originou o fenômeno do consumismo. O American way of life era um estilo de vida conhecido como o mais moderno que existia no mundo. A classe média passou a matricular seus filhos na universidade e a construir residências elegantes com grandes jardins. O automóvel era um artigo muito desejado na época, sendo que 9 milhões de carros circulavam pelos EUA em 1920, número esse que seria triplicado uma década depois. O lazer diversificou-se e a vida noturna ficou mais intensa. As casas noturnas de Nova York e outras cidades eram frequentadas por um grande número de pessoas que iam acompanhar as apresentações de cantores e músicos negros como Billie Holiday e Louis Armstrong, dois expoentes do jazz.

O jazz revolucionou a música e a cultura no século XX. Baseando os seus ritmos, sentimentos e ideias na cultura popular das comunidades negras norte-americanas, inicialmente em Nova Orleans, o jazz rebelava-se contra o modo de vida tradicional da sociedade estadunidense. As suas combinações de escalas e seus ritmos inspiravam-se na música africana e no blues, que havia surgido das músicas de trabalho dos escravizados do Sul. Em um primeiro momento, o jazz sofreu com a marginalização fora das comunidades de afro-americanos, mas, em duas décadas, começaram a proliferar as jazz bands, que se apresentavam em salões de festas frequentados até por membros das classes mais abastadas.

O rádio era uma outra forma de entretenimento. A primeira estação comercial de rádio iniciou o seus trabalhos em 1920. As famílias se reuniam em torno do rádio para acompanhar os mais variados programas. O cinema também tornou-se uma forma de diversão para os norte-americanos. Artistas como Charlie Chaplin, Buster Keaton, Mary Pickford, Rodolfo Valentino e outros atraíam ricos e pobres para as salas de cinema com os seus filmes mudos feitos em Hollywood. O cantor de jazz (1927) foi o primeiro filme sonoro e marcou um momento importante da história do cinema. As atrizes, os atores e os diretores ligados à sétima arte tornaram-se celebridades. O cinema foi um importante veículo de propaganda do American way of life, lançando modas, dando origem a canções populares, inculcando valores, criando heróis e heroínas e servindo como uma válvula de escape para os espectadores. O mundo do cinema muitas vezes era mais agradável do que a realidade das pessoas.

Presidentes ligados ao Partido Republicano governaram os EUA durante a década de 1920 e procuraram isolar o país do restante da comunidade internacional. Os imigrantes, que até o início do século XX podiam entrar livremente no território norte-americano, passaram a enfrentar o preconceito contra estrangeiros que tomou conta do país. Os imigrantes eram vistos como uma ameaça aos empregos dos trabalhadores norte-americanos. Em decorrência do fato de alguns dos imigrantes serem anarquistas e socialistas, o governo começou a enxergá-los como um perigo para o sistema político dos EUA. Leis acabaram sendo criadas para tornar a entrada de estrangeiros no país mais restrita, com a criação de cotas para cada nacionalidade. Aqueles que não escondiam suas ideias revolucionárias sofriam com a perseguição e eram deportados.

A Ku Klux Klan, sociedade secreta criada após a Guerra de Secessão para garantir a “supremacia branca”, chegou a ter 5 milhões de integrantes e começou a perseguir e matar negros, judeus, imigrantes e líderes trabalhistas. As tensões sociais foram acentuadas pela discriminação racial e pelo preconceito contra os negros. Conflitos raciais ocorreram de maneira bastante violenta em várias regiões. Mesmo após a abolição da escravidão no século XIX, os negros sofriam com as políticas institucionalizadas de segregação: não podiam usar os mesmos equipamentos urbanos dos brancos, tais como ônibus e bebedouros. Quando protestavam, os negros eram perseguidos e muitas vezes mortos. A perseguição aos negros era maior na região sul, o que provocou a migração de muitos negros para a região norte dos EUA.

Houve resistência à política do Partido Republicano de perseguir sindicatos e discriminar a população negra e imigrante. Surgiram os movimentos de contestação nas esferas política, étnica e feminista, que se dedicaram a lutar contra a discriminação e a pobreza nos EUA. Os sindicatos com inspiração anarquista ou socialista proliferaram-se, promovendo greves. O Partido Socialista da América buscou organizar o movimento operário por meio de uma proposta marxista de ação proletária. Por sua vez, o movimento feminista lutou pelo voto das mulheres e diversos protestos pela igualdade de direitos entre os gêneros foram organizados.

Enquanto isso, associações de defesa da moral e dos bons costumes se multiplicavam. Usando como pretexto a necessidade de “libertar as classes inferiores” do perigo representado pelo álcool, o governo aprovou em 1919 uma lei que proibia a fabricação, a venda e o transporte de bebidas alcoólicas. Todavia, a Lei Seca – como ficou conhecida – acabou estimulando o mercado clandestino de bebidas, o que favoreceu a expansão do crime organizado. As quadrilhas – gangues – contrabandeavam bebidas, controlavam prostíbulos, casas de jogo e o tráfico de drogas. Al Capone (1899-1947) foi um famoso fora da lei que chefiou a máfia de Chicago no final da década de 1920, tendo administrado um verdadeiro império do submundo do crime avaliado em 50 milhões de dólares.

A vida noturna intensa, o consumismo eufórico, a Lei Seca, a prosperidade desmedida e a elevada criminalidade tornaram a década de 1920 também conhecida como “os anos loucos”.

A queda da Bolsa de Nova York

Apesar de toda a complexidade do período, havia um sentimento de que a prosperidade não tinha limites. As pessoas que negociavam ações na Bolsa de Valores de Nova York viviam eufóricas. Entre 1925 e 1929, o valor global das ações passou de 27 bilhões para 67 bilhões de dólares. Empolgadas, muitas pessoas tomavam empréstimos nos bancos para comprar títulos na Bolsa. Era a possibilidade de ganhar dinheiro sem trabalhar: barbeiros, engraxates, banqueiros e homens de negócios apostavam e ganhavam na Bolsa. No começo de 1929, o presidente dos EUA, o republicano Herbert Hoover (1929-1933) afirmou: “Nós nos Estados Unidos estamos mais próximos do triunfo final sobre a pobreza do que nunca se esteve em qualquer nação”. Todavia, em outubro daquele mesmo ano começaria uma grave crise econômica, a Grande Depressão, que teve como uma de suas causas justamente a intensa especulação financeira, que foi possibilitada pelos ideais do liberalismo econômico (corrente de pensamento baseada na crença de que o Estado não deve intervir na economia).

É preciso dizer que tal crise não começou repentinamente, pois os seus primeiros sintomas já haviam aparecido ainda nos anos 1920, quando a Europa, que já estava recuperando-se da Primeira Guerra Mundial, diminuiu as importações de produtos agrícolas dos EUA, fato que levou muitos agricultores norte-americanos à falência. A diminuição das importações europeias afetou também as indústrias dos EUA. Contudo, as empresas não diminuíram a sua produção, o que fez com que os estoques de produtos ficassem exageradamente cheios por conta da falta de compradores. O número de compradores não acompanhou o aumento da produção também em decorrência do fato de que a expansão do mercado interno era limitada pela pobreza de uma parcela da população. Essa crise de superprodução provocou um desequilíbrio na economia, e as empresas começaram a demitir trabalhadores em um cenário de queda dos preços dos produtos.

O valor das ações de muitas empresas na Bolsa de Valores de Nova York acabou caindo. Preocupados, os milhões de pessoas que tinham ações tentaram vender os seus papéis o mais rapidamente possível. Em 24 de outubro de 1929 o baixíssimo preço das ações provocou o crash (quebra) da Bolsa. O impacto desse acontecimento para a economia foi catastrófico, pois a renda nacional viu-se reduzida à metade. Milhões de investidores perderam suas economias. Da noite para o dia, empresas, bancos e grandes investidores perderam quase tudo o que possuíam. Houve casos de suicídios entre alguns especuladores. O prefeito de Nova York ficou tão preocupado com o desânimo geral que chegou ao ponto de pedir aos donos de cinemas que só exibissem filmes otimistas. Mais de 5 mil bancos fecharam suas portas e seus clientes ficaram sem dinheiro. 80 mil fábricas e 32 mil casas comerciais foram à falência. A construção civil caiu 95%, a produção siderúrgica foi reduzida em 88%.

15 milhões de trabalhadores ficaram desempregados, o que diminuiu o consumo e afetou ainda mais economia. Houve fome e miséria em todo o país. Houve saques em Deaborn (Michigan). Em busca de calor, famílias inteiras se aninhavam junto aos incineradores dos edifícios municipais enquanto outras buscavam restos de comida nos caminhões de lixo. Homens brancos passaram a ocupar postos de trabalho anteriormente ocupados por mulheres, negros e imigrantes. Nas áreas rurais, milhares de fazendas faliram. Endividados após tomarem empréstimos bancários, muitos agricultores tiveram que abandonar suas terras. Na agricultura, as melhorias técnicas e o controle fundiário concentrado em grandes empresas levaram à demissão de muitos trabalhadores rurais.

Favelas surgiram em diversas cidades dos EUA. Nelas, as pessoas que não tinham dinheiro nem lugar para morar acabavam vivendo em barracos de madeira ou tendas. Eram as hoovervilles (expressão que fazia referência ao sobrenome do presidente Hoover). Os abrigos do governo recebiam uma grande quantidade de pessoas que não tinham onde morar, ficando quase sempre lotados. Instituições de caridade cuidavam da alimentação dessas pessoas, servindo sopas populares para as quais formavam-se grandes filas pelas ruas. A caridade foi a única forma de sobrevivência para muitas pessoas. Estrangeiros e grupos étnicos minoritários sofriam ainda mais com as perseguições, pois eram acusados de competir com os estadunidenses no escasso mercado de trabalho.

Os países que mantinham relações comerciais com os EUA ou que contavam com os investimentos do capital norte-americano acabaram sofrendo também com a Grande Depressão. O comércio mundial desabou. Indústrias e bancos fecharam as portas. Houve uma queda de até 50% na produção industrial das principais nações capitalistas. Em todo o mundo, cerca de 30 milhões de pessoas ficaram desempregadas: foram 6 milhões só na Alemanha, e 3 milhões na Inglaterra. Os preços dos produtos agrícolas caíram em todo o mundo. Em países como o Brasil, onde havia uma dependência das exportações agropecuárias, a economia sofreu abalos. A União Soviética, onde a economia de tipo estatal (socialista-burocrática) obedecia a um rígido planejamento e não às leis do mercado, foi um dos poucos países a escapar da crise.

Membro do Partido Republicano, o presidente norte-americano Herbert Hoover era um fiel seguidor do liberalismo econômico, segundo o qual o Estado não precisava intervir na economia, uma vez que o próprio mercado resolveria a crise. Posto isso, Hoover não moveu tantos esforços para sair da Grande Depressão, perdendo o apoio de boa parte da população.

O New Deal

O democrata Franklin Delano Roosevelt assumiu a presidência dos EUA em 1933, colocando então em prática uma política bem diferente daquela que fora adotada por Hoover. Segundo Franklin, o país só sairia da Depressão se houvesse uma forte intervenção do Estado na economia. Roosevelt propôs um plano, o New Deal (Novo Acordo), que articulava as ações governamentais com as da iniciativa privada e objetivava elevar a renda dos trabalhadores. O plano era inspirado nas ideias de John Maynard Keynes, um economista inglês que defendia a criação de empregos como mola propulsora da economia. Na concepção de Keynes, o trabalhador com renda torna-se um consumidor, o que impulsiona o desenvolvimento econômico como um todo. Algumas medidas adotadas pelo New Deal foram:

- desvalorização do dólar para tornar as exportações mais competitivas;
- empréstimos aos bancos para evitar novas falências, bem como medidas para reestruturar os bancos e o crédito;
- implantação de um sistema de seguridade social, com a criação do seguro-desemprego;
- criação de um programa de obras públicas com a finalidade de gerar novos empregos;
- contratação de 3 milhões de jovens para o desenvolvimento de projetos ambientais;
- salário mínimo e direito de organização sindical;
- estimulo à produção agrícola.

A partir de tais medidas a economia do país foi reaquecida e a indústria voltou a produzir. Obras públicas foram concluídas (8 mil parques, 1.600 escolas, 800 aeroportos, 3.300 barragens, 78 mil pontes e mais de um milhão de estradas) e cerca de 8 milhões de empregos foram criados. Um programa habitacional impulsionou a construção civil. O Estado financiou a representação de 2.700 peças teatrais. O consumo aumentou 50% depois de 3 anos de investimentos governamentais.

Os números parecem indicar o sucesso do New Deal, contudo, estudos mais recentes afirmam que as conquistas obtidas com o programa foram limitadas. Segundo tais análises, o New Deal não deu um fim real à Depressão e não estimulou o crescimento econômico a níveis semelhantes ao do período anterior à Primeira Guerra Mundial. Além disso, de acordo com estudos mais recentes, os benefícios do programa não foram democraticamente distribuídos, pois os donos de complexos industriais foram mais privilegiados. Pesquisadores têm insistido que após o New Deal a exclusão racial permaneceu: os negros norte-americanos, por exemplo, que estiveram entre os grupos que mais sofreram com a Grande Depressão, não receberam nenhuma atenção especial por parte do governo Roosevelt. Nesta perspectiva, a economia norte-americana teria sido impulsionada apenas com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, que permitiu à indústria norte-americana apresentar níveis de crescimento mais elevados.[1]



[1] Um dos pesquisadores que não enxergam no New Deal um plano eficaz de recuperação da economia é o historiador Sean Purdy. Segundo Purdy, o New Deal não recuperou realmente a economia e não distribuiu renda. Em sua avaliação, os poucos aspectos positivos do New Deal foram: a garantia de um pouco de segurança econômica para os trabalhadores; o prestígio dos sindicatos; os direitos políticos concedidos aos imigrantes. Purdy é um dos pensadores que defendem a ideia de que a recuperação econômica só veio com os efeitos da Segunda Guerra Mundial.