Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

domingo, 10 de maio de 2015

A Crise de 1929

Ao contrário dos países europeus que saíram arrasados da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os Estados Unidos terminaram o conflito mais prósperos do que antes, pois a riqueza do país aumentou em 250% entre 1914 e 1920. Esse enriquecimento dos EUA se deu em decorrência não apenas da exportação de alimentos, armamentos e outros produtos industrializados para a Europa durante a guerra, mas também por conta do aumento do comércio com a América Latina e a Ásia. Antes da guerra os EUA estavam endividados, depois da guerra os norte-americanos já detinham créditos comerciais de mais de 3 bilhões de dólares. O país ainda tinha a receber cerca de 9,5 bilhões de dólares de empréstimos feitos a governos europeus no período.

A década de 1920 nos EUA ficaria conhecida como os Roaring Twenties, os “vibrantes anos vinte”. Houve a mecanização na agricultura e o aumento da produção nas fábricas (para o qual contribuiu a instalação das linhas de montagem móvel nas indústrias). Um mesmo produto passava a ser fabricado em série, com o uso de uma mão de obra menor e em menos tempo. As mercadorias chegavam às lojas a preços mais acessíveis ao consumidor. Nos Estados Unidos, difundia-se a ideia de que a prosperidade estava ao alcance de todos. Todavia, esta era uma ideia ilusória, pois 13% da população concentrava 90% da renda nacional, enquanto 6 milhões de famílias viviam com apenas 3 dólares por dia. Os negros compunham a maior parte desse contingente. O operariado estava submetido a baixos salários e a uma legislação que não lhe concedia muitos direitos e previa uma jornada diária de trabalho de dez horas. As mulheres e as crianças que trabalhavam recebiam um salário inferior ao dos homens. O governo reprimia o movimento sindical. Essa política de baixos salários e de controle do movimento operário potencializava o lucro e a expansão econômica dos EUA.

As classes média e alta foram as que realmente desfrutaram da prosperidade dos “vibrantes anos vinte”, pois tinham o dinheiro necessário para consumir os novos produtos: fogões elétricos, aparelhos de rádio, automóveis, aspiradores de pó, geladeiras, etc. A família média estadunidense vivia melhor, comia melhor, vestia melhor. A busca por novos bens duráveis originou o fenômeno do consumismo. O American way of life era um estilo de vida conhecido como o mais moderno que existia no mundo. A classe média passou a matricular seus filhos na universidade e a construir residências elegantes com grandes jardins. O automóvel era um artigo muito desejado na época, sendo que 9 milhões de carros circulavam pelos EUA em 1920, número esse que seria triplicado uma década depois. O lazer diversificou-se e a vida noturna ficou mais intensa. As casas noturnas de Nova York e outras cidades eram frequentadas por um grande número de pessoas que iam acompanhar as apresentações de cantores e músicos negros como Billie Holiday e Louis Armstrong, dois expoentes do jazz.

O jazz revolucionou a música e a cultura no século XX. Baseando os seus ritmos, sentimentos e ideias na cultura popular das comunidades negras norte-americanas, inicialmente em Nova Orleans, o jazz rebelava-se contra o modo de vida tradicional da sociedade estadunidense. As suas combinações de escalas e seus ritmos inspiravam-se na música africana e no blues, que havia surgido das músicas de trabalho dos escravizados do Sul. Em um primeiro momento, o jazz sofreu com a marginalização fora das comunidades de afro-americanos, mas, em duas décadas, começaram a proliferar as jazz bands, que se apresentavam em salões de festas frequentados até por membros das classes mais abastadas.

O rádio era uma outra forma de entretenimento. A primeira estação comercial de rádio iniciou o seus trabalhos em 1920. As famílias se reuniam em torno do rádio para acompanhar os mais variados programas. O cinema também tornou-se uma forma de diversão para os norte-americanos. Artistas como Charlie Chaplin, Buster Keaton, Mary Pickford, Rodolfo Valentino e outros atraíam ricos e pobres para as salas de cinema com os seus filmes mudos feitos em Hollywood. O cantor de jazz (1927) foi o primeiro filme sonoro e marcou um momento importante da história do cinema. As atrizes, os atores e os diretores ligados à sétima arte tornaram-se celebridades. O cinema foi um importante veículo de propaganda do American way of life, lançando modas, dando origem a canções populares, inculcando valores, criando heróis e heroínas e servindo como uma válvula de escape para os espectadores. O mundo do cinema muitas vezes era mais agradável do que a realidade das pessoas.

Presidentes ligados ao Partido Republicano governaram os EUA durante a década de 1920 e procuraram isolar o país do restante da comunidade internacional. Os imigrantes, que até o início do século XX podiam entrar livremente no território norte-americano, passaram a enfrentar o preconceito contra estrangeiros que tomou conta do país. Os imigrantes eram vistos como uma ameaça aos empregos dos trabalhadores norte-americanos. Em decorrência do fato de alguns dos imigrantes serem anarquistas e socialistas, o governo começou a enxergá-los como um perigo para o sistema político dos EUA. Leis acabaram sendo criadas para tornar a entrada de estrangeiros no país mais restrita, com a criação de cotas para cada nacionalidade. Aqueles que não escondiam suas ideias revolucionárias sofriam com a perseguição e eram deportados.

A Ku Klux Klan, sociedade secreta criada após a Guerra de Secessão para garantir a “supremacia branca”, chegou a ter 5 milhões de integrantes e começou a perseguir e matar negros, judeus, imigrantes e líderes trabalhistas. As tensões sociais foram acentuadas pela discriminação racial e pelo preconceito contra os negros. Conflitos raciais ocorreram de maneira bastante violenta em várias regiões. Mesmo após a abolição da escravidão no século XIX, os negros sofriam com as políticas institucionalizadas de segregação: não podiam usar os mesmos equipamentos urbanos dos brancos, tais como ônibus e bebedouros. Quando protestavam, os negros eram perseguidos e muitas vezes mortos. A perseguição aos negros era maior na região sul, o que provocou a migração de muitos negros para a região norte dos EUA.

Houve resistência à política do Partido Republicano de perseguir sindicatos e discriminar a população negra e imigrante. Surgiram os movimentos de contestação nas esferas política, étnica e feminista, que se dedicaram a lutar contra a discriminação e a pobreza nos EUA. Os sindicatos com inspiração anarquista ou socialista proliferaram-se, promovendo greves. O Partido Socialista da América buscou organizar o movimento operário por meio de uma proposta marxista de ação proletária. Por sua vez, o movimento feminista lutou pelo voto das mulheres e diversos protestos pela igualdade de direitos entre os gêneros foram organizados.

Enquanto isso, associações de defesa da moral e dos bons costumes se multiplicavam. Usando como pretexto a necessidade de “libertar as classes inferiores” do perigo representado pelo álcool, o governo aprovou em 1919 uma lei que proibia a fabricação, a venda e o transporte de bebidas alcoólicas. Todavia, a Lei Seca – como ficou conhecida – acabou estimulando o mercado clandestino de bebidas, o que favoreceu a expansão do crime organizado. As quadrilhas – gangues – contrabandeavam bebidas, controlavam prostíbulos, casas de jogo e o tráfico de drogas. Al Capone (1899-1947) foi um famoso fora da lei que chefiou a máfia de Chicago no final da década de 1920, tendo administrado um verdadeiro império do submundo do crime avaliado em 50 milhões de dólares.

A vida noturna intensa, o consumismo eufórico, a Lei Seca, a prosperidade desmedida e a elevada criminalidade tornaram a década de 1920 também conhecida como “os anos loucos”.

A queda da Bolsa de Nova York

Apesar de toda a complexidade do período, havia um sentimento de que a prosperidade não tinha limites. As pessoas que negociavam ações na Bolsa de Valores de Nova York viviam eufóricas. Entre 1925 e 1929, o valor global das ações passou de 27 bilhões para 67 bilhões de dólares. Empolgadas, muitas pessoas tomavam empréstimos nos bancos para comprar títulos na Bolsa. Era a possibilidade de ganhar dinheiro sem trabalhar: barbeiros, engraxates, banqueiros e homens de negócios apostavam e ganhavam na Bolsa. No começo de 1929, o presidente dos EUA, o republicano Herbert Hoover (1929-1933) afirmou: “Nós nos Estados Unidos estamos mais próximos do triunfo final sobre a pobreza do que nunca se esteve em qualquer nação”. Todavia, em outubro daquele mesmo ano começaria uma grave crise econômica, a Grande Depressão, que teve como uma de suas causas justamente a intensa especulação financeira, que foi possibilitada pelos ideais do liberalismo econômico (corrente de pensamento baseada na crença de que o Estado não deve intervir na economia).

É preciso dizer que tal crise não começou repentinamente, pois os seus primeiros sintomas já haviam aparecido ainda nos anos 1920, quando a Europa, que já estava recuperando-se da Primeira Guerra Mundial, diminuiu as importações de produtos agrícolas dos EUA, fato que levou muitos agricultores norte-americanos à falência. A diminuição das importações europeias afetou também as indústrias dos EUA. Contudo, as empresas não diminuíram a sua produção, o que fez com que os estoques de produtos ficassem exageradamente cheios por conta da falta de compradores. O número de compradores não acompanhou o aumento da produção também em decorrência do fato de que a expansão do mercado interno era limitada pela pobreza de uma parcela da população. Essa crise de superprodução provocou um desequilíbrio na economia, e as empresas começaram a demitir trabalhadores em um cenário de queda dos preços dos produtos.

O valor das ações de muitas empresas na Bolsa de Valores de Nova York acabou caindo. Preocupados, os milhões de pessoas que tinham ações tentaram vender os seus papéis o mais rapidamente possível. Em 24 de outubro de 1929 o baixíssimo preço das ações provocou o crash (quebra) da Bolsa. O impacto desse acontecimento para a economia foi catastrófico, pois a renda nacional viu-se reduzida à metade. Milhões de investidores perderam suas economias. Da noite para o dia, empresas, bancos e grandes investidores perderam quase tudo o que possuíam. Houve casos de suicídios entre alguns especuladores. O prefeito de Nova York ficou tão preocupado com o desânimo geral que chegou ao ponto de pedir aos donos de cinemas que só exibissem filmes otimistas. Mais de 5 mil bancos fecharam suas portas e seus clientes ficaram sem dinheiro. 80 mil fábricas e 32 mil casas comerciais foram à falência. A construção civil caiu 95%, a produção siderúrgica foi reduzida em 88%.

15 milhões de trabalhadores ficaram desempregados, o que diminuiu o consumo e afetou ainda mais economia. Houve fome e miséria em todo o país. Houve saques em Deaborn (Michigan). Em busca de calor, famílias inteiras se aninhavam junto aos incineradores dos edifícios municipais enquanto outras buscavam restos de comida nos caminhões de lixo. Homens brancos passaram a ocupar postos de trabalho anteriormente ocupados por mulheres, negros e imigrantes. Nas áreas rurais, milhares de fazendas faliram. Endividados após tomarem empréstimos bancários, muitos agricultores tiveram que abandonar suas terras. Na agricultura, as melhorias técnicas e o controle fundiário concentrado em grandes empresas levaram à demissão de muitos trabalhadores rurais.

Favelas surgiram em diversas cidades dos EUA. Nelas, as pessoas que não tinham dinheiro nem lugar para morar acabavam vivendo em barracos de madeira ou tendas. Eram as hoovervilles (expressão que fazia referência ao sobrenome do presidente Hoover). Os abrigos do governo recebiam uma grande quantidade de pessoas que não tinham onde morar, ficando quase sempre lotados. Instituições de caridade cuidavam da alimentação dessas pessoas, servindo sopas populares para as quais formavam-se grandes filas pelas ruas. A caridade foi a única forma de sobrevivência para muitas pessoas. Estrangeiros e grupos étnicos minoritários sofriam ainda mais com as perseguições, pois eram acusados de competir com os estadunidenses no escasso mercado de trabalho.

Os países que mantinham relações comerciais com os EUA ou que contavam com os investimentos do capital norte-americano acabaram sofrendo também com a Grande Depressão. O comércio mundial desabou. Indústrias e bancos fecharam as portas. Houve uma queda de até 50% na produção industrial das principais nações capitalistas. Em todo o mundo, cerca de 30 milhões de pessoas ficaram desempregadas: foram 6 milhões só na Alemanha, e 3 milhões na Inglaterra. Os preços dos produtos agrícolas caíram em todo o mundo. Em países como o Brasil, onde havia uma dependência das exportações agropecuárias, a economia sofreu abalos. A União Soviética, onde a economia de tipo estatal (socialista-burocrática) obedecia a um rígido planejamento e não às leis do mercado, foi um dos poucos países a escapar da crise.

Membro do Partido Republicano, o presidente norte-americano Herbert Hoover era um fiel seguidor do liberalismo econômico, segundo o qual o Estado não precisava intervir na economia, uma vez que o próprio mercado resolveria a crise. Posto isso, Hoover não moveu tantos esforços para sair da Grande Depressão, perdendo o apoio de boa parte da população.

O New Deal

O democrata Franklin Delano Roosevelt assumiu a presidência dos EUA em 1933, colocando então em prática uma política bem diferente daquela que fora adotada por Hoover. Segundo Franklin, o país só sairia da Depressão se houvesse uma forte intervenção do Estado na economia. Roosevelt propôs um plano, o New Deal (Novo Acordo), que articulava as ações governamentais com as da iniciativa privada e objetivava elevar a renda dos trabalhadores. O plano era inspirado nas ideias de John Maynard Keynes, um economista inglês que defendia a criação de empregos como mola propulsora da economia. Na concepção de Keynes, o trabalhador com renda torna-se um consumidor, o que impulsiona o desenvolvimento econômico como um todo. Algumas medidas adotadas pelo New Deal foram:

- desvalorização do dólar para tornar as exportações mais competitivas;
- empréstimos aos bancos para evitar novas falências, bem como medidas para reestruturar os bancos e o crédito;
- implantação de um sistema de seguridade social, com a criação do seguro-desemprego;
- criação de um programa de obras públicas com a finalidade de gerar novos empregos;
- contratação de 3 milhões de jovens para o desenvolvimento de projetos ambientais;
- salário mínimo e direito de organização sindical;
- estimulo à produção agrícola.

A partir de tais medidas a economia do país foi reaquecida e a indústria voltou a produzir. Obras públicas foram concluídas (8 mil parques, 1.600 escolas, 800 aeroportos, 3.300 barragens, 78 mil pontes e mais de um milhão de estradas) e cerca de 8 milhões de empregos foram criados. Um programa habitacional impulsionou a construção civil. O Estado financiou a representação de 2.700 peças teatrais. O consumo aumentou 50% depois de 3 anos de investimentos governamentais.

Os números parecem indicar o sucesso do New Deal, contudo, estudos mais recentes afirmam que as conquistas obtidas com o programa foram limitadas. Segundo tais análises, o New Deal não deu um fim real à Depressão e não estimulou o crescimento econômico a níveis semelhantes ao do período anterior à Primeira Guerra Mundial. Além disso, de acordo com estudos mais recentes, os benefícios do programa não foram democraticamente distribuídos, pois os donos de complexos industriais foram mais privilegiados. Pesquisadores têm insistido que após o New Deal a exclusão racial permaneceu: os negros norte-americanos, por exemplo, que estiveram entre os grupos que mais sofreram com a Grande Depressão, não receberam nenhuma atenção especial por parte do governo Roosevelt. Nesta perspectiva, a economia norte-americana teria sido impulsionada apenas com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, que permitiu à indústria norte-americana apresentar níveis de crescimento mais elevados.[1]



[1] Um dos pesquisadores que não enxergam no New Deal um plano eficaz de recuperação da economia é o historiador Sean Purdy. Segundo Purdy, o New Deal não recuperou realmente a economia e não distribuiu renda. Em sua avaliação, os poucos aspectos positivos do New Deal foram: a garantia de um pouco de segurança econômica para os trabalhadores; o prestígio dos sindicatos; os direitos políticos concedidos aos imigrantes. Purdy é um dos pensadores que defendem a ideia de que a recuperação econômica só veio com os efeitos da Segunda Guerra Mundial.