Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

domingo, 2 de novembro de 2014

O Início da Colonização Portuguesa na América

Entre o final do século XV e o início do século XVI, grupos mercantis que atuavam na expansão marítima europeia financiaram uma série de expedições ao chamado Novo Mundo que visavam obter informações a respeito do continente até então desconhecido dos europeus. Foi com esse intuito que se elaboravam na época relatos de viagem e mapas, que possibilitavam o acúmulo de conhecimento sobre aqueles territórios de além-mar.

O próprio Américo Vespúcio, que viajou ao Novo Mundo duas vezes entre 1501 e 1504, a serviço do rei de Portugal, escreveu um pequeno livro no qual afirmava que as áreas recentemente encontradas pelos europeus não eram ilhas isoladas, mas um grande continente, que passaria a ser chamado de América em sua homenagem. Vespúcio também descreveu os hábitos dos povos nativos, entre os quais a antropofagia. Ele também registrou a existência do pau-brasil, uma madeira da qual se extraía um corante de cor vermelha.

Aos olhos dos europeus que chegavam à América, o território tinha um caráter ambíguo. Se por um lado a terra parecia ser um paraíso terrestre – no qual havia uma fartura de água e comida –, por outro a região também era identificada ao inferno, ou a um purgatório, especialmente por conta da nudez dos nativos e do hábito de algumas tribos de comer carne humana. Assim, para além do desejo de explorar a região, os europeus também buscariam realizar um empreendimento religioso no continente, ou seja, trazer o ideal cristão à América. Foi com este sentido que o primeiro nome dado ao atual Brasil foi “Terra de Santa Cruz”, uma referência ao símbolo dos cruzados. Também com essa proposta, degredados foram enviados ao continente americano, no intuito de que eles fossem aqui regenerados e purificados de seus pecados. Esse “lançados”, como eram conhecidos, atuaram ao lado de militares e comerciantes para estabelecer os primeiros contatos com os indígenas, contribuindo assim para iniciar a colonização da América.

A OCUPAÇÃO DO LITORAL

Entre 1497 e 1498, durante a expedição liderada por Vasco da Gama que alcançaria as Índias, o escrivão Álvaro Velho registrou em seu diário que enquanto navegavam pelo Oceano Atlântico os homens sob o comando de Vasco da Gama avistaram aves que voavam em direção ao sudoeste do Atlântico Sul. O líder da expedição teria se convencido de que, se navegasse em direção ao oeste, encontraria terras ainda desconhecidas dos europeus. Todavia, Vasco da Gama continuou a sua viagem em direção às Índias, retornando a Portugal em 1499. Após o sucesso da viagem, o rei dom Manuel, o Venturoso, organizou outra expedição para as Índias. A frota de naus, três caravelas e cerca de 1500 homens ficou sob o comando de Pedro Álvares Cabral, que antes de iniciar a jornada trocou informações com Vasco da Gama sobre o trajeto.

Assim, antes de chegar às Índias, Cabral tentou alcançar as terras a oeste do Atlântico Sul, tomando posse, em nome do rei de Portugal, de parte do continente americano em abril de 1500. A frota portuguesa permaneceu por dez dias na atual baía Cabrália, próximo a Porto Seguro, na Bahia. Cabral e seus homens tiveram contatos amistosos com os Tupiniquim, trocaram presentes com os nativos, celebraram duas missas e ergueram uma cruz de madeira de quase sete metros para assegurar a posse das terras. No dia 2 maio, as caravelas de Cabral retomaram o caminho em direção às Índias, menos uma que voltou para Portugal levando cartas que comunicavam as novidades ao rei dom Manuel.

Inicialmente, o rei português não se interessou muito pela imediata colonização do território, pois as cartas informavam que não havia indícios da existência de metais preciosos naquelas terras. Dessa maneira, dom Manuel preferiu continuar investindo no comércio com as Índias. Isso não significa, porém, que Portugal não fez nada em relação às terras descobertas a oeste do Atlântico Sul, pois nos 30 anos seguintes, os portugueses buscaram ocupar a faixa litorânea estabelecendo pequenas feitorias. Os índios possibilitaram a sobrevivência dos primeiros portugueses que chegavam à América, seja fornecendo-lhes alimentos, ensinando os caminhos e coletando bens que pudessem ser comercializados no Velho Mundo.

Em 1501, a expedição liderada por Gaspar de Lemos explorou as florestas litorâneas – uma área conhecida hoje como Mata Atlântica – e confirmou a abundância de pau-brasil. A árvore de 20 a 30 metros tinha um tronco vermelho, do qual se extraía um corante vermelho. O pau-brasil também existia na Ásia, e os europeus o conheciam desde a Idade Média, usando o seu corante para tingir tecidos. Porém, quando os otomanos conquistaram Constantinopla em 1453, o comércio pelo Mediterrâneo foi bloqueado e o preço da madeira subiu muito. Foi por isso que os portugueses não puderam deixar de explorar o pau-brasil disponível em solo americano.

A exploração dessa madeira seria o grande objetivo da expedição de Gonçalo Coelho, ocorrida em 1503, que construiu feitorias no atual litoral do Rio de Janeiro no intuito de armazenar as riquezas encontradas naquelas terras. A obtenção de lucros com esse negócio estimulou o governo português a estabelecer o “monopólio” sobre tal atividade, apenas quebrado por concessões periódicas feitas a comerciantes que pagavam pelo privilégio. Tais mercadores também tinham a missão de garantir que o Tratado de Tordesilhas fosse respeitado, tratado esse que era contestado por outros povos europeus, em especial os franceses.

A exploração do pau-brasil e de outros produtos do lugar foi crucial para a ocupação do território, pois os lucros justificavam as expedições. Com o tempo, a permanência dos portugueses na América tornou-se mais estável e o contato com os índios foi facilitado, tudo em decorrência daquela atividade exploradora. Por meio do escambo, os portugueses trocavam com os índios objetos como espelhos, tecidos, miçangas, facas, machados, entre outros, pelo trabalho de localizar, cortar e carregar a madeira para as feitorias e para os navios. Se os objetos oferecidos pelos portugueses tinham pouco valor na Europa, para os índios alguns deles possibilitariam uma verdadeira revolução, como as ferramentas de metal que permitiriam a transformação de práticas como a caça e o cultivo agrícola. Com um machado de pedra, os índios levavam até três horas para derrubar uma árvore, mas com os machados de ferro vindos da Europa o mesmo trabalho podia ser feito em cerca de quinze minutos.

O lucrativo comércio de pau-brasil despertou o interesse de outras potências europeias, notadamente por parte da França. De fato, a partir de 1504 os franceses passaram a organizar expedições para regiões do continente americano que Portugal considerava suas. O navegador francês Binot Paulmier de Gonneville, por exemplo, chegou a aportar na ilha de São Francisco, no litoral norte do atual estado de Santa Catarina, onde estabeleceu contatos com os índios Carijó e adquiriu considerável quantidade de pau-brasil, peles e penas de animais. Portugal procurou impedir a ação de concorrentes por meio de expedições guarda-costas, mas como o litoral era muito grande, em 1530 o governo português decidiu iniciar efetivamente a colonização do território.

A partir da expedição liderada por Martim Afonso de Souza, em 1531, a exploração portuguesa do território foi intensificada em um processo que se deu paralelamente ao declínio dos lucros no comércio com o Oriente. A referida expedição se propunha a combater os franceses, reconhecer o território e estabelecer núcleos coloniais. Comandando cinco embarcações e cerca de 400 homens, Martim Afonso de Souza trouxe animais, instrumentos agrícolas, mudas, sementes e colonos. O comandante tinha ainda poderes administrativos, a responsabilidade de manter a ordem, o dever de combater os inimigos e a missão de fundar núcleos de povoamento. A expedição percorreu pontos do litoral, chegando até o sul da América, na região do atual rio da Prata, capturando pessoas a serviço da França. Grupos exploratórios foram autorizados a entrar pelo interior do continente com o intuito de localizar metais preciosos e outras riquezas. Em 1532, fundou a vila de São Vicente, na região do atual estado de São Paulo. Foram erguidas ali as primeiras casas, um pequeno forte, uma capela, a cadeia e o pelourinho. As primeiras autoridades foram nomeadas para as funções de juiz, escrivão, meirinho (oficial de justiça) e almocatel (inspetor encarregado da correta aplicação dos pesos e medidas e da taxação dos gêneros alimentícios). Iniciou-se o cultivo de lavouras de cana-de-açúcar e montou-se o “Engenho do Governador”. Pouco tempo depois, Martim Afonso retornou para Portugal, de onde seguiria para as Índias, a serviço do rei português.

AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

No intuito de ocupar efetivamente as terras, o governo português doou grandes extensões de terras – as capitanias hereditárias ou “donatárias” – a particulares, conhecidos como capitães-donatários. A primeira doação de terras teve como beneficiado Fernão de Noronha, contratador da extração de pau-brasil que recebeu as ilhas que hoje levam o seu nome, no litoral do atual estado de Pernambuco, em 1504. Todavia, o sistema de capitanias hereditárias só foi efetivamente introduzido a partir de 1534, por ordem do rei dom João III, com a finalidade transferir os gastos da colonização a particulares, garantido a posse do território frente ao assédio de navios franceses.

A partir de então, a América Portuguesa foi dividida em várias e extensas faixas de terra doadas aos “donatários” (os livros variam quanto ao número exato de capitanias), de largura variável e que iam do litoral até a linha imaginária estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas. De maneira geral, as terras eram doadas a militares envolvidos na conquista das Índias e a altos burocratas, pois normalmente os nobres não manifestavam muito interesse em desbravar as novas terras.

Quando o “donatário” morria, os seus herdeiros assumiam a posse da capitania, daí o caráter “hereditário” da mesma. A carta de doação e o foral eram os documentos por meio dos quais definiam-se os vínculos, os direitos e as responsabilidades entre o donatário e o rei de Portugal. Enquanto a carta de doação estabelecia a posse da capitania ao donatário, bem como seus privilégios, regalias e deveres (administração da área, estímulo à ocupação e a produção de riquezas), o foral, por sua vez, estabelecia os direitos e os deveres dos colonos para com o donatário e o rei, incluindo os tributos a serem pagos.

O donatário deveria proteger o território do ataque de outros povos e dos indígenas, fundar vilas e distribuir lotes de terras – as sesmarias – a quem pudesse cultivá-las, além de nomear ouvidores, tabeliães, escrivães e juízes. Recebiam por essas tarefas 5% dos lucros do comércio do pau-brasil e das demais especiarias em suas terras. As terras estavam sob a posse e a autoridade dos donatários, mas eram de propriedade do rei, que recebia 10% dos lucros de diversas atividades, como a pesca e a agricultura. Por meio desse sistema, o governo não investia recursos próprios na colonização.

As capitanias hereditárias permitiram a implantação de alguns núcleos de povoamento, tais como Porto Seguro (1535), Ilhéus (1536), Olinda (1537) e Santos (1545), bem como a efetiva posse sobre algumas terras e a abertura a novas possibilidades econômicas. Em Pernambuco e São Vicente, o cultivo de cana-de-açúcar e a produção dos subprodutos dessa atividade prosperaram. Todavia, a maioria das capitanias fracassou porque muitos donatários não dispunham dos recursos necessários para efetivar a colonização, enquanto outros nem se deram ao trabalho de vir para um território desconhecido.

Houve ainda outros problemas, como os ataques dos povos indígenas. Pero de Campo, por exemplo, se desfez de seus bens em Portugal e foi para a capitania de Porto Seguro com sua família e 600 colonos, porém, sofreu uma série de ataques dos Aimoré. Campo foi ainda acusado de heresia pelos colonos perante o Tribunal da Inquisição, fato que o obrigou a voltar a Portugal, onde foi proibido de retornar à América. As grandes distâncias entre os diversos núcleos coloniais e em relação a Portugal também eram obstáculos difíceis de serem enfrentados. Havia ainda a falta de apoio do governo e os ataques de corsários. Tudo isso dificultava a colonização da maioria das capitanias.

A CENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

No intuito de centralizar a administração colonial, o governo português instituiu o Governo-Geral, em 1548. As capitanias hereditárias não foram eliminadas (o que ocorreria apenas em 1759), mas o poder dos donatários passou a estar submetido ao do governador-geral, que agora era o principal representante do rei na colônia. A intenção do governo português era integrar e adquirir maior controle sobre as diferentes iniciativas de colonização. O governador-geral devia proteger os núcleos dos ataques de estrangeiros e de indígenas, cuidar do comércio realizado na colônia, controlar as áreas ocupadas, explorar o sertão, distribuir sesmarias para a construção de engenhos de açúcar, estabelecer alianças com os povos indígenas amigos e castigar aqueles que prejudicassem a colonização portuguesa. Ele também cuidava da arrecadação de impostos, da escolha de magistrados, da definição de penas e da nomeação de clérigos para os cargos religiosos. O governador-geral era auxiliado pelo “capitão-mor” (responsável pela defesa da costa), pelo “provedor-mor” (que cuidava dos tributos) e pelo “ouvidor-mor” (encarregado da Justiça).

Onde hoje fica a cidade de Salvador foi construída a primeira sede administrativa da colônia, no que na época era o litoral da capitania da Bahia. O primeiro governador-geral, Tomé de Souza, chegou à América Portuguesa em 1549, acompanhado de degredados, soldados, clérigos, mulheres e funcionários do rei. Também vieram os jesuítas, liderados por Manuel da Nóbrega, incumbidos de converter os índios à fé católica, no âmbito da Contrarreforma. Salvador foi construída por Tomé de Souza, que em pouco tempo cuidou para que centenas de casas, uma igreja matriz e prédios públicos fossem erguidos na capital da colônia. Criação de gado e plantações de cana-de-açúcar surgiram na zona rural.

O segundo governador-geral foi Duarte da Costa. Assumindo a administração a partir de 1553, ele trouxe órfãs para casar com os colonos, além de mais jesuítas, entre os quais José de Anchieta, que em 1554 fundou o colégio que deu origem à vila de São Paulo de Piratininga. A gestão de Duarte da Costa foi marcada por crises, em especial por conta de atritos entre os portugueses e os indígenas. Como os portugueses precisavam cada vez mais de trabalhadores nas lavouras, ampliou-se a escravização dos indígenas, que por sua vez se revoltaram contra a dominação portuguesa.

Além disso, em 1555, sob a liderança de Nicolas Durand de Villegaignon, os franceses instalaram-se na baía de Guanabara com o intuito de construir um núcleo colonial, a França Antártica. Como Duarte da Costa não conseguiu expulsá-los, a iniciativa francesa só foi contida na administração do terceiro governador-geral, Mem de Sá.

Mem de Sá chegou à América Portuguesa no ano de 1558, trazendo reforços militares que lutariam até 1567 para expulsar os franceses. Estácio de Sá, considerado por muitos o fundador da cidade do Rio de Janeiro, em 1569, destacou-se nesses conflitos. Mem de Sá também dizimou cerca de 300 aldeias indígenas litorâneas, que se opunham à presença portuguesa. Por outro lado, ele criou leis que protegiam os índios cristianizados. Mem de Sá estimulou ainda o tráfico de escravos de origem africana, sobretudo para o aumento da mão-de-obra nas áreas de cultivo de cana-de-açúcar. Após a morte de Mem de Sá, em 1572, a administração colonial passou a ser exercida por dois governadores, um em Salvador e outro no Rio de Janeiro.

Lourenço da Veiga reunificou a administração em 1578, mas ela seria desmembrada em outros momentos, como em 1621, quando foram criados o Estado do Maranhão e Grão-Pará (com sede em São Luís e, posteriormente, em Belém) e o Estado do Brasil (com sede em Salvador e, a partir de 1763, no Rio de Janeiro). Entre 1640 e 1808, os administradores deixaram de usar o título de governadores-gerais, passando a adotar o título de vice-reis.

OS JESUÍTAS

Os primeiros jesuítas chegaram à América Portuguesa em 1549, estabelecendo-se inicialmente na capitania da Bahia de Todos-os-Santos, onde ergueram uma igreja e a sede da Companhia de Jesus. No início, instalaram-se nas aldeias do litoral, mas com o tempo passaram a adentrar pelo interior do território – o sertão –, desbravando novas terras e tomando contato com os mais diferentes povos indígenas.

Com o intuito de pregar o evangelho aos índios, os jesuítas procuravam aprender as línguas nativas, tais como o tupi-guarani e o tupinambá, que eram faladas por povos de diferentes etnias. Para facilitar a comunicação entre os colonizadores e a população nativa, foram desenvolvidas línguas gerais a partir da mistura de elementos do português, do espanhol, de línguas africanas e nativas, como o guarani e o tupinambá. A língua geral do Sul tinha o guarani como uma de suas bases e foi a predominante na capitania de São Vicente e, graças aos bandeirantes, foi difundida por outras regiões, onde hoje ficam os estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso e a região Sul do Brasil. A língua geral do Sul era popular em todas as camadas sociais até meados de 1750, quando foi proibida pelo governo português, entrando aos poucos em desuso até desaparecer. Já na região amazônica, a língua geral ficou conhecida como nheengatu, tendo o tupinambá como uma de suas bases. Os jesuítas difundiram o nheengatu por meio das escolas jesuíticas, adaptando-a de acordo com as línguas faladas pelas diversas etnias. A difusão do nheengatu acabou contribuindo para o desaparecimento de diversas línguas indígenas. O nheengatu também foi proibido, mas continuou sendo falado pelas camadas populares de boa parte da região norte do Brasil e, ao contrário da língua geral do Sul, ele não desapareceu. Em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, por exemplo, o nheengatu é falado por alguns milhares de pessoas e é hoje uma das línguas cooficiais do município.

Como a conversão dos índios adultos revelou-se difícil, os jesuítas concentraram seus esforços na catequização das crianças das tribos. Para isso, verteram os Dez Mandamentos para o Tupi, bem como partes da Bíblia e o “Pai Nosso”, em estilo de cantoria indígena. Os jesuítas tocavam instrumentos musicais e ainda escreviam, dirigiam e atuavam em peças teatrais encenadas pelos índios, que mesclavam técnicas teatrais europeias com aspectos da cultura indígena no intuito de ensinar aos nativos os princípios da fé cristã. Um exemplo disso é o ainda existente folguedo do bumba meu boi ou boi bumbá, que conta a história de um boi morto por um vaqueiro, que fica com a tarefa de ressuscitar o animal. Os jesuítas usavam tal folguedo para comparar a ressurreição do boi com a de Jesus Cristo.

Toda essa pregação feita de maneira itinerante não surtiu os efeitos desejados. Assim, Manoel da Nóbrega sugeriu que a catequização dos índios poderia ser mais eficiente se os jesuítas parassem de se deslocar de uma aldeia para outra e reunissem os indígenas em um mesmo lugar. Nóbrega pensava que reunidos em uma única aldeia por região, sob o comando dos jesuítas, os índios estariam protegidos dos colonos que queriam escravizá-los. Nessas missões jesuíticas – também chamadas de “aldeamentos” ou “reduções” –, os índios seriam preparados para uma vida produtiva baseada na agricultura e no artesanato.

As missões contribuíram para a desintegração da sociedade indígena, pois ali os índios viviam uma vida bem diferente daquela a que estavam acostumados. Se antes eles eram seminômades, agora eram agricultores e artesãos sedentarizados e submetidos a uma disciplina de horários. Além disso, para viver nas missões, os índios tinham que renunciar à sua liberdade de movimentos e a seus antigos hábitos, como a poligamia e a antropofagia. Por vezes, as missões reuniam nativos de tribos rivais, o que gerava conflitos. Além disso, muitos índios morriam em decorrência de doenças trazidas pelos europeus, tais como varíola, rubéola, tuberculose e outras. Diante de tal realidade, eram comuns as fugas e as revoltas.

O Brasil Republicano (1889-1930)

A Proclamação da República foi fruto da aliança entre cafeicultores paulistas e exército contra o Império. Ficou decidido que os militares deveriam assumir o governo durante a fase inicial da República, pois havia o medo de um contragolpe monárquico. Assim, entre 1889 e 1894 o Brasil ficou sob o domínio da República da Espada, época dos governos dos marechais Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894).

É preciso dizer que à época da Proclamação da República havia três projetos distintos de governo republicano. O projeto republicano liberal era defendido pelos cafeicultores paulistas e suas propostas eram a descentralização política, a autonomia dos estados, a defesa das liberdades individuais (direitos de locomoção, de propriedade, de livre-expressão), a livre competição econômica, a separação entre os três poderes, a instauração de eleições e a separação entre Igreja e Estado. Tal projeto inspirava-se no sistema norte-americano.

O projeto republicano jacobino, sob a inspiração da I República francesa de Danton e Robespierre, era a bandeira da baixa classe média (pequenos comerciantes e funcionários) e de setores intelectualizados da sociedade brasileira (profissionais liberais como jornalistas, médicos, advogados e professores). Neste projeto estavam em pauta a liberdade pública de reunião e discussão e uma maior participação popular na administração pública. Os defensores mais radicais deste projeto eram altamente xenófobos, principalmente antilusitanos.

Por fim, o projeto republicano positivista inspirado em Auguste Comte era defendido pelo exército. As ideias de “ordem” e “progresso” marcavam presença nesse projeto. Ademais, havia aqui a noção de que a administração da sociedade deveria ser feita de maneira científica e racional. Os militares positivistas defendiam ainda um Estado forte, centralizado e capaz de exercer quase que uma tutela da população.

O GOVERNO PROVISÓRIO DE DEODORO DA FONSECA (1889-1891)

Em seu governo provisório, Deodoro da Fonseca agiu com autoritarismo, apreciador que era da disciplina militar. A marinha, que era basicamente monarquista, não apoiou o seu governo. Houve a extinção da Constituição de 1824, a convocação de eleições para uma assembleia constituinte, o banimento da família imperial, a separação entre Igreja e Estado, além do oferecimento da cidadania brasileira aos estrangeiros residentes no Brasil.

Rui Barbosa foi nomeado ministro da Fazenda e tentou implementar um projeto de desenvolvimento industrial. O aumento na emissão de papel-moeda facilitou o estabelecimento de sociedades anônimas (empresas). Barbosa dificultou a entrada de produtos importados por meio de taxas alfandegárias que visavam proteger a supostamente nascente indústria nacional. Todavia, o aumento na emissão de papel-moeda provocou a inflação (o Encilhamento) e a febre especulativa.

Em 1891 foi aprovada a nova Constituição do país. A carta definia o Brasil como uma república federativa formada por um governo central e por 20 estados com autonomia jurídica, administrativa e fiscal. O texto também regulamentava a divisão dos três poderes: executivo (presidente, governadores e prefeitos), legislativo (bicameral, com Senado e Câmara dos Deputados, além de assembleias estaduais e câmaras de vereadores) e judiciário, todos independentes entre si. O voto era universal, masculino e não-secreto. Mulheres, analfabetos, mendigos, menores de 21 anos, padres e soldados não votavam. Ficou ainda definido que o primeiro presidente após a promulgação da Constituição de 1891 deveria ser eleito pela assembleia constituinte. Deodoro da Fonseca foi eleito o primeiro presidente constitucional da República Brasileira.

O GOVERNO CONSTITUCIONAL DE DEODORO DA FONSECA (1891)

O fracasso da política econômica praticada durante o Governo Provisório de Deodoro da Fonseca fez com que o seu Governo Constitucional começasse já desgastado. Como Presidente e Vice foram eleitos separadamente, Deodoro assumiu o governo junto com Floriano Peixoto, que havia sido o candidato a Vice pela outra chapa (apoiada por cafeicultores, com Prudente de Morais como candidato a presidente).

O constante autoritarismo de Deodoro da Fonseca se chocou com um Congresso formado predominantemente por cafeicultores, fato que levou a uma grave crise política. O presidente chegou a decretar estado de sítio, fechando o Congresso no dia 03 de novembro de 1891. Houve reação da oposição e também por parte do exército com a articulação de Floriano Peixoto. Trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil entraram em greve contra o golpe de Deodoro.

Custódio de Melo, almirante da marinha, apontou os canhões dos navios que estavam na Baía de Guanabara para a cidade do Rio de Janeiro, ameaçando bombardear a cidade e exigindo a renúncia de Deodoro da Fonseca, que acabou cedendo às pressões.

O GOVERNO DE FLORIANO PEIXOTO (1891-1894)

Com a renúncia de Deodoro, Floriano Peixoto foi muito hábil ao conseguir o apoio de republicanos radicais, positivistas e cafeicultores. Floriano era considerado um defensor da ordem e do regime republicano, e seu autoritarismo era tido como moderado. A volta à normalidade veio com a suspensão do estado de sítio. Algumas medidas do novo governo foram: a construção de casas populares e a suspensão do imposto sobre o comércio de carne na cidade do Rio de Janeiro.

A administração de Floriano Peixoto foi marcada pelo paternalismo. As classes populares recebiam concessões como se fossem “presentes”, havendo uma sujeição agradecida dos mais pobres aos mais ricos. Por sua vez, a lealdade política era baseada nas compensações e na troca de favores.

Houve o estímulo à indústria por meio de linhas de crédito do Banco do Brasil e de leis alfandegárias (protecionismo). Contudo, aquela época foi marcada pelos problemas da inflação e da falta de recursos. Tudo isso em um ambiente de forte nacionalismo.

Em abril de 1892 foi publicado o Manifesto dos 13 Generais, no qual oficiais do exército pediram o afastamento de Floriano Peixoto, pois o seu governo seria inconstitucional (como Deodoro da Fonseca havia renunciado ao cargo de presidente aos nove meses de governo, em tal caso a lei definia que deveriam ocorrer eleições e não a subida do vice ao posto de presidente). No Manifesto, os generais exigiram a realização de novas eleições para o posto mais alto do poder executivo no país. Os autores do Manifesto foram afastados e presos.

Neste período também ocorreu um conflito político no Rio Grande do Sul. Naquele estado havia a hegemonia do Partido Republicano Rio-grandense – PRR –, do governador Júlio de Castilhos (apoiador de Floriano Peixoto). Por sua vez, a oposição ao PRR era feita pelo Partido Federalista, liderado por Silveira Martins, que criticava a centralização do poder pelo PRR. O conflito entre os dois grupos foi intensificado quando Floriano Peixoto interferiu na disputa ao apoiar Júlio de Castilhos. A chamada Revolução Federalista ganhou uma dimensão nacional.

Também naquela época ocorreu a Revolta da Armada de 1893. Oficiais da Marinha apontaram os canhões de seus navios para a cidade do Rio de Janeiro e exigiram a renúncia de Floriano Peixoto. É preciso lembrar as tendências monarquistas da marinha e as ambições políticas do almirante Custódio de Melo que contribuíram para tal episódio. Contudo, Floriano resistiu e combateu os revoltosos em um intenso confronto armado.

A Revolução Federalista e a Revolta da Armada se uniram. O líder federalista gaúcho Gumercindo Saraiva partiu para a cidade de Desterro, capital de Santa Catarina, para se encontrar com os destacamentos navais de Custódio de Melo em 1893. No ano seguinte, os rebeldes tomaram a cidade de Curitiba, no Paraná. As tropas florianistas responderam aos ataques e empurraram os federalistas para o sul, conquistando a cidade de Desterro, que a partir de então passou a se chamar Florianópolis. No Rio de Janeiro, os navios de guerra de Floriano Peixoto, comprados principalmente dos EUA, venceram os navios ainda sublevados e forçaram a rendição dos rebeldes no dia 10 de março de 1894.

O GOVERNO DE PRUDENTE DE MORAIS (1894-1898)

Nas eleições presidenciais seguintes venceu o cafeicultor paulista e republicano Prudente de Morais. Com os cafeicultores no poder, o projeto republicano liberal venceu os projetos radical (jacobino) e positivista, que não tinham base social significativa (o país ainda era predominantemente rural, e não havia proletariado urbano, pequena burguesia, classe média e burguesia nacional bem articuladas). A república liberal instalada pelos cafeicultores seria marcada por desigualdades sociais e caracterizada por ser pouco democrática (havia exclusão política e fraude nas eleições).

Prudente de Morais deveria fazer o país voltar à normalidade e, para isso, acabou de vez com a Revolução Federalista em 1895, que já estava bem enfraquecida. Reatou relações com Portugal (que tinham sido rompidas por Floriano Peixoto) e ainda tomou posse da ilha de Trindade. Durante o seu governo houve forte agitação florianista: com a morte de Floriano Peixoto em 1895, por conta de uma crise hepática, cresceram manifestações contra Prudente de Morais, que se afastou da presidência por motivos de saúde entre novembro de 1896 e março de 1897, quando retornou ao exercício do cargo para terminar o seu governo.

Fato marcante do período foi a Guerra de Canudos, entre 1896 e 1897. A população pobre do nordeste vivia em forte tensão social, sobretudo em épocas de seca. Em tal cenário, os sertanejos tinham algumas alternativas, como a emigração (difícil, por conta da precariedade dos meios de transporte e de comunicação), o banditismo social (cangaço) e o misticismo religioso (por meio de um líder messiânico), este último com a promessa da salvação eterna. Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, fazia pregações e dava assistência à população pobre do nordeste. Ele se estabeleceu com seus seguidores na fazenda de Canudos, onde fundaram a aldeia de Belo Monte. Essa comunidade livre foi vista como um “mau exemplo” pelos poderosos da Bahia. Conselheiro criticava a República (vista como um demônio) e apelava pela vinda do salvador, D. Sebastião (rei português falecido no norte da África no século XV). A partir disso, os governo baiano e federal enviaram expedições militares para destruir Canudos, mas muitas fracassaram. Só em outubro de 1897 o arraial foi derrotado.

Com os fracassos sucessivos do exército em Canudos, mesmo com a vitória sobre o arraial de Antônio Conselheiro em 1897, a posição política do exército ficou abalada. Haveria a partir daí um predomínio da oligarquia rural na política brasileira, especialmente dos cafeicultores.

O APOGEU DA ORDEM OLIGÁRQUICA (1898-1914)

Entre 1898 e 1914, o Brasil passou pelos governos de Campos Sales (1898-1902), Rodrigues Alves (1902-1906), Afonso Pena (1906-1909), Nilo Peçanha (1909-1910) e Hermes da Fonseca (1910-1914).

Um primeiro aspecto a ser destacado a respeito do período é a crise do café. O aumento da produção brasileira e mundial do produto provocou a redução do preço do café, produto responsável por boa parte das exportações brasileiras à época. Com isso, houve um forte abalo na economia do país, com crescente dívida externa junto a bancos estrangeiros e inflação (lembrar a emissão excessiva de papel-moeda no início da República).

Em 1898, Campos Sales assinou o funding loan, um acordo com os bancos credores. Por meio dessa medida, ficou acertado um empréstimo para o pagamento dos juros da dívida externa nos 3 anos seguintes. Além disso, foi estabelecido um prazo de 13 anos para que se iniciasse o pagamento da dívida, a penhora da receita da alfândega do Rio de Janeiro e o compromisso por parte do governo brasileiro em combater a inflação e fortalecer a economia do país. O funding loan era uma moratória, ou seja, em troca da suspensão temporária do pagamento da dívida externa, concordava-se com o aumento do seu valor e do tempo (prazo) para pagá-la. O governo cortou gastos (parou obras públicas, por exemplo) e aumentou impostos sobre os produtos. Houve ainda a incineração de papel-moeda para reduzir a inflação, contudo, tal medida gerou recessão econômica (desemprego). Por sua vez, a valorização cambial do mil-réis barateou produtos importados, o que prejudicou a indústria nacional.

Em 1906, ocorreu o Convênio de Taubaté, realizado na cidade situada no Vale do Paraíba. Os cafeicultores decidiram por uma política estatal de valorização do café, na qual os governos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro comprariam toda a produção cafeeira para regular os estoques do produto e, consequentemente, o preço do café no mercado mundial (é preciso lembrar a lei da oferta e da procura, além do fato de o Brasil ser o maior produtor de café no período). Os primeiros resultados de tal política foram animadores, mas ela estava fadada ao fracasso porque os cafeicultores continuariam produzindo muito café (já tinham um comprador garantido, o governo, que pagava uma alto preço pelo produto) e, se não houvesse demanda suficiente no mercado, o café deveria ser destruído, o que provocava prejuízo (o governo comprava, mas não vendia). Com o aumento no preço do café, outras partes do mundo aumentaram a sua produção, provocando intensa concorrência.

O início do século XX viu também o surto econômico da borracha, no contexto da segunda Revolução Industrial marcado pelas indústrias de automóveis e pneus. A borracha era extraída da seringueira na região amazônica a partir da atuação de trabalhadores que viviam em condições miseráveis (nativos e nordestinos emigrados), enquanto os proprietários de terras é que ganhavam muito dinheiro com o comércio da borracha. Foi neste cenário que ocorreu a Questão do Acre, marcada por intensas disputas que foram seguidas pela compra do Acre pelo Brasil, que adquiriu a região da Bolívia por 2 milhões de libras esterlinas.

Na cidade do Rio de Janeiro ocorreu a Revolta da Vacina (1904), durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906). Em um momento de relativa tranquilidade econômica, proporcionada pelo recente funding loan e pelo surto da borracha, iniciou-se uma reforma do centro do Rio de Janeiro (urbanização) com inspiração em Paris. Populares foram expulsos do centro da cidade (cortiços foram derrubados) em nome do “Progresso”, fato que gerou uma crescente tensão social. O saneamento da cidade foi executado pelo médico Oswaldo Cruz, que estabeleceu a vacinação obrigatória contra a varíola. Tal medida somada à tensão social já existente levou a uma revolta popular que durou uma semana e acabou reprimida pela polícia e pelo exército.

Em 1910 ocorreu a Revolta da Chibata. Nos couraçados Minas Gerais e São Paulo, iniciou-se uma rebelião de marujos contra os castigos físicos violentos e as péssimas condições de alojamento e alimentação. Importante líder do movimento foi o marujo negro João Cândido. Após momentos de tensão, os líderes da revolta foram presos e condenados a trabalhos forçados na Amazônia. Já na região sul ocorreu a Revolta do Contestado (1914), um movimento que se deu na região entre Paraná e Santa Catarina sob o comando de um líder messiânico, José Maria, sendo, portanto, similar ao movimento de Canudos.

Durante o apogeu da ordem oligárquica, foi marcante a atuação dos Partidos Republicanos Paulista e Mineiro – PRP e PRM –, que por vezes estabeleceram uma aliança entre o poder econômico de São Paulo (grande produtor de café) e o poder político de Minas Gerais (maior colégio eleitoral na época). Tal política seria chamada de “café com leite”.

Também foi marcante no período a política dos governadores idealizada por Campos Sales. Tratava-se de uma articulação entre o poder central e as oligarquias regionais. Os governadores apoiavam o presidente em troca de autonomia para os seus estados. Assim, os governadores procuravam eleger uma grande quantidade de deputados e senadores alinhados a esse pacto político. A Comissão Verificadora de Poderes não permitia a diplomação e a posse de deputados de oposição.

As eleições da época eram fraudulentas e violentas, o voto não era secreto, havendo ainda o coronelismo e o clientelismo, que eram sustentados pelo voto de cabresto. A proteção política era dada em troca de obediência. O coronel se articulava com o governador para eleger determinado presidente.

São Paulo e Minas Gerais romperam sua aliança por conta do apoio dos mineiros ao marechal Hermes da Fonseca, que desagradava aos paulistas por ser militar. Com a máquina coronelística, Hermes venceu as eleições e se tornou presidente, governando entre 1910 e 1914. A sua administração foi conservadora e manteve a política de valorização do café. É dessa época a Política das Salvações, intervenções feitas nos estados para trocar determinados grupos oligárquicos por outros.


Os mecanismos políticos das oligarquias ajudavam a manter nos estados, por muito tempo, os mesmos grupos políticos no poder, fato que gerava insatisfação de outros grupos oligárquicos. O próprio predomínio de São Paulo e Minas Gerais na esfera federal provocava a insatisfação de outros estados, como o Rio Grande do Sul. Aos poucos, começava uma crise política que abalaria a chamada “República Velha”.

A CRISE DA PRIMEIRA REPÚBLICA (1914-1930)

Durante os anos finais do século XIX e a partir dos primeiros anos do século XX, o fato de os mesmos grupos oligárquicos ficarem no poder nos estados foi provocando um crescente desgaste no regime republicano então em vigor no Brasil. Assim, surgiram as oligarquias dissidentes, setores economicamente poderosos da sociedade brasileira que queriam mais espaço na política.

Entre 1914 e 1930, o Brasil foi governado por Venceslau Brás (1914-1918), Delfim Moreira (1918-1919), Epitácio Pessoa (1919-1922), Artur Bernardes (1922-1926) e Washington Luís (1926-1930). Aquele foi um período marcado por transformações sociais e econômicas na realidade brasileira. A expansão demográfica foi impulsionada pela imigração europeia, verificou-se ainda um processo de urbanização e de diversificação da economia. O desenvolvimento da infraestrutura se deu com o advento de ferrovias, bancos, telégrafo, jornal, rádio e da expansão da atividade comercial. No âmbito da industrialização, houve a importância do estado de São Paulo, graças aos recursos oriundos do café. Com a I Guerra Mundial as importações foram reduzidas e a produção nacional de têxteis e alimentos industrializados foi estimulada. Tudo isso levou ao desenvolvimento de uma burguesia industrial, do operariado e da classe média, setores urbanos que passariam a se chocar cada vez mais com a ordem oligárquica rural.

A burguesia industrial era formada por cafeicultores, comerciantes e imigrantes europeus enriquecidos. Já no operariado era grande a presença de imigrantes europeus. Os operários viviam sob difíceis condições de vida e de trabalho, enfrentadas por meio da criação de associações e sindicatos (não havia legislação trabalhista), que se manifestavam politicamente por meio da imprensa operária. Os trabalhadores defendiam ideias próximas do anarquismo, e organizaram a Greve Geral de 1917. Como um desdobramento da Revolução Russa de 1917, houve a fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922, além da formação do Bloco Operário e Camponês (que passou a lançar candidatos na política). Por fim, a classe média se via na situação de vítima da inflação e com pouca participação política (lembrar as fraudes nas eleições e a importância ainda grande do voto rural). Foram os jovens oficiais do exército oriundos da classe média que deram início ao movimento do Tenentismo, no qual teve um papel importante a Escola Militar do Realengo (responsável por um ensino técnico e preocupado com o advento de novas armas com a I Guerra Mundial). O exército era uma instituição abandonada pelas oligarquias rurais, havendo uma série de restrições políticas à ascensão na carreira militar. Neste cenário, os tenentistas defendiam a moralização do país, o voto secreto, a centralização política e o ensino obrigatório. Tratava-se de um movimento elitista, pois segundo a concepção dos tenentistas o presidente da república deveria ser alguém saído do referido movimento.

O GOVERNO DE ARTUR BERNARDES (1922-1926)

Nas eleições de 1922, Artur Bernardes (candidato apoiado por São Paulo e Minas Gerais) e Nilo Peçanha (candidato apoiado por Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro) disputaram a presidência da república. Após um processo eleitoral extremamente fraudulento, o mineiro Artur Bernardes saiu vitorioso. Os tenentes tentaram impedir a posse do candidato eleito (o jornal carioca Correio da Manhã tinha divulgado cartas falsas de Bernardes criticando a corrupção e a imoralidade do exército, fato que provocou um mal-estar entre o político mineiro e os jovens militares do exército) por meio da Revolta do Forte de Copacabana, em 1922.

Tal acontecimento foi um primeiro sinal de que o governo de Bernardes seria bastante agitado. Ele reeditou as Salvações de Hermes da Fonseca (intervenções principalmente em Pernambuco e na Bahia), política que gerou conflitos no país. Um exemplo foi a Revolução Gaúcha de 1923, um levante liderado por Assis Brasil (apoiado por Artur Bernardes) contra a reeleição pela quinta vez seguida de Borges de Medeiros (do Partido Republicano Rio-grandense) para o cargo de governador do Estado do Rio Grande do Sul. O conflito só foi solucionado com o Pacto de Pedras Altas, por meio do qual ficou definido que após o fim do mandato de Borges de Medeiros, ficariam proibidas as reeleições para governador naquele estado.

Já a Revolução Paulista de 1924 foi um movimento liderado pelo general Isidoro Dias Lopes. Tratou-se de um movimento de caráter elitista, que rejeitou a participação popular. Reprimidos pelo governo federal, os militares revoltosos se retiraram do estado de São Paulo. No sul, o tenente Luís Carlos Prestes organizou uma coluna e partiu ao encontro dos paulistas rebeldes.  Tenentistas paulistas e gaúchos se encontraram perto de Foz do Iguaçu em 1925, e dali a chamada Coluna Prestes iniciou uma marcha de aproximadamente 25 mil Km por onze estados do Brasil que durou dois anos, só acabando em 1927, quando Prestes partiu com seus companheiros para a Bolívia. Foi nessa época, que Prestes ficou conhecido como o “cavaleiro da esperança”.

Em meio a tais agitações, Artur Bernardes apelou para o autoritarismo, decretando o estado de sítio, restringindo a liberdade de imprensa e reformando a Constituição em 1926, fortalecendo o poder presidencial.

Do ponto de vista cultural, importante acontecimento da época foi a Semana de Arte Moderna de 1922. O evento realizado no Teatro Municipal de São Paulo foi marcado pela presença dos ideais estéticos e políticos do modernismo, com novas formas de expressão como o futurismo, por exemplo. Importantes personagens dessa época foram artistas como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Tarsila do Amaral, Emiliano Di Cavalcanti e Heitor Villa-Lobos. O chamado “movimento antropofágico” e o “verde-amarelismo” marcaram presença.

O GOVERNO DE WASHINGTON LUÍS (1926-1930)

Washington Luís foi um carioca que desenvolveu sua carreira política em São Paulo, tendo passado pelos governos da capital paulista e do Estado de São Paulo. Era um defensor da racionalização administrativa, do gerenciamento técnico-científico e do estímulo à historiografia, à museologia, às ciências sociais, à realização de estatísticas e de censos, ao esporte e à cultura. De fato, foi ele quem liberou o Teatro Municipal para a realização da Semana de Arte Moderna.

Como presidente da república, Washington Luís decretou o fim do estado de sítio, fechou prisões destinadas a presos políticos, restabeleceu e depois voltou a acabar com a liberdade de imprensa (a Lei Celerada de 1929 visava o combate a comunistas). Fomentou a construção de rodovias e quis reformar o sistema financeiro do país, mas a Crise de 1929 atrapalhou seus planos, com a queda nos preços do café. Com a grave crise, Washington Luís se recusou a ajudar os cafeicultores, o que desgastou sua imagem junto àquele grupo.

Washington Luís indicou o nome de Júlio Prestes, político paulista, como candidato a presidente da república nas eleições de 1930, o que desagradou as oligarquias mineiras. Formou-se então a Aliança Liberal, que fez oposição à candidatura de Júlio Prestes. Os mineiros pediram apoio aos gaúchos, oferecendo-lhes a vaga de candidato a presidente, que acabou sendo destinada a Getúlio Vargas. Os mineiros ofereceram ainda a vaga de candidato a vice para a Paraíba, que ficou com o político João Pessoa.

A Aliança Liberal atraiu o eleitorado urbano, setores da burguesia, do proletariado, das camadas médias e dos tenentes. O Partido Democrático, fundado em 1926, legenda que defendia o voto secreto, também apoiou a Aliança. A Aliança Liberal também buscou o apoio do líder tenentista Luís Carlos Prestes à candidatura de Getúlio Vargas, contudo, Prestes já estava aderindo ao comunismo por meio do contato com comunistas argentinos e uruguaios, e acabou repudiando a candidatura de Vargas em um manifesto datado de maio de 1930, no qual explicou a sua adesão ao marxismo.

As eleições foram vencidas por Júlio Prestes e, inicialmente, as oligarquias mineira, gaúcha e paraibana aceitaram o resultado. Todavia, jovens políticos mineiros e gaúchos, além dos tenentistas (agora sem Luís Carlos Prestes) começaram a falar em revolução. No dia 26 de julho de 1930, João Pessoa foi assassinado na Paraíba, o que gerou grande comoção popular. O político mineiro Antônio Carlos teria dito: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”. Desenrolou-se então aquilo que ficaria conhecido como Revolução de 1930, quando a velha-guarda e a jovem-guarda das oligarquias dissidentes uniram-se aos tenentes. Com intensos combates ocorrendo no país, Washington Luís foi deposto antes da posse de Júlio Prestes. Getúlio Vargas foi empossado como presidente da república.

O novo governo não era formado, como os anteriores, por uma única categoria socioeconômica (como os escravocratas do Império ou os cafeicultores dos primeiros anos da República), mas por grupos diferentes: as oligarquias dissidentes, os setores urbanos e os tenentistas. Assim, Getúlio Vargas deveria encontrar uma forma de manter tal aliança em seu governo. 

sábado, 25 de outubro de 2014

Os Tupis-Guaranis antes da chegada dos portugueses à América

Na parte do continente americano que viria a ser explorada pelos portugueses, habitavam povos indígenas que formavam uma população de 1 a 8,5 milhões de pessoas (os dados são imprecisos e as estimativas variam). Alguns especialistas afirmam que aqueles povos nativos dividiam-se em mais de mil povos, cada um com sua cultura específica. Existiam por volta de 1300 línguas diferentes, a maioria das quais eram agrupadas em dois troncos linguísticos principais, o tupi e o macro-jê.

Entre os vários grupos tupi estavam os Guarani, os Tupinambá, os Tupiniquim, os Caeté, os Potiguar, os Tabajara, os Carijó e os Tamoio. Eram povos que habitavam a região da atual costa brasileira, desde o Ceará até o Rio Grande do Sul. Por sua vez, os do tronco linguístico macro-jê viviam sobretudo nos cerrados, como os Bororo e os Carajá. Os Tupi chamavam essas populações de tapuias, termo genérico e de sentido pejorativo usado para designar os que falavam línguas distintas da dos Tupi.

Esses povos indígenas seriam dizimados pelos portugueses por causa das guerras, das doenças e da escravização, sobretudo os que viviam na área litorânea. Os índios remanescentes ou migraram para o interior da América Portuguesa ou se incorporaram à sociedade colonial formada por portugueses e africanos escravizados.

Inicialmente, por conta das dificuldades de avançar em direção ao interior, a maioria dos portugueses ocupou basicamente o litoral e, portanto, muitas das informações a respeito dos índios daquela época referem-se principalmente aos Tupi, com os quais os portugueses tiveram mais contato. Já a respeito dos índios do interior existem poucos relatos, entre os quais podemos citar o de Martinho de Nantes, padre capuchinho francês que viveu entre os Cariri no século XVII (região do atual estado da Paraíba), e o de Joan Nieuhof (1618 – 1672), viajante holandês que conheceu os Tarairiú no sertão nordestino durante o século XVII. Textos como esses apresentam importantes informações sobre os indígenas, contudo, uma maior produção de conhecimento sobre aqueles povos só se tornou mais intensa a partir do final do século XIX, quando pesquisas etnológicas com os povos nativos passaram a ser feitas. Infelizmente, àquela época muitas etnias já estavam extintas ou em vias de extinção.

Atualmente, cerca de duzentos povos indígenas vivem no Brasil, constituindo uma população de 817 mil indivíduos, ou seja, 0,4% da população brasileira, conforme o censo de 2010. A maioria dos atuais povos indígenas do Brasil não possui mais do que 500 integrantes, exceção feita aos Ticuna, aos Guarani e aos Kaingang, que contam com mais de 25 mil pessoas. Estima-se que sejam faladas aproximadamente 170 línguas indígenas no território brasileiro, número que já foi maior, mas que foi reduzido porque diversas comunidades adotaram a língua portuguesa ou o idioma de outro povo indígena com o qual tiveram contato. Mais de 80% das atuais terras indígenas encontram-se na região Norte.

A CULTURA TUPI

Os Tupis-Guaranis teriam se originado há mais de 5 mil anos na atual região amazônica, passando a migrar para outras regiões séculos depois. Aqueles que percorreram o litoral acabariam por formar os Tupi, enquanto aqueles que percorreram o interior em direção ao sul formaram os Guarani.

Os Tupi viviam em aldeias formadas por quatro a sete malocas – grandes habitações coletivas sem divisões internas que abrigavam de trinta a cem pessoas e eram feitas de madeira e cobertas por folhas de palmeira – distribuídas em um grande círculo. No centro do círculo formado pelas malocas havia um terreiro conhecido como ocara, o espaço principal da aldeia e onde ocorriam cerimônias religiosas, festas e rituais. Neste terreiro também aconteciam reuniões nas quais se discutiam questões de interesse da comunidade.

Naquelas sociedades indígenas as mulheres se ocupavam da arte cerâmica e da produção do cauim (bebida fermentada à base de mandioca), atividades relacionadas a rituais. O corpo dos guerreiros mortos ou de prisioneiros sacrificados era recebido em cerâmicas, enquanto o cauim era usado em rituais como o da antropofagia. As mulheres ainda coletavam os alimentos, plantavam, cozinhavam, cuidavam das crianças e fabricavam os utensílios domésticos. Os homens, por sua vez, derrubavam árvores, guerreavam, caçavam, pescavam, preparavam a terra para o cultivo, construíam as malocas e fabricavam instrumentos como armas e canoas. As crianças ajudavam os adultos em tarefas compatíveis com sua idade. Os bens produzidos pertenciam a toda a comunidade. Tanto as armas como os objetos de uso diário eram feitos de pedra, osso, madeira ou barro. O conhecimento era socializado, todos os indivíduos tinham acesso ao saber necessário à sua realização pessoal e sobrevivência.

A alimentação variava conforme a região e era baseada na caça, na pesca e na coleta. A pesca era importante em áreas próximas a rios e mares. No interior do continente era muito presente o cultivo de mandioca, milho, abóbora, inhame e batata-doce. A caça era importante em áreas de floresta. Antes da chegada dos portugueses havia a apropriação coletiva da natureza, onde a terra, a floresta, a água e os animais pertenciam a todos, não existindo a propriedade privada da terra ou de qualquer outro recurso natural. Muitos povos indígenas praticavam o nomadismo: quando o solo se esgotava, o grupo que ocupava aquela área abandonava a aldeia e se estabelecia em outra região.

A mandioca era um dos alimentos mais importantes e se tornou comestível porque os índios descobriram uma forma de extrair o veneno existente em sua raiz. Tal veneno era utilizado nas pontas das flechas para torná-las ainda mais mortais. Após extraírem o veneno, os índios usavam a mandioca para fazer farinha seca, tapioca, beiju e outras iguarias. A domesticação da mandioca teria ocorrido há 8 mil anos, começando nas áreas que hoje formam os estados de Rondônia, Mato Grosso e Acre.

O líder da aldeia era escolhido entre os guerreiros que haviam se destacado em guerras, possuía prisioneiros, parentes e esposas, controlando assim a produção de alimentos. O líder da aldeia Tupi – conhecido como morubixaba – impunha ordens ou determinações ao grupo, servia como conselheiro, intermediava as relações entre as pessoas para evitar conflitos. Os presentes e as ofertas eram as bases das relações pessoais, sendo a generosidade um aspecto importante da cultura Tupi. As decisões – como declarar guerra a uma aldeia vizinha – eram tomadas por meio de um consenso entre os principais chefes das grandes famílias, que formavam uma espécie de conselho. O pajé, que desempenhava as funções de médico e sacerdote, era uma pessoa extremamente respeitada da aldeia. O poder não era centralizado, e os mais velhos eram ouvidos em primeiro lugar.

Como não havia propriedade privada e nem poder político forte e centralizado, as comunidades indígenas tinham um caráter igualitário, não havendo privilégios, nem divisões de classes, nem desigualdades sociais.

Eram comuns as alianças entre aldeias vizinhas por meio de casamentos ou de acordos informais, contudo, a guerra era uma atividade importante entre os Tupis-Guaranis. O inimigo morto ou ferido em combate podia ser devorado no campo de batalha. Em outros casos, era comum fazer prisioneiros de guerra que eram conduzidos à aldeia, onde podiam ser mortos em rituais ou passar a fazer parte da rotina da comunidade, podendo viver dessa maneira por anos (o prisioneiro ficava sob a responsabilidade daquele que o capturou e até podia casar-se com uma mulher do lugar). Ser prisioneiro não era algo mal visto, pois para um guerreiro a maior desonra era a morte natural. Os Tupi homenageavam seus inimigos comendo-os, pois acreditavam que assim assimilariam sua força e valentia. Povos indígenas do interior, por sua vez, costumavam ingerir a carne de uma parente morto por causas naturais no intuito de obter suas virtudes e qualidades.


A antropofagia foi vista pelos europeus do século XVI como um sinal do barbarismo dos índios. Assim, os povos nativos foram julgados como incapazes de se autogovernar, o que serviu de justificativa para os homens do Velho Mundo colonizarem a América. 

sábado, 11 de outubro de 2014

Relatos da Conquista Espanhola da América e a Resistência Indígena

A chegada dos espanhóis ao continente americano e o posterior processo de conquista do território foram eventos que deram origem a distintas narrativas. Vejamos alguns deles...

O PONTO DE VISTA DO CONQUISTADOR: O RELATO DE CORTEZ

O próprio Hernan Cortez, responsável pela conquista do México, registrou a sua versão da luta dos espanhóis contra os astecas. Entre os acontecimentos que são descritos nessa narrativa estão: a ida dos espanhóis a Tenochtitlán (a capital asteca, onde governava o líder daquele povo àquela época, Montezuma), o contato com os índios (que, segundo o relato de Cortez, às vezes era amistoso, às vezes conflituoso), o contato com o líder asteca, Montezuma.

É interessante perceber que Hernan Cortez procura em algumas passagens destacar a sua própria determinação em chegar a Tenochtitlán. Ademais, há em tal relato a tentativa de justificar o domínio espanhol sobre aquele território: ao descrever um discurso de Montezuma, Cortez afirma que o chefe dos astecas teria dito que o rei espanhol seria o “senhor natural” dos astecas (Cf. CORTEZ, 1986, p. 41).

Ainda sobre Montezuma, Cortez conta como o senhor de Tenochtitlán se deixou dominar e até ajudou os espanhóis oferecendo informações sobre o território. Ainda de acordo com o conquistador espanhol, tal processo foi interrompido por causa da chegada de outro agente espanhol, Paniilo de Narváez, que se dizia a mando da Coroa Espanhola e que iria tirar Hernan Cortez do comando da conquista do território. Segundo o relato de Hernan Cortez, foi durante o seu conflito contra Narváez que os índios de Tenochtitlán se rebelaram, dando início a uma guerra na qual morreram espanhóis e o próprio Montezuma (ele recebeu uma pedrada enquanto tentava pedir aos índios que parassem de guerrear, segundo Cortez).

Ao narrar o processo da conquista do México, Cortez fala da dificuldade enfrentada pelos espanhóis ao lutarem contra os astecas. O conquistador espanhol também lembra as alianças que foram feitas com povos nativos inimigos de Tenochtitlán, fazendo questão de registrar a sua valentia/coragem pessoal naquela guerra. De fato, em seu relato Cortez procura elaborar a imagem de si próprio como um grande herói.

No que diz respeito à relação entre a linguagem utilizada na elaboração da narrativa e a realidade descrita, Cortez afirma ter uma certa dificuldade em encontrar as palavras adequadas para descrever a cidade de Tenochtitlán e os acontecimentos. De qualquer modo, o espanhol procura reforçar a ideia de que está tentando em seu relato “ser o mais fiel possível aos acontecimentos” (CORTEZ, 1986, p. 62), ou seja, ele quer se mostrar um narrador imparcial, que comunica apenas a verdade dos fatos.

É a partir dessa pretensão que Cortez procura justificativas para dominar Tenochtitlán. Segundo ele, era preciso punir a traição dos índios que se rebelaram contra os espanhóis, ampliar a fé católica, lutar contra aquela gente “bárbara” e garantir a sobrevivência dos espanhóis que, de acordo com o seu ponto de vista, estavam ameaçados naquelas terras.

No que concerne aos conflitos propriamente ditos, Cortez afirma em várias passagens que tentou negociar a paz, mas que os índios de Tenochtitlán não se rendiam. Todavia, é preciso salientar que, em certos momentos do relato, Cortez não deixa de vibrar com as vitórias e os massacres promovidos pelos espanhóis. A vitória espanhola foi possível, segundo Cortez, graças à estratégia de cerco a Tenochtitlán, ao uso de cavalos e armas de fogo e às alianças com povos indígenas que eram inimigos dos astecas.

Outro elemento importante do relato de Cortez é a sua relação com a religião católica. Em diversos momentos do texto, o conquistador espanhol agradece a Deus pelas vitórias nas batalhas. Por mais terríveis que tenham sido alguns dos seus atos, Cortez procura sempre se justificar, tentando construir uma imagem de si mesmo como um herói, bem como a ideia de superioridade dos espanhóis em relação aos indígenas (vistos como traiçoeiros).

OS RELATOS DE ORIGEM INDÍGENA

Se o espanhol deixou registrada a sua versão da conquista do México, os próprios astecas também transmitiram o seu ponto de vista sobre aqueles acontecimentos. Ao recuperar alguns relatos astecas sobre a conquista, o pesquisador Miguel León-Portilla (1991) nos mostra como a dominação espanhola foi vista pelos indígenas. Nas narrativas de origem asteca, aparece em lugar de destaque a estratégia usada por Hernan Cortez para se comunicar com os astecas: o conquistador espanhol falava na sua própria língua com Jerónimo de Aguilar (um náufrago que se estabelecera em Yucatán e que havia aprendido o idioma maia), que falava na língua maia com a índia Malinche que, por sua vez, finalmente traduzia a mensagem para a língua asteca (Malinche falava os idiomas maia e asteca).

Segundo os testemunhos indígenas, o líder asteca Montezuma teria achado inicialmente que a chegada dos espanhóis era o retorno de Quetzalcóatl e dos demais deuses que o acompanhavam. Todavia, tão logo se revelou o objetivo daqueles homens tão diferentes que chegavam a Tenochtitlán, bem como a violência que estavam dispostos a praticar para conquistar o território, os astecas passaram a chamar os espanhóis de popolocas, termo que pode ser traduzido por “bárbaros”.

Em tais relatos astecas da conquista espanhola também aparecem os presságios que teriam surgido nos anos anteriores e que diziam respeito à chegada dos espanhóis e à destruição de Tenochtitlán. Alguns dos presságios descritos nessas narrativas são: uma espiga de fogo no céu, o incêndio em um templo, um grito de mulher no meio da noite. Todos esses presságios seriam sinais da tragédia que seria trazida pelas mãos dos conquistadores espanhóis. Nas narrativas astecas, a existência de tais presságios estão relacionadas à angustia, ao espanto e ao terror sentidos por Montezuma quando da chegada dos espanhóis (Cf. LEÓN-PORTILLA, 1991, p. 27-29).

É interessante observar como os astecas registraram a sua versão acerca da guerra entre o povo de Tenochtitlán e os espanhóis. Segundo os relatos astecas, Cortez teria saído de Tenochtitlán para combater Narváez, mas alguns espanhóis ficaram na capital asteca e, sob a liderança de Alvarado, atacaram indígenas em um templo religioso, fato esse que provocou a revolta asteca contra a presença espanhola. Tal narrativa é instigante porque no relato feito por Hernan Cortez o ataque de Alvarado aos indígenas não aparece com muito destaque. Cortez até afirma que os índios se revoltaram contra os espanhóis, mas não deixa muito claros os motivos de tal rebelião. É como se, para Cortez, os índios de Tenochtitlán fossem traiçoeiros por terem se aproveitado de sua ausência da cidade, enquanto ele combatia Narváez.

Cabe mencionar ainda que, como os astecas se viam como um povo destinado a subjugar outros povos, a derrota para os espanhóis significou um grande “trauma”. De fato, o que se apreende dos testemunhos astecas da conquista espanhola é que o povo de Tenochtitlán sentiu muito a sua derrota, a perda do modo de vida, da cultura e a “morte” dos seus deuses. A descrição do sofrimento causado pela dominação espanhola (a exploração, os trabalhos forçados, etc.) não é uma exclusividade das narrativas dos astecas, pois nos relatos de origem maia tal elemento também aparece. Aliás, nas narrativas maias sobre a conquista espanhola também são feitas menções a presságios da vinda dos espanhóis (as profecias) que teriam ocorrido tempos antes da conquista espanhola.

Por sua vez, a queda do Tahuantinsuyu – o Estado inca localizado na América do Sul – também foi registrada segundo o ponto de vista indígena. De acordo com os relatos incas, a morte do chefe inca Huayna Cápac em 1525 (aproximadamente) provocou a divisão dos territórios incas com a guerra entre Huáscar, o herdeiro legítimo, e Atahualpa, que residia em Quito e também era filho de Huayna Cápac. Com o desenrolar dos conflitos, Huáscar tornou-se prisioneiro de Atahualpa e, portanto, quando os conquistadores espanhóis Francisco Pizarro e Diego Almagro chegaram à América do Sul encontraram os incas divididos.

Pizarro foi à Espanha obter a autorização por parte de Carlos V (líder do império espanhol) para conquistar a região. Segundo as narrativas de origem inca, ao saber da chegada dos homens brancos, Atahualpa teria pensado que fosse o regresso dos deuses, a volta de Huiracocha. Entre o temor, a curiosidade e a dúvida, Atahualpa permitiu o avanço progressivo dos europeus pelo território. O líder inca confiava nos seus 40 mil homens armados.

Já sobre o contato entre Atahualpa e os espanhóis, os relatos incas registram que Pizarro e o chefe inca conversaram com a ajuda de um índio intérprete. Atahualpa teria dito que era um grande senhor e que acreditava nos seus próprios deuses e que, para os incas, eles não eram “falsos” tal como diziam os espanhóis. Atahualpa teria até arremessado para longe uma bíblia que lhe fora entregue pelo frei Vicente de Valverde. De acordo com a memória inca, foi após de tal gesto que os espanhóis atacaram e aprisionaram Atahualpa.

O chefe inca tentou comprar sua liberdade com ouro, porém, mesmo após o pagamento do resgate, os espanhóis o acusaram de idolatria, incesto, adultério, etc. e o condenaram à morte, matando-o em 1533. Os incas ofereceriam resistência à dominação espanhola por 40 anos. Os espanhóis até tentaram apaziguá-los coroando o meio irmão de Atahualpa, Manco II. Contudo, Manco II se rebelou contra os conquistadores. Houve então várias guerras e os incas impuseram dificuldades aos espanhóis.

Para piorar a situação dos espanhóis, Francisco Pizarro e Diego Almagro começaram a brigar entre si. Após os conflitos, Pizarro venceu Almagro e o condenou à morte. Anos depois, o filho de Almagro matou Pizarro. Em 1545 ocorreu a morte de Manco II, e o seu sucessor no posto de chefe inca foi seu filho Sayri Túpac, que se entregou aos espanhóis e morreu envenenado. Os incas coroaram o seu irmão, Titu Cusi Yupanqui, que aumentou os ataques contra os espanhóis. Yupanqui morreu de pneumonia em 1569, sendo sucedido pelo seu irmão Túpac Amaru, o último chefe inca. Túpac Amaru foi preso e morto em 1572, quando os espanhóis finalmente concretizaram o seu domínio sobre o território inca. Todos esses episódios aparecem nas narrativas de origem inca sobre a conquista espanhola do território, processo ao qual os indígenas procuraram resistir.

A RESISTÊNCIA INDÍGENA

A conquista espanhola da América foi marcada por muita violência, a qual os espanhóis – como Hernan Cortez, por exemplo – tentavam justificar a partir da “necessidade” de dominar os “bárbaros” povos indígenas que viviam fora dos dogmas da fé católica. No “encontro” entre europeus e índios, os homens do Velho Mundo pensavam estar diante de uma cultura inferior à europeia e que, por isso, tinha que ser destruída. De fato, a imagem do índio para o europeu foi quase sempre uma imagem negativa.

Todavia, cabe mencionar aqui um personagem dessa história que assumiu contornos mais complexos. Falamos do frei Bartolomé de Las Casas (1474-1566), religioso que, apesar de ser um defensor da cristianização, assumiu uma postura contrária à escravização e ao extermínio dos povos nativos do continente americano.

Por um lado, Las Casas procurou construir uma “imagem servil do índio”. Os povos originados da América pré-colombiana seriam medrosos, destinados à derrota, pusilânimes, fracos, dóceis, inocentes, humildes, pacíficos e obedientes a tal ponto que pareciam ser verdadeiros imbecis. Por outro lado, o frei registrou também em seus escritos as habilidades e a inteligência dos índios, as quais ele admirava. Las Casas até valorizou em certos momentos a valentia e a capacidade de resistência indígena à conquista espanhola do território, embora também tenha criticado o fato de muitos índios terem traído o seu próprio povo, como a índia Malinche, amante e intérprete de Hernan Cortez.

É importante dizer que quando se fala em resistência indígena à dominação espanhola, muitas vezes se restringe tal processo à resistência por meio da guerra, da força. Exemplos notáveis disso foram a resistência dos índios araucanos, que só aceitaram a paz no século XIX, e a revolta liderada pelo cacique Enriquillo em Santo Domingo (1519-1529). Todavia, a resistência indígena ao conquistador europeu assumiu muitas vezes um caráter “sub-reptício”, ou seja, ela se dava de maneira dissimulada, escondida, parecendo ser uma coisa, mas significando outra. Em outras palavras, por trás da aparente passividade indígena registrada por Las Casas, houve sim várias formas de resistência.

Uma primeira forma de resistência sub-reptícia foi o silêncio. Os índios evitavam falar, principalmente em castelhano. O silêncio era não só um sinal do “trauma” por causa da derrota, mas também uma forma de preservar os segredos da própria cultura. Os índios também agiam com teimosia para conseguir algo que era do seu interesse, e não deixavam os colonizadores espanhóis em paz até que alcançassem um determinado objetivo. A mentira, por sua vez, era uma estratégia usada para enganar os espanhóis: os índios diziam-se pobres para não pagar tributos aos espanhóis; também diziam que havia metais preciosos em lugares distantes apenas para fazerem os espanhóis perderem tempo indo procurar tais riquezas.

Outro comportamento indígena que tinha uma finalidade de resistência era a bebedeira. Se em muitas sociedades pré-colombianas do continente americano o consumo exagerado de bebidas alcoólicas era severamente punido, a bebedeira se tornou um hábito comum entre os índios após a chegada dos europeus, que não conseguiam controlar o comportamento dos nativos em relação à bebida. Enquanto estavam bêbados, os índios aproveitavam para reverenciar seus próprios deuses, mesmo estando vestidos como espanhóis/cristãos. Os membros da Igreja católica muitas vezes se sentiam perdidos, sem saber como, e se, deviam punir tais atitudes, já que os índios que se embriagavam não demonstravam ter muita consciência do que estavam fazendo.

Enfim, a preguiça era uma outra forma de resistir ao conquistador. Os índios não se mostravam muito interessados em trabalhar para os espanhóis. Afinal, por que eles produziriam muitas riquezas para os invasores?

Todos esses comportamentos – o silêncio, a teimosia, a mentira, a bebedeira e a preguiça – eram vistos pelos espanhóis como traços negativos dos índios. Contudo, Bartolomé de Las Casas não via tais atitudes como negativas, mas como relacionadas ao modo de vida dos índios. Os índios tinham, de fato, um outro ritmo de trabalho, não tinham um apetite ilimitado pela riqueza. Além disso, os povos nativos valorizavam os momentos de lazer.

Mais que isso, tais comportamentos indígenas faziam parte do que pode ser chamado de “a simulação dos vencidos”, uma forma de resistência que se baseia em mentiras. Os índios se mostravam como cristãos no espaço público, mas continuavam com suas práticas religiosas no espaço privado. Assim, eles conseguiram por vezes preservar seu idioma e seus hábitos. Alguns índios até aprendiam o castelhano e também a usar as leis espanholas a seu favor (sobretudo os índios que aprendiam a ler e a escrever). Por outro lado, nem todos os espanhóis se dedicavam muito a aprender as línguas indígenas, e os espanhóis ficavam extremamente irritados quando os índios falavam exclusivamente nas línguas nativas perto deles: não era possível saber se os índios estavam caçoando dos espanhóis ou preparando alguma armadilha.

As línguas nativas eram usadas pelos índios ao fazerem suas festas e rezas. Também ocorria a mistura das duas religiões, onde Jesus Cristo tornava-se apenas mais um ídolo entre os vários que os índios cultuavam. Rezando na sua própria língua e misturando os santos católicos com suas próprias divindades, os índios pediam proteção contra os espanhóis. Graças a estratégias desse tipo os índios preservaram elementos da sua cultura e a sua própria identidade coletiva. Se tal “simulação” foi uma forma de luta, a resistência cultural pode ser vista como uma vitória. De fato, se por um lado os povos indígenas da América foram vencidos (conquistados) pelos europeus, por outro lado eles foram vencedores ao conseguirem preservar partes de sua cultura.

Sem sombra de dúvidas, a “simulação dos vencidos” e a resistência cultural indígena nos mostram que o projeto de sociedade organizada, católica e obediente que os espanhóis procuraram concretizar na América não se tornou realidade. O próprio Las Casas e outros cronistas espanhóis da época registraram que não só os índios, mas também os filhos de espanhóis nascidos na América eram desobedientes às leis vindas da Espanha. A nova sociedade hispano-indígena, segundo os cronistas do período, já nascia fracassada, seja por causa da resistência indígena, seja por causa da mestiçagem que “piorava”, segundo aqueles europeus, a natureza dos homens nascidos em solo americano.


BIBLIOGRAFIA

BRUIT, Héctor H. Bartolomé de Las Casas e a simulação dos vencidos. São Paulo: Unicamp: Iluminuras, 1995.

CORTEZ, Hernan. A Conquista do México. Tradução de Jurandir Soares dos Santos. Porto Alegre: L&PM, 1986.


LEÓN-PORTILLA, Miguel. A Conquista da América Latina vista pelos índios: relatos astecas, maias e incas. 4. ed. Tradução de Augusto Ângelo Zanatta. Petrópolis: Vozes, 1991.

O Segundo Reinado no Brasil

O chamado Segundo Reinado da história brasileira se iniciou em 1840 com dom Pedro II assumindo o trono do Império por meio do Golpe da Maioridade, fato que marcou o fim do Período Regencial. O governo de dom Pedro II durou até o ano de 1889 e foi marcado por um longo processo de centralização política e administrativa acompanhada da pacificação do país, por meio da contenção de revoltas.

Durante o Segundo Reinado dois grupos políticos disputaram o poder no âmbito do Legislativo: os conservadores – burocratas, grandes comerciantes e fazendeiros ligados à lavoura de exportação – e os liberais – profissionais liberais urbanos e fazendeiros encarregados do abastecimento do mercado interno. Esses dois grupos se alternavam constantemente no comando do Poder Legislativo e muitos estudiosos chegam a afirmar que o Segundo Reinado foi marcado pela conciliação entre conservadores e liberais, processo do qual dom Pedro II não ficou ausente.

ECONOMIA E SOCIEDADE NO SEGUNDO REINADO

Durante o governo de dom Pedro II alguns produtos tinham certa importância na nossa economia, como o açúcar, o cacau e a borracha. Contudo, o café acabou se tornando o produto nacional mais importante. É preciso dizer que a produção agrícola brasileira tinha um caráter escravista-exportador, embora o que se viu ao longo do século XIX foi o declínio do trabalho escravo e o aumento do trabalho assalariado.

Ocorreu também um relativo desenvolvimento capitalista, com o crescimento da importância econômica e política da região sudeste, em detrimento de outras regiões como o nordeste, por exemplo. A composição da população brasileira também passou por mudanças, com o aumento da imigração europeia.

No que diz respeito ao café brasileiro, temos que inicialmente o seu cultivo era voltado para o consumo interno. Foi apenas com o declínio da produção francesa no Haiti e na Guiana Francesa que a produção do café brasileiro se voltou para a exportação. Se no início o produto era muito plantado no Rio de Janeiro, com o passar dos anos, porém, o café ganharia outras áreas do Brasil, tais como a Zona da Mata Mineira, o Vale do Paraíba e, enfim, o oeste da província de São Paulo, que acabaria concentrando a produção nacional do café. Cabe mencionar ainda que o plantio de café provocou em certas regiões, especialmente no Vale do Paraíba, um processo de erosão e esgotamento do solo, além da derrubada de matas. Além dos impactos ambientais, o café também permitiu a ascensão política dos chamados barões do café, cada vez mais enriquecidos com o aumento das exportações do café brasileiro, cuja demanda no exterior era crescente.

Foi com a diminuição da importância, para a economia brasileira, de produtos como o açúcar (houve a concorrência da produção antilhana e do açúcar de beterraba europeu; além disso, iniciou-se a produção norte-americana do produto que fez com que os Estados Unidos parassem de comprar o açúcar brasileiro), o algodão (houve a concorrência do produto de origem norte-americana), o fumo (este produto perdeu importância com o fim do tráfico negreiro) e o couro (houve a concorrência da produção dos países da bacia Platina) que o café brasileiro passou a liderar a produção agrícola nacional.

Além da presença marcante do café na economia brasileira, o Segundo Reinado viu também um surto de industrialização. Em 1844 foi aprovada a Tarifa Alves Branco por meio de um decreto do ministro das finanças, Manuel Alves Branco. Essa medida taxou em 30% os produtos importados sem similares produzidos no Brasil e em 60% aqueles com similares produzidos localmente. O aumento dos preços dos produtos importados acabou por estimular a produção industrial brasileira. Personagem de destaque do surto de industrialização ocorrido na época foi Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá, dono de empreendimentos industriais particulares, bancos, estrada de ferro, companhia de gás no Rio de Janeiro, fundição e estaleiro. Em 1860, a Tarifa Alves Branco foi substituída por outra mais baixa graças à pressão de comerciantes ingleses. Mauá não conseguiu competir com os produtos importados e acabou indo à falência em 1878.

O Segundo Reinado foi marcado também por um longo debate em torno da questão da mão-de-obra. Em um cenário internacional de desenvolvimento capitalista, houve a pressão da Inglaterra pelo fim do trabalho escravo. Os britânicos desejavam a ampliação do mercado consumidor de seus produtos por meio do aumento do número de trabalhadores assalariados. Em 1845, em resposta ao aumento dos impostos sobre os produtos britânicos no Brasil, a Inglaterra decretou a Bill Aberdeen, lei que dava à marinha inglesa o poder de prender navios negreiros que atravessavam o Oceano Atlântico em direção ao Brasil. O governo brasileiro acabou cedendo à pressão e aprovou, em 1850, a Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico negreiro (que continuou existindo sob a forma de contrabando). É preciso salientar que a referida lei não foi aprovada apenas por conta da pressão inglesa, mas também por causa da resistência dos negros (fugas e rebeliões ocorriam) e do crescimento do número de pessoas contrárias à escravidão.

Com o fim do tráfico negreiro, fazendeiros passaram a agenciar a vinda de imigrantes europeus. O senador de São Paulo, Nicolau de Campos Vergueiro, foi um dos primeiros a adotar o sistema de parceria em suas terras, onde os imigrantes ficavam com um terço dos lucros da produção agrícola e o restante servia para o fazendeiro pagar os altos custos da viagem. Todavia, a “parceria” fracassou por conta da exploração exagerada dos imigrantes pelos fazendeiros.

De qualquer forma, a imigração europeia para o Brasil continuou, especialmente por causa da crise econômica e das guerras existentes no continente europeu que provocavam a saída de muitas pessoas do Velho Mundo em direção a outras partes do globo. O governo imperial brasileiro acabou por subvencionar a imigração europeia e, com a vinda dos europeus e a consolidação do trabalho assalariado livre, as elites latifundiárias brasileiras receberam com alegria a Lei de Terras de 1850, que definiu que só podia ser dono de terras quem pagasse um alto preço por elas. Tal lei, portanto, servia para limitar o acesso à terra.

POLÍTICA NO SEGUNDO REINADO

O governo de dom Pedro II pode ser dividido, do ponto de vista da política interna, em três fases: consolidação do domínio oligárquico (1840-1850), conciliação (1850-1870) e crise (1870-1889). Durante as duas primeiras, o Partido Conservador e o Partido Liberal, representantes das elites, alternaram-se no controle do governo. Naquele período, as eleições para deputados eram marcadas pelo uso da violência e pela ocorrência de fraudes no processo eleitoral. Não é por acaso que os processos eleitorais da época ficaram conhecidos como eleições do cacete.

O Poder Legislativo era subordinado ao Poder Executivo. O imperador podia dissolver a câmara e demitir o presidente do Conselho de Ministros. As eleições, por sua vez, eram sempre elitizadas, por meio do voto censitário. Tais características marcaram o parlamentarismo às avessas do Segundo Reinado.

Tal centralização política provocou reações. Entre 1848 e 1850, por exemplo, a província de Pernambuco vivenciou a Revolução Praieira. O Diário Novo, jornal localizado na Rua da Praia na cidade do Recife, divulgava ideias como a ampliação do direito de voto, a liberdade de imprensa, a nacionalização do comércio (que era controlado por portugueses e ingleses), maior autonomia para a província de Pernambuco e extinção do Poder Moderador. A circulação de tais ideias levou à mobilização de liberais, senhores de engenho e segmentos populares locais contra o governo central do Império. Após um período de intensa agitação política em Pernambuco, o governo imperial conseguiu sufocar a revolta.

Já no que diz respeito à política externa, o Segundo Reinado viu a ocorrência de atritos contra a Inglaterra, notadamente por conta do trabalho escravo, e de atritos na região do Rio da Prata (1850-1851, 1852, 1864-1865) a partir de conflitos com Argentina e Uruguai. Já entre 1864 e 1870 ocorreu a Guerra do Paraguai. Esse conflito armado envolveu a política expansionista do líder político paraguaio Solano López e os interesses de Brasil, Argentina e Uruguai (países esses que formariam a Tríplice Aliança contra os paraguaios) na região. A rivalidade entre Paraguai e a Tríplice Aliança levou a uma grande guerra que devastou o Paraguai, que saiu derrotado do conflito. Cabe destacar que muitos escravos participaram da guerra na expectativa de ganhar a liberdade.

A partir da década de 1870 o Império brasileiro passaria a enfrentar uma grave crise. Um dos fatores foi certamente o debate em torno da escravidão. Em 1871 foi aprovada a Lei do Ventre Livre e em 1885 foi a vez de a Lei dos Sexagenários também ser aprovada, as duas leis tinham as suas limitações, mas apontavam para a direção da abolição da escravidão. Enquanto isso, crescia o movimento abolicionista, especialmente após a Guerra do Paraguai, quando brancos e negros lutaram lado a lado, o que fez com que muitos membros do Exército passassem a se simpatizar com o abolicionismo. Em algumas regiões do império, os escravos recebiam a ajuda dos caifazes para fugir dos seus senhores. Um desses caifazes foi Antonio Bento de Souza e Castro (1843-1898), jornalista e advogado que organizou um quilombo perto de Santos. O ápice do processo de luta contra o trabalho escravo durante o Segundo Reinado foi a aprovação da Lei Áurea no dia 13 de maio de 1888, assinada pela Princesa Isabel, que finalmente proibiu a escravidão no país. A abolição seria responsável por diminuir o apoio de grandes donos de terras à monarquia.

O governo imperial teve que lidar também com atritos na sua relação com a Igreja ao final do século XIX. Inicialmente, a Igreja e o Estado imperial eram bem unidos, o regime do padroado garantia ao imperador o poder de nomear bispos, enquanto o beneplácito fazia com que medidas implantadas pelo papa em Roma só fossem adotadas pela Igreja no Brasil após a aprovação do imperador. Contudo, o papa Pio IX proibiu, em 1864, a presença de membros da maçonaria na Igreja, proibição com a qual dom Pedro II não concordou, uma vez que ele mesmo era ligado à maçonaria. O imperador, portanto, acabou não permitindo que tal proibição fosse colocada em prática na Igreja brasileira e isso provocou atritos com alguns religiosos, tais como os bispos de Olinda e Belém, que optaram por seguir as recomendações do papa. O imperador acabou punindo severamente os bispos, fato que desagradou fortemente o clero brasileiro.

Por sua vez, o Exército brasileiro também passou a fazer oposição ao imperador em decorrência dos baixos salários, das lentas promoções e dos poucos investimentos. Oficiais acabaram aderindo ao abolicionismo, ao republicanismo e até ao positivismo (baseado nas ideias de ordem e progresso). O republicanismo, aliás, também cresceu entre os cafeicultores paulistas, indivíduos que, a despeito de seu poder econômico, não tinham todo o espaço que queriam na política imperial, que era muito centralizada no Rio de Janeiro.


Assim, o Império enfrentava oposição de vários setores da sociedade brasileira, inclusive das aristocracias agrárias tradicionais que se viam como traídas pela monarquia após a abolição da escravidão. O clímax desse ambiente de crise política seria a Proclamação da República que daria fim ao Segundo Reinado em 1889.