Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O Tráfico Negreiro, a Escravidão e a Resistência dos Negros no Brasil Colonial

Quando os portugueses chegaram à costa africana no século XV, encontraram a população daquele continente dividida em várias etnias, as “nações”, cada uma com suas estruturas políticas, econômicas e sociais específicas. Alguns desses povos já haviam desenvolvido indústria têxtil e metalurgia (como a produção de ferro, por exemplo). Chegando ao continente africano, os portugueses que buscavam riquezas – como o ouro – acabaram encontrando no tráfico de pessoas escravizadas uma oportunidade de obter lucros.

É certo que a escravidão já existia na África antes da chegada dos europeus, contudo, a escravidão africana era diferente daquela que seria imposta pelos homens do Velho Mundo. Em certas comunidades africanas, o escravo, seu amo e parentes cumpriam as mesmas tarefas no cotidiano. Os cativos até podiam ser incorporados à família, embora com um status diferente do das outras pessoas. Nas sociedades africanas organizadas em Estados, os escravos prestavam serviços na corte real e nas residências dos nobres. Além disso, aqueles escravos trabalhavam como mineradores, artesãos e agricultores. Todavia, em outras comunidades os escravos viviam à mercê de seus senhores, podendo sofrer castigos físicos e até serem mortos.

Havia várias formas de se obter um escravo. Após as guerras, os vencedores escravizavam os perdedores. Crianças podiam ser sequestradas e vendidas como escravas. Em certas regiões, pessoas que tivessem praticado atos como assassinato, furto, adultério ou feitiçaria também podiam tornar-se cativas como forma de punição. Era comum também a escravização por dívidas, bem como casos de pessoas que, em decorrência da fome e da miséria, pediam para ser escravizadas. Antes da chegada dos europeus, as vendas de pessoas escravizadas na África eram feitas em pequenas proporções, pois as vendas dificilmente excediam a 10 pessoas.

Após a chegada dos portugueses e, depois, de outros europeus, as pessoas escravizadas na África passaram a ser vendidas e transportadas cada vez em maior número para outras regiões do planeta. Ao lado do comércio de especiarias, da produção de açúcar e da mineração, o tráfico negreiro foi uma das atividades mais lucrativas da Idade Moderna. Estimativas dizem que 10 milhões de escravos africanos foram levados para o continente americano entre os séculos XVI e XIX, dos quais cerca de 3,8 milhões vieram para o Brasil.

OBTENDO OS ESCRAVOS

Em um primeiro momento, os europeus atacavam aldeias localizadas no litoral saariano e na região do Senegal para capturar escravos. Posteriormente, alianças militares e comerciais foram estabelecidas entre os traficantes e os líderes de aldeias e reis. Por meio dessas alianças, os chefes das aldeias se comprometiam a capturar e entregar homens, mulheres e crianças em troca de produtos como utensílios de cobre e de vidro, tecidos, cavalos, etc. Durante o auge do tráfico negreiro, no século XIX, a compra de escravos na África passou a ser feita por meio de pagamento em dinheiro ou por meio de letras de câmbio.

Os europeus estimularam guerras entre os diferentes povos africanos, com o intuito de obter uma maior quantidade de escravos a preços baixos. Os cativos eram vendidos a preços elevados depois disso, o que permitia a obtenção de consideráveis lucros. Os “pombeiros”, mercadores que percorriam o interior do continente africano para comprar pessoas capturadas por chefes locais, representavam outra forma de obtenção de escravos, e tinham esse nome porque os mercados de cativos chamavam-se “pombos”. Os pombeiros iam pelo interior da África levando tecidos, bebidas e búzios destinados à troca por escravos. Eles podiam permanecer até por dois anos em solo africano, retornando ao litoral apenas quando tivessem conseguido adquirir consideráveis quantidades de escravos: às vezes traziam de quinhentas a seiscentas pessoas capturadas consigo.

Na caminhada pelo continente africano, os escravizados eram muitas vezes obrigados a percorrer longas distâncias a pé, acorrentados, e enfrentando a fome e doenças. Estima-se que 25% dos cativos morriam antes de chegar ao litoral em decorrência dos maus tratos ou por conta de rebeliões ocorridas ao longo do trajeto ou nos armazéns onde permaneciam antes de serem embarcados para a América.

Antes da partida para o novo continente, os escravizados eram batizados por religiosos portugueses e recebiam nomes cristãos em uma cerimônia obrigatória. A Igreja cobrava dos comerciantes uma taxa por cada pessoa batizada. Os preços dos escravos variavam conforme a idade e, após serem vendidos, eram encaminhados aos “navios negreiros” que os levariam ao outro lado do Atlântico. Por conta das cruéis e degradantes condições da travessia, muitos morriam ou enlouqueciam.

A maioria dos navios negreiros era de pequeno porte e, para levar um maior número de pessoas, os traficantes construíam um segundo compartimento no porão, cujo teto baixo impedia que as pessoas ficassem de pé. A viagem entre Luanda e Recife levava aproximadamente 35 dias, enquanto que o trajeto de Luanda ao Rio de Janeiro demorava cerca de dois meses. Os cativos iam sentados, acorrentados uns aos outros e com as cabeças inclinadas, correndo o risco de pegar doenças como tifo, sarampo, febre amarela e varíola, que se propagavam rápido e provocavam muitas mortes. No período em que durou o tráfico negreiro, de 15% a 20% dos escravos morriam durante a viagem, números que levaram o Padre Antônio Vieira (1608-1697) a chamar os navios negreiros de “tumbeiros”, pois eram verdadeiras tumbas, ou túmulos, em alto-mar.

Em decorrência do tráfico negreiro o número de homens e mulheres jovens se reduziu bastante na África, fato que teve implicações no crescimento demográfico e no desenvolvimento econômico daquele continente. Estimativas dizem que, para cada escravo que chegou à América, outros cinco teriam morrido entre a captura, a prisão e o transporte, o que significaria a morte de cerca de 50 milhões de africanos entre os séculos XVI e XIX. Sociedades se desestabilizaram e a economia se desorganizou. Reinos como Daomé, Angola e Congo fizeram da venda de escravos a sua principal atividade econômica, deixando de apoiar seu desenvolvimento na exploração de recursos naturais. Podemos dizer que muitos dos problemas enfrentados por países africanos hoje tiveram início nesse período.

ESCRAVIDÃO E RESISTÊNCIA

Os africanos escravizados que chegavam à América Portuguesa ainda no século XVI vinham destinados a trabalhar nos engenhos de açúcar instalados na faixa litorânea, especialmente nas capitanias de Pernambuco e da Bahia. No início do século XVII, chegavam ao Brasil cerca de 8 mil africanos por ano, e este número só fez aumentar ao longo do tempo, tanto que, só na primeira metade do século XIX, cerca de 1,5 milhão de africanos entraram na América Portuguesa. Podemos dividir esse contingente de homens, mulheres e crianças em dois grandes grupos: sudaneses e bantos.

Os sudaneses vinham de regiões da África ocidental, a sudoeste do deserto do Saara, e se dividiam em múltiplas etnias: hauçás, mandingas, iorubás, etc. Um grande número deles era de muçulmanos alfabetizados, oriundos do golfo de Benin. O seu principal destino na América Portuguesa era a região da Bahia.

Os bantos, por sua vez, eram oriundos de áreas mais ao sul do continente africano e eram também divididos em diferentes grupos étnicos: cabindas, benguelas, congos, angolas. Eram normalmente levados para as capitanias de Pernambuco e do Maranhão e para o sudeste da América Portuguesa.

Os colonizadores dividiam os escravos em duas categorias: os “boçais” formavam o grupo dos recém-chegados, independentemente de serem bantos ou sudaneses, que ainda não sabiam nada da cultura dos portugueses, e os “ladinos”, africanos aculturados que já entendiam a língua do colonizador. Os descendentes de africanos nascidos na colônia, por sua vez, eram chamados de “crioulos”.

Assim que chegavam à América Portuguesa, os escravos eram levados para armazéns, onde seriam negociados. Inicialmente, os principais entrepostos escravistas localizavam-se em Recife e em Salvador, bem próximos das grandes lavouras de cana-de-açúcar. Todavia, entre os séculos XVIII e XIX, o principal entreposto era a cidade do Rio de Janeiro.

Nas fazendas, as jornadas de trabalho podiam chegar a 18 horas e os acidentes de trabalho, alguns deles fatais, eram constantes. Às vezes, pequenas áreas eram cedidas pelos senhores aos escravos para que estes cultivassem ali produtos de subsistência. O excedente dessa produção era vendido ao mercado local ou ao senhor, o que permitia que alguns escravos acumulassem dinheiro para comprar a própria “carta de alforria” ou a de algum ente querido. A alforria também podia ocorrer quando o proprietário libertava um filho gerado por uma escravizada, ou quando concedia a liberdade a um escravo fiel.

Os castigos físicos eram aplicados aos escravos que não trabalhassem do modo correto, demonstrassem cansaço, cometessem furtos, tentassem fugir ou se rebelar. Nas minas de ouro, era comum que os escravos fossem obrigados a usar máscaras para que não engolissem as pepitas extraídas da terra. A média da expectativa de vida entre os escravos girava em torno dos dez anos, sobretudo em decorrência das péssimas condições de vida e trabalho às quais estavam submetidos: má alimentação, trabalho extenuante e violência.

Dentro desse quadro, havia várias formas de reagir ao cativeiro. Quando estavam longe dos olhos do feitor, alguns escravos reduziam seu ritmo de trabalho ou até paralisavam a produção, enquanto outros sabotavam as máquinas, destruíam ferramentas e incendiavam as plantações. Mulheres grávidas praticavam o aborto para que seus filhos não fossem escravizados. Houve casos de suicídio e de tentativa de assassinato de senhores e feitores. Por sua vez, rebeliões como a Revolta dos Malês (Bahia, 1835) e a Balaiada (Maranhão, 1838-1841) foram acontecimentos em que também se verificou a insatisfação dos escravos.

As fugas eram outra importante forma de resistência. Os cativos fugiam para as serras ou matas para se esconder ou se misturar à população mestiça do sertão. Quando as zonas urbanas começaram a crescer a partir do século XIX, muitos fugiam para as cidades, onde tentavam integrar-se à sociedade. Os escravos que se escondiam nas florestas e nas serras formavam muitas vezes comunidades conhecidas como “mocambos” ou “quilombos”, que podiam reunir centenas ou até milhares de pessoas, os “quilombolas”. O primeiro quilombo teria se formado em 1573, na capitania da Bahia. Nesses lugares, africanos e afro-brasileiros viviam da caça, da pesca, da agricultura e do artesanato, chegando a fazer transações comerciais com povoados vizinhos. Nos quilombos, os ex-escravos reafirmavam sua identidade étnica e cultural preservando valores, tradições e crenças religiosas de suas nações de origem, na África. Expedições militares eram enviadas aos quilombos para destruí-los e reescravizar sua população, o que fez com que muitas daquelas comunidades se tornassem itinerantes, mudando constantemente de lugar.

O maior e mais duradouro dos quilombos foi o de Palmares, localizado na serra da Barriga, em uma área hoje pertencente a Alagoas e Pernambuco. Ele abrigou mais de uma geração ao longo de quase todo o século XVII e era composto por vários povoados que ocupavam juntos uma área de aproximadamente 350 quilômetros quadrados, onde viviam cerca de 20 mil africanos e afrodescendentes de várias etnias, além de indígenas, pardos e brancos pobres. Palmares funcionava como um pequeno Estado formado por vários mocambos, cada qual com o seu chefe. Acima de todos os chefes estava o rei, que recebia a obediência de todos. Havia uma estrutura militar que visava a resistência às expedições organizadas pelas autoridades coloniais. Os povoados do quilombo eram protegidos por paliçadas, muralhas e fossos com estrepes (peças de madeira ou de ferro com pontas voltadas para cima e fixadas no fundo de fossos para proteger o quilombo). A população de Palmares vivia da agricultura e negociava armas e outros produtos com colonos das redondezas. Os negros que chegavam lá espontaneamente eram considerados livres, enquanto que os que tinham sido capturados em assaltos contra engenhos e povoações eram escravizados. Entre 1630 e 1654, os holandeses que dominaram boa parte do Nordeste naquele período tentaram sem sucesso destruir Palmares. Depois que os portugueses retomaram a região, também atacaram Palmares sistematicamente – entre 1672 e 1680 houve praticamente uma expedição por ano. Em 1694, a partir dos ataques comandados pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, iniciou-se a destruição de Palmares. Zumbi, o líder do quilombo, conseguiu escapar, mas foi morto no ano seguinte. Palmares, todavia, sobreviveria por mais duas décadas, em um período no qual enfrentou 29 expedições enviadas pelas autoridades coloniais. A liquidação total do quilombo só ocorreria em 1716. Zumbi dos Palmares foi escolhido em 1978 pelo Movimento Negro Unificado como o símbolo da luta dos negros contra a opressão – a data da sua morte, 20 de novembro, passou a ser celebrada como o Dia da Consciência Negra no Brasil.

Boa parte dos escravos foi enviada para as zonas rurais, mas muitos africanos escravizados exerceram trabalhos ligados ao mar, como pescadores ou marinheiros. Na capitania de Pernambuco, escravos canoeiros atuaram na integração de vilas e cidades. Pelos rios da região, eles transportavam pessoas de Recife para Olinda e vice-versa, levando água e mercadorias para os lugares de difícil acesso. Entre o século XVII e o início do século XIX, os escravos participaram ativamente da pesca de baleia – importante atividade econômica da América Portuguesa – ao longo de quase todo o litoral brasileiro. Enquanto trabalhadores livres eram contratados para arpoar a baleia em alto-mar, os escravos trabalhavam nos grandes galpões onde o animal era retalhado e extraída a sua gordura.

Com o surgimento e expansão das vilas e das cidades, os escravos passaram a ser usados também nos núcleos urbanos, como nas vilas fundadas em Minas Gerais à época da mineração e no Rio de Janeiro, que se tornou um centro urbano importante com a chegada da família real portuguesa, em 1808. Nas cidades, os escravos podiam se locomover mais livremente e trabalhar sem a estrita vigilância dos senhores. Assim, eles iam de um lugar para outro, levavam recados e iam às compras, atividades que eram praticamente impossíveis no meio rural. Alguns senhores urbanos cediam em aluguel os seus escravos a outras pessoas para trabalhar como cozinheiros, carpinteiros, sapateiros, amas de leite, etc. Os escravos urbanos também podiam executar serviços para terceiros em troca de dinheiro – eram os chamados “escravos de ganho”, que ao final do dia entregavam ao seu senhor uma quantia previamente estabelecida. Após algum tempo, o que podia levar anos, a parte acumulada do dinheiro que ficava com o escravo era geralmente usada na compra da sua alforria.


Introduzidos à força no território brasileiro, os africanos ajudaram a formar a nossa sociedade.