Quando
os portugueses chegaram à costa africana no século XV, encontraram a população
daquele continente dividida em várias etnias, as “nações”, cada uma com suas
estruturas políticas, econômicas e sociais específicas. Alguns desses povos já
haviam desenvolvido indústria têxtil e metalurgia (como a produção de ferro,
por exemplo). Chegando ao continente africano, os portugueses que buscavam
riquezas – como o ouro – acabaram encontrando no tráfico de pessoas
escravizadas uma oportunidade de obter lucros.
É
certo que a escravidão já existia na África antes da chegada dos europeus,
contudo, a escravidão africana era diferente daquela que seria imposta pelos
homens do Velho Mundo. Em certas comunidades africanas, o escravo, seu amo e
parentes cumpriam as mesmas tarefas no cotidiano. Os cativos até podiam ser
incorporados à família, embora com um status diferente do das outras pessoas.
Nas sociedades africanas organizadas em Estados, os escravos prestavam serviços
na corte real e nas residências dos nobres. Além disso, aqueles escravos
trabalhavam como mineradores, artesãos e agricultores. Todavia, em outras
comunidades os escravos viviam à mercê de seus senhores, podendo sofrer
castigos físicos e até serem mortos.
Havia
várias formas de se obter um escravo. Após as guerras, os vencedores
escravizavam os perdedores. Crianças podiam ser sequestradas e vendidas como
escravas. Em certas regiões, pessoas que tivessem praticado atos como assassinato,
furto, adultério ou feitiçaria também podiam tornar-se cativas como forma de
punição. Era comum também a escravização por dívidas, bem como casos de pessoas
que, em decorrência da fome e da miséria, pediam para ser escravizadas. Antes
da chegada dos europeus, as vendas de pessoas escravizadas na África eram
feitas em pequenas proporções, pois as vendas dificilmente excediam a 10
pessoas.
Após
a chegada dos portugueses e, depois, de outros europeus, as pessoas
escravizadas na África passaram a ser vendidas e transportadas cada vez em
maior número para outras regiões do planeta. Ao lado do comércio de
especiarias, da produção de açúcar e da mineração, o tráfico negreiro foi uma
das atividades mais lucrativas da Idade Moderna. Estimativas dizem que 10
milhões de escravos africanos foram levados para o continente americano entre
os séculos XVI e XIX, dos quais cerca de 3,8 milhões vieram para o Brasil.
OBTENDO
OS ESCRAVOS
Em
um primeiro momento, os europeus atacavam aldeias localizadas no litoral
saariano e na região do Senegal para capturar escravos. Posteriormente,
alianças militares e comerciais foram estabelecidas entre os traficantes e os
líderes de aldeias e reis. Por meio dessas alianças, os chefes das aldeias se
comprometiam a capturar e entregar homens, mulheres e crianças em troca de
produtos como utensílios de cobre e de vidro, tecidos, cavalos, etc. Durante o
auge do tráfico negreiro, no século XIX, a compra de escravos na África passou
a ser feita por meio de pagamento em dinheiro ou por meio de letras de câmbio.
Os
europeus estimularam guerras entre os diferentes povos africanos, com o intuito
de obter uma maior quantidade de escravos a preços baixos. Os cativos eram
vendidos a preços elevados depois disso, o que permitia a obtenção de
consideráveis lucros. Os “pombeiros”, mercadores que percorriam o interior do
continente africano para comprar pessoas capturadas por chefes locais,
representavam outra forma de obtenção de escravos, e tinham esse nome porque os
mercados de cativos chamavam-se “pombos”. Os pombeiros iam pelo interior da
África levando tecidos, bebidas e búzios destinados à troca por escravos. Eles
podiam permanecer até por dois anos em solo africano, retornando ao litoral
apenas quando tivessem conseguido adquirir consideráveis quantidades de
escravos: às vezes traziam de quinhentas a seiscentas pessoas capturadas
consigo.
Na
caminhada pelo continente africano, os escravizados eram muitas vezes obrigados
a percorrer longas distâncias a pé, acorrentados, e enfrentando a fome e
doenças. Estima-se que 25% dos cativos morriam antes de chegar ao litoral em
decorrência dos maus tratos ou por conta de rebeliões ocorridas ao longo do
trajeto ou nos armazéns onde permaneciam antes de serem embarcados para a
América.
Antes
da partida para o novo continente, os escravizados eram batizados por
religiosos portugueses e recebiam nomes cristãos em uma cerimônia obrigatória.
A Igreja cobrava dos comerciantes uma taxa por cada pessoa batizada. Os preços
dos escravos variavam conforme a idade e, após serem vendidos, eram
encaminhados aos “navios negreiros” que os levariam ao outro lado do Atlântico.
Por conta das cruéis e degradantes condições da travessia, muitos morriam ou
enlouqueciam.
A
maioria dos navios negreiros era de pequeno porte e, para levar um maior número
de pessoas, os traficantes construíam um segundo compartimento no porão, cujo
teto baixo impedia que as pessoas ficassem de pé. A viagem entre Luanda e
Recife levava aproximadamente 35 dias, enquanto que o trajeto de Luanda ao Rio
de Janeiro demorava cerca de dois meses. Os cativos iam sentados, acorrentados
uns aos outros e com as cabeças inclinadas, correndo o risco de pegar doenças
como tifo, sarampo, febre amarela e varíola, que se propagavam rápido e provocavam
muitas mortes. No período em que durou o tráfico negreiro, de 15% a 20% dos
escravos morriam durante a viagem, números que levaram o Padre Antônio Vieira
(1608-1697) a chamar os navios negreiros de “tumbeiros”, pois eram verdadeiras
tumbas, ou túmulos, em alto-mar.
Em
decorrência do tráfico negreiro o número de homens e mulheres jovens se reduziu
bastante na África, fato que teve implicações no crescimento demográfico e no
desenvolvimento econômico daquele continente. Estimativas dizem que, para cada
escravo que chegou à América, outros cinco teriam morrido entre a captura, a
prisão e o transporte, o que significaria a morte de cerca de 50 milhões de
africanos entre os séculos XVI e XIX. Sociedades se desestabilizaram e a
economia se desorganizou. Reinos como Daomé, Angola e Congo fizeram da venda de
escravos a sua principal atividade econômica, deixando de apoiar seu
desenvolvimento na exploração de recursos naturais. Podemos dizer que muitos
dos problemas enfrentados por países africanos hoje tiveram início nesse
período.
ESCRAVIDÃO
E RESISTÊNCIA
Os
africanos escravizados que chegavam à América Portuguesa ainda no século XVI
vinham destinados a trabalhar nos engenhos de açúcar instalados na faixa
litorânea, especialmente nas capitanias de Pernambuco e da Bahia. No início do
século XVII, chegavam ao Brasil cerca de 8 mil africanos por ano, e este número
só fez aumentar ao longo do tempo, tanto que, só na primeira metade do século
XIX, cerca de 1,5 milhão de africanos entraram na América Portuguesa. Podemos
dividir esse contingente de homens, mulheres e crianças em dois grandes grupos:
sudaneses e bantos.
Os
sudaneses vinham de regiões da África ocidental, a sudoeste do deserto do
Saara, e se dividiam em múltiplas etnias: hauçás, mandingas, iorubás, etc. Um
grande número deles era de muçulmanos alfabetizados, oriundos do golfo de
Benin. O seu principal destino na América Portuguesa era a região da Bahia.
Os
bantos, por sua vez, eram oriundos de áreas mais ao sul do continente africano
e eram também divididos em diferentes grupos étnicos: cabindas, benguelas,
congos, angolas. Eram normalmente levados para as capitanias de Pernambuco e do
Maranhão e para o sudeste da América Portuguesa.
Os
colonizadores dividiam os escravos em duas categorias: os “boçais” formavam o
grupo dos recém-chegados, independentemente de serem bantos ou sudaneses, que
ainda não sabiam nada da cultura dos portugueses, e os “ladinos”, africanos
aculturados que já entendiam a língua do colonizador. Os descendentes de
africanos nascidos na colônia, por sua vez, eram chamados de “crioulos”.
Assim
que chegavam à América Portuguesa, os escravos eram levados para armazéns, onde
seriam negociados. Inicialmente, os principais entrepostos escravistas
localizavam-se em Recife e em Salvador, bem próximos das grandes lavouras de
cana-de-açúcar. Todavia, entre os séculos XVIII e XIX, o principal entreposto
era a cidade do Rio de Janeiro.
Nas
fazendas, as jornadas de trabalho podiam chegar a 18 horas e os acidentes de
trabalho, alguns deles fatais, eram constantes. Às vezes, pequenas áreas eram
cedidas pelos senhores aos escravos para que estes cultivassem ali produtos de
subsistência. O excedente dessa produção era vendido ao mercado local ou ao
senhor, o que permitia que alguns escravos acumulassem dinheiro para comprar a
própria “carta de alforria” ou a de algum ente querido. A alforria também podia
ocorrer quando o proprietário libertava um filho gerado por uma escravizada, ou
quando concedia a liberdade a um escravo fiel.
Os
castigos físicos eram aplicados aos escravos que não trabalhassem do modo
correto, demonstrassem cansaço, cometessem furtos, tentassem fugir ou se
rebelar. Nas minas de ouro, era comum que os escravos fossem obrigados a usar
máscaras para que não engolissem as pepitas extraídas da terra. A média da
expectativa de vida entre os escravos girava em torno dos dez anos, sobretudo
em decorrência das péssimas condições de vida e trabalho às quais estavam
submetidos: má alimentação, trabalho extenuante e violência.
Dentro
desse quadro, havia várias formas de reagir ao cativeiro. Quando estavam longe
dos olhos do feitor, alguns escravos reduziam seu ritmo de trabalho ou até
paralisavam a produção, enquanto outros sabotavam as máquinas, destruíam
ferramentas e incendiavam as plantações. Mulheres grávidas praticavam o aborto
para que seus filhos não fossem escravizados. Houve casos de suicídio e de
tentativa de assassinato de senhores e feitores. Por sua vez, rebeliões como a
Revolta dos Malês (Bahia, 1835) e a Balaiada (Maranhão, 1838-1841) foram
acontecimentos em que também se verificou a insatisfação dos escravos.
As
fugas eram outra importante forma de resistência. Os cativos fugiam para as
serras ou matas para se esconder ou se misturar à população mestiça do sertão.
Quando as zonas urbanas começaram a crescer a partir do século XIX, muitos
fugiam para as cidades, onde tentavam integrar-se à sociedade. Os escravos que
se escondiam nas florestas e nas serras formavam muitas vezes comunidades
conhecidas como “mocambos” ou “quilombos”, que podiam reunir centenas ou até
milhares de pessoas, os “quilombolas”. O primeiro quilombo teria se formado em
1573, na capitania da Bahia. Nesses lugares, africanos e afro-brasileiros
viviam da caça, da pesca, da agricultura e do artesanato, chegando a fazer
transações comerciais com povoados vizinhos. Nos quilombos, os ex-escravos
reafirmavam sua identidade étnica e cultural preservando valores, tradições e
crenças religiosas de suas nações de origem, na África. Expedições militares
eram enviadas aos quilombos para destruí-los e reescravizar sua população, o
que fez com que muitas daquelas comunidades se tornassem itinerantes, mudando
constantemente de lugar.
O
maior e mais duradouro dos quilombos foi o de Palmares, localizado na serra da
Barriga, em uma área hoje pertencente a Alagoas e Pernambuco. Ele abrigou mais
de uma geração ao longo de quase todo o século XVII e era composto por vários
povoados que ocupavam juntos uma área de aproximadamente 350 quilômetros
quadrados, onde viviam cerca de 20 mil africanos e afrodescendentes de várias
etnias, além de indígenas, pardos e brancos pobres. Palmares funcionava como um
pequeno Estado formado por vários mocambos, cada qual com o seu chefe. Acima de
todos os chefes estava o rei, que recebia a obediência de todos. Havia uma
estrutura militar que visava a resistência às expedições organizadas pelas
autoridades coloniais. Os povoados do quilombo eram protegidos por paliçadas,
muralhas e fossos com estrepes (peças de madeira ou de ferro com pontas
voltadas para cima e fixadas no fundo de fossos para proteger o quilombo). A
população de Palmares vivia da agricultura e negociava armas e outros produtos
com colonos das redondezas. Os negros que chegavam lá espontaneamente eram
considerados livres, enquanto que os que tinham sido capturados em assaltos
contra engenhos e povoações eram escravizados. Entre 1630 e 1654, os holandeses
que dominaram boa parte do Nordeste naquele período tentaram sem sucesso
destruir Palmares. Depois que os portugueses retomaram a região, também
atacaram Palmares sistematicamente – entre 1672 e 1680 houve praticamente uma
expedição por ano. Em 1694, a partir dos ataques comandados pelo bandeirante
paulista Domingos Jorge Velho, iniciou-se a destruição de Palmares. Zumbi, o
líder do quilombo, conseguiu escapar, mas foi morto no ano seguinte. Palmares,
todavia, sobreviveria por mais duas décadas, em um período no qual enfrentou 29
expedições enviadas pelas autoridades coloniais. A liquidação total do quilombo
só ocorreria em 1716. Zumbi dos Palmares foi escolhido em 1978 pelo Movimento
Negro Unificado como o símbolo da luta dos negros contra a opressão – a data da
sua morte, 20 de novembro, passou a ser celebrada como o Dia da Consciência
Negra no Brasil.
Boa
parte dos escravos foi enviada para as zonas rurais, mas muitos africanos
escravizados exerceram trabalhos ligados ao mar, como pescadores ou
marinheiros. Na capitania de Pernambuco, escravos canoeiros atuaram na
integração de vilas e cidades. Pelos rios da região, eles transportavam pessoas
de Recife para Olinda e vice-versa, levando água e mercadorias para os lugares
de difícil acesso. Entre o século XVII e o início do século XIX, os escravos
participaram ativamente da pesca de baleia – importante atividade econômica da
América Portuguesa – ao longo de quase todo o litoral brasileiro. Enquanto
trabalhadores livres eram contratados para arpoar a baleia em alto-mar, os
escravos trabalhavam nos grandes galpões onde o animal era retalhado e extraída
a sua gordura.
Com
o surgimento e expansão das vilas e das cidades, os escravos passaram a ser
usados também nos núcleos urbanos, como nas vilas fundadas em Minas Gerais à
época da mineração e no Rio de Janeiro, que se tornou um centro urbano
importante com a chegada da família real portuguesa, em 1808. Nas cidades, os
escravos podiam se locomover mais livremente e trabalhar sem a estrita
vigilância dos senhores. Assim, eles iam de um lugar para outro, levavam
recados e iam às compras, atividades que eram praticamente impossíveis no meio
rural. Alguns senhores urbanos cediam em aluguel os seus escravos a outras
pessoas para trabalhar como cozinheiros, carpinteiros, sapateiros, amas de
leite, etc. Os escravos urbanos também podiam executar serviços para terceiros
em troca de dinheiro – eram os chamados “escravos de ganho”, que ao final do
dia entregavam ao seu senhor uma quantia previamente estabelecida. Após algum
tempo, o que podia levar anos, a parte acumulada do dinheiro que ficava com o
escravo era geralmente usada na compra da sua alforria.
Introduzidos
à força no território brasileiro, os africanos ajudaram a formar a nossa
sociedade.