Da
cana, planta de origem asiática, era produzido o açúcar, produto que chegou à
Europa durante a Idade Média, por volta do século XII, por meio da atuação de
mercadores árabes e cruzados. O valor do produto era alto: em 1440, por
exemplo, 15 Kg de açúcar custavam 18,3 gramas de ouro, e era comum que
quantidades de açúcar fizessem parte de testamentos como uma forma de herança.
O comércio do açúcar gerava grandes lucros e era objeto de interesse dos
comerciantes.
A
cana chegou a ser cultivada sem muito sucesso na Península Itálica. Por sua
vez, os portugueses cultivavam a planta desde o século XIII, estabelecendo
posteriormente o seu plantio na Ilha da Madeira, no Oceano Atlântico, quando
foram desenvolvidas novas técnicas de cultivo e se adotou o uso de mão-de-obra
escrava de origem africana. Portugal expandiu a cultura da cana para os Açores,
São Tomé e Cabo Verde, estabelecendo para isso relações comerciais e
financeiras com mercadores e banqueiros dos Países Baixos, em especial com
aqueles de Flandres. Tais mercadores e banqueiros financiavam a produção,
terminavam de processar o açúcar e o distribuíam por toda a Europa. Com a
crescente demanda, as terras disponíveis nas ilhas do Atlântico revelaram-se
insuficientes, fato que estimulou a transferência da experiência com a cana
daquelas áreas para a América Portuguesa.
Além
de aproveitar o alto preço do açúcar na Europa, o cultivo da cana em terras
americanas pertencentes a Portugal também visava defender o território de
invasões de outros povos europeus. A garantia de financiamento, a experiência
adquirida com o cultivo da planta nas ilhas do Atlântico, a existência de solo
apropriado, o clima quente e as chuvas regulares e suficientes também foram
fatores que estimularam o início da produção de cana-de-açúcar na América
Portuguesa.
Na
América Portuguesa, o açúcar era cultivado em grandes fazendas monocultoras
voltadas para a exportação e baseadas no trabalho escravo – as “plantations” –,
inicialmente dos indígenas e, posteriormente, dos africanos. As grandes
propriedades rurais se originavam das sesmarias, áreas doadas pelo governo
português a quem se comprometesse a cultivá-las. Tal forma de organização da
produção garantia muitos lucros a Portugal. Durante todo o período colonial, a
produção de açúcar foi a atividade que gerou os maiores lucros a Portugal, pois
mesmo no século XVIII, quando a exploração do ouro estava no seu auge,
atingindo cerca de 200 milhões de libras esterlinas, os lucros do açúcar eram de
aproximadamente 300 milhões.
O
negócio do açúcar se tornou um mercado global, pois o financiamento vinha da
Holanda, a produção se fazia no Nordeste da América Portuguesa, o refino era
feito na Holanda, os consumidores se encontravam em várias partes da Europa, a
principal fonte de mão-de-obra estava na África, parte dos insumos vinham da
Europa e outra parte de vários pontos da América do Sul.
O
primeiro engenho na América Portuguesa foi instalado por Martim Afonso de
Souza, em 1532, na capitania de São Vicente. Todavia, a agroindústria do açúcar
teria mais sucesso no Nordeste da colônia, região que contava com o “massapê”,
solo argiloso escuro e rico em calcário que se revelou ideal para o cultivo da
cana, permitindo a rápida expansão da produção canavieira. O primeiro engenho
em Pernambuco começou a operar em 1542 e, quarenta anos depois, aquela
capitania já contava com 66 engenhos. Por volta de 1580, havia 115 engenhos
distribuídos em todo o litoral brasileiro, produzindo 300 mil arrobas de açúcar
(4,5 mil toneladas) por ano, além de aguardente (cachaça). Alguns dos
principais centros produtores de açúcar no Nordeste eram as capitanias da
Bahia, Pernambuco e Paraíba.
A
cachaça era um produto derivado da cana que se tornou importante nas transações
comerciais da colônia. Na compra de escravos africanos, por exemplo, os
traficantes a usavam como “moeda de troca”.
“Engenho”
era uma palavra inicialmente usada para designar a edificação onde se fabricava
o açúcar, todavia, com o passar do tempo a expressão também passou a ser usada
para se referir a todo o complexo que envolvia a produção do açúcar: os
canaviais propriamente ditos, a mata de onde se tirava lenha para as fornalhas,
a “casa-grande” (residência do proprietário), a “senzala” (alojamento dos escravos),
a moenda e outros instrumentos de produção, etc.
Os
donos de engenhos eram conhecidos como “senhores de engenho”. Estes homens
desfrutavam de status social parecido ao da nobreza em Portugal, controlavam a
vida política da região, ocupavam cargos nas câmaras municipais e seus filhos e
parentes detinham importantes postos públicos. Além disso, os senhores de
engenho controlavam uma ampla rede de dependentes.
Em
geral, as mulheres dos senhores de engenho deviam obedecer às suas ordens,
devendo cuidar da educação das crianças, costurar e supervisionar os escravos
domésticos. Suas filhas deveriam estar preparadas para o casamento de
encomenda. Contudo, é preciso dizer que estudos mais recentes demonstraram que
tal submissão feminina não era uma constante, pois viúvas tornavam-se
administradoras de engenhos e outras mulheres reagiam às determinações
impostas: muitas fugiam de casa, separavam-se do marido ou cometiam adultério.
É
importante esclarecer que o senhor de engenho e sua família habitavam a casa-grande,
uma edificação que nem sempre seguiu um modelo suntuoso e luxuoso tal como
imaginamos hoje. De fato, a casa-grande como uma residência suntuosa e
expressão máxima do poder do senhor de engenho só se tornou comum em meados do
século XIX. Antes disso, as habitações dos senhores de engenho e suas famílias
geralmente eram construções parecidas às outras existentes nas propriedades,
como as senzalas e as moendas. O engenho se assemelhava mais a uma fortaleza,
por conta do medo de invasões indígenas, e a opulência não tinha tanta
importância. As moradias dos senhores tinham paredes de taipa ou pedra e cal,
enquanto o teto normalmente era coberto por telhas, sapê ou palha. O piso
muitas vezes era de terra batida e havia poucas janelas e portas. No início da
colonização, as roupas eram demonstração de luxo, e não a casa. Foi apenas no
século XIX que a moda luxuosa das cortes europeias fez a casa-grande adquirir
um novo padrão mais luxuoso e que tinha a função de expressar a riqueza do
senhor.
O
TRABALHO NOS ENGENHOS
O
açúcar era obtido a partir de um processo que exigia grandes investimentos em
máquinas, instalações, animais e mão-de-obra especializada, isso sem falar nas
áreas destinadas ao plantio da cana. Algumas dessas áreas pertenciam ao próprio
engenho, porém, outras pertenciam a proprietários que vendiam a cana aí cultivada ao senhor de engenho. Tais cultivadores possuíam o seu próprio plantel de
escravos, cujo número variava de seis a dez cativos, em média. Os “negros da
terra” – os indígenas – foram os primeiros a serem escravizados, mas já nas
primeiras décadas do século XVI teve início a utilização da mão-de-obra
africana.
Os
escravos deviam cortar a cana e amarrá-la em feixes, que eram posteriormente
empilhados em carros de boi e transportados até a casa da moenda. Neste local,
a cana era esmagada, o que permitia a extração de um caldo que era resfriado,
condensado e levado à casa das caldeiras para ser engrossado ao fogo até se
transformar em melaço. Na casa de purgar, o melaço era colocado em formas para
secar, transformando-se em blocos secos que eram acomodados em caixas e
finalmente remetidos para Portugal. Posteriormente, o produto era levado para a
Holanda para ser beneficiado e, enfim, ser distribuído pela Europa.
Nos
engenhos, na produção do açúcar escuro, mascavo, empregava-se outra equipe de
escravos e de profissionais especializados, muitos deles livres. Se nos canaviais,
o preparo do terreno, o plantio e a colheita da cana eram tarefas realizadas
por escravos, o trabalho de transformar a cana em açúcar nas oficinas era
realizado não apenas por mão-de-obra escrava, mas também por brancos ou
ex-escravos libertos que recebiam pagamento pelo trabalho realizado.
As
atividades mais qualificadas eram destinadas justamente a esses trabalhadores
livres. O mestre de açúcar era o responsável pela qualidade final do produto, o
purgador cuidava da purificação do açúcar, enquanto o caixeiro separava, pesava
e encaixotava o produto. Também mediante pagamento trabalhavam o feitor-mor,
responsável pelo gerenciamento de todo o trabalho, o feitor dos partidos e
roças, responsável por defender a terra contra invasões e por fiscalizar o
trabalho dos escravos, além de ferreiros, carpinteiros, alfaiates,
cirurgiões-barbeiros, etc. Durante os séculos XVII e XVIII, tais trabalhos
muitas vezes eram executados por negros livres e libertos que recebiam um
salário inferior ao que era pago a funcionários brancos. Tarefas
administrativas e especializadas podiam ser executadas por escravos de
confiança dos senhores, prática que podia ser vantajosa para os dois lados
porque enquanto o senhor reduzia custos, o escravo especializado adquiria um status
superior ao dos demais cativos.
Além
da aguardente, outro produto extraído da cana-de-açúcar era a rapadura. Já os
engenhos podiam ter diferenças entre si. O “engenho real” era movido pela força
hidráulica e processava maior quantidade de cana. O “trapiche” era movido por
tração animal ou pessoas escravizadas e tinha menor capacidade de produção. Já
os “molinetes” ou “engenhocas” eram voltados para a produção de aguardente.
Em
épocas de colheita, o engenho podia funcionar de 18 a 20 horas por dia, ininterruptamente.
Os engenhos de porte médio contavam com 60 a 80 escravos, enquanto os maiores
podiam contar com mais de 200. As condições de trabalho não eram favoráveis,
pois o serviço era febril, rígido e disciplinado. O cansaço das longas jornadas
de trabalho provocava até desmaios entre os escravos. No que diz respeito à
segurança do trabalho, esta também deixava a desejar, pois de 5% a 10% dos
escravos morriam em acidentes de trabalho. O padre Andrés de Gouveia, ao
descrever a atividade açucareira na Bahia, chegou a afirmar, em 1627: “Um
engenho de açúcar é um inferno e todos os seus donos são condenados”.
A
América Portuguesa liderou a produção açucareira mundial até meados do século
XVII, quando problemas internos – secas e destruição de engenhos nordestinos
durante a Insurreição Pernambucana – e, posteriormente, externos – como a
concorrência dos produtores holandeses nas Antilhas – provocaram o lento
declínio da economia do açúcar nas terras pertencentes a Portugal no continente
americano.