Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

sábado, 8 de novembro de 2014

A Monocultura do Açúcar na América Portuguesa

Da cana, planta de origem asiática, era produzido o açúcar, produto que chegou à Europa durante a Idade Média, por volta do século XII, por meio da atuação de mercadores árabes e cruzados. O valor do produto era alto: em 1440, por exemplo, 15 Kg de açúcar custavam 18,3 gramas de ouro, e era comum que quantidades de açúcar fizessem parte de testamentos como uma forma de herança. O comércio do açúcar gerava grandes lucros e era objeto de interesse dos comerciantes.

A cana chegou a ser cultivada sem muito sucesso na Península Itálica. Por sua vez, os portugueses cultivavam a planta desde o século XIII, estabelecendo posteriormente o seu plantio na Ilha da Madeira, no Oceano Atlântico, quando foram desenvolvidas novas técnicas de cultivo e se adotou o uso de mão-de-obra escrava de origem africana. Portugal expandiu a cultura da cana para os Açores, São Tomé e Cabo Verde, estabelecendo para isso relações comerciais e financeiras com mercadores e banqueiros dos Países Baixos, em especial com aqueles de Flandres. Tais mercadores e banqueiros financiavam a produção, terminavam de processar o açúcar e o distribuíam por toda a Europa. Com a crescente demanda, as terras disponíveis nas ilhas do Atlântico revelaram-se insuficientes, fato que estimulou a transferência da experiência com a cana daquelas áreas para a América Portuguesa.

Além de aproveitar o alto preço do açúcar na Europa, o cultivo da cana em terras americanas pertencentes a Portugal também visava defender o território de invasões de outros povos europeus. A garantia de financiamento, a experiência adquirida com o cultivo da planta nas ilhas do Atlântico, a existência de solo apropriado, o clima quente e as chuvas regulares e suficientes também foram fatores que estimularam o início da produção de cana-de-açúcar na América Portuguesa.

Na América Portuguesa, o açúcar era cultivado em grandes fazendas monocultoras voltadas para a exportação e baseadas no trabalho escravo – as “plantations” –, inicialmente dos indígenas e, posteriormente, dos africanos. As grandes propriedades rurais se originavam das sesmarias, áreas doadas pelo governo português a quem se comprometesse a cultivá-las. Tal forma de organização da produção garantia muitos lucros a Portugal. Durante todo o período colonial, a produção de açúcar foi a atividade que gerou os maiores lucros a Portugal, pois mesmo no século XVIII, quando a exploração do ouro estava no seu auge, atingindo cerca de 200 milhões de libras esterlinas, os lucros do açúcar eram de aproximadamente 300 milhões.

O negócio do açúcar se tornou um mercado global, pois o financiamento vinha da Holanda, a produção se fazia no Nordeste da América Portuguesa, o refino era feito na Holanda, os consumidores se encontravam em várias partes da Europa, a principal fonte de mão-de-obra estava na África, parte dos insumos vinham da Europa e outra parte de vários pontos da América do Sul.

O primeiro engenho na América Portuguesa foi instalado por Martim Afonso de Souza, em 1532, na capitania de São Vicente. Todavia, a agroindústria do açúcar teria mais sucesso no Nordeste da colônia, região que contava com o “massapê”, solo argiloso escuro e rico em calcário que se revelou ideal para o cultivo da cana, permitindo a rápida expansão da produção canavieira. O primeiro engenho em Pernambuco começou a operar em 1542 e, quarenta anos depois, aquela capitania já contava com 66 engenhos. Por volta de 1580, havia 115 engenhos distribuídos em todo o litoral brasileiro, produzindo 300 mil arrobas de açúcar (4,5 mil toneladas) por ano, além de aguardente (cachaça). Alguns dos principais centros produtores de açúcar no Nordeste eram as capitanias da Bahia, Pernambuco e Paraíba.

A cachaça era um produto derivado da cana que se tornou importante nas transações comerciais da colônia. Na compra de escravos africanos, por exemplo, os traficantes a usavam como “moeda de troca”.

“Engenho” era uma palavra inicialmente usada para designar a edificação onde se fabricava o açúcar, todavia, com o passar do tempo a expressão também passou a ser usada para se referir a todo o complexo que envolvia a produção do açúcar: os canaviais propriamente ditos, a mata de onde se tirava lenha para as fornalhas, a “casa-grande” (residência do proprietário), a “senzala” (alojamento dos escravos), a moenda e outros instrumentos de produção, etc.

Os donos de engenhos eram conhecidos como “senhores de engenho”. Estes homens desfrutavam de status social parecido ao da nobreza em Portugal, controlavam a vida política da região, ocupavam cargos nas câmaras municipais e seus filhos e parentes detinham importantes postos públicos. Além disso, os senhores de engenho controlavam uma ampla rede de dependentes.

Em geral, as mulheres dos senhores de engenho deviam obedecer às suas ordens, devendo cuidar da educação das crianças, costurar e supervisionar os escravos domésticos. Suas filhas deveriam estar preparadas para o casamento de encomenda. Contudo, é preciso dizer que estudos mais recentes demonstraram que tal submissão feminina não era uma constante, pois viúvas tornavam-se administradoras de engenhos e outras mulheres reagiam às determinações impostas: muitas fugiam de casa, separavam-se do marido ou cometiam adultério.

É importante esclarecer que o senhor de engenho e sua família habitavam a casa-grande, uma edificação que nem sempre seguiu um modelo suntuoso e luxuoso tal como imaginamos hoje. De fato, a casa-grande como uma residência suntuosa e expressão máxima do poder do senhor de engenho só se tornou comum em meados do século XIX. Antes disso, as habitações dos senhores de engenho e suas famílias geralmente eram construções parecidas às outras existentes nas propriedades, como as senzalas e as moendas. O engenho se assemelhava mais a uma fortaleza, por conta do medo de invasões indígenas, e a opulência não tinha tanta importância. As moradias dos senhores tinham paredes de taipa ou pedra e cal, enquanto o teto normalmente era coberto por telhas, sapê ou palha. O piso muitas vezes era de terra batida e havia poucas janelas e portas. No início da colonização, as roupas eram demonstração de luxo, e não a casa. Foi apenas no século XIX que a moda luxuosa das cortes europeias fez a casa-grande adquirir um novo padrão mais luxuoso e que tinha a função de expressar a riqueza do senhor.

O TRABALHO NOS ENGENHOS

O açúcar era obtido a partir de um processo que exigia grandes investimentos em máquinas, instalações, animais e mão-de-obra especializada, isso sem falar nas áreas destinadas ao plantio da cana. Algumas dessas áreas pertenciam ao próprio engenho, porém, outras pertenciam a proprietários que vendiam a cana aí cultivada ao senhor de engenho. Tais cultivadores possuíam o seu próprio plantel de escravos, cujo número variava de seis a dez cativos, em média. Os “negros da terra” – os indígenas – foram os primeiros a serem escravizados, mas já nas primeiras décadas do século XVI teve início a utilização da mão-de-obra africana.

Os escravos deviam cortar a cana e amarrá-la em feixes, que eram posteriormente empilhados em carros de boi e transportados até a casa da moenda. Neste local, a cana era esmagada, o que permitia a extração de um caldo que era resfriado, condensado e levado à casa das caldeiras para ser engrossado ao fogo até se transformar em melaço. Na casa de purgar, o melaço era colocado em formas para secar, transformando-se em blocos secos que eram acomodados em caixas e finalmente remetidos para Portugal. Posteriormente, o produto era levado para a Holanda para ser beneficiado e, enfim, ser distribuído pela Europa.

Nos engenhos, na produção do açúcar escuro, mascavo, empregava-se outra equipe de escravos e de profissionais especializados, muitos deles livres. Se nos canaviais, o preparo do terreno, o plantio e a colheita da cana eram tarefas realizadas por escravos, o trabalho de transformar a cana em açúcar nas oficinas era realizado não apenas por mão-de-obra escrava, mas também por brancos ou ex-escravos libertos que recebiam pagamento pelo trabalho realizado.

As atividades mais qualificadas eram destinadas justamente a esses trabalhadores livres. O mestre de açúcar era o responsável pela qualidade final do produto, o purgador cuidava da purificação do açúcar, enquanto o caixeiro separava, pesava e encaixotava o produto. Também mediante pagamento trabalhavam o feitor-mor, responsável pelo gerenciamento de todo o trabalho, o feitor dos partidos e roças, responsável por defender a terra contra invasões e por fiscalizar o trabalho dos escravos, além de ferreiros, carpinteiros, alfaiates, cirurgiões-barbeiros, etc. Durante os séculos XVII e XVIII, tais trabalhos muitas vezes eram executados por negros livres e libertos que recebiam um salário inferior ao que era pago a funcionários brancos. Tarefas administrativas e especializadas podiam ser executadas por escravos de confiança dos senhores, prática que podia ser vantajosa para os dois lados porque enquanto o senhor reduzia custos, o escravo especializado adquiria um status superior ao dos demais cativos.

Além da aguardente, outro produto extraído da cana-de-açúcar era a rapadura. Já os engenhos podiam ter diferenças entre si. O “engenho real” era movido pela força hidráulica e processava maior quantidade de cana. O “trapiche” era movido por tração animal ou pessoas escravizadas e tinha menor capacidade de produção. Já os “molinetes” ou “engenhocas” eram voltados para a produção de aguardente.

Em épocas de colheita, o engenho podia funcionar de 18 a 20 horas por dia, ininterruptamente. Os engenhos de porte médio contavam com 60 a 80 escravos, enquanto os maiores podiam contar com mais de 200. As condições de trabalho não eram favoráveis, pois o serviço era febril, rígido e disciplinado. O cansaço das longas jornadas de trabalho provocava até desmaios entre os escravos. No que diz respeito à segurança do trabalho, esta também deixava a desejar, pois de 5% a 10% dos escravos morriam em acidentes de trabalho. O padre Andrés de Gouveia, ao descrever a atividade açucareira na Bahia, chegou a afirmar, em 1627: “Um engenho de açúcar é um inferno e todos os seus donos são condenados”.


A América Portuguesa liderou a produção açucareira mundial até meados do século XVII, quando problemas internos – secas e destruição de engenhos nordestinos durante a Insurreição Pernambucana – e, posteriormente, externos – como a concorrência dos produtores holandeses nas Antilhas – provocaram o lento declínio da economia do açúcar nas terras pertencentes a Portugal no continente americano.