Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

terça-feira, 30 de setembro de 2014

"Os Inventores do Brasil"

No final do Período Regencial da História do Brasil foi fundado o IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro -, que pretendia escrever a história oficial do país. Leia abaixo o texto "Os inventores do Brasil", escrito por Lorenzo Aldé e originalmente publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional (10 dez. 2008). Neste texto temos algumas informações sobre o IHGB e sua relação com a história brasileira. Boa leitura!


OS INVENTORES DO BRASIL, por Lorenzo Aldé

  • Quando começa a História do Brasil? Há controvérsias. Em 1500, com a chegada do colonizador e os primeiros registros escritos sobre a terra? Muito antes disso, com as primeiras sociedades indígenas que aqui se estabeleceram? Ou só em 1822, quando viramos um país independente?

    Pode escolher sua referência favorita, mas não deixe de levar em conta uma outra hipótese: a História do Brasil começa em 21 de outubro de 1838. Nessa data foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Começava então a construção oficial do nosso passado. A cargo das mentes coroadas daquela casa do saber ficava a missão de interpretar o país recém-independente: quem éramos, de onde vínhamos, qual era o nosso lugar?

    “Mentes coroadas” não é força de expressão. O IHGB nasceu fortemente vinculado ao regime imperial. Sua primeira sede funcionava dentro do Paço, no centro do Rio de Janeiro, pertinho de Pedro II. Um dos fundadores, o desembargador e político Cândido José de Araújo Viana, futuro marquês de Sapucaí, era inclusive professor do menino imperador. Mas pode-se creditar a iniciativa a dois homens: o cônego (e jornalista, e político) Januário da Cunha Barbosa (1780-1846), dos tempos de D. João VI, e o marechal português (e historiador) Raimundo José da Cunha Matos (1776-1839), outro personagem do Primeiro Reinado, envolvido no episódio do “Dia do Fico”.

    Na breve descrição destes personagens fica evidente a característica principal da instituição: a composição variada. Todos membros da elite, todos monarquistas, a maioria políticos – mas gente intelectualmente destacada em áreas diversas, disposta a discutir os rumos do país. O momento era especialmente delicado. Durante o período regencial, o Brasil ainda estava longe de ser um fato consumado: revoltas explodiam de Norte (Cabanagem) a Sul (Farroupilha). Sob a ameaça da desagregação territorial, em 1840 D. Pedro II é declarado maior e assume o poder aos 14 anos. Era o momento de a elite criar uma identidade para o país. Dois anos depois, o IHGB lançou um concurso de monografias com o sugestivo título “Como escrever a História do Brasil?” E o vencedor, um naturalista alemão chamado Von Martius, não fez por menos, elaborando a versão oficial de nossa independência. Não foi ruptura, mas uma continuidade do Império português.

    Outra controvérsia rondava a definição do que seria “o povo brasileiro”. O viés mais romântico, que propunha a incorporação dos índios na raiz da nacionalidade, era defendido pelo poeta Gonçalves de Magalhães. O historiador Francisco Adolfo de Varnhagen privilegiava a matriz européia (os negros só seriam levados em conta no século XX). “Quem mais se divertia com essas discussões era o próprio D. Pedro II. Tanto que escolheu para os dois intelectuais títulos de nobreza que remetessem à sua respectiva tese nacionalista. Varnhagen virou visconde de Porto Seguro, em alusão à chegada dos portugueses, e o indigenista Magalhães tornou-se visconde do Araguaia”, comenta a historiadora Lúcia Guimarães, especialista na história do IHGB e há três anos sócia do Instituto. 

    D. Pedro II foi assíduo freqüentador dos debates. O fato de ter o imperador como patrono e mecenas costuma render à instituição o rótulo de “chapa branca”. Embora não haja dúvidas sobre o monarquismo do IHGB no século XIX, essa impressão soa anacrônica, segundo Lúcia Guimarães. “Era um espaço de contraposição de interpretações. As idéias eram debatidas, mas não impostas. A versão sobre a independência que se consolidou nos livros didáticos tinha opositores no Instituto. Varnhagen combatia a idéia de que o episódio tinha sido fruto da vontade de ‘José Bonifácio, D. Pedro I e do povo’. Ele foi o primeiro a propor a tese de que a gênese do Estado brasileiro na verdade vinha da chegada da Corte, em 1808, com a abertura dos portos. Tese que está sendo reabilitada só agora”, explica. 

    Ou seja, a idéia de “chapa branca” faz sentido atualmente, mas não é adequada para se pensar um tempo em que os contornos do Brasil mal existiam. Literalmente falando. Em 1841, convocado ao Parlamento para expor informações sobre os limites do país, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Aureliano de Sousa Coutinho, teve que confessar que... não sabia. Quando D. João voltou para Portugal, em 1821, levou com ele os mapas originais. Sócio do IHGB, Aureliano convocou os outros para levantar a documentação nos cartórios das províncias e viajar até as fronteiras para demarcá-las. Missões também foram enviadas a Portugal com o objetivo de copiar o maior número possível de manuscritos sobre o Brasil.  

    Como se pode imaginar, o fim do Império e a chegada da República deixaram o IHGB em situação desconfortável. Poucos dias depois do 15 de novembro de 1889, o ministro do Interior, Aristides Lobo, redigiu um decreto determinando a extinção do Instituto. “Não faça esta asneira”, teria dito o advogado Araripe Júnior, do IHGB, arrancando-lhe o decreto das mãos e rasgando-o em pedaços. Não é um órgão público, argumentava.

    De fato não era, mas a ausência do padrinho fez a entidade mergulhar em profunda crise financeira. No início da República, o Instituto lançou mão de uma estratégia temerária de sobrevivência: a figura do sócio-benemérito. Não era preciso demonstrar conhecimento – bastava pagar (e muito) para exibir-se como sócio. Foi o que fizeram os deslumbrados novos-ricos de então. Revoltado com a chegada dos novos colegas, que “maculavam” o prestígio da casa, o visconde de Taunay abriu mão de sua cadeira. Os beneméritos não tinham lá grandes pretensões: desfilavam com seus fardões mas quase não participavam dos trabalhos.

    Com o tempo, e com presidentes da envergadura de um barão do Rio Branco, o IHGB recuperou seu prestígio. Em 1910, lançou uma campanha para estimular a criação de Institutos Estaduais. Os primeiros haviam sido os de São Paulo e Pernambuco, ainda no século XIX. Dali para frente, não só os estados ganharam seus institutos, mas também muitos municípios. De São Vicente (“aqui nasceu o Brasil”) a Montes Claros (MG), de São João de Meriti (RJ) a Paranaguá (PR), o culto à memória e ao passado disseminou-se. 

    Graças às doações de seus sócios e de interlocutores diversos, o IHGB acumulou um dos principais acervos de documentação colonial e imperial do país. “Não se pode fazer uma pesquisa histórica sobre o Brasil antes do século XX sem consultar o IHGB”, decreta Arno Wheling, o atual presidente. Já a documentação histórica do último século está mais dispersa, mas o IHGB detém a guarda dos acervos presidenciais de Rodrigues Alves e Epitácio Pessoa. 

    Todo presidente da República é automaticamente “presidente de honra” do IHGB. Getulio Vargas foi um dos que mais desfrutaram do status, freqüentando as sessões e incluindo o local no roteiro oficial das visitas de chefes de Estado estrangeiros. A sede definitiva, um prédio no centro do Rio, foi conquistada em 1972 com as bênçãos do general Emílio Médici. E quando as sombras da política voltam a rondar o ambiente, os membros apressam-se a dizer: o IHGB não se mete nessa seara. Quase não há mais políticos entre os sócios – o ex-presidente José Sarney é exceção – e os confrontos ideológicos são evitados. A discussão ali é histórica e cultural. “Eles têm uma noção muito clara disso”, confirma Lúcia, involuntariamente colocando-se fora do time, “senão vira núcleo de militantes”.

    Outro cuidado da casa é zelar pelo pluralismo, pelo espírito “amador” de fazer história. Nas últimas décadas, com o crescimento das universidades, surgiu certo conflito entre a antiga “academia de ciências” e os historiadores profissionais. “Não existe só uma História, estruturalista, dos grandes tempos e durações. A História perde graça ao se limitar a esta visão. Torna homogêneo o que não é, fica descarnada, sem homem de carne e osso. A História tem que ter ‘molho’”, defende Lúcia Guimarães. Ou seja: genealogistas, antiquários, colecionadores, economistas, engenheiros, jornalistas, militares, religiosos... todos são bem-vindos. Tem sessão aberta todas as quartas, das 15h às 17h.

    Ao completar 170 anos, o IHGB mantém-se fiel à sua filosofia original. E por incrível que pareça, é daí que vem o seu frescor: ser interdisciplinar está na ordem do dia.

SITE DO IHGB

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro existe até hoje e possui um site na internet que apresenta interessantes informações sobre o IHGB. Além disso, o site disponibiliza o acervo da Revista do IHGB. Vale a pena conferir este site por meio do link abaixo: