Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A Conjuração Mineira (1789)

O DESCONTENTAMENTO NA REGIÃO DAS MINAS

- Pesada cobrança de impostos por parte do governo português durante a decadência da produção mineradora na segunda metade do século XVIII.

- Altos preços das mercadorias importadas (tecidos, calçados, ferramentas e outros produtos manufaturados). É preciso lembrar que a colônia estava proibida de produzir tais produtos pelo Alvará de 1785.

- Exclusividade lusitana na ocupação de altos cargos administrativos.

- Proibição da impressão de livros e jornais na colônia, o que permitia às autoridades controlar a divulgação de ideias.

A partir das circunstâncias listadas acima, membros da alta sociedade mineira, incluindo indivíduos chegados recentemente da Europa (onde circulavam as ideias iluministas), começaram a se reunir secretamente em Vila Rica para conspirar contra o governo português. Entre essas pessoas se destacavam os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, os padres José de Oliveira Rolim, Carlos Correia de Toledo e Melo e Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire Andrade, os coronéis Domingos de Abreu e Joaquim Silvério dos Reis e o alferes e dentista prático Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, homem que divulgava o movimento junto ao povo.


REIVINDICAÇÕES DOS REBELDES:

- Governo republicano, com uma constituição inspirada na dos Estados Unidos da América.

- Transformação de São João D'El Rei na capital do novo país (a cidade era grande produtora de alimentos e gado).

- Obrigatoriedade do serviço militar.

- Apoio a industrialização.

- Sobre a escravidão nada ficou definido, pois muitos dos conspiradores eram donos de terras e escravos.

- A bandeira da nova nação teria um triângulo verde sobre um fundo branco e os dizeres Libertas quae sera tamen, - em latim, "Liberdade ainda que tardia".


O DESENROLAR DO MOVIMENTO

O movimento de inspiração iluminista recebeu alguma simpatia, mas não um apoio efetivo da sociedade.

Os líderes do movimento decidiram que, assim que o governo iniciasse uma derrama em Vila Rica em 1789, a revolta começaria com a prisão do governador da região, o visconde de Barbacena. Tiradentes viajaria então ao Rio de Janeiro para divulgar o movimento e buscar apoio, armas e munições. Contudo, a rebelião em Vila Rica não ocorreu porque alguns dos participantes da conjuração denunciaram o movimento em troca do perdão de suas dívidas pessoais, como foi o caso de Joaquim Silvério dos Reis. A derrama foi suspensa e os conspiradores foram presos, ficando encarcerados durante três anos enquanto aguardavam o julgamento. Quando Cláudio Manuel da Costa morreu enforcado na prisão, as autoridades disseram que foi suicídio, mas muitos dizem que ele foi assassinado. Os conspiradores foram condenados ao desterro nas colônias portuguesas da África. Por sua vez, Tiradentes assumiu a responsabilidade pela conspiração e foi condenado à morte. No dia 21 de abril de 1792 ele foi enforcado no Campo de São Domingos, Rio de Janeiro. Posteriormente, o corpo de Tiradentes foi esquartejado e os seus membros foram distribuídos pelas cidades onde ele buscara apoio. A cabeça do alferes foi exposta publicamente em Vila Rica para intimidar possíveis conspiradores.


PARA PENSAR...

Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira?
"O termo inconfidência tem sido utilizado pela historiografia para caracterizar os movimentos de contestação à metrópole ocorridos no Brasil em fins do século XVIII. Cabe distinguir, porém, os termos inconfidência e conjuração, muitas vezes tratados como sinônimos: inconfidência se associa à ideia de traição e infidelidade ao soberano e à metrópole, ao passo que conjuração espelha melhor a perspectiva dos colonos, levados a urdir conspirações em defesa de seus interesses. De todo modo, tenham sido inconfidências ou conjurações, foram movimentos inseridos nos contextos da crise do sistema colonial."

(GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Inconfidência Mineira. In: VAINFAS, Ronaldo (Dir.). Dicionário do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 301.)


Artigo científico sobre a derrama
Quando se estuda a história da região do atual estado de Minas Gerais é comum nos depararmos com a imagem da derrama, ou seja, da cobrança compulsória de impostos sobre a produção de ouro na região durante o período colonial. Contudo, apesar de a derrama aparecer bastante em livros didáticos é preciso dizer que ela não era sempre colocada em prática. Em verdade, vários historiadores têm observado que em diversas oportunidades a derrama era uma forma de ameaçar e amedrontar a população local. Quando ela era anunciada, ela acabava não sendo realizada. A questão em torno da derrama é instigante porque ela aparece na historiografia da Conjuração Mineira. O pesquisador Tarcísio de Souza Gaspar escreveu um interessante texto sobre o assunto no qual discute os boatos sobre a realização da derrama em Minas Gerais e a questão em torno do pagamento dos impostos sobre a atividade mineradora, desvelando os atores sociais mais afetados pelas dívidas para com o governo português. O texto de Gaspar se chama Derrama, boatos e historiografia: o problema da revolta popular na Inconfidência Mineira e está disponível para leitura online por meio deste link.




APROFUNDANDO EM ALGUMAS TEMÁTICAS...

A participação dos ricos na Inconfidência Mineira
Na época da Inconfidência, a dívida de Minas para com a Coroa portuguesa girava em torno de 538 arrobas de ouro. Muitos dos que deviam impostos a Portugal eram ricos – pessoas das elites mineiras – e eles acabaram participando das conspirações contra o governo. Como Portugal queria que todos os habitantes – ricos e pobres – da região pagassem uma parte da dívida, os ricos contavam com o medo da derrama para conseguir o apoio popular quando a revolta armada começasse. Os inconfidentes alimentavam o desejo de se ver livres das cobranças dos tributos e impostos feitas por Portugal, o que lhes garantiria liberdade comercial. Os revoltosos também queriam ter acesso a cargos públicos importantes. Para diminuir o prejuízo e preservar suas riquezas, os principais fazendeiros, exploradores de ouro e diamantes, criadores de gado, militares, contratadores, magistrados e eclesiásticos resolveram aderir ao movimento.

A vida dos inconfidentes condenados ao exílio na África
De acordo com a sentença proferida em abril de 1792, muitos dos principais envolvidos no movimento da Inconfidência Mineira foram condenados ao degredo na África, com exceção dos religiosos, enviados para conventos em Portugal. Alguns morreram assim que chegaram à África, como o poeta Alvarenga Peixoto, o contratador Domingos de Abreu Vieira e o médico Domingos Vidal de Barbosa Lage, mas outros tiveram no exílio a chance de recomeçar suas vidas. Os demais sentenciados ao degredo conseguiram se reerguer trabalhando no comércio ou ocupando cargos importantes na administração local, e alguns até se reintegraram à vida política brasileira.

O caso mais curioso ocorreu com o jurista e poeta Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). Condenado ao degredo em Moçambique, ele recebeu tratamento especial assim que lá chegou: ficou hospedado na casa do ouvidor José da Costa Dias de Barros e foi nomeado Promotor do Juízo de Defuntos e Ausentes, cargo que exerceu de 1792 a 1805. Em 9 de maio de 1793, antes de completar seu primeiro ano no exílio, Gonzaga se casou com Juliana de Sousa Mascarenhas, filha do comerciante Alexandre Roberto Mascarenhas. Por ser o único advogado habilitado naquela colônia portuguesa, militou na profissão até seus últimos dias, tendo sido reconhecido em 1800, num documento coletivo que traz a assinatura do próprio inconfidente,como “uma das principais pessoas da cidade de Moçambique”.

Quem também prosperou no continente foi José Álvares Maciel (1761-1804), naturalista formado na Universidade de Coimbra. Assim que chegou a Angola, ele se tornou representante comercial dos negociantes da cidade de Luanda. Por conta de seus conhecimentos de ciências e mineração, foi designado pelo governador D. Miguel Antônio de Melo, em 1797, para descobrir jazidas e instalar uma fábrica de ferro em Golungo. Em março de 1800, com alguma improvisação e o auxílio de 134 escravos, a pequena siderúrgica começou a produzir ferro. Com os bons resultados obtidos, Maciel sugeriu que fossem recrutados trabalhadores em Minas Gerais para fazer o serviço de forma satisfatória. O empenho do inconfidente lhe rendeu elogios do próprio príncipe regente D. João.

As mulheres inconfidentes
Quando o inconfidente Inácio José de Alvarenga Peixoto foi preso, a sua esposa Bárbara Eliodora Guilhermina da Silveira atuou com inteligência para impedir que o patrimônio da família fosse confiscado pelo governo (que havia colocado como punição aos inconfidentes o confisco de bens materiais). Para isso, ele fez contato com diferentes pessoas por meio de cartas, incluindo o visconde de Barbacena, governador de Minas.  Após o processo, Bárbara permaneceu com propriedades, entre elas oitenta escravos (que não apareciam descritos na avaliação dos sequestros), móveis e objetos de prata que totalizavam mais de 12 quilos. Com seu temperamento forte, passou a administrar os negócios com firmeza e ampliou bastante o patrimônio deixado pelo marido. Comprando e vendendo escravos e terras, contabilizava lucros líquidos de quase cinco contos de réis ao ano, rendimento bem superior aos de propriedades das redondezas.

Outra mulher que fez parte da história da Inconfidência Mineira foi Hipólita Jacinta Teixeira de Melo. Mulher do coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Hipólita Jacinta tinha pleno conhecimento das discussões sobre o levante que se pretendia fazer em Minas Gerais e participava ativamente em 1789. Ela destruiu uma denúncia completa que Francisco Lopes escrevera para levar pessoalmente ao governador, visconde de Barbacena, delatando o movimento. Também ateou fogo em todos os papéis que julgou poder incriminá-los. Numa carta enviada em maio de 1789 ao marido, acolhido na Fazenda Paraopeba, denunciou a traição de Joaquim Silvério dos Reis e mencionou o destino de outros inconfidentes. Sem mostrar muitas dúvidas, dizia que “se acham presos, no Rio de Janeiro, Joaquim Silvério e o Alferes Tiradentes para que vos sirva, ou se ponham em cautela; e quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; e mais vale morrer com honra que viver com desonra”. 

Nesse mesmo mês, Tiradentes, Tomás Antônio Gonzaga, o padre Carlos Correia de Toledo e Alvarenga Peixoto foram presos. Dona Hipólita não escapou das punições. Acusada de participar da sedição, perdeu todos os bens e ainda ficou sem direito à partilha conjugal. Inconformada com a situação, escreveu diretamente ao Secretário do Ultramar, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, em Lisboa. Argumentava que boa parte do patrimônio sequestrado era uma herança paterna. A estratégia deu certo. Com despacho favorável, recuperou sua fazenda da Ponta do Morro e alguns bens que restaram. E conseguiu resguardar o patrimônio. Em seu testamento, redigido em 27 de abril de 1828, consta que tinha fazendas, lavras e escravos.

Problematizando a imagem de Tiradentes como “herói”
Tiradentes circulava pelos mais variados espaços para difundir as ideias que embasavam a Inconfidência Mineira, demonstrando o seu descontentamento político. Na sociedade colonial, os relacionamentos eram marcados pela oralidade. A troca de ideias, as polêmicas e as críticas ao governo ocorriam basicamente em conversas, que se tornavam públicas por meio de boatos e murmúrios. Nesse quadro, Tiradentes ecoava seu discurso de maneira eficaz. Tiradentes trafegava com desenvoltura pelo submundo da Colônia, em ambientes especialmente favoráveis à divulgação de propostas ousadas. Tavernas e prostíbulos eram os locais por excelência para tramas envolvendo fugas de escravos, negociatas ilícitas e ações subversivas. Afinal, ali se reuniam todas as gentes: homens brancos, escravos, libertos, vadios e militares, principalmente os de baixa patente. Mas a “pregação” de Tiradentes não se limitou ao submundo. Transitava pelas ruas de Vila Rica (atual Ouro Preto), visitava residências de sujeitos proeminentes e repartições públicas. Frequentou, especialmente, o primeiro piso da residência de João Rodrigues de Macedo, onde funcionava um cartório. Macedo era um poderoso comerciante e arrecadador de impostos. Por sua casa passava diariamente um grande número de pessoas, por conta de pendências fiscais ou para o acerto de taxas do comércio. Era a mais imponente construção civil da cidade, um ponto de encontro e comunicação que atraía grandes comerciantes, mineradores e “homens bons” da região. Tiradentes passou por estradas, pousos, fazendas, estalagens, ranchos de abrigo do sol, registros fiscais e muitos outros locais a servir de cenário para as confabulações do alferes, sempre comunicando publicamente suas indignações e sua inquietação.

Tiradentes engravidou Antônia Maria do Espírito Santo, sua amásia, quando ele tinha cerca de 40 anos e ela apenas 16 ou 17. O alferes prometeu à moça que iria se casar com ela, mas não cumpriu. A filha do casal chamava-se Joaquina e sobre ela existem poucas informações, pois as mulheres da época, ao se casarem, adotavam o sobrenome do marido, apagando assim as informações acerca da família de origem. Portanto, é provável que Joaquina tenha se perdido na história ao adotar o nome de casada, e com ela os descendentes de Tiradentes. Contudo, Antônia Maria do Espírito Santo não foi a única mulher na vida do alferes Xavier, homem que, ao que tudo indica, era grande apreciador dos prazeres da carne. Viajante de longas distâncias por conta de suas ocupações profissionais – comerciante, militar, dentista e joalheiro – e bastante chegado à boêmia.

Tiradentes nem sempre foi considerado herói. A primeira celebração do 21 de abril ocorreu em 1881, 89 anos após sua morte. A data só virou feriado nacional em 1890, no mesmo ano em que o 15 de novembro também passou a ser comemorado. Coincidência? Nem um pouco. Os republicanos estavam ávidos por lançar um herói para o novo regime. E esta era uma tarefa difícil, já que a Proclamação teve quase nenhuma participação popular e, como o historiador José Murilo de Carvalho escreveu, “a pequena densidade histórica do 15 de novembro (uma passeata militar) não fornecia terreno adequado para a germinação de mitos”.

Enquanto tentavam exaltar a imagem do marechal Deodoro, de Benjamim Constant e Floriano Peixoto – que sequer foram heróis militares –, Tiradentes vinha aparecendo na literatura e nas artes. O poeta Castro Alves chegou a se referir ao inconfidente como “o Cristo da multidão”. Sua simpatia pela república – nos moldes norte-americanos, e não nos da que foi implantada aqui – e a memória de seu martírio couberam como uma luva na vaga de herói daquele momento político. Todavia, o mártir tinha, como vimos, facetas humanas. De qualquer modo, Tiradentes continua sendo considerado um herói nacional para o Brasil republicano, sobretudo porque o Estado – seja por meio de livros didáticos ou outros meios – tem procurado “preservar” certa imagem do alferes.

Tiradentes não era extremamente pobre. Ele possuía alguns escravos, fazenda e ganhava relativamente bem como alferes e dentista. Essas informações sobre sua condição social ajudam a desconstruir o mito de que Tiradentes foi o único condenado à morte e executado por ser o mais “pobre”. Na verdade, a pena mais severa foi aplicada a Tiradentes porque era ele quem mais divulgava o movimento da Inconfidência Mineira.

Os restos mortais de Tiradentes
Não se sabe o destino dos ossos do alferes. A vila de Sebollas (RJ) abriga um pequeno museu onde está guardada uma ossada que dizem ser de Tiradentes, mas muitos pesquisadores discordam que aqueles ossos sejam do inconfidente.


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