A Conjuração Baiana foi um movimento de
caráter popular e contou com a participação de sapateiros, escravos,
ex-escravos, soldados, alfaiates, padres, médicos e advogados. Contudo, é
preciso dizer que membros das elites também participaram do movimento.
A partir de 1763, quando a capital da
colônia foi transferida para o Rio de Janeiro, a cidade de Salvador passou a
enfrentar dificuldades econômicas. Em Salvador vivia uma população miserável,
sobrecarregada de tributos e que contestava a exploração metropolitana
frequentemente.
Intelectuais e profissionais liberais
propagaram na Bahia os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade sob a
inspiração da Revolução Francesa (1789)
e das independências dos Estados Unidos (1776) e do Haiti (1793). O movimento
só foi possível graças à circulação de ideias. Ocorreram reuniões entre membros
da elite baiana e das camadas pobres de Salvador para conspirar contra o
governo português. Em conversas e reuniões secretas na periferia de Salvador
ecoaram os princípios da Revolução Francesa (1789) que desestruturaram o Antigo
Regime. Em 1793, começaram a aparecer os sinais de simpatia pela França e por
seu regime republicano. Traduções, cópias e trechos de livros e documentos
franceses passavam de mão em mão na cidade. Jantares com carne em plena
Sexta-feira Santa demonstravam uma atitude de desprezo pela tradição católica,
intimamente relacionada às monarquias absolutistas da França e de
Portugal. A movimentação desagradava ao governo colonial, que sentia a
sombra de uma ameaça. Cartas enviadas a Lisboa denunciaram o presbítero e rico
comerciante Francisco Agostinho Gomes por crime de “francesia”, isto é,
divulgação das ideias revolucionárias francesas. Outro alvo de denúncias foi
Cipriano Barata (1762-1838), recém-chegado de Lisboa, onde se formara em
Medicina, por volta de 1793. As lojas maçônicas, por seu caráter secreto,
tornaram-se um espaço importante de articulação de ideias. A Sociedade Maçônica
Cavaleiros da Luz, na Bahia, tinha como integrantes, entre outros, os já
citados Francisco Agostinho Gomes, Cipriano Barata e José Borges de Barros,
que, juntos, participavam dessas reuniões sigilosas. Pertencente à elite baiana
e maçom, Barros traduziu textos de Thomas Paine (1737-1809), político e
intelectual inglês que participou da Revolução Americana (1776) e da Revolução
Francesa. Por isso, foi denunciado às autoridades, mas suspeitou que seria
preso e fugiu para Portugal.
As notícias e os ideais da Revolução
Francesa também chegavam à Bahia por meio de navios franceses que passavam pela
região. Alguns franceses que estiveram na Bahia perceberam o clima contrário ao
absolutismo que existia no lugar e um deles, Antoine René Larcher, chegou a
propor ao governo francês um projeto de invasão de Salvador, com a posterior
montagem de uma República independente na região baiana, que seria aliada da
França. O governo revolucionário francês não aprovou o projeto, mas continuou
acompanhando o que ocorria na América portuguesa, desenvolvendo o contrabando e
semeando a revolta.
REIVINDICAÇÕES:
- Proclamação de um governo
republicano, democrático e livre de Portugal.
- Liberdade de comércio.
- Aumento dos salários dos soldados.
- O fim da escravidão e do preconceito
contra negros e mulatos também eram exigências de parte dos conspiradores.
- Apesar de a autonomia em relação a
Portugal ser uma reivindicação dos conspiradores, houve divergências entre eles
acerca de mudanças na estrutura interna da sociedade local. Membros da elite
baiana, por exemplo, se retiraram do movimento quando as camadas populares
enfatizaram a luta contra os privilégios senhoriais e contra a escravidão.
ALGUNS PERSONAGENS DA CONJURAÇÃO:
- Os alfaiates João de
Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira.
- Os soldados Lucas Dantas de
Amorim Torres, Luís Gonzaga das Virgens e Romão
Pinheiro.
- O padre Francisco Gomes.
- O farmacêutico João Ladislau
de Figueiredo.
- O professor Francisco Barreto.
- O médico Cipriano Barata.
O DESENROLAR DA CONJURAÇÃO
A rebelião foi proclamada em 12 de
agosto de 1798, com cartazes sendo espalhados em Salvador. Neles havia um manifesto
que reivindicava desde o aumento do soldo das tropas até o fim do domínio
colonial português. Defendia ainda uma “República Bahiense”, na qual “todos
serão iguais, não haverá diferença, só haverá liberdade, igualdade e
fraternidade”. Luiz Gonzaga das Virgens foi apontado pelas investigações como o
autor dos cartazes, e foi preso no dia 24 de agosto. Sua prisão foi o estopim
para o segundo episódio que marca a Conjuração Baiana. Um grupo de quatorze
pessoas, depois de uma reunião na oficina do ourives Luiz Pires, decidiu
realizar um encontro no campo do Dique do Desterro na noite de 25 de agosto.
Lá, discutiram as possibilidades de um levante armado para a vitória da
revolução. O ourives Luiz Pires era o único que portava uma arma de fogo. Contudo,
o movimento foi reprimido pelas autoridades portuguesas que contaram com
denúncias feitas por pessoas que traíram o movimento. Na manhã de 26 de agosto
de 1798, começaram as prisões. Quarenta e uma pessoas foram detidas, mas
somente 33, entre as quais onze escravos, chegaram ao final da devassa.
Os participantes mais pobres receberam penas mais duras. João de Deus
Nascimento, Manuel Faustino, Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens foram
enforcados na Praça da Piedade e esquartejados, tendo as partes dos seus corpos
espalhadas por Salvador em novembro de 1799. Durante os catorze meses que
ficaram presos nos cubículos situados nos porões do velho prédio da Câmara
Municipal da Cidade do Salvador, sofreram repetidos interrogatórios, tendo sido
acusados de crime de rebelião. Os quatro foram reunidos ao
entardecer do dia 5 de novembro de 1799 para ouvir a sentença da condenação:
deveriam morrer na forca armada na Praça da Piedade, assim denominada em
homenagem a Nossa Senhora da Piedade. Em seguida, com grilhões nos pés, foram
levados para o Oratório da Câmara. Ali eles permaneceram por três noites: 5, 6
e 7 de novembro de 1799. Graças aos relatos escritos por um frade carmelita
descalço, sabemos como foram os últimos momentos dos condenados. Em seus dois
manuscritos, o prior do Convento de Santa Tereza, frei José do Monte Carmelo,
fornece detalhes sobre os momentos que antecederam a execução. O primeiro
relato se encontra no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, já o segundo está
guardado no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Na véspera da execução, Manuel Faustino do Santos tentou se enforcar,
mas não conseguiu. Antes, Manuel já havia tentado se matar enfiando um prego no
peito. O soldado Lucas Dantas também tentou se matar enfiando repetidas vezes
uma colher de prata na garganta. O padre foi testemunha também quando o soldado
Luís Gonzaga das Virgens e o mestre alfaiate João de Deus do Nascimento subiram
da prisão para o Oratório como se tivessem enlouquecido. O frade escreveu:
“Pareciam uns verdadeiros loucos”. Os 20 religiosos carmelitas descalços que os
acompanhavam tentaram sem êxito ajudar os guardas a acalmar Luís Gonzaga e João
de Deus. Os condenados entraram agitados no Oratório. Não falavam. Luís Gonzaga
estava de olhos fechados. Foram chamados dois médicos, que atestaram
fingimento. Não era a primeira vez que apresentavam esse comportamento, e nas
outras duas vezes em que assim procederam na prisão também haviam sido
desmentidos pelos médicos. Apesar do diagnóstico desfavorável, eles continuaram
fora de si. Foi por isso que, na hora de descê-los do Oratório para formarem o
cortejo que os levaria até a forca, os guardas os amarraram nas cadeiras em que
foram conduzidos. Desceram os dois, Luís Gonzaga e João de Deus, carregados, e
Lucas Dantas e Manuel Faustino, andando. Somaram-se a eles no cortejo outros
sete condenados, cuja sentença dada pelo Tribunal da Relação os obrigava a
assistir ao suplício dos enforcados, depois de sofrerem 100 chibatadas cada um
no pelourinho erguido no Largo do Terreiro de Jesus. O veredicto estabelecera
também que os sete presos seriam embarcados em navios da rota da África e
abandonados à própria sorte em diferentes locais da costa ocidental da África
que não fossem do domínio da rainha de Portugal, D. Maria I. Esta pena foi
rigorosamente cumprida, como provam as declarações dos comandantes de navios
encarregados de fazer valer a ordem dos juízes do Tribunal da Relação.
À execução seguiu-se o esquartejamento dos corpos. A cabeça de Lucas
Dantas foi degolada – como também seriam dos outros três – e depois espetada em
um poste no Dique do Desterro. Os outros pedaços foram expostos no caminho do
Dique para o Largo de São Francisco, onde residira. No mesmo local foi colocada
a cabeça de Manuel Faustino dos Santos Lira. A de João de Deus foi exposta na
Rua Direita do Palácio, hoje Rua Chile; suas pernas, os braços e o tronco foram
espalhados pelas ruas do Comércio, na Cidade Baixa. A cabeça e as mãos de Luís
Gonzaga foram pregadas na forca, a cabeça espetada no patíbulo. O calor dos
dias 9, 10 e 11 apressou a decomposição dos corpos. Urubus desceram sobre eles.
No dia 11, os Irmãos da Santa Casa de Misericórdia pediram ao governador, D.
Fernando José de Portugal, que ordenasse sua retirada para o bem da saúde de
todos que habitavam a Cidade do Salvador. No entanto, teriam permanecido em
exibição pública até a madrugada do dia 15, quando foram retirados e enterrados
em locais até hoje desconhecidos.
A documentação sugere que a composição
social da Conjuração Baiana de 1798 ficou circunscrita às médias e baixas
camadas daquela sociedade desde os primeiros momentos do inquérito. No entanto,
denúncias sobre a participação de homens ricos e poderosos no movimento
chegaram a Lisboa, mas não foram adiante. Os homens de posses ofereceram à
Justiça alguns de seus escravos, como se eles fossem, junto com outros
suspeitos já arrolados, os únicos participantes da conspiração, permitindo que
seus senhores saíssem ilesos da investigação. A entrega dos escravos seria uma
demonstração de fidelidade à Coroa portuguesa, acreditavam alguns senhores,
contra os quais pesavam acusações não só de participação no movimento, mas
também de enriquecimento ilícito, contrabando e, principalmente, de atuação
duvidosa à frente dos órgãos da administração local. Depoimentos dos réus no
inquérito também destacavam o envolvimento desses senhores em reuniões que
discutiam os acontecimentos revolucionários na França, bem como o prejuízo do
comércio diante do aumento da tributação sobre alguns gêneros de exportação,
especialmente o tabaco. A presteza em encarcerar os escravos serviria,
portanto, para afastar as suspeitas que eram levantadas no processo. Do lado de
cá do Atlântico, a situação dos proprietários não estava menos tensa. Em seus
depoimentos, os mulatos Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, Lucas Dantas de
Amorim Torres, João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino, acusados de serem
os cabeças da sedição, disseram que os senhores faziam reuniões em que discutiam
idéias da Revolução Francesa, além de analisarem os prejuízos comerciais e o
aumento de impostos sobre produtos exportados. Temerosos, os senhores agiram
rapidamente, entregando seus escravos ao Tribunal da Relação, pretendendo assim
negar as denúncias que pesavam sobre eles. Manoel José Vilella de Carvalho,
para se livrar da acusação de participação nas reuniões, afirmou em depoimento
que era “notória” a culpa de Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga em tão “odiosa
empresa”, e depois relatou pessoalmente ao governador que fizera “pronta
entrega” de dois de seus escravos, como demonstração de fidelidade à Coroa.
Outros fizeram o mesmo, e José Pires de Carvalho e Albuquerque não só entregou
seus escravos, como também os de seus pares, pois, segundo os depoimentos dos
próprios cativos, ele fora pessoalmente às casas de outros senhores para
prender seus escravos nas cadeias da Relação dizendo que era para uma
averiguação.
Quase
todos os escravos presos eram mulatos, nascidos na Bahia, domésticos, sabiam
ler e escrever, e circulavam com bastante liberdade pelas ruas da Salvador.
Antes que seus depoimentos fossem tomados, um deles morreu na prisão, depois de
ter-se alimentado com comida trazida por outro escravo de seu dono. Ainda que
as autoridades tenham afastado qualquer possibilidade de crime, os cativos
acreditavam no envenenamento a mando do próprio senhor. A coação dos senhores e
a manipulação das autoridades locais parecem evidentes. Um dos escravos soube
manipular a situação e, não à toa, foi degredado para a África. José Felix da
Costa, escravo do ouvidor Francisco Vicente Viana, afirmou que, ao chegar na
casa do secretário de Estado, José Pires de Carvalho e Albuquerque, encontrou
“um pardo” que o procurava havia dias para convidá-lo a participar de um levante
que pretendia instituir uma república, um movimento integrado por “muitos
principais”, entre eles o próprio governador. Segundo José Felix, o mulato
informara que os regimentos dos pardos, dos negros e da artilharia também
participariam do levante, e que os “principais” aguardavam a chegada de duas
embarcações que apoiariam a luta. Quando perguntado sobre a causa para um
governo republicano, o escravo José Felix afirmou que o pardo lhe dissera que
era para evitar o grande furto que o príncipe regente, D. João, cometia contra
os negociantes. Apesar de sugerir ser o tal pardo Luiz Gonzaga das Virgens e
Veiga, o escravo disse não ter certeza de sua identidade e que não levara a
sério a ideia de um levante naquela praça. Por isso não o denunciara às autoridades,
mas sim ao seu senhor.
Pessoas
ricas participaram das conspirações da Conjuração Baiana porque temiam a
implantação das reformas do ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, D.
Rodrigo de Sousa Coutinho: maior controle da produção, do tráfico e do sistema
de arrendamento pela Coroa Portuguesa, incluindo a entrada de outros agentes
nessas esferas, com consequente perda de privilégios, além de impostos mais
justos, com ricos pagando mais e pobres pagando menos.