Durante as guerras napoleônicas, Fernando VII foi destronado, o que provocou o desmembramento do
império espanhol a partir do episódio do "trono vazio". Nas colônias da América espanhola, os criollos
declararam a igualdade política entre os dois continentes, ou seja, a ideia
de que não deveria haver relação de
dominação entre os reinos localizados na América e os reinos
peninsulares; com o "vazio de
poder" cada pueblo e cada cidade assumiu a sua soberania.
A formação dos Estados Nacionais na América espanhola deve ser entendida dentro deste contexto. Em primeiro lugar, cabe perguntar: o que é "nação"? Podemos dizer que existem ao menos duas concepções de "nação": a) Nação como uma unidade
política (leis, comunidade autogovernada); b) Nação como uma unidade cultural (comunidade de
pessoas com um passado e uma história comuns, identidade cultural coletiva
baseada em língua, religião, costumes e particularidade étnica compartilhados) (Cf. GUERRA, 1994).
Os territórios colonizados pela Espanha na América faziam parte da monarquia espanhola, um conjunto plural de diversas áreas que
estavam sob o governo de um soberano em comum. Contudo, é preciso lembrar que
os espanhóis tentaram reproduzir na América a estrutura política castelhana, na
qual a cidade precede a todas as demais unidades políticas. Neste quadro, a
identificação entre um indivíduo e uma comunidade mais ampla se dava a partir do pueblo, da vila, da cidade, ou seja, da comunidade mais próxima à
qual o sujeito pertencia. Ademais, os territórios localizados em solo americano
eram vistos como um conjunto diferente dos reinos peninsulares (da península
ibérica, ligados a Castela), ou seja, a "monarquia espanhola" tinha
dois pilares: um americano e outro europeu. No século XVIII, as elites
da península ibérica começaram a se referir
aos territórios da América espanhola como "colônias", e não mais como
"reinos", o que desagradou habitantes do continente americano. Já a
partir do século XIX, começou a se falar em espanhóis europeus e espanhóis americanos, o que deixava subentendida uma ideia de
separação entre os dois pilares da "monarquia espanhola".
De acordo com François-Xavier Guerra, o fundamento das nações
independentes latino-americanas foi político e não cultural. Dito de outra
forma, apesar dos diversos territórios da América espanhola terem traços
culturais em comum (a língua, a religião católica), não se formou um grande e
único Estado-Nação na América hispânica mas sim vários porque foi mais
importante a identidade política local (ligada ao pueblo, à
cidade). Ainda de acordo com Guerra, essa foi a "exceção americana",
uma vez que na Europa do século XIX o fundamento dos Estados Nacionais foi
cultural. Francisco Colom (ver bibliografia) complementa dizendo que, principalmente no início dos processos de independência, os movimentos de luta
foram dispersos, simultâneos e sem muita coordenação entre si exatamente por
conta do papel da identidade política de nível mais local/restrito.
Um exemplo da dispersão existente no processo das independências pode
ser visto na ocorrência de diversas
guerras, mesmo porque havia em solo americano pessoas que se opunham à separação em relação à metrópole. Também na
formação dos Estados Nacionais na América hispânica houve a ocorrência de
conflitos, uma vez que tais Estados não surgiram rapidamente, já prontos e
acabados, mas a partir de diversos
conflitos. John Lynch (1984) analisa este tema destacando não só o surgimento
de uma nacionalidade criolla, ou seja, o sentimento de que os americanos
não eram espanhóis, mas também o aparecimento de uma série de diferenciações
entre os próprios americanos (mexicanos, chilenos, argentinos, etc.). Tal fato
chama a atenção para o papel da identidade política de nível mais
local/restrito neste processo de formação dos Estados Nacionais latino-americanos.
Ademais, ainda segundo Lynch, foram importantes neste contexto os caudillos,
chefes políticos locais que normalmente eram latifundiários e exerciam grande
poder a nível regional, comandando verdadeiros exércitos particulares,
estabelecendo relações de lealdade com outras pessoas (fossem elas
"peões" ou outros proprietários de terras) a partir de trocas de
favores. No caudilhismo havia grupos armados compostos por patrões e clientes e
marcados por relações pessoais de dominação e submissão, onde o objetivo era
obter riquezas por meio das armas (violência e pilhagem). Segundo a análise de
Lynch, os caudillos foram um obstáculo ao estabelecimento de Estados
fortemente centralizados, uma vez que eles representavam um poder mais
local/regional. Por outro lado, eles também desempenharam um papel na própria
constituição dos Estados Nacionais latino-americanos, uma vez que combatiam a
presença de estrangeiros.
A partir de todo este cenário
conturbado, repleto de conflitos, a consolidação dos diversos Estados Nacionais exigiu a construção de símbolos nacionais e mecanismos de identificação
coletiva. Segundo Hans-Joachim König (1984), a necessidade de desenvolver na
população um sentimento de identidade
para que os cidadãos reconhecessem a legitimidade de determinado Estado foi
atendida por meio de escolas, ritos (festas religiosas), símbolos (a bandeira, o hino)
e a valorização da figura do índio, personagem este que passou a ser visto agora não mais como selvagem, mas como um
pobre homem digno de lástima e compaixão por ter sofrido tanto com a
colonização espanhola. Após as independências, em vários dos novos Estados o índio se tornou o símbolo do passado nacional,
mesmo que apenas algumas de suas características fossem valorizadas, e não
todas. A noção de propriedade comum da terra, por exemplo, que era tão cara a diversas populações indígenas, foi simplesmente "esquecida" pelas camadas mais abastadas dos novos Estados Nacionais.
Os Estados Nacionais latino-americanos no contexto do pós-independência
viram a desintegração do sistema comercial colonial (marcado pelo monopólio
comercial por parte da metrópole), passando a vivenciar o domínio comercial
dos produtos ingleses (que competiam
agressivamente com os produtos feitos localmente), bem como o estabelecimento
de relações comerciais com outros países, tais como Estados Unidos, França,
Sardenha, Portugal, etc. A concorrência com os produtos ingleses e a
instabilidade política gerada a partir dos processos de independência
produziram dificuldades econômicas nos novos Estados Nacionais latino-americanos,
que tiveram que enfrentar balança comercial desfavorável e problemas com as
exportações durante um bom tempo. Com o
passar dos anos, houve não só a decadência da mineração em várias regiões, mas
também o desenvolvimento, por outro lado,
da pecuária (couro, charque, sebo, etc.), a ampliação do trabalho assalariado
e a exportação de produtos como fumo, cacau, café e cana-de-açúcar.
Consolidou-se assim a posição periférica da América Latina na economia mundial,
com crescimento industrial lento e exportação basicamente de produtos
agrícolas. Os criollos, por sua vez, conseguiram ocupar importantes
cargos burocráticos no governo e na política. Já os índios tiveram suas terras invadidas.
Já a partir do século XIX os Estados Nacionais latino-americanos há pouco
tempo formados passaram pelo chamado processo de "modernização".
Algumas noções importantes neste contexto eram as seguintes: Mundo Moderno, Modernidade, Desenvolvimento,
Progresso, Mudança, Capitalismo, Revolução Industrial, Revolução Americana,
Revolução Francesa, Divisão do Trabalho, Individualismo, Urbanização, Sociedade
de Massas, etc. Julio Pinto Vallejos (2000) observa que a modernização não
representou a mesma coisa para todos, pois, para uns ela significou progresso,
mas para outros ela representou a perda de referenciais e tradições. O Estado e
o Mercado (na figura da Empresa) se apresentaram como os principais agentes da
modernização. Na América Latina, o Estado modernizador dispensou a certos
segmentos da sociedade um tratamento marcado apenas por maiores impostos,
crescente vigilância policial, regulamentação da vida e dos espaços cotidianos,
recrutamento militar obrigatório, desprezo de certos costumes, etc. A partir
disso, na passagem do século XIX para o século XX houve uma série de conflitos
e "lutas pela modernidade" entre grupos diferentes e com distintos
horizontes de expectativa.
Ainda no que diz respeito à modernização, foi importante no século XIX
latino-americano a presença do positivismo, sobretudo dentro de um cenário
marcado pela consciência de "atraso" da América Latina em comparação
a outros países. Por meio dos ideais de
ordem e progresso, o positivismo representou à época a possibilidade de
conciliação entre conservadores (admiradores da ordem) e liberais (que
desejavam o progresso).
História e Literatura: a obra Facundo (1845), de
Domingo Faustino Sarmiento. O livro é
uma biografia do caudilho Facundo Quiroga (1788-1835). O projeto modernizador
de Sarmiento. As noções de "Civilização" e "Barbárie". A
estrutura narrativa marcada por antagonismos:
- orgulho pela
"argentinidade" X admiração pela cultura europeia
- apologia da cidade X
canto das virtudes do campo
- crítica do
caudilhismo X o caráter providencial do caudilhismo
- elogio da modernidade
X deslumbramento com a tradição
Como foi dito acima, os Estados Nacionais na América Latina foram formados a partir de um conturbado processo de independências que envolveu as diversas identidades políticas locais/regionais. Se levarmos em conta a reflexão de Benedict Anderson (2008), segundo a qual a nação é uma "comunidade política imaginada" como "limitada" (tem fronteiras) e "soberana", é possível relacionar as independências no Império Hispano-Americano e a formação de vários Estados Nacionais na América Latina por meio do papel desempenhado exatamente pela identidade política local/regional. Segundo o próprio Anderson, cada novo país independente, sobretudo na América do Sul, correspondia a uma unidade administrativa que existia desde o período colonial. De fato, nos tempos da colonização (tendo em vista o tamanho do território, a variedade de solos e climas, a dificuldade de comunicação e o rígido controle de Madri sobre a política comercial) não houve durante um bom tempo muitas relações entre as diversas unidades administrativas da América espanhola, e cada uma teve um desenvolvimento autônomo em relação às outras. A imprensa, por exemplo, publicava geralmente apenas notícias da região mais próxima, contribuindo para a construção de um sentimento de identidade local, de pertencimento a uma determinada comunidade.
Para finalizar: os processos de independência na América espanhola foram
marcados pela presença de ideias liberais (como pode ser visto em panfletos,
livros, memórias, discursos e jornais da época, marcados por uma crença na
razão, pela centralidade do indivíduo na história, e pelos direitos naturais à
liberdade, à igualdade jurídica e à propriedade privada). Contudo, com o
desenrolar das independências e a formação dos Estados Nacionais, em meio a guerras
e conflitos, houve a desilusão de muitos em relação ao estado de coisas que se
implantou na América Latina (os problemas sociais, o "atraso" em
relação a outros povos, etc.).
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In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina: da independência a
1870. Tradução de Maria Clara Cescato. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial
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