Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Espanhóis e Ingleses na América

A CONQUISTA ESPANHOLA

O início da ocupação espanhola dos territórios na América ocorreu pelas ilhas de Guanaani (San Salvador), mas como o ouro encontrado nesses locais era pouco para a ambição dos colonizadores, iniciou-se em seguida o processo de ocupação do continente. Oitenta anos após a chegada ao Novo Mundo, os espanhóis já dominavam um extenso território que ia do norte do México até a Argentina, incluindo a Venezuela e a Colômbia a leste.

Hernán Cortez chegou ao México em 1519 com 508 soldados, 16 cavalos e 14 canhões. Os primeiros contatos com os astecas foram amistosos, e Montezuma II – o líder asteca – até o recebeu com presentes e o tratou com respeito. Todavia, Cortez aliou-se aos povos inimigos dos astecas e, em 1521, após 75 dias de conflitos, os astecas renderam-se à dominação espanhola.

O fato de os espanhóis terem encontrado bastante ouro em território asteca animou o envio de expedições à América do Sul. Francisco Pizarro partiu do Panamá e chegou à cidade inca de Tumbez, em 1532. Dali, partiu com os seus homens para Cajamarca, onde aprisionou Atahualpa, o imperador inca. Os espanhóis exigiram um resgate em ouro para libertarem o soberano inca, mas, mesmo após receberem o pagamento, assassinaram Atahualpa, que era considerado um ser semidivino e intocável pelo seu povo. Na luta contra os incas, Pizarro estabeleceu alianças com alguns povos da região, como os Wanka, um povo guerreiro que habitava o sul do atual Peru e que ajudou os espanhóis na conquista da cidade inca de Cuzco, em 1533. Dois anos depois, Pizarro fundou a Ciudad de los Reyes, atual cidade de Lima, que veio a ser a capital do novo domínio espanhol.

As centenas de homens que desembarcaram na América sob o comando de Cortez e Pizarro derrotaram os milhares de povos indígenas por causa de alguns fatores: a) a superioridade bélica, particularmente em decorrência do uso da pólvora, de canhões, de arcabuzes (similares aos atuais fuzis), de espadas cortantes, de armaduras de ferro que protegiam o corpo (muito úteis contra as flechas indígenas) e de cavalos (que até então eram desconhecidos dos índios); b) os vírus e as bactérias trazidos pelos espanhóis, que disseminaram muitas doenças entre a população nativa, tais como pneumonia, febre amarela, sarampo, varíola, gripe, etc.; c) o conhecimento adquirido pelos espanhóis a respeito dos povos da América, pois os espanhóis procuravam se informar ao máximo sobre as desavenças entre aqueles povos, estimulando as guerras entre eles e subjugando, após a guerra, até mesmo os seus aliados; d) os espanhóis não tinham escrúpulos em mentir, chantagear e fazer massacres, ao contrário dos índios, que viviam sob muitas regras, entre as quais uma que proibia o líder indígena de mentir (Atahualpa, por exemplo, estranhou o fato de continuar preso após o pagamento do resgate por sua liberdade); e) os povos indígenas tiveram que enfrentar bruscas mudanças na alimentação, no ritmo de trabalho e no modo de vida a partir das imposições culturais – idioma, religião, leis, práticas políticas e econômicas – colocadas pelos colonizadores espanhóis.

A ECONOMIA DA AMÉRICA ESPANHOLA

A colonização da América espanhola envolveu interesses públicos e privados de nobres sem fortuna, comerciantes, aventureiros e dos reis espanhóis, no âmbito do mercantilismo. Em decorrência do metalismo e da existência de muitos metais preciosos no continente, a principal atividade econômica da América espanhola era a mineração – notadamente a de ouro e a de prata –, que provocou efeitos multiplicadores sobre outras atividades, como a agricultura, a pecuária, a manufatura e o comércio.

Foi na ilha de Hispaniola (atuais Haiti e República Dominicana), que os espanhóis iniciaram a extração de metais preciosos na América, porém, o ouro de aluvião encontrado ali esgotou-se rapidamente. A mineração só se tornou um setor mais dinâmico da economia colonial a partir de 1545, quando foram descobertas minas de prata em Potosí (atual Bolívia) e em Zacatecas (atual México). Como o subsolo da América era considerado propriedade da Espanha, os mineradores obtinham apenas a concessão da exploração. Em decorrência dos altos custos exigidos na perfuração e no beneficiamento do minério, o número de mineradores era reduzido, o que facilitava o controle sobre a atividade.

Os espanhóis organizaram o trabalho forçado dos indígenas de duas formas: a "mita" e a “encomienda”. A mita era um hábito inca que foi adaptado pelos espanhóis. Os índios tinham a obrigação de trabalhar 4 meses por ano em troca de baixos salários, que eram em parte pagos em moeda (metal) e em parte pagos em alimentos, tecidos e bebidas. Por sua vez, a encomienda era o direito que um colono espanhol tinha de exigir do índio trabalho forçado ou tributos em gênero durante certo período. Tal privilégio passou a ser hereditário com o tempo e, em troca desse direito, o “encomendero” devia pagar tributos à metrópole e dar aos índios assistência material e religiosa, cristianizando-os. Na prática, porém, muitos índios morriam de fome e sem ter aprendido uma oração cristã sequer.

A agropecuária era outra atividade importante na América espanhola. A hacienda – fazenda – era a unidade produtora básica nos campos coloniais, voltada para a policultura (milho, feijão, abóbora, batata e cacau) e a criação de gado. A produção era destinada ao mercado local, regional, intercolonial ou à exportação para a Espanha. Os trabalhadores dessas fazendas eram obrigados a comprar no armazém da propriedade (tienda de raya) tudo o que precisavam, como roupas, calçados e alimentos, tornando-se assim prisioneiros por dívida naquele lugar. Exigindo pouco capital para o seu funcionamento, a fazenda se inseria nos circuitos mercantis que abrangiam grandes áreas da América espanhola. As minas situadas no México e em Potosí eram abastecidas pelos produtos oriundos das fazendas hispano-americanas, por exemplo. Foi com o declínio da mineração no século XVIII que a agropecuária se desenvolveu ainda mais, e as regiões dedicadas a esse setor da economia tornaram-se mais dependentes das exportações para a Europa.

Em alguns pontos da América espanhola também desenvolveu-se a plantation, ou seja, a grande propriedade rural monocultora baseada principalmente no trabalho escravo e cuja produção era voltada para o mercado externo. A plantation foi comum em áreas como Santo Domingo e Cuba (açúcar, tabaco) e Venezuela (cacau).

Como os preços dos fretes marítimos eram elevados e os transportes terrestres eram ineficientes, o artesanato e a manufatura – chamada de obraje – foram estimulados na América espanhola. As principais obrajes produziam tecidos de lã (cobertores, ponchos, xales) e eram instaladas próximas a mercados consumidores, como Quito, que vendia às minas de Nova Granada (Colômbia) e Tucumán (noroeste da atual Argentina), que vendia seus tecidos a Potosí. O artesanato era praticado por trabalhadores reunidos em corporações de ofício e por artesãos independentes. Algumas corporações, como a dos tecelões e ferreiros, que tinham maior prestígio, só admitiam brancos ou mestiços. Já ramos menos valorizados socialmente, como o dos pedreiros ou dos carpinteiros, admitiam índios e negros.

A Casa de Contratação controlava o comércio entre a América espanhola e a Espanha por meio do sistema de portos únicos. Na América, os únicos portos autorizados a fazer comércio com a Espanha eram os de Havana (Cuba), Vera Cruz (México), Cartagena (Colômbia) e Porto Belo (Panamá). Na Espanha, os navios que faziam a rota entre a metrópole e as colônias na América só podiam entrar e sair do território espanhol, inicialmente, pelo porto de Sevilha e, depois, pelo de Cádiz. O comércio colonial era comandado pelo sistema de frotas e galeões, ou seja, os navios que viajavam entre a América e a Espanha só faziam o percurso juntos, em frotas, e protegidos por navios fortemente armados, os galeões. Tal forma de organização visava controlar tudo o que saía das colônias e tudo o que entrava nelas, no intuito de garantir grandes lucros à metrópole. Foi em resposta a tal tentativa de monopólio que surgiu o contrabando.

A SOCIEDADE COLONIAL DA AMÉRICA ESPANHOLA E A ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO

A sociedade hispano-americana era rigidamente hierarquizada e apresentava pouca mobilidade social, sendo difícil ascender socialmente de um grupo a outro. A minoria da população era composta pelas pessoas brancas, fossem elas nascidas na Espanha - os chapetones - ou na América. Os brancos ocupavam os melhores cargos na administração pública, nas forças militares, na Justiça e na Igreja, e muitos deles também eram donos de fazendas, das minas, e de manufaturas. A maioria da população era composta por índios, negros e mestiços (nascidos da união entre brancos e índios ou negros), que viviam do trabalho forçado, mal remunerado ou escravo. O racismo contra índios e negros era grande, e quanto maior fosse a semelhança entre a pessoa e o espanhol branco, melhor ela estava posicionada na hierarquia social.

Para administrar os territórios coloniais, foi criado por Carlos V, em 1524, o Conselho Real e Supremo das Índias, com sede em Sevilha, na Espanha, e que tinha por função cuidar de todas as questões coloniais de ordem legislativa, eclesiástica, militar ou jurídica. Buscando reduzir os custos com a colonização e estimular a conquista de um vasto território, a Coroa espanhola transferiu inicialmente o direito de administrar as áreas coloniais a particulares, os adelantados, que tinham amplos poderes civis e militares. Cortez e Pizarro foram dois adelantados, por exemplo.

Todavia, conforme as riquezas da América foram sendo descobertas, a Coroa espanhola anulou tais concessões feitas a particulares e ampliou o seu próprio poder de mando no Novo Mundo. Foi com este objetivo que foram criados quatro vice-reinos na América espanhola: o de Nova Espanha, o do Peru, o de Nova Granada e o do Rio da Prata. Os vice-reis eram homens que tinham muito poder, embora fossem fiscalizados por funcionários reais nomeados e com funções vitalícias. Também foram criadas as Capitanias Gerais, sendo a de Cuba, a da Guatemala, a da Venezuela e a do Chile as principais.

Por sua vez, nas cidades havia as câmaras municipais – conhecidas como cabildos ou ayuntamientos –, que eram responsáveis por cuidar da segurança interna e da administração local. Normalmente, os filhos dos espanhóis nascidos na América – que viriam a ser chamados de criollos – ocupavam os cargos de vereadores nesses órgãos.

A AMÉRICA INGLESA

Durante o século XVI, a América do Norte não despertou muito interesse dos europeus, que realizaram poucas expedições exploratórias àquela região, tais como as comandadas por Walter Raleigh entre 1584 e 1587 que, no entanto, não conseguiram estabelecer núcleos coloniais fixos, sobretudo por conta dos ataques dos povos nativos. Foi apenas no século XVII que os ingleses buscaram colonizar novas terras, como já o faziam Portugal e Espanha. Foi nesse sentido, que o rei inglês Jaime I criou duas companhias de comércio, em 1601: a Companhia de Londres, que ocuparia a região sul da América do Norte, e a Companhia de Plymouth, que ficaria com o norte da região. O primeiro povoado permanente instalado na região foi Jamestown (1607), na Virgínia, e com o tempo foram criadas outras colônias, perfazendo um total de 13, que juntas dariam origem aos Estados Unidos da América que conhecemos hoje.

A fome, o frio e a resistência indígena foram obstáculos que colocaram dificuldades aos primeiros colonos que vieram para a América Inglesa. Os colonos eram de diversas condições sociais: aventureiros, degredados, mulheres para serem leiloadas como esposas, órfãos e crianças raptadas. Muitos colonos eram na Inglaterra camponeses sem terra que haviam migrado do campo para as cidades inglesas em busca de trabalho. Encontrando dificuldades naquelas cidades, muitos deles eram seduzidos pelas Companhias de Comércio e incentivados a viver nas colônias. Ao chegar à América do Norte, muitas dessas pessoas passavam a viver sob um regime de servidão temporária, ou seja, trabalhavam por quatro ou cinco anos nas terras de quem tivesse financiado a viagem.

Outra parte dos colonos eram composta por grupos religiosos protestantes, tais como os puritanos, os batistas e os quakers, que fugiam da perseguição religiosa imposta pela monarquia absolutista inglesa, que tentava impor a religião anglicana. Em 1620, um desses grupos religiosos deixou a Inglaterra a bordo do Mayflower, fundando no litoral de Massachusetts um próspero núcleo de colonização: New Plymouth. Liderados por puritanos com alto grau de instrução, esses pais peregrinos viam a si mesmos como um grupo eleito por Deus para colonizar a América. Tal crença religiosa foi importante para que esse grupo mantivesse a identidade e a coesão, o que os ajudou a enfrentar os obstáculos de adaptação à nova terra.

É preciso dizer que, além desses grupos de ingleses, vieram também para a América do Norte outros grupos europeus, entre os quais alemães, escoceses, irlandeses e franceses, que vieram para a região em busca de uma vida melhor. Todos esses grupos de colonos que vieram para as 13 colônias da América do Norte encontraram naquelas terras diversos grupos indígenas que lá já viviam. Os índios norte-americanos se dividiam em alguns grupos: Algonquino-Wakash, Penuciano, Hoka-Sioux, Nadene, Azteco-Tano e Inuit-Aleuta. Esses povos indígenas muitas vezes disputavam terras entre si, praticavam a agricultura, caçavam e tinham hábitos migratórios. A presença do colonizador europeu fez com que algumas tribos aderissem ao cristianismo, domesticassem o cavalo e utilizassem arma de fogo. As migrações indígenas aumentavam quando o colonizador apropriava-se de suas terras.

Ao contrário do que aconteceu na América portuguesa – onde a escassez de mulheres brancas estimulou a união entre colonos e mulheres indígenas –, a miscigenação ocorreu nas 13 colônias em um grau bem menor, pois lá a união entre brancos e indígenas não era estimulada. Deste modo, não houve um projeto de integração dos índios norte-americanos no processo de colonização da América inglesa. Em verdade, muitos daqueles índios foram exterminados nos violentos conflitos que ocorriam entre aquelas populações nativas e os colonos. Não se pode deixar de mencionar também que, além dos europeus formadores das 13 colônias, contribuíram também para a formação daquela sociedade os milhares de trabalhadores trazidos da África Ocidental, como escravos. Entre 1620 e 1720, a população das 13 colônias aumentou de 2500 pessoas para cerca de 3 milhões, isso sem contar a população indígena.

A ORGANIZAÇÃO DAS 13 COLÔNIAS

Se os colonos portugueses que vieram para a América viam no trabalho uma atividade a ser exercida por etnias inferiores (índios e negros), os colonos ingleses, ao contrário, viam o trabalho como algo edificante, como os puritanos, por exemplo, que, inspirados pelas ideias de João Calvino, criticavam o ócio e acreditavam que quem enriquecesse trabalhando seria salvo por Deus. Os colonos ingleses também se interessavam pela educação, e foi a partir desse interesse que fundaram a Universidade de Harvard, em 1636, em Cambridge, Massachusetts, no intuito de formar os futuros dirigentes de suas igrejas nas colônias.

Durante o século XVII, a Inglaterra passou por diversas convulsões políticas e sociais, tais como uma guerra civil (1620-1640), a instalação de uma República (Oliver Cromwell, 1649), o fortalecimento da burguesia (Ato de Navegação, 1651), o restabelecimento da monarquia (1660) e o fim do poder absoluto dos reis ingleses (1689). Dentro desse quadro conturbado, a Inglaterra não tinha condições de criar e controlar uma estrutura de governo eficiente para as suas colônias na América. Assim, embora as 13 colônias da América do Norte estivessem submetidas às leis inglesas, pagassem impostos à metrópole e garantissem a posse do território para a Inglaterra, elas viveram uma certa autonomia durante o século XVII, tomando decisões por meio de reuniões em assembleias.

Normalmente, as 13 colônias costumam ser divididas pelos historiadores em dois grupos: as do Norte e as do Sul. As colônias do Norte ocupavam uma área de clima temperado, baseada na policultura (trigo, maçã, batata, milho), na pequena propriedade e na mão de obra familiar ou servil. Havia ali também manufaturas de lã, couro, ferro e madeira, produtos que eram exportados por meio do comércio triangular. Tal comércio era realizado da seguinte maneira: em navios próprios, os colonos do Norte compravam melaço nas Antilhas e o transformavam em rum, em seguida a bebida era trocada por escravos na costa ocidental da África e, enfim, os escravizados eram vendidos para o Sul da América do Norte e para as Antilhas, de onde os navios voltavam com mais melaço. As colônias do Norte eram donas de uma economia diversificada e de um comércio exterior lucrativo, gozando de certa autonomia em relação à metrópole.

Já as colônias do Sul ocupavam uma região de clima quente e planícies extensas, produzindo gêneros agrícolas de larga aceitação na Europa, tais como o fumo, o algodão e o anil. Os fazendeiros sulistas traziam muitos escravizados para trabalhar em suas plantações. O Sul acabou ocupado por “plantations” (grandes propriedades escravistas monocultoras, muitas delas dedicadas ao plantio do algodão, por exemplo). A sociedade sulista era aristocrática e marcada por muitas desigualdades sociais. O Sul era mais dependente economicamente da Inglaterra, o que inibiu ali o afloramento de ideias de independência política.

Do ponto de vista da organização política, cada uma das 13 colônias tinha uma assembleia encarregada de estabelecer os impostos locais, o orçamento do governo colonial e as leis, que eram submetidas ao governador – homem nomeado pela monarquia inglesa ou eleito pelos próprios colonos, tendo ou não direito de veto às leis contrárias aos interesses metropolitanos, conforme o caso. Os colonos participavam ativamente da vida política, desenvolvendo assim sentimentos de autonomia em relação à metrópole e hábitos de autogoverno, que seriam decisivos na luta pela independência.

OBS.: O blog já publicou um breve resumo sobre a colonização inglesa na América do Norte. Clique aqui para ver.

O Tráfico Negreiro, a Escravidão e a Resistência dos Negros no Brasil Colonial

Quando os portugueses chegaram à costa africana no século XV, encontraram a população daquele continente dividida em várias etnias, as “nações”, cada uma com suas estruturas políticas, econômicas e sociais específicas. Alguns desses povos já haviam desenvolvido indústria têxtil e metalurgia (como a produção de ferro, por exemplo). Chegando ao continente africano, os portugueses que buscavam riquezas – como o ouro – acabaram encontrando no tráfico de pessoas escravizadas uma oportunidade de obter lucros.

É certo que a escravidão já existia na África antes da chegada dos europeus, contudo, a escravidão africana era diferente daquela que seria imposta pelos homens do Velho Mundo. Em certas comunidades africanas, o escravo, seu amo e parentes cumpriam as mesmas tarefas no cotidiano. Os cativos até podiam ser incorporados à família, embora com um status diferente do das outras pessoas. Nas sociedades africanas organizadas em Estados, os escravos prestavam serviços na corte real e nas residências dos nobres. Além disso, aqueles escravos trabalhavam como mineradores, artesãos e agricultores. Todavia, em outras comunidades os escravos viviam à mercê de seus senhores, podendo sofrer castigos físicos e até serem mortos.

Havia várias formas de se obter um escravo. Após as guerras, os vencedores escravizavam os perdedores. Crianças podiam ser sequestradas e vendidas como escravas. Em certas regiões, pessoas que tivessem praticado atos como assassinato, furto, adultério ou feitiçaria também podiam tornar-se cativas como forma de punição. Era comum também a escravização por dívidas, bem como casos de pessoas que, em decorrência da fome e da miséria, pediam para ser escravizadas. Antes da chegada dos europeus, as vendas de pessoas escravizadas na África eram feitas em pequenas proporções, pois as vendas dificilmente excediam a 10 pessoas.

Após a chegada dos portugueses e, depois, de outros europeus, as pessoas escravizadas na África passaram a ser vendidas e transportadas cada vez em maior número para outras regiões do planeta. Ao lado do comércio de especiarias, da produção de açúcar e da mineração, o tráfico negreiro foi uma das atividades mais lucrativas da Idade Moderna. Estimativas dizem que 10 milhões de escravos africanos foram levados para o continente americano entre os séculos XVI e XIX, dos quais cerca de 3,8 milhões vieram para o Brasil.

OBTENDO OS ESCRAVOS

Em um primeiro momento, os europeus atacavam aldeias localizadas no litoral saariano e na região do Senegal para capturar escravos. Posteriormente, alianças militares e comerciais foram estabelecidas entre os traficantes e os líderes de aldeias e reis. Por meio dessas alianças, os chefes das aldeias se comprometiam a capturar e entregar homens, mulheres e crianças em troca de produtos como utensílios de cobre e de vidro, tecidos, cavalos, etc. Durante o auge do tráfico negreiro, no século XIX, a compra de escravos na África passou a ser feita por meio de pagamento em dinheiro ou por meio de letras de câmbio.

Os europeus estimularam guerras entre os diferentes povos africanos, com o intuito de obter uma maior quantidade de escravos a preços baixos. Os cativos eram vendidos a preços elevados depois disso, o que permitia a obtenção de consideráveis lucros. Os “pombeiros”, mercadores que percorriam o interior do continente africano para comprar pessoas capturadas por chefes locais, representavam outra forma de obtenção de escravos, e tinham esse nome porque os mercados de cativos chamavam-se “pombos”. Os pombeiros iam pelo interior da África levando tecidos, bebidas e búzios destinados à troca por escravos. Eles podiam permanecer até por dois anos em solo africano, retornando ao litoral apenas quando tivessem conseguido adquirir consideráveis quantidades de escravos: às vezes traziam de quinhentas a seiscentas pessoas capturadas consigo.

Na caminhada pelo continente africano, os escravizados eram muitas vezes obrigados a percorrer longas distâncias a pé, acorrentados, e enfrentando a fome e doenças. Estima-se que 25% dos cativos morriam antes de chegar ao litoral em decorrência dos maus tratos ou por conta de rebeliões ocorridas ao longo do trajeto ou nos armazéns onde permaneciam antes de serem embarcados para a América.

Antes da partida para o novo continente, os escravizados eram batizados por religiosos portugueses e recebiam nomes cristãos em uma cerimônia obrigatória. A Igreja cobrava dos comerciantes uma taxa por cada pessoa batizada. Os preços dos escravos variavam conforme a idade e, após serem vendidos, eram encaminhados aos “navios negreiros” que os levariam ao outro lado do Atlântico. Por conta das cruéis e degradantes condições da travessia, muitos morriam ou enlouqueciam.

A maioria dos navios negreiros era de pequeno porte e, para levar um maior número de pessoas, os traficantes construíam um segundo compartimento no porão, cujo teto baixo impedia que as pessoas ficassem de pé. A viagem entre Luanda e Recife levava aproximadamente 35 dias, enquanto que o trajeto de Luanda ao Rio de Janeiro demorava cerca de dois meses. Os cativos iam sentados, acorrentados uns aos outros e com as cabeças inclinadas, correndo o risco de pegar doenças como tifo, sarampo, febre amarela e varíola, que se propagavam rápido e provocavam muitas mortes. No período em que durou o tráfico negreiro, de 15% a 20% dos escravos morriam durante a viagem, números que levaram o Padre Antônio Vieira (1608-1697) a chamar os navios negreiros de “tumbeiros”, pois eram verdadeiras tumbas, ou túmulos, em alto-mar.

Em decorrência do tráfico negreiro o número de homens e mulheres jovens se reduziu bastante na África, fato que teve implicações no crescimento demográfico e no desenvolvimento econômico daquele continente. Estimativas dizem que, para cada escravo que chegou à América, outros cinco teriam morrido entre a captura, a prisão e o transporte, o que significaria a morte de cerca de 50 milhões de africanos entre os séculos XVI e XIX. Sociedades se desestabilizaram e a economia se desorganizou. Reinos como Daomé, Angola e Congo fizeram da venda de escravos a sua principal atividade econômica, deixando de apoiar seu desenvolvimento na exploração de recursos naturais. Podemos dizer que muitos dos problemas enfrentados por países africanos hoje tiveram início nesse período.

ESCRAVIDÃO E RESISTÊNCIA

Os africanos escravizados que chegavam à América Portuguesa ainda no século XVI vinham destinados a trabalhar nos engenhos de açúcar instalados na faixa litorânea, especialmente nas capitanias de Pernambuco e da Bahia. No início do século XVII, chegavam ao Brasil cerca de 8 mil africanos por ano, e este número só fez aumentar ao longo do tempo, tanto que, só na primeira metade do século XIX, cerca de 1,5 milhão de africanos entraram na América Portuguesa. Podemos dividir esse contingente de homens, mulheres e crianças em dois grandes grupos: sudaneses e bantos.

Os sudaneses vinham de regiões da África ocidental, a sudoeste do deserto do Saara, e se dividiam em múltiplas etnias: hauçás, mandingas, iorubás, etc. Um grande número deles era de muçulmanos alfabetizados, oriundos do golfo de Benin. O seu principal destino na América Portuguesa era a região da Bahia.

Os bantos, por sua vez, eram oriundos de áreas mais ao sul do continente africano e eram também divididos em diferentes grupos étnicos: cabindas, benguelas, congos, angolas. Eram normalmente levados para as capitanias de Pernambuco e do Maranhão e para o sudeste da América Portuguesa.

Os colonizadores dividiam os escravos em duas categorias: os “boçais” formavam o grupo dos recém-chegados, independentemente de serem bantos ou sudaneses, que ainda não sabiam nada da cultura dos portugueses, e os “ladinos”, africanos aculturados que já entendiam a língua do colonizador. Os descendentes de africanos nascidos na colônia, por sua vez, eram chamados de “crioulos”.

Assim que chegavam à América Portuguesa, os escravos eram levados para armazéns, onde seriam negociados. Inicialmente, os principais entrepostos escravistas localizavam-se em Recife e em Salvador, bem próximos das grandes lavouras de cana-de-açúcar. Todavia, entre os séculos XVIII e XIX, o principal entreposto era a cidade do Rio de Janeiro.

Nas fazendas, as jornadas de trabalho podiam chegar a 18 horas e os acidentes de trabalho, alguns deles fatais, eram constantes. Às vezes, pequenas áreas eram cedidas pelos senhores aos escravos para que estes cultivassem ali produtos de subsistência. O excedente dessa produção era vendido ao mercado local ou ao senhor, o que permitia que alguns escravos acumulassem dinheiro para comprar a própria “carta de alforria” ou a de algum ente querido. A alforria também podia ocorrer quando o proprietário libertava um filho gerado por uma escravizada, ou quando concedia a liberdade a um escravo fiel.

Os castigos físicos eram aplicados aos escravos que não trabalhassem do modo correto, demonstrassem cansaço, cometessem furtos, tentassem fugir ou se rebelar. Nas minas de ouro, era comum que os escravos fossem obrigados a usar máscaras para que não engolissem as pepitas extraídas da terra. A média da expectativa de vida entre os escravos girava em torno dos dez anos, sobretudo em decorrência das péssimas condições de vida e trabalho às quais estavam submetidos: má alimentação, trabalho extenuante e violência.

Dentro desse quadro, havia várias formas de reagir ao cativeiro. Quando estavam longe dos olhos do feitor, alguns escravos reduziam seu ritmo de trabalho ou até paralisavam a produção, enquanto outros sabotavam as máquinas, destruíam ferramentas e incendiavam as plantações. Mulheres grávidas praticavam o aborto para que seus filhos não fossem escravizados. Houve casos de suicídio e de tentativa de assassinato de senhores e feitores. Por sua vez, rebeliões como a Revolta dos Malês (Bahia, 1835) e a Balaiada (Maranhão, 1838-1841) foram acontecimentos em que também se verificou a insatisfação dos escravos.

As fugas eram outra importante forma de resistência. Os cativos fugiam para as serras ou matas para se esconder ou se misturar à população mestiça do sertão. Quando as zonas urbanas começaram a crescer a partir do século XIX, muitos fugiam para as cidades, onde tentavam integrar-se à sociedade. Os escravos que se escondiam nas florestas e nas serras formavam muitas vezes comunidades conhecidas como “mocambos” ou “quilombos”, que podiam reunir centenas ou até milhares de pessoas, os “quilombolas”. O primeiro quilombo teria se formado em 1573, na capitania da Bahia. Nesses lugares, africanos e afro-brasileiros viviam da caça, da pesca, da agricultura e do artesanato, chegando a fazer transações comerciais com povoados vizinhos. Nos quilombos, os ex-escravos reafirmavam sua identidade étnica e cultural preservando valores, tradições e crenças religiosas de suas nações de origem, na África. Expedições militares eram enviadas aos quilombos para destruí-los e reescravizar sua população, o que fez com que muitas daquelas comunidades se tornassem itinerantes, mudando constantemente de lugar.

O maior e mais duradouro dos quilombos foi o de Palmares, localizado na serra da Barriga, em uma área hoje pertencente a Alagoas e Pernambuco. Ele abrigou mais de uma geração ao longo de quase todo o século XVII e era composto por vários povoados que ocupavam juntos uma área de aproximadamente 350 quilômetros quadrados, onde viviam cerca de 20 mil africanos e afrodescendentes de várias etnias, além de indígenas, pardos e brancos pobres. Palmares funcionava como um pequeno Estado formado por vários mocambos, cada qual com o seu chefe. Acima de todos os chefes estava o rei, que recebia a obediência de todos. Havia uma estrutura militar que visava a resistência às expedições organizadas pelas autoridades coloniais. Os povoados do quilombo eram protegidos por paliçadas, muralhas e fossos com estrepes (peças de madeira ou de ferro com pontas voltadas para cima e fixadas no fundo de fossos para proteger o quilombo). A população de Palmares vivia da agricultura e negociava armas e outros produtos com colonos das redondezas. Os negros que chegavam lá espontaneamente eram considerados livres, enquanto que os que tinham sido capturados em assaltos contra engenhos e povoações eram escravizados. Entre 1630 e 1654, os holandeses que dominaram boa parte do Nordeste naquele período tentaram sem sucesso destruir Palmares. Depois que os portugueses retomaram a região, também atacaram Palmares sistematicamente – entre 1672 e 1680 houve praticamente uma expedição por ano. Em 1694, a partir dos ataques comandados pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, iniciou-se a destruição de Palmares. Zumbi, o líder do quilombo, conseguiu escapar, mas foi morto no ano seguinte. Palmares, todavia, sobreviveria por mais duas décadas, em um período no qual enfrentou 29 expedições enviadas pelas autoridades coloniais. A liquidação total do quilombo só ocorreria em 1716. Zumbi dos Palmares foi escolhido em 1978 pelo Movimento Negro Unificado como o símbolo da luta dos negros contra a opressão – a data da sua morte, 20 de novembro, passou a ser celebrada como o Dia da Consciência Negra no Brasil.

Boa parte dos escravos foi enviada para as zonas rurais, mas muitos africanos escravizados exerceram trabalhos ligados ao mar, como pescadores ou marinheiros. Na capitania de Pernambuco, escravos canoeiros atuaram na integração de vilas e cidades. Pelos rios da região, eles transportavam pessoas de Recife para Olinda e vice-versa, levando água e mercadorias para os lugares de difícil acesso. Entre o século XVII e o início do século XIX, os escravos participaram ativamente da pesca de baleia – importante atividade econômica da América Portuguesa – ao longo de quase todo o litoral brasileiro. Enquanto trabalhadores livres eram contratados para arpoar a baleia em alto-mar, os escravos trabalhavam nos grandes galpões onde o animal era retalhado e extraída a sua gordura.

Com o surgimento e expansão das vilas e das cidades, os escravos passaram a ser usados também nos núcleos urbanos, como nas vilas fundadas em Minas Gerais à época da mineração e no Rio de Janeiro, que se tornou um centro urbano importante com a chegada da família real portuguesa, em 1808. Nas cidades, os escravos podiam se locomover mais livremente e trabalhar sem a estrita vigilância dos senhores. Assim, eles iam de um lugar para outro, levavam recados e iam às compras, atividades que eram praticamente impossíveis no meio rural. Alguns senhores urbanos cediam em aluguel os seus escravos a outras pessoas para trabalhar como cozinheiros, carpinteiros, sapateiros, amas de leite, etc. Os escravos urbanos também podiam executar serviços para terceiros em troca de dinheiro – eram os chamados “escravos de ganho”, que ao final do dia entregavam ao seu senhor uma quantia previamente estabelecida. Após algum tempo, o que podia levar anos, a parte acumulada do dinheiro que ficava com o escravo era geralmente usada na compra da sua alforria.


Introduzidos à força no território brasileiro, os africanos ajudaram a formar a nossa sociedade.

sábado, 8 de novembro de 2014

A Monocultura do Açúcar na América Portuguesa

Da cana, planta de origem asiática, era produzido o açúcar, produto que chegou à Europa durante a Idade Média, por volta do século XII, por meio da atuação de mercadores árabes e cruzados. O valor do produto era alto: em 1440, por exemplo, 15 Kg de açúcar custavam 18,3 gramas de ouro, e era comum que quantidades de açúcar fizessem parte de testamentos como uma forma de herança. O comércio do açúcar gerava grandes lucros e era objeto de interesse dos comerciantes.

A cana chegou a ser cultivada sem muito sucesso na Península Itálica. Por sua vez, os portugueses cultivavam a planta desde o século XIII, estabelecendo posteriormente o seu plantio na Ilha da Madeira, no Oceano Atlântico, quando foram desenvolvidas novas técnicas de cultivo e se adotou o uso de mão-de-obra escrava de origem africana. Portugal expandiu a cultura da cana para os Açores, São Tomé e Cabo Verde, estabelecendo para isso relações comerciais e financeiras com mercadores e banqueiros dos Países Baixos, em especial com aqueles de Flandres. Tais mercadores e banqueiros financiavam a produção, terminavam de processar o açúcar e o distribuíam por toda a Europa. Com a crescente demanda, as terras disponíveis nas ilhas do Atlântico revelaram-se insuficientes, fato que estimulou a transferência da experiência com a cana daquelas áreas para a América Portuguesa.

Além de aproveitar o alto preço do açúcar na Europa, o cultivo da cana em terras americanas pertencentes a Portugal também visava defender o território de invasões de outros povos europeus. A garantia de financiamento, a experiência adquirida com o cultivo da planta nas ilhas do Atlântico, a existência de solo apropriado, o clima quente e as chuvas regulares e suficientes também foram fatores que estimularam o início da produção de cana-de-açúcar na América Portuguesa.

Na América Portuguesa, o açúcar era cultivado em grandes fazendas monocultoras voltadas para a exportação e baseadas no trabalho escravo – as “plantations” –, inicialmente dos indígenas e, posteriormente, dos africanos. As grandes propriedades rurais se originavam das sesmarias, áreas doadas pelo governo português a quem se comprometesse a cultivá-las. Tal forma de organização da produção garantia muitos lucros a Portugal. Durante todo o período colonial, a produção de açúcar foi a atividade que gerou os maiores lucros a Portugal, pois mesmo no século XVIII, quando a exploração do ouro estava no seu auge, atingindo cerca de 200 milhões de libras esterlinas, os lucros do açúcar eram de aproximadamente 300 milhões.

O negócio do açúcar se tornou um mercado global, pois o financiamento vinha da Holanda, a produção se fazia no Nordeste da América Portuguesa, o refino era feito na Holanda, os consumidores se encontravam em várias partes da Europa, a principal fonte de mão-de-obra estava na África, parte dos insumos vinham da Europa e outra parte de vários pontos da América do Sul.

O primeiro engenho na América Portuguesa foi instalado por Martim Afonso de Souza, em 1532, na capitania de São Vicente. Todavia, a agroindústria do açúcar teria mais sucesso no Nordeste da colônia, região que contava com o “massapê”, solo argiloso escuro e rico em calcário que se revelou ideal para o cultivo da cana, permitindo a rápida expansão da produção canavieira. O primeiro engenho em Pernambuco começou a operar em 1542 e, quarenta anos depois, aquela capitania já contava com 66 engenhos. Por volta de 1580, havia 115 engenhos distribuídos em todo o litoral brasileiro, produzindo 300 mil arrobas de açúcar (4,5 mil toneladas) por ano, além de aguardente (cachaça). Alguns dos principais centros produtores de açúcar no Nordeste eram as capitanias da Bahia, Pernambuco e Paraíba.

A cachaça era um produto derivado da cana que se tornou importante nas transações comerciais da colônia. Na compra de escravos africanos, por exemplo, os traficantes a usavam como “moeda de troca”.

“Engenho” era uma palavra inicialmente usada para designar a edificação onde se fabricava o açúcar, todavia, com o passar do tempo a expressão também passou a ser usada para se referir a todo o complexo que envolvia a produção do açúcar: os canaviais propriamente ditos, a mata de onde se tirava lenha para as fornalhas, a “casa-grande” (residência do proprietário), a “senzala” (alojamento dos escravos), a moenda e outros instrumentos de produção, etc.

Os donos de engenhos eram conhecidos como “senhores de engenho”. Estes homens desfrutavam de status social parecido ao da nobreza em Portugal, controlavam a vida política da região, ocupavam cargos nas câmaras municipais e seus filhos e parentes detinham importantes postos públicos. Além disso, os senhores de engenho controlavam uma ampla rede de dependentes.

Em geral, as mulheres dos senhores de engenho deviam obedecer às suas ordens, devendo cuidar da educação das crianças, costurar e supervisionar os escravos domésticos. Suas filhas deveriam estar preparadas para o casamento de encomenda. Contudo, é preciso dizer que estudos mais recentes demonstraram que tal submissão feminina não era uma constante, pois viúvas tornavam-se administradoras de engenhos e outras mulheres reagiam às determinações impostas: muitas fugiam de casa, separavam-se do marido ou cometiam adultério.

É importante esclarecer que o senhor de engenho e sua família habitavam a casa-grande, uma edificação que nem sempre seguiu um modelo suntuoso e luxuoso tal como imaginamos hoje. De fato, a casa-grande como uma residência suntuosa e expressão máxima do poder do senhor de engenho só se tornou comum em meados do século XIX. Antes disso, as habitações dos senhores de engenho e suas famílias geralmente eram construções parecidas às outras existentes nas propriedades, como as senzalas e as moendas. O engenho se assemelhava mais a uma fortaleza, por conta do medo de invasões indígenas, e a opulência não tinha tanta importância. As moradias dos senhores tinham paredes de taipa ou pedra e cal, enquanto o teto normalmente era coberto por telhas, sapê ou palha. O piso muitas vezes era de terra batida e havia poucas janelas e portas. No início da colonização, as roupas eram demonstração de luxo, e não a casa. Foi apenas no século XIX que a moda luxuosa das cortes europeias fez a casa-grande adquirir um novo padrão mais luxuoso e que tinha a função de expressar a riqueza do senhor.

O TRABALHO NOS ENGENHOS

O açúcar era obtido a partir de um processo que exigia grandes investimentos em máquinas, instalações, animais e mão-de-obra especializada, isso sem falar nas áreas destinadas ao plantio da cana. Algumas dessas áreas pertenciam ao próprio engenho, porém, outras pertenciam a proprietários que vendiam a cana aí cultivada ao senhor de engenho. Tais cultivadores possuíam o seu próprio plantel de escravos, cujo número variava de seis a dez cativos, em média. Os “negros da terra” – os indígenas – foram os primeiros a serem escravizados, mas já nas primeiras décadas do século XVI teve início a utilização da mão-de-obra africana.

Os escravos deviam cortar a cana e amarrá-la em feixes, que eram posteriormente empilhados em carros de boi e transportados até a casa da moenda. Neste local, a cana era esmagada, o que permitia a extração de um caldo que era resfriado, condensado e levado à casa das caldeiras para ser engrossado ao fogo até se transformar em melaço. Na casa de purgar, o melaço era colocado em formas para secar, transformando-se em blocos secos que eram acomodados em caixas e finalmente remetidos para Portugal. Posteriormente, o produto era levado para a Holanda para ser beneficiado e, enfim, ser distribuído pela Europa.

Nos engenhos, na produção do açúcar escuro, mascavo, empregava-se outra equipe de escravos e de profissionais especializados, muitos deles livres. Se nos canaviais, o preparo do terreno, o plantio e a colheita da cana eram tarefas realizadas por escravos, o trabalho de transformar a cana em açúcar nas oficinas era realizado não apenas por mão-de-obra escrava, mas também por brancos ou ex-escravos libertos que recebiam pagamento pelo trabalho realizado.

As atividades mais qualificadas eram destinadas justamente a esses trabalhadores livres. O mestre de açúcar era o responsável pela qualidade final do produto, o purgador cuidava da purificação do açúcar, enquanto o caixeiro separava, pesava e encaixotava o produto. Também mediante pagamento trabalhavam o feitor-mor, responsável pelo gerenciamento de todo o trabalho, o feitor dos partidos e roças, responsável por defender a terra contra invasões e por fiscalizar o trabalho dos escravos, além de ferreiros, carpinteiros, alfaiates, cirurgiões-barbeiros, etc. Durante os séculos XVII e XVIII, tais trabalhos muitas vezes eram executados por negros livres e libertos que recebiam um salário inferior ao que era pago a funcionários brancos. Tarefas administrativas e especializadas podiam ser executadas por escravos de confiança dos senhores, prática que podia ser vantajosa para os dois lados porque enquanto o senhor reduzia custos, o escravo especializado adquiria um status superior ao dos demais cativos.

Além da aguardente, outro produto extraído da cana-de-açúcar era a rapadura. Já os engenhos podiam ter diferenças entre si. O “engenho real” era movido pela força hidráulica e processava maior quantidade de cana. O “trapiche” era movido por tração animal ou pessoas escravizadas e tinha menor capacidade de produção. Já os “molinetes” ou “engenhocas” eram voltados para a produção de aguardente.

Em épocas de colheita, o engenho podia funcionar de 18 a 20 horas por dia, ininterruptamente. Os engenhos de porte médio contavam com 60 a 80 escravos, enquanto os maiores podiam contar com mais de 200. As condições de trabalho não eram favoráveis, pois o serviço era febril, rígido e disciplinado. O cansaço das longas jornadas de trabalho provocava até desmaios entre os escravos. No que diz respeito à segurança do trabalho, esta também deixava a desejar, pois de 5% a 10% dos escravos morriam em acidentes de trabalho. O padre Andrés de Gouveia, ao descrever a atividade açucareira na Bahia, chegou a afirmar, em 1627: “Um engenho de açúcar é um inferno e todos os seus donos são condenados”.


A América Portuguesa liderou a produção açucareira mundial até meados do século XVII, quando problemas internos – secas e destruição de engenhos nordestinos durante a Insurreição Pernambucana – e, posteriormente, externos – como a concorrência dos produtores holandeses nas Antilhas – provocaram o lento declínio da economia do açúcar nas terras pertencentes a Portugal no continente americano.

domingo, 2 de novembro de 2014

O Início da Colonização Portuguesa na América

Entre o final do século XV e o início do século XVI, grupos mercantis que atuavam na expansão marítima europeia financiaram uma série de expedições ao chamado Novo Mundo que visavam obter informações a respeito do continente até então desconhecido dos europeus. Foi com esse intuito que se elaboravam na época relatos de viagem e mapas, que possibilitavam o acúmulo de conhecimento sobre aqueles territórios de além-mar.

O próprio Américo Vespúcio, que viajou ao Novo Mundo duas vezes entre 1501 e 1504, a serviço do rei de Portugal, escreveu um pequeno livro no qual afirmava que as áreas recentemente encontradas pelos europeus não eram ilhas isoladas, mas um grande continente, que passaria a ser chamado de América em sua homenagem. Vespúcio também descreveu os hábitos dos povos nativos, entre os quais a antropofagia. Ele também registrou a existência do pau-brasil, uma madeira da qual se extraía um corante de cor vermelha.

Aos olhos dos europeus que chegavam à América, o território tinha um caráter ambíguo. Se por um lado a terra parecia ser um paraíso terrestre – no qual havia uma fartura de água e comida –, por outro a região também era identificada ao inferno, ou a um purgatório, especialmente por conta da nudez dos nativos e do hábito de algumas tribos de comer carne humana. Assim, para além do desejo de explorar a região, os europeus também buscariam realizar um empreendimento religioso no continente, ou seja, trazer o ideal cristão à América. Foi com este sentido que o primeiro nome dado ao atual Brasil foi “Terra de Santa Cruz”, uma referência ao símbolo dos cruzados. Também com essa proposta, degredados foram enviados ao continente americano, no intuito de que eles fossem aqui regenerados e purificados de seus pecados. Esse “lançados”, como eram conhecidos, atuaram ao lado de militares e comerciantes para estabelecer os primeiros contatos com os indígenas, contribuindo assim para iniciar a colonização da América.

A OCUPAÇÃO DO LITORAL

Entre 1497 e 1498, durante a expedição liderada por Vasco da Gama que alcançaria as Índias, o escrivão Álvaro Velho registrou em seu diário que enquanto navegavam pelo Oceano Atlântico os homens sob o comando de Vasco da Gama avistaram aves que voavam em direção ao sudoeste do Atlântico Sul. O líder da expedição teria se convencido de que, se navegasse em direção ao oeste, encontraria terras ainda desconhecidas dos europeus. Todavia, Vasco da Gama continuou a sua viagem em direção às Índias, retornando a Portugal em 1499. Após o sucesso da viagem, o rei dom Manuel, o Venturoso, organizou outra expedição para as Índias. A frota de naus, três caravelas e cerca de 1500 homens ficou sob o comando de Pedro Álvares Cabral, que antes de iniciar a jornada trocou informações com Vasco da Gama sobre o trajeto.

Assim, antes de chegar às Índias, Cabral tentou alcançar as terras a oeste do Atlântico Sul, tomando posse, em nome do rei de Portugal, de parte do continente americano em abril de 1500. A frota portuguesa permaneceu por dez dias na atual baía Cabrália, próximo a Porto Seguro, na Bahia. Cabral e seus homens tiveram contatos amistosos com os Tupiniquim, trocaram presentes com os nativos, celebraram duas missas e ergueram uma cruz de madeira de quase sete metros para assegurar a posse das terras. No dia 2 maio, as caravelas de Cabral retomaram o caminho em direção às Índias, menos uma que voltou para Portugal levando cartas que comunicavam as novidades ao rei dom Manuel.

Inicialmente, o rei português não se interessou muito pela imediata colonização do território, pois as cartas informavam que não havia indícios da existência de metais preciosos naquelas terras. Dessa maneira, dom Manuel preferiu continuar investindo no comércio com as Índias. Isso não significa, porém, que Portugal não fez nada em relação às terras descobertas a oeste do Atlântico Sul, pois nos 30 anos seguintes, os portugueses buscaram ocupar a faixa litorânea estabelecendo pequenas feitorias. Os índios possibilitaram a sobrevivência dos primeiros portugueses que chegavam à América, seja fornecendo-lhes alimentos, ensinando os caminhos e coletando bens que pudessem ser comercializados no Velho Mundo.

Em 1501, a expedição liderada por Gaspar de Lemos explorou as florestas litorâneas – uma área conhecida hoje como Mata Atlântica – e confirmou a abundância de pau-brasil. A árvore de 20 a 30 metros tinha um tronco vermelho, do qual se extraía um corante vermelho. O pau-brasil também existia na Ásia, e os europeus o conheciam desde a Idade Média, usando o seu corante para tingir tecidos. Porém, quando os otomanos conquistaram Constantinopla em 1453, o comércio pelo Mediterrâneo foi bloqueado e o preço da madeira subiu muito. Foi por isso que os portugueses não puderam deixar de explorar o pau-brasil disponível em solo americano.

A exploração dessa madeira seria o grande objetivo da expedição de Gonçalo Coelho, ocorrida em 1503, que construiu feitorias no atual litoral do Rio de Janeiro no intuito de armazenar as riquezas encontradas naquelas terras. A obtenção de lucros com esse negócio estimulou o governo português a estabelecer o “monopólio” sobre tal atividade, apenas quebrado por concessões periódicas feitas a comerciantes que pagavam pelo privilégio. Tais mercadores também tinham a missão de garantir que o Tratado de Tordesilhas fosse respeitado, tratado esse que era contestado por outros povos europeus, em especial os franceses.

A exploração do pau-brasil e de outros produtos do lugar foi crucial para a ocupação do território, pois os lucros justificavam as expedições. Com o tempo, a permanência dos portugueses na América tornou-se mais estável e o contato com os índios foi facilitado, tudo em decorrência daquela atividade exploradora. Por meio do escambo, os portugueses trocavam com os índios objetos como espelhos, tecidos, miçangas, facas, machados, entre outros, pelo trabalho de localizar, cortar e carregar a madeira para as feitorias e para os navios. Se os objetos oferecidos pelos portugueses tinham pouco valor na Europa, para os índios alguns deles possibilitariam uma verdadeira revolução, como as ferramentas de metal que permitiriam a transformação de práticas como a caça e o cultivo agrícola. Com um machado de pedra, os índios levavam até três horas para derrubar uma árvore, mas com os machados de ferro vindos da Europa o mesmo trabalho podia ser feito em cerca de quinze minutos.

O lucrativo comércio de pau-brasil despertou o interesse de outras potências europeias, notadamente por parte da França. De fato, a partir de 1504 os franceses passaram a organizar expedições para regiões do continente americano que Portugal considerava suas. O navegador francês Binot Paulmier de Gonneville, por exemplo, chegou a aportar na ilha de São Francisco, no litoral norte do atual estado de Santa Catarina, onde estabeleceu contatos com os índios Carijó e adquiriu considerável quantidade de pau-brasil, peles e penas de animais. Portugal procurou impedir a ação de concorrentes por meio de expedições guarda-costas, mas como o litoral era muito grande, em 1530 o governo português decidiu iniciar efetivamente a colonização do território.

A partir da expedição liderada por Martim Afonso de Souza, em 1531, a exploração portuguesa do território foi intensificada em um processo que se deu paralelamente ao declínio dos lucros no comércio com o Oriente. A referida expedição se propunha a combater os franceses, reconhecer o território e estabelecer núcleos coloniais. Comandando cinco embarcações e cerca de 400 homens, Martim Afonso de Souza trouxe animais, instrumentos agrícolas, mudas, sementes e colonos. O comandante tinha ainda poderes administrativos, a responsabilidade de manter a ordem, o dever de combater os inimigos e a missão de fundar núcleos de povoamento. A expedição percorreu pontos do litoral, chegando até o sul da América, na região do atual rio da Prata, capturando pessoas a serviço da França. Grupos exploratórios foram autorizados a entrar pelo interior do continente com o intuito de localizar metais preciosos e outras riquezas. Em 1532, fundou a vila de São Vicente, na região do atual estado de São Paulo. Foram erguidas ali as primeiras casas, um pequeno forte, uma capela, a cadeia e o pelourinho. As primeiras autoridades foram nomeadas para as funções de juiz, escrivão, meirinho (oficial de justiça) e almocatel (inspetor encarregado da correta aplicação dos pesos e medidas e da taxação dos gêneros alimentícios). Iniciou-se o cultivo de lavouras de cana-de-açúcar e montou-se o “Engenho do Governador”. Pouco tempo depois, Martim Afonso retornou para Portugal, de onde seguiria para as Índias, a serviço do rei português.

AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

No intuito de ocupar efetivamente as terras, o governo português doou grandes extensões de terras – as capitanias hereditárias ou “donatárias” – a particulares, conhecidos como capitães-donatários. A primeira doação de terras teve como beneficiado Fernão de Noronha, contratador da extração de pau-brasil que recebeu as ilhas que hoje levam o seu nome, no litoral do atual estado de Pernambuco, em 1504. Todavia, o sistema de capitanias hereditárias só foi efetivamente introduzido a partir de 1534, por ordem do rei dom João III, com a finalidade transferir os gastos da colonização a particulares, garantido a posse do território frente ao assédio de navios franceses.

A partir de então, a América Portuguesa foi dividida em várias e extensas faixas de terra doadas aos “donatários” (os livros variam quanto ao número exato de capitanias), de largura variável e que iam do litoral até a linha imaginária estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas. De maneira geral, as terras eram doadas a militares envolvidos na conquista das Índias e a altos burocratas, pois normalmente os nobres não manifestavam muito interesse em desbravar as novas terras.

Quando o “donatário” morria, os seus herdeiros assumiam a posse da capitania, daí o caráter “hereditário” da mesma. A carta de doação e o foral eram os documentos por meio dos quais definiam-se os vínculos, os direitos e as responsabilidades entre o donatário e o rei de Portugal. Enquanto a carta de doação estabelecia a posse da capitania ao donatário, bem como seus privilégios, regalias e deveres (administração da área, estímulo à ocupação e a produção de riquezas), o foral, por sua vez, estabelecia os direitos e os deveres dos colonos para com o donatário e o rei, incluindo os tributos a serem pagos.

O donatário deveria proteger o território do ataque de outros povos e dos indígenas, fundar vilas e distribuir lotes de terras – as sesmarias – a quem pudesse cultivá-las, além de nomear ouvidores, tabeliães, escrivães e juízes. Recebiam por essas tarefas 5% dos lucros do comércio do pau-brasil e das demais especiarias em suas terras. As terras estavam sob a posse e a autoridade dos donatários, mas eram de propriedade do rei, que recebia 10% dos lucros de diversas atividades, como a pesca e a agricultura. Por meio desse sistema, o governo não investia recursos próprios na colonização.

As capitanias hereditárias permitiram a implantação de alguns núcleos de povoamento, tais como Porto Seguro (1535), Ilhéus (1536), Olinda (1537) e Santos (1545), bem como a efetiva posse sobre algumas terras e a abertura a novas possibilidades econômicas. Em Pernambuco e São Vicente, o cultivo de cana-de-açúcar e a produção dos subprodutos dessa atividade prosperaram. Todavia, a maioria das capitanias fracassou porque muitos donatários não dispunham dos recursos necessários para efetivar a colonização, enquanto outros nem se deram ao trabalho de vir para um território desconhecido.

Houve ainda outros problemas, como os ataques dos povos indígenas. Pero de Campo, por exemplo, se desfez de seus bens em Portugal e foi para a capitania de Porto Seguro com sua família e 600 colonos, porém, sofreu uma série de ataques dos Aimoré. Campo foi ainda acusado de heresia pelos colonos perante o Tribunal da Inquisição, fato que o obrigou a voltar a Portugal, onde foi proibido de retornar à América. As grandes distâncias entre os diversos núcleos coloniais e em relação a Portugal também eram obstáculos difíceis de serem enfrentados. Havia ainda a falta de apoio do governo e os ataques de corsários. Tudo isso dificultava a colonização da maioria das capitanias.

A CENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

No intuito de centralizar a administração colonial, o governo português instituiu o Governo-Geral, em 1548. As capitanias hereditárias não foram eliminadas (o que ocorreria apenas em 1759), mas o poder dos donatários passou a estar submetido ao do governador-geral, que agora era o principal representante do rei na colônia. A intenção do governo português era integrar e adquirir maior controle sobre as diferentes iniciativas de colonização. O governador-geral devia proteger os núcleos dos ataques de estrangeiros e de indígenas, cuidar do comércio realizado na colônia, controlar as áreas ocupadas, explorar o sertão, distribuir sesmarias para a construção de engenhos de açúcar, estabelecer alianças com os povos indígenas amigos e castigar aqueles que prejudicassem a colonização portuguesa. Ele também cuidava da arrecadação de impostos, da escolha de magistrados, da definição de penas e da nomeação de clérigos para os cargos religiosos. O governador-geral era auxiliado pelo “capitão-mor” (responsável pela defesa da costa), pelo “provedor-mor” (que cuidava dos tributos) e pelo “ouvidor-mor” (encarregado da Justiça).

Onde hoje fica a cidade de Salvador foi construída a primeira sede administrativa da colônia, no que na época era o litoral da capitania da Bahia. O primeiro governador-geral, Tomé de Souza, chegou à América Portuguesa em 1549, acompanhado de degredados, soldados, clérigos, mulheres e funcionários do rei. Também vieram os jesuítas, liderados por Manuel da Nóbrega, incumbidos de converter os índios à fé católica, no âmbito da Contrarreforma. Salvador foi construída por Tomé de Souza, que em pouco tempo cuidou para que centenas de casas, uma igreja matriz e prédios públicos fossem erguidos na capital da colônia. Criação de gado e plantações de cana-de-açúcar surgiram na zona rural.

O segundo governador-geral foi Duarte da Costa. Assumindo a administração a partir de 1553, ele trouxe órfãs para casar com os colonos, além de mais jesuítas, entre os quais José de Anchieta, que em 1554 fundou o colégio que deu origem à vila de São Paulo de Piratininga. A gestão de Duarte da Costa foi marcada por crises, em especial por conta de atritos entre os portugueses e os indígenas. Como os portugueses precisavam cada vez mais de trabalhadores nas lavouras, ampliou-se a escravização dos indígenas, que por sua vez se revoltaram contra a dominação portuguesa.

Além disso, em 1555, sob a liderança de Nicolas Durand de Villegaignon, os franceses instalaram-se na baía de Guanabara com o intuito de construir um núcleo colonial, a França Antártica. Como Duarte da Costa não conseguiu expulsá-los, a iniciativa francesa só foi contida na administração do terceiro governador-geral, Mem de Sá.

Mem de Sá chegou à América Portuguesa no ano de 1558, trazendo reforços militares que lutariam até 1567 para expulsar os franceses. Estácio de Sá, considerado por muitos o fundador da cidade do Rio de Janeiro, em 1569, destacou-se nesses conflitos. Mem de Sá também dizimou cerca de 300 aldeias indígenas litorâneas, que se opunham à presença portuguesa. Por outro lado, ele criou leis que protegiam os índios cristianizados. Mem de Sá estimulou ainda o tráfico de escravos de origem africana, sobretudo para o aumento da mão-de-obra nas áreas de cultivo de cana-de-açúcar. Após a morte de Mem de Sá, em 1572, a administração colonial passou a ser exercida por dois governadores, um em Salvador e outro no Rio de Janeiro.

Lourenço da Veiga reunificou a administração em 1578, mas ela seria desmembrada em outros momentos, como em 1621, quando foram criados o Estado do Maranhão e Grão-Pará (com sede em São Luís e, posteriormente, em Belém) e o Estado do Brasil (com sede em Salvador e, a partir de 1763, no Rio de Janeiro). Entre 1640 e 1808, os administradores deixaram de usar o título de governadores-gerais, passando a adotar o título de vice-reis.

OS JESUÍTAS

Os primeiros jesuítas chegaram à América Portuguesa em 1549, estabelecendo-se inicialmente na capitania da Bahia de Todos-os-Santos, onde ergueram uma igreja e a sede da Companhia de Jesus. No início, instalaram-se nas aldeias do litoral, mas com o tempo passaram a adentrar pelo interior do território – o sertão –, desbravando novas terras e tomando contato com os mais diferentes povos indígenas.

Com o intuito de pregar o evangelho aos índios, os jesuítas procuravam aprender as línguas nativas, tais como o tupi-guarani e o tupinambá, que eram faladas por povos de diferentes etnias. Para facilitar a comunicação entre os colonizadores e a população nativa, foram desenvolvidas línguas gerais a partir da mistura de elementos do português, do espanhol, de línguas africanas e nativas, como o guarani e o tupinambá. A língua geral do Sul tinha o guarani como uma de suas bases e foi a predominante na capitania de São Vicente e, graças aos bandeirantes, foi difundida por outras regiões, onde hoje ficam os estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso e a região Sul do Brasil. A língua geral do Sul era popular em todas as camadas sociais até meados de 1750, quando foi proibida pelo governo português, entrando aos poucos em desuso até desaparecer. Já na região amazônica, a língua geral ficou conhecida como nheengatu, tendo o tupinambá como uma de suas bases. Os jesuítas difundiram o nheengatu por meio das escolas jesuíticas, adaptando-a de acordo com as línguas faladas pelas diversas etnias. A difusão do nheengatu acabou contribuindo para o desaparecimento de diversas línguas indígenas. O nheengatu também foi proibido, mas continuou sendo falado pelas camadas populares de boa parte da região norte do Brasil e, ao contrário da língua geral do Sul, ele não desapareceu. Em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, por exemplo, o nheengatu é falado por alguns milhares de pessoas e é hoje uma das línguas cooficiais do município.

Como a conversão dos índios adultos revelou-se difícil, os jesuítas concentraram seus esforços na catequização das crianças das tribos. Para isso, verteram os Dez Mandamentos para o Tupi, bem como partes da Bíblia e o “Pai Nosso”, em estilo de cantoria indígena. Os jesuítas tocavam instrumentos musicais e ainda escreviam, dirigiam e atuavam em peças teatrais encenadas pelos índios, que mesclavam técnicas teatrais europeias com aspectos da cultura indígena no intuito de ensinar aos nativos os princípios da fé cristã. Um exemplo disso é o ainda existente folguedo do bumba meu boi ou boi bumbá, que conta a história de um boi morto por um vaqueiro, que fica com a tarefa de ressuscitar o animal. Os jesuítas usavam tal folguedo para comparar a ressurreição do boi com a de Jesus Cristo.

Toda essa pregação feita de maneira itinerante não surtiu os efeitos desejados. Assim, Manoel da Nóbrega sugeriu que a catequização dos índios poderia ser mais eficiente se os jesuítas parassem de se deslocar de uma aldeia para outra e reunissem os indígenas em um mesmo lugar. Nóbrega pensava que reunidos em uma única aldeia por região, sob o comando dos jesuítas, os índios estariam protegidos dos colonos que queriam escravizá-los. Nessas missões jesuíticas – também chamadas de “aldeamentos” ou “reduções” –, os índios seriam preparados para uma vida produtiva baseada na agricultura e no artesanato.

As missões contribuíram para a desintegração da sociedade indígena, pois ali os índios viviam uma vida bem diferente daquela a que estavam acostumados. Se antes eles eram seminômades, agora eram agricultores e artesãos sedentarizados e submetidos a uma disciplina de horários. Além disso, para viver nas missões, os índios tinham que renunciar à sua liberdade de movimentos e a seus antigos hábitos, como a poligamia e a antropofagia. Por vezes, as missões reuniam nativos de tribos rivais, o que gerava conflitos. Além disso, muitos índios morriam em decorrência de doenças trazidas pelos europeus, tais como varíola, rubéola, tuberculose e outras. Diante de tal realidade, eram comuns as fugas e as revoltas.

O Brasil Republicano (1889-1930)

A Proclamação da República foi fruto da aliança entre cafeicultores paulistas e exército contra o Império. Ficou decidido que os militares deveriam assumir o governo durante a fase inicial da República, pois havia o medo de um contragolpe monárquico. Assim, entre 1889 e 1894 o Brasil ficou sob o domínio da República da Espada, época dos governos dos marechais Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894).

É preciso dizer que à época da Proclamação da República havia três projetos distintos de governo republicano. O projeto republicano liberal era defendido pelos cafeicultores paulistas e suas propostas eram a descentralização política, a autonomia dos estados, a defesa das liberdades individuais (direitos de locomoção, de propriedade, de livre-expressão), a livre competição econômica, a separação entre os três poderes, a instauração de eleições e a separação entre Igreja e Estado. Tal projeto inspirava-se no sistema norte-americano.

O projeto republicano jacobino, sob a inspiração da I República francesa de Danton e Robespierre, era a bandeira da baixa classe média (pequenos comerciantes e funcionários) e de setores intelectualizados da sociedade brasileira (profissionais liberais como jornalistas, médicos, advogados e professores). Neste projeto estavam em pauta a liberdade pública de reunião e discussão e uma maior participação popular na administração pública. Os defensores mais radicais deste projeto eram altamente xenófobos, principalmente antilusitanos.

Por fim, o projeto republicano positivista inspirado em Auguste Comte era defendido pelo exército. As ideias de “ordem” e “progresso” marcavam presença nesse projeto. Ademais, havia aqui a noção de que a administração da sociedade deveria ser feita de maneira científica e racional. Os militares positivistas defendiam ainda um Estado forte, centralizado e capaz de exercer quase que uma tutela da população.

O GOVERNO PROVISÓRIO DE DEODORO DA FONSECA (1889-1891)

Em seu governo provisório, Deodoro da Fonseca agiu com autoritarismo, apreciador que era da disciplina militar. A marinha, que era basicamente monarquista, não apoiou o seu governo. Houve a extinção da Constituição de 1824, a convocação de eleições para uma assembleia constituinte, o banimento da família imperial, a separação entre Igreja e Estado, além do oferecimento da cidadania brasileira aos estrangeiros residentes no Brasil.

Rui Barbosa foi nomeado ministro da Fazenda e tentou implementar um projeto de desenvolvimento industrial. O aumento na emissão de papel-moeda facilitou o estabelecimento de sociedades anônimas (empresas). Barbosa dificultou a entrada de produtos importados por meio de taxas alfandegárias que visavam proteger a supostamente nascente indústria nacional. Todavia, o aumento na emissão de papel-moeda provocou a inflação (o Encilhamento) e a febre especulativa.

Em 1891 foi aprovada a nova Constituição do país. A carta definia o Brasil como uma república federativa formada por um governo central e por 20 estados com autonomia jurídica, administrativa e fiscal. O texto também regulamentava a divisão dos três poderes: executivo (presidente, governadores e prefeitos), legislativo (bicameral, com Senado e Câmara dos Deputados, além de assembleias estaduais e câmaras de vereadores) e judiciário, todos independentes entre si. O voto era universal, masculino e não-secreto. Mulheres, analfabetos, mendigos, menores de 21 anos, padres e soldados não votavam. Ficou ainda definido que o primeiro presidente após a promulgação da Constituição de 1891 deveria ser eleito pela assembleia constituinte. Deodoro da Fonseca foi eleito o primeiro presidente constitucional da República Brasileira.

O GOVERNO CONSTITUCIONAL DE DEODORO DA FONSECA (1891)

O fracasso da política econômica praticada durante o Governo Provisório de Deodoro da Fonseca fez com que o seu Governo Constitucional começasse já desgastado. Como Presidente e Vice foram eleitos separadamente, Deodoro assumiu o governo junto com Floriano Peixoto, que havia sido o candidato a Vice pela outra chapa (apoiada por cafeicultores, com Prudente de Morais como candidato a presidente).

O constante autoritarismo de Deodoro da Fonseca se chocou com um Congresso formado predominantemente por cafeicultores, fato que levou a uma grave crise política. O presidente chegou a decretar estado de sítio, fechando o Congresso no dia 03 de novembro de 1891. Houve reação da oposição e também por parte do exército com a articulação de Floriano Peixoto. Trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil entraram em greve contra o golpe de Deodoro.

Custódio de Melo, almirante da marinha, apontou os canhões dos navios que estavam na Baía de Guanabara para a cidade do Rio de Janeiro, ameaçando bombardear a cidade e exigindo a renúncia de Deodoro da Fonseca, que acabou cedendo às pressões.

O GOVERNO DE FLORIANO PEIXOTO (1891-1894)

Com a renúncia de Deodoro, Floriano Peixoto foi muito hábil ao conseguir o apoio de republicanos radicais, positivistas e cafeicultores. Floriano era considerado um defensor da ordem e do regime republicano, e seu autoritarismo era tido como moderado. A volta à normalidade veio com a suspensão do estado de sítio. Algumas medidas do novo governo foram: a construção de casas populares e a suspensão do imposto sobre o comércio de carne na cidade do Rio de Janeiro.

A administração de Floriano Peixoto foi marcada pelo paternalismo. As classes populares recebiam concessões como se fossem “presentes”, havendo uma sujeição agradecida dos mais pobres aos mais ricos. Por sua vez, a lealdade política era baseada nas compensações e na troca de favores.

Houve o estímulo à indústria por meio de linhas de crédito do Banco do Brasil e de leis alfandegárias (protecionismo). Contudo, aquela época foi marcada pelos problemas da inflação e da falta de recursos. Tudo isso em um ambiente de forte nacionalismo.

Em abril de 1892 foi publicado o Manifesto dos 13 Generais, no qual oficiais do exército pediram o afastamento de Floriano Peixoto, pois o seu governo seria inconstitucional (como Deodoro da Fonseca havia renunciado ao cargo de presidente aos nove meses de governo, em tal caso a lei definia que deveriam ocorrer eleições e não a subida do vice ao posto de presidente). No Manifesto, os generais exigiram a realização de novas eleições para o posto mais alto do poder executivo no país. Os autores do Manifesto foram afastados e presos.

Neste período também ocorreu um conflito político no Rio Grande do Sul. Naquele estado havia a hegemonia do Partido Republicano Rio-grandense – PRR –, do governador Júlio de Castilhos (apoiador de Floriano Peixoto). Por sua vez, a oposição ao PRR era feita pelo Partido Federalista, liderado por Silveira Martins, que criticava a centralização do poder pelo PRR. O conflito entre os dois grupos foi intensificado quando Floriano Peixoto interferiu na disputa ao apoiar Júlio de Castilhos. A chamada Revolução Federalista ganhou uma dimensão nacional.

Também naquela época ocorreu a Revolta da Armada de 1893. Oficiais da Marinha apontaram os canhões de seus navios para a cidade do Rio de Janeiro e exigiram a renúncia de Floriano Peixoto. É preciso lembrar as tendências monarquistas da marinha e as ambições políticas do almirante Custódio de Melo que contribuíram para tal episódio. Contudo, Floriano resistiu e combateu os revoltosos em um intenso confronto armado.

A Revolução Federalista e a Revolta da Armada se uniram. O líder federalista gaúcho Gumercindo Saraiva partiu para a cidade de Desterro, capital de Santa Catarina, para se encontrar com os destacamentos navais de Custódio de Melo em 1893. No ano seguinte, os rebeldes tomaram a cidade de Curitiba, no Paraná. As tropas florianistas responderam aos ataques e empurraram os federalistas para o sul, conquistando a cidade de Desterro, que a partir de então passou a se chamar Florianópolis. No Rio de Janeiro, os navios de guerra de Floriano Peixoto, comprados principalmente dos EUA, venceram os navios ainda sublevados e forçaram a rendição dos rebeldes no dia 10 de março de 1894.

O GOVERNO DE PRUDENTE DE MORAIS (1894-1898)

Nas eleições presidenciais seguintes venceu o cafeicultor paulista e republicano Prudente de Morais. Com os cafeicultores no poder, o projeto republicano liberal venceu os projetos radical (jacobino) e positivista, que não tinham base social significativa (o país ainda era predominantemente rural, e não havia proletariado urbano, pequena burguesia, classe média e burguesia nacional bem articuladas). A república liberal instalada pelos cafeicultores seria marcada por desigualdades sociais e caracterizada por ser pouco democrática (havia exclusão política e fraude nas eleições).

Prudente de Morais deveria fazer o país voltar à normalidade e, para isso, acabou de vez com a Revolução Federalista em 1895, que já estava bem enfraquecida. Reatou relações com Portugal (que tinham sido rompidas por Floriano Peixoto) e ainda tomou posse da ilha de Trindade. Durante o seu governo houve forte agitação florianista: com a morte de Floriano Peixoto em 1895, por conta de uma crise hepática, cresceram manifestações contra Prudente de Morais, que se afastou da presidência por motivos de saúde entre novembro de 1896 e março de 1897, quando retornou ao exercício do cargo para terminar o seu governo.

Fato marcante do período foi a Guerra de Canudos, entre 1896 e 1897. A população pobre do nordeste vivia em forte tensão social, sobretudo em épocas de seca. Em tal cenário, os sertanejos tinham algumas alternativas, como a emigração (difícil, por conta da precariedade dos meios de transporte e de comunicação), o banditismo social (cangaço) e o misticismo religioso (por meio de um líder messiânico), este último com a promessa da salvação eterna. Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, fazia pregações e dava assistência à população pobre do nordeste. Ele se estabeleceu com seus seguidores na fazenda de Canudos, onde fundaram a aldeia de Belo Monte. Essa comunidade livre foi vista como um “mau exemplo” pelos poderosos da Bahia. Conselheiro criticava a República (vista como um demônio) e apelava pela vinda do salvador, D. Sebastião (rei português falecido no norte da África no século XV). A partir disso, os governo baiano e federal enviaram expedições militares para destruir Canudos, mas muitas fracassaram. Só em outubro de 1897 o arraial foi derrotado.

Com os fracassos sucessivos do exército em Canudos, mesmo com a vitória sobre o arraial de Antônio Conselheiro em 1897, a posição política do exército ficou abalada. Haveria a partir daí um predomínio da oligarquia rural na política brasileira, especialmente dos cafeicultores.

O APOGEU DA ORDEM OLIGÁRQUICA (1898-1914)

Entre 1898 e 1914, o Brasil passou pelos governos de Campos Sales (1898-1902), Rodrigues Alves (1902-1906), Afonso Pena (1906-1909), Nilo Peçanha (1909-1910) e Hermes da Fonseca (1910-1914).

Um primeiro aspecto a ser destacado a respeito do período é a crise do café. O aumento da produção brasileira e mundial do produto provocou a redução do preço do café, produto responsável por boa parte das exportações brasileiras à época. Com isso, houve um forte abalo na economia do país, com crescente dívida externa junto a bancos estrangeiros e inflação (lembrar a emissão excessiva de papel-moeda no início da República).

Em 1898, Campos Sales assinou o funding loan, um acordo com os bancos credores. Por meio dessa medida, ficou acertado um empréstimo para o pagamento dos juros da dívida externa nos 3 anos seguintes. Além disso, foi estabelecido um prazo de 13 anos para que se iniciasse o pagamento da dívida, a penhora da receita da alfândega do Rio de Janeiro e o compromisso por parte do governo brasileiro em combater a inflação e fortalecer a economia do país. O funding loan era uma moratória, ou seja, em troca da suspensão temporária do pagamento da dívida externa, concordava-se com o aumento do seu valor e do tempo (prazo) para pagá-la. O governo cortou gastos (parou obras públicas, por exemplo) e aumentou impostos sobre os produtos. Houve ainda a incineração de papel-moeda para reduzir a inflação, contudo, tal medida gerou recessão econômica (desemprego). Por sua vez, a valorização cambial do mil-réis barateou produtos importados, o que prejudicou a indústria nacional.

Em 1906, ocorreu o Convênio de Taubaté, realizado na cidade situada no Vale do Paraíba. Os cafeicultores decidiram por uma política estatal de valorização do café, na qual os governos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro comprariam toda a produção cafeeira para regular os estoques do produto e, consequentemente, o preço do café no mercado mundial (é preciso lembrar a lei da oferta e da procura, além do fato de o Brasil ser o maior produtor de café no período). Os primeiros resultados de tal política foram animadores, mas ela estava fadada ao fracasso porque os cafeicultores continuariam produzindo muito café (já tinham um comprador garantido, o governo, que pagava uma alto preço pelo produto) e, se não houvesse demanda suficiente no mercado, o café deveria ser destruído, o que provocava prejuízo (o governo comprava, mas não vendia). Com o aumento no preço do café, outras partes do mundo aumentaram a sua produção, provocando intensa concorrência.

O início do século XX viu também o surto econômico da borracha, no contexto da segunda Revolução Industrial marcado pelas indústrias de automóveis e pneus. A borracha era extraída da seringueira na região amazônica a partir da atuação de trabalhadores que viviam em condições miseráveis (nativos e nordestinos emigrados), enquanto os proprietários de terras é que ganhavam muito dinheiro com o comércio da borracha. Foi neste cenário que ocorreu a Questão do Acre, marcada por intensas disputas que foram seguidas pela compra do Acre pelo Brasil, que adquiriu a região da Bolívia por 2 milhões de libras esterlinas.

Na cidade do Rio de Janeiro ocorreu a Revolta da Vacina (1904), durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906). Em um momento de relativa tranquilidade econômica, proporcionada pelo recente funding loan e pelo surto da borracha, iniciou-se uma reforma do centro do Rio de Janeiro (urbanização) com inspiração em Paris. Populares foram expulsos do centro da cidade (cortiços foram derrubados) em nome do “Progresso”, fato que gerou uma crescente tensão social. O saneamento da cidade foi executado pelo médico Oswaldo Cruz, que estabeleceu a vacinação obrigatória contra a varíola. Tal medida somada à tensão social já existente levou a uma revolta popular que durou uma semana e acabou reprimida pela polícia e pelo exército.

Em 1910 ocorreu a Revolta da Chibata. Nos couraçados Minas Gerais e São Paulo, iniciou-se uma rebelião de marujos contra os castigos físicos violentos e as péssimas condições de alojamento e alimentação. Importante líder do movimento foi o marujo negro João Cândido. Após momentos de tensão, os líderes da revolta foram presos e condenados a trabalhos forçados na Amazônia. Já na região sul ocorreu a Revolta do Contestado (1914), um movimento que se deu na região entre Paraná e Santa Catarina sob o comando de um líder messiânico, José Maria, sendo, portanto, similar ao movimento de Canudos.

Durante o apogeu da ordem oligárquica, foi marcante a atuação dos Partidos Republicanos Paulista e Mineiro – PRP e PRM –, que por vezes estabeleceram uma aliança entre o poder econômico de São Paulo (grande produtor de café) e o poder político de Minas Gerais (maior colégio eleitoral na época). Tal política seria chamada de “café com leite”.

Também foi marcante no período a política dos governadores idealizada por Campos Sales. Tratava-se de uma articulação entre o poder central e as oligarquias regionais. Os governadores apoiavam o presidente em troca de autonomia para os seus estados. Assim, os governadores procuravam eleger uma grande quantidade de deputados e senadores alinhados a esse pacto político. A Comissão Verificadora de Poderes não permitia a diplomação e a posse de deputados de oposição.

As eleições da época eram fraudulentas e violentas, o voto não era secreto, havendo ainda o coronelismo e o clientelismo, que eram sustentados pelo voto de cabresto. A proteção política era dada em troca de obediência. O coronel se articulava com o governador para eleger determinado presidente.

São Paulo e Minas Gerais romperam sua aliança por conta do apoio dos mineiros ao marechal Hermes da Fonseca, que desagradava aos paulistas por ser militar. Com a máquina coronelística, Hermes venceu as eleições e se tornou presidente, governando entre 1910 e 1914. A sua administração foi conservadora e manteve a política de valorização do café. É dessa época a Política das Salvações, intervenções feitas nos estados para trocar determinados grupos oligárquicos por outros.


Os mecanismos políticos das oligarquias ajudavam a manter nos estados, por muito tempo, os mesmos grupos políticos no poder, fato que gerava insatisfação de outros grupos oligárquicos. O próprio predomínio de São Paulo e Minas Gerais na esfera federal provocava a insatisfação de outros estados, como o Rio Grande do Sul. Aos poucos, começava uma crise política que abalaria a chamada “República Velha”.

A CRISE DA PRIMEIRA REPÚBLICA (1914-1930)

Durante os anos finais do século XIX e a partir dos primeiros anos do século XX, o fato de os mesmos grupos oligárquicos ficarem no poder nos estados foi provocando um crescente desgaste no regime republicano então em vigor no Brasil. Assim, surgiram as oligarquias dissidentes, setores economicamente poderosos da sociedade brasileira que queriam mais espaço na política.

Entre 1914 e 1930, o Brasil foi governado por Venceslau Brás (1914-1918), Delfim Moreira (1918-1919), Epitácio Pessoa (1919-1922), Artur Bernardes (1922-1926) e Washington Luís (1926-1930). Aquele foi um período marcado por transformações sociais e econômicas na realidade brasileira. A expansão demográfica foi impulsionada pela imigração europeia, verificou-se ainda um processo de urbanização e de diversificação da economia. O desenvolvimento da infraestrutura se deu com o advento de ferrovias, bancos, telégrafo, jornal, rádio e da expansão da atividade comercial. No âmbito da industrialização, houve a importância do estado de São Paulo, graças aos recursos oriundos do café. Com a I Guerra Mundial as importações foram reduzidas e a produção nacional de têxteis e alimentos industrializados foi estimulada. Tudo isso levou ao desenvolvimento de uma burguesia industrial, do operariado e da classe média, setores urbanos que passariam a se chocar cada vez mais com a ordem oligárquica rural.

A burguesia industrial era formada por cafeicultores, comerciantes e imigrantes europeus enriquecidos. Já no operariado era grande a presença de imigrantes europeus. Os operários viviam sob difíceis condições de vida e de trabalho, enfrentadas por meio da criação de associações e sindicatos (não havia legislação trabalhista), que se manifestavam politicamente por meio da imprensa operária. Os trabalhadores defendiam ideias próximas do anarquismo, e organizaram a Greve Geral de 1917. Como um desdobramento da Revolução Russa de 1917, houve a fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922, além da formação do Bloco Operário e Camponês (que passou a lançar candidatos na política). Por fim, a classe média se via na situação de vítima da inflação e com pouca participação política (lembrar as fraudes nas eleições e a importância ainda grande do voto rural). Foram os jovens oficiais do exército oriundos da classe média que deram início ao movimento do Tenentismo, no qual teve um papel importante a Escola Militar do Realengo (responsável por um ensino técnico e preocupado com o advento de novas armas com a I Guerra Mundial). O exército era uma instituição abandonada pelas oligarquias rurais, havendo uma série de restrições políticas à ascensão na carreira militar. Neste cenário, os tenentistas defendiam a moralização do país, o voto secreto, a centralização política e o ensino obrigatório. Tratava-se de um movimento elitista, pois segundo a concepção dos tenentistas o presidente da república deveria ser alguém saído do referido movimento.

O GOVERNO DE ARTUR BERNARDES (1922-1926)

Nas eleições de 1922, Artur Bernardes (candidato apoiado por São Paulo e Minas Gerais) e Nilo Peçanha (candidato apoiado por Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro) disputaram a presidência da república. Após um processo eleitoral extremamente fraudulento, o mineiro Artur Bernardes saiu vitorioso. Os tenentes tentaram impedir a posse do candidato eleito (o jornal carioca Correio da Manhã tinha divulgado cartas falsas de Bernardes criticando a corrupção e a imoralidade do exército, fato que provocou um mal-estar entre o político mineiro e os jovens militares do exército) por meio da Revolta do Forte de Copacabana, em 1922.

Tal acontecimento foi um primeiro sinal de que o governo de Bernardes seria bastante agitado. Ele reeditou as Salvações de Hermes da Fonseca (intervenções principalmente em Pernambuco e na Bahia), política que gerou conflitos no país. Um exemplo foi a Revolução Gaúcha de 1923, um levante liderado por Assis Brasil (apoiado por Artur Bernardes) contra a reeleição pela quinta vez seguida de Borges de Medeiros (do Partido Republicano Rio-grandense) para o cargo de governador do Estado do Rio Grande do Sul. O conflito só foi solucionado com o Pacto de Pedras Altas, por meio do qual ficou definido que após o fim do mandato de Borges de Medeiros, ficariam proibidas as reeleições para governador naquele estado.

Já a Revolução Paulista de 1924 foi um movimento liderado pelo general Isidoro Dias Lopes. Tratou-se de um movimento de caráter elitista, que rejeitou a participação popular. Reprimidos pelo governo federal, os militares revoltosos se retiraram do estado de São Paulo. No sul, o tenente Luís Carlos Prestes organizou uma coluna e partiu ao encontro dos paulistas rebeldes.  Tenentistas paulistas e gaúchos se encontraram perto de Foz do Iguaçu em 1925, e dali a chamada Coluna Prestes iniciou uma marcha de aproximadamente 25 mil Km por onze estados do Brasil que durou dois anos, só acabando em 1927, quando Prestes partiu com seus companheiros para a Bolívia. Foi nessa época, que Prestes ficou conhecido como o “cavaleiro da esperança”.

Em meio a tais agitações, Artur Bernardes apelou para o autoritarismo, decretando o estado de sítio, restringindo a liberdade de imprensa e reformando a Constituição em 1926, fortalecendo o poder presidencial.

Do ponto de vista cultural, importante acontecimento da época foi a Semana de Arte Moderna de 1922. O evento realizado no Teatro Municipal de São Paulo foi marcado pela presença dos ideais estéticos e políticos do modernismo, com novas formas de expressão como o futurismo, por exemplo. Importantes personagens dessa época foram artistas como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Tarsila do Amaral, Emiliano Di Cavalcanti e Heitor Villa-Lobos. O chamado “movimento antropofágico” e o “verde-amarelismo” marcaram presença.

O GOVERNO DE WASHINGTON LUÍS (1926-1930)

Washington Luís foi um carioca que desenvolveu sua carreira política em São Paulo, tendo passado pelos governos da capital paulista e do Estado de São Paulo. Era um defensor da racionalização administrativa, do gerenciamento técnico-científico e do estímulo à historiografia, à museologia, às ciências sociais, à realização de estatísticas e de censos, ao esporte e à cultura. De fato, foi ele quem liberou o Teatro Municipal para a realização da Semana de Arte Moderna.

Como presidente da república, Washington Luís decretou o fim do estado de sítio, fechou prisões destinadas a presos políticos, restabeleceu e depois voltou a acabar com a liberdade de imprensa (a Lei Celerada de 1929 visava o combate a comunistas). Fomentou a construção de rodovias e quis reformar o sistema financeiro do país, mas a Crise de 1929 atrapalhou seus planos, com a queda nos preços do café. Com a grave crise, Washington Luís se recusou a ajudar os cafeicultores, o que desgastou sua imagem junto àquele grupo.

Washington Luís indicou o nome de Júlio Prestes, político paulista, como candidato a presidente da república nas eleições de 1930, o que desagradou as oligarquias mineiras. Formou-se então a Aliança Liberal, que fez oposição à candidatura de Júlio Prestes. Os mineiros pediram apoio aos gaúchos, oferecendo-lhes a vaga de candidato a presidente, que acabou sendo destinada a Getúlio Vargas. Os mineiros ofereceram ainda a vaga de candidato a vice para a Paraíba, que ficou com o político João Pessoa.

A Aliança Liberal atraiu o eleitorado urbano, setores da burguesia, do proletariado, das camadas médias e dos tenentes. O Partido Democrático, fundado em 1926, legenda que defendia o voto secreto, também apoiou a Aliança. A Aliança Liberal também buscou o apoio do líder tenentista Luís Carlos Prestes à candidatura de Getúlio Vargas, contudo, Prestes já estava aderindo ao comunismo por meio do contato com comunistas argentinos e uruguaios, e acabou repudiando a candidatura de Vargas em um manifesto datado de maio de 1930, no qual explicou a sua adesão ao marxismo.

As eleições foram vencidas por Júlio Prestes e, inicialmente, as oligarquias mineira, gaúcha e paraibana aceitaram o resultado. Todavia, jovens políticos mineiros e gaúchos, além dos tenentistas (agora sem Luís Carlos Prestes) começaram a falar em revolução. No dia 26 de julho de 1930, João Pessoa foi assassinado na Paraíba, o que gerou grande comoção popular. O político mineiro Antônio Carlos teria dito: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”. Desenrolou-se então aquilo que ficaria conhecido como Revolução de 1930, quando a velha-guarda e a jovem-guarda das oligarquias dissidentes uniram-se aos tenentes. Com intensos combates ocorrendo no país, Washington Luís foi deposto antes da posse de Júlio Prestes. Getúlio Vargas foi empossado como presidente da república.

O novo governo não era formado, como os anteriores, por uma única categoria socioeconômica (como os escravocratas do Império ou os cafeicultores dos primeiros anos da República), mas por grupos diferentes: as oligarquias dissidentes, os setores urbanos e os tenentistas. Assim, Getúlio Vargas deveria encontrar uma forma de manter tal aliança em seu governo.