Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

domingo, 1 de fevereiro de 2015

[Seção dos Alunos]: Revoltas no início do período republicano no Brasil

O texto abaixo foi produzido pela aluna Dayana Alves, do 2° Ano B (2014). Nele, a autora apresenta informações acerca de algumas revoltas que ocorreram no Brasil durante o início do período republicano, entre o fim do século XIX e o início do século XX. A aluna autorizou a publicação do texto neste espaço.

GUERRA DE CANUDOS

A Guerra de Canudos ocorreu no interior da Bahia e durou de 1896 a 1897, período entre a queda da Monarquia e a instalação do regime republicano no Brasil. O então Presidente da República era Prudente de Morais.

A população do nordeste brasileiro vivia em uma situação precária, a região era caracterizada por latifúndios improdutivos que pertenciam aos coronéis. O clima seco castigava a região, danificando o plantio de alimentos, secando os diques (açudes) e matando os animais que não resistiam à falta de água. Os sertanejos também tentavam sobreviver, mas a cada ano muitos morriam de fome e sede, a maneira tão desumana de viver estimulava o surgimento de agitações sociais.

Dessa forma, os sertanejos tinham alternativas, como a emigração, o banditismo que transformava os camponeses em “malfeitores”, fortemente armados, apavorando as populações locais e invadindo as propriedades dos coronéis, e o misticismo religioso, com a promessa da salvação eterna.
Com essa situação, muitos sertanejos se uniram em torno de Antônio Conselheiro, o qual  se auto-intitulava um emissário de Deus vindo para abolir as desigualdades sociais e as perversidades da República. Ele fazia pregações e dava assistência à população pobre do nordeste. As pessoas acreditavam que ele era um mestre divino, que praticava até milagres.

Assim, Antônio Conselheiro fundou o vilarejo de Canudos e os sertanejos e suas famílias passaram a migrar para lá. Entre outros tantos devotos, ele propagava a salvação da alma e o povo tinha fé que seu Messias os ajudaria a sair daquela situação precária, desse modo a Igreja começou a perder seus fiéis para Antônio Conselheiro. No ano de 1896, o arraial contava com mais ou menos 20 mil sertanejos que repartiam tudo entre si, negociando o excesso com as cidades vizinhas, adquirindo assim os bens e produtos que não eram gerados no vilarejo.

A pintura representa a Comunidade de Canudos, antes dos conflitos.

Os habitantes de Canudos precisavam se prevenir e decidiram então organizar milícias armadas, pois era esperada uma reação contrária da parte dos coronéis e da Igreja Católica. Enquanto a Igreja perdia seus fiéis, os coronéis sentiam-se prejudicados com o constante deslocamento de mão-de-obra para Canudos. A população abandonou a sociedade republicana convencional e partiu na direção da nova sociedade que surgia, mesmo sem nenhuma garantia. Os padres e coronéis pressionaram o governador da Bahia a tomar providências urgentes, eles queriam que o governo desse um fim a Canudos. Os jornalistas e intelectuais também eram contra os moradores do arraial, pois entendiam que os mesmos eram monarquistas e pretendiam derrubar o governo republicano, instalado em 1889, o que era totalmente fora de propósito.

Foram instituídas três expedições militares e, para a surpresa das tropas republicanas, foram todas vencidas pelos seguidores de Antônio Conselheiro. Por causa da tamanha dificuldade, o Governo Federal assumiu o comando. A quarta expedição foi organizada pelo então ministro da Guerra, Carlos Bittencourt, o qual recrutou cerca de 10 mil homens que, comandados pelo general Artur Costa, apoderaram-se de Canudos, incendiaram o arraial e mataram grande parte da população, um verdadeiro massacre no qual muita gente inocente morreu, principalmente idosos e crianças, que só buscavam uma melhor qualidade de vida.

A imagem mostra a população de Canudos presa durante os últimos dias de guerra.

A Comunidade de Canudos foi arrasada no dia 05 de outubro de 1897, entrando para a história como o cenário de um dos mais intensos massacres já presenciados na história do Brasil. Antônio Conselheiro, com a saúde fragilizada, morreu dias antes do último combate.

Foto tirada por Flávio de Barros em 1897 mostra  Antônio Conselheiro morto.

Mesmo com a vitória sobre Canudos, os fracassos sucessivos fizeram com que a posição política do exército ficasse abalada.

REVOLTA DA VACINA

No início do século XX, o Brasil tinha como capital a cidade do Rio de Janeiro, que crescia desordenadamente. Como não havia planejamento, era muito comum a existência de cortiços, casebres e favelas, onde rede de esgoto, coleta de lixo, saneamento básico eram extremamente precários, quando não eram inexistentes. Devido a esses fatores, muitas doenças atingiam a população, entre elas a febre amarela, peste bubônica, tifo, tuberculose, a varíola, entre outras, que provocavam uma imagem negativa da cidade no exterior. Os navios estrangeiros anunciavam que não parariam no porto carioca e os imigrantes recém-chegados da Europa morriam às dezenas de doenças infecciosas.

Vendo a situação piorar cada dia mais, Rodrigues Alves disse pouco antes de tomar posse do cargo de Presidente da República: "Meu programa de governo vai ser muito simples. Vou limitar-me quase exclusivamente ao saneamento e melhoramento do porto do Rio de Janeiro". Assim, instituiu como meta governamental o saneamento e a reurbanização da capital da República. Para assumir a frente das reformas nomeou Francisco Pereira Passos para o governo municipal. Este, por sua vez, chamou os engenheiros Francisco Bicalho para a reforma do porto e Paulo de Frontin para as reformas no Centro. Rodrigues Alves nomeou ainda o médico Oswaldo Cruz como diretor geral do Departamento Federal de Saúde Pública (DGSP) do governo federal, cargo equivalente ao de ministro da Saúde atualmente. Este ficou responsável pelo saneamento da cidade.

A reforma incluía a derrubada das favelas, casarões e cortiços, trazendo como consequência o despejo dos moradores que acabaram indo para a periferia da capital, formando e desenvolvendo as favelas nos morros cariocas e o crescimento demográfico nas regiões periféricas. O movimento ficou popularmente conhecido como o "bota-abaixo". O governo pretendia ter espaço para grandes e modernas avenidas com prédios de vários andares, além do alargamento de ruas.

Ao mesmo tempo que ocorria o processo de modernização da cidade, iniciava-se o programa de saneamento do biólogo e sanitarista Oswaldo Cruz. Ele encaminhou ao Congresso Nacional, no dia 31 de outubro de 1904, uma proposta de lei sobre a obrigatoriedade da vacinação, a chamada Lei da Vacina Obrigatória que permitia que brigadas sanitárias, acompanhadas por policiais, entrassem nas casas para aplicar a vacina à força.

Para combater a peste, ele criou brigadas sanitárias que cruzavam a cidade espalhando raticidas, mandando remover o lixo e até comprando ratos de quem se dispusesse a caçá-los. Em seguida, o alvo foram os mosquitos transmissores da febre amarela, o sanitarista recrutou mais de 1500 pessoas. Com a criação das Brigadas Mata-Mosquitos, que eram formadas por grupos de funcionários do serviço sanitário que, com a ajuda de policiais, invadiam casas e vacinavam as pessoas à força, além de exterminarem os mosquitos. Essas medidas causaram revolta na população e, para combater a varíola, foi instituída a vacinação obrigatória.  A população, humilhada pelo poder público autoritário e violento, não acreditava na eficácia da vacina e a falta de informação tornou a situação um caos. As pessoas naquela época eram mais recatadas e, com a falta de explicação sobre o assunto, elas rejeitavam a exposição das partes do corpo a agentes sanitários do governo, para a aplicação da vacina, considerando isto uma falta de respeito.

A charge capa da revista "O Malho", de 1904, ilustra a revolta da população contra Oswaldo Cruz, o personagem de bigode ao centro, montado em uma seringa.

A vacinação obrigatória foi o a gota d'água para que o povo, que já estava profundamente insatisfeito com o “bota-abaixo”, se revoltasse. A recém reconstruída cidade do Rio de Janeiro virou uma praça de guerra, onde carroças, bondes, trens e postes de iluminação foram destruídos, lojas saqueadas, policiais atacados, etc.

Bonde virado na Praça da República. Acervo Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz.

"Tiros, gritaria, engarrafamento de trânsito, comércio fechado, transporte público assaltado e queimado, lampiões quebrados às pedradas, destruição de fachadas dos edifícios públicos e privados, árvores derrubadas: o povo do Rio de Janeiro se revolta contra o projeto de vacinação obrigatório proposto pelo sanitarista Oswaldo Cruz" (Gazeta de Notícias, 14 de novembro de 1904).

Mais tarde, os cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha também se voltaram contra a lei da vacina. A revolta popular fez com que o governo suspendesse a lei, não sendo mais obrigatória. Durante quase uma semana, de 10 a 16 de novembro de 1904,  a população enfrentou as forças da polícia e do exército até ser reprimida com violência. O movimento deixou dezenas de mortos e feridos. Centenas de participantes do motim foram deportados para o Acre. Após reassumir o controle da situação, o processo de vacinação foi reiniciado.

Mesmo sofrendo resistência da população, o modelo empregado obteve resultados importantes no controle das doenças epidêmicas,  melhorando a situação sanitária e de higiene na cidade do Rio de Janeiro e conseguindo, inclusive, erradicar a febre amarela e a varíola.


REVOLTA DA CHIBATA

A Revolta da Chibata foi um importante movimento social que começou no dia 22 de novembro de 1910, na cidade do Rio de Janeiro.

No início do século XX, a Marinha Brasileira era composta por muitos mulatos e negros, escravos libertos ou filhos de ex-escravos, e  as regras eram muito rígidas. Os marinheiros eram submetidos a uma árdua rotina de trabalho com uma remuneração baixíssima e as condições de alojamento e alimentação eram péssimas. Além disso, os membros de baixa patente recebiam severos castigos físicos toda vez que não cumpriam uma ordem estabelecida. O rebaixamento de salário, o cativeiro em prisão solitária por um período de três a seis dias, a pão e água, para faltas leves ou reincidentes, e as 25 chibatadas para faltas graves eram penas recebidas pelos marinheiros. Apesar de a prática ser proibida desde o fim do Império.

Esse contexto revoltava centenas de marujos que durante os anos de 1908 e 1909 passaram a se organizar, buscando, sem sucesso, negociar melhorias trabalhistas com o governo. No dia 21 de novembro, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes, acusado de embarcar com uma garrafa de cachaça  e, em seguida, ter ferido com uma navalha o cabo que o delatou, foi violentamente punido não com 25, mas com 250 chibatadas, na presença de todos os tripulantes.

O castigo exagerado do marujo levou ao início da revolta, no dia 22 de novembro, com a participação de cerca de 2.300 marinheiros, sob o comando do marujo negro e analfabeto João Cândido Felisberto. Os marinheiros dos couraçados Minas Gerais e São Paulo organizaram um protesto. Eles tomaram o controle das embarcações e do cruzador-ligeiro Bahia e do antigo encouraçado Deodoro.

Marinheiros revoltosos a bordo do couraçado São Paulo.

Couraçado Minas Gerais.

Marinheiros no comando do encouraçado Bahia.

Enviaram uma carta ao presidente exigindo que os castigos fossem abolidos, com destaque para a extinção das chibatadas, que os salários fossem incrementados e uma folga semanal concedida a todos os marinheiros. Se não tivessem seu pedido imediatamente atendido, ameaçavam bombardear a capital.

Mediante a gravidade da situação, o governo cedeu às pressões dos marujos. Em poucos instantes, em 27 de novembro de 1910, o Congresso votou uma lei em que o castigo físico era abolido e todos os envolvidos na revolta não sofreriam qualquer tipo de punição. Porém, o presidente da República Marechal Hermes da Fonseca descumpriu suas próprias determinações, quando assinou o decreto n. 8.400 que permitia a exclusão da Marinha de qualquer marujo cuja presença fosse julgada inconveniente por seus superiores. Cerca de 1.200 homens foram expulsos da Marinha, centenas foram presos e outros 30 foram assassinados. As prisões do Batalhão Naval, localizado na Ilha das Cobras, na baía de Guanabara, estavam lotadas e, em 9 de dezembro, uma nova rebelião foi iniciada. O governo reprimiu severamente a insurreição e usou a situação para suspender a anistia oficialmente anunciada semanas antes. João Cândido então foi preso, acusado de liderar a recente rebelião.

João Cândido preso na Ilha das Cobras.

Na noite de 24 de dezembro, 31 marinheiros foram trancados em duas pequenas celas repletas de cal. No dia 26, quando os funcionários do cárcere voltaram ao trabalho, apenas dois marujos sobreviviam: João Cândido e João Avelino Lira. Bastante traumatizado e tendo alucinações, João Cândido foi levado ao Hospital Nacional dos Alienados, onde permaneceu internado por três meses. Depois de recuperado, foi levado de volta à prisão na Ilha das Cobras, cumprindo pena até 30 de dezembro de 1912. Ele foi julgado e considerado inocente.

Impedido de retornar à Marinha, João Cândido trabalhou em embarcações particulares, sendo constantemente demitido por pressão da Marinha sobre seus patrões. Passou a ganhar a vida como pescador e comerciante de peixes. Morreu em 1969, aos 89 anos, vítima de um câncer de pulmão. Historicamente, ficou conhecido como o Almirante Negro, aquele que aboliu o uso da chibata na Marinha brasileira.

Em 1977, Aldir Blanc e João Bosco homenagearam o líder da Revolta da Chibata compondo o samba "Mestre-sala dos Mares", interpretado por Elis Regina. Em 2008, o presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a lei federal de número 11.756, concedendo a anistia póstuma a João Cândido e a outros marinheiros que participaram da revolta. No entanto, a indenização aos descendentes dos marujos foi vetada pelo presidente da República.
(Crédito das Imagens: Revista "A Illustração Brazileira")


GUERRA DO CONTESTADO

A Guerra do Contestado ocorreu entre 1912 e 1916, em uma região povoada por sertanejos, entre as fronteiras do Paraná e Santa Catarina. Esta região recebeu o nome de Contestado devido ao fato de que os agricultores contestaram a doação de terras que o governo brasileiro fez a empresas multinacionais.

Ao longo do tempo, a região do Contestado foi alvo de muitos episódios de disputas política e econômica, em razão da  presença de uma rica floresta com pinheiros e imbuias e uma grande região dedicada à plantação de erva-mate. As pessoas que viviam nessa região eram muito pobres, oprimidas, que não possuíam terras e também sofriam com a escassez de alimentos. Eles subsistiam sob a opressão dos grandes fazendeiros. A construção de uma estrada de ferro interligando os estados de São Paulo e Rio Grande do Sul agravou o problema social. A estrada estava sendo construída pela empresa norte-americana Brazil Railway Company, com o apoio dos coronéis. Para que a obra fosse realizada a empresa comprou uma extensa área para construção desta estrada, onde diversas famílias já estavam instaladas. Assim, milhares de famílias de camponeses perderam suas terras. E a companhia atraiu a mão-de-obra de mais de 8 mil operários que participaram da gigantesca obra.

Depois de realizar a construção, a Brazil Railway adquiriu uma outra área com mais de 180 mil hectares onde realizaria exploração madeireira, que também resultou na expulsão forçada de outros tantos pequenos agricultores que também estavam fixados naquela região. Muitos trabalhadores que atuaram na  construção tinham sido trazidos de diversas partes do Brasil e ficaram desempregados com o fim da obra. Eles permaneceram na região sem qualquer apoio por parte da empresa norte-americana ou do governo.

Desse modo, os sertanejos encontravam nas lideranças religiosas o apoio que precisavam. Diante da crise e insatisfação popular, ganhou força a figura do beato José Maria. Este, uniu-se aos sertanejos revoltados e pregava a criação de um mundo novo, regido pelas leis de Deus, onde todos viveriam em paz, com prosperidade, justiça e terras para trabalhar. José Maria conseguiu reunir milhares de seguidores, principalmente camponeses sem terras e houve a fundação da comunidade de Quadrado Santo, onde eles viviam da agricultura subsistente e do furto de gado. José Maria era visto pelos seus seguidores como uma alma boa que surgira para restabelecer a saúde dos adoentados e desprovidos. O costume do monge de anotar as qualidades curativas das plantas que achava nas redondezas o ajudou a construir no lote de um dos administradores uma botica, para melhorar a assistência de quem o procurasse.

Os governos estadual e federal não viram o trabalho de José Maria como algo positivo, e ele passou a representar um risco para a ordem e segurança da região. Assim, passaram a enviar expedições militares contra a população de Quadrado Santo. Ao saberem da ação do governo, os sertanejos fugiram para a cidade de Faxinal do Irani, no Paraná.

Após essa fuga, ainda no ano de 1912, uma nova expedição militar foi mandada para entrar em confronto com os seguidores do beato. Durante os conflitos, as tropas federais foram derrotadas, entretanto, José Maria acabou morrendo. Os sertanejos, inconformados com a morte de seu líder começaram a reorganizar a comunidade de Quadrado Santo. No final do ano seguinte, uma nova luta foi travada com os militares e, mais uma vez, a comunidade do Contestado venceu as autoridades republicanas.

População da comunidade de Quadrado Santo durante uma missa.

Em 1914, o governo mais uma vez foi neutralizado com a fuga em massa dos moradores do Contestado. No ano seguinte, outros confrontos seriam marcados com sucessivas derrotas do Exército. O já prolongado conflito só veio a ter um fim quando as tropas do governo foram mantidas por mais de um ano em confrontos regulares contra a comunidade revoltosa. Para tanto, utilizaram soldados equipados com fuzis, metralhadoras, canhões e aviões.

Na Guerra do Contestado houve a inauguração do uso do avião em combates no Brasil. FOTO: CELSO JÚNIOR/REPRODUÇÃO.

No fim da luta, em 1916, milhares de sertanejos foram brutalmente executados e houve a capitulação dos revoltosos, que resistiram bravamente antes de se dar por vencidos.

Exército controlando os revoltosos capturados no final da guerra.


MOVIMENTO OPERÁRIO (Greve Geral de 1917, anarquismo e comunismo no Brasil do início do século XX)

Em 1900, no Brasil havia em torno de 55 mil operários. As primeiras indústrias surgiram no final do século XIX e a classe operária era composta em sua maioria por imigrantes europeus fortemente influenciados pelos princípios anarquistas e comunistas. Assim, eles convocavam os trabalhadores das fábricas a se unirem em associações que, futuramente, seriam determinantes no surgimento dos primeiros sindicatos. Em 1901 teve início um longo período de ascensão da classe operária, traduzida em um grande crescimento das greves que vai durar até 1908.

O movimento operário brasileiro se fortaleceu entre 1917 e 1920, quando as principais cidades brasileiras sofreram as consequências das greves. Uma das mais importantes foi a Greve Geral de 1917 em São Paulo, que representou toda a insatisfação acumulada dos trabalhadores nas primeiras décadas da república brasileira, guiados inicialmente pela ideologia anarquista, mostraram-se capazes de se organizarem em prol das suas vontades.

Greve Geral de 1917.

Em decorrência da Primeira Guerra Mundial,  o país exportou grande parte dos alimentos produzidos. A partir de 1915, a ocorrência dessas exportações afetou o abastecimento interno de alimentos, causando preços elevados da pequena quantidade de produtos que havia no mercado. Embora o salário subisse, o custo de vida aumentava desproporcionalmente, deixando os trabalhadores em más condições para sustentar suas famílias e fazendo com que as crianças precisassem trabalhar para complementar as rendas de casa. Assim, a greve se espalhou em todo o país enquanto o governo aplicava medidas que envolviam prisões, torturas e expulsão dos estrangeiros do Brasil.

Em meio a uma manifestação no dia 9 de julho, as medidas aplicadas pela polícia acabaram causando a morte de José Martinez, um anarquista espanhol. A indignação provocada por sua morte fez com que o velório do jovem fosse acompanhado por uma multidão e ampliasse o movimento dos trabalhadores.

Funeral de José Martinez no cemitério do Araçá.

Cerca de  70 mil trabalhadores entraram em greve, exigindo, de um modo geral, melhores condições de trabalho e aumentos salariais. A greve durou uma semana e foi duramente reprimida pelo governo paulista. Finalmente chegou-se a um acordo que garantiu 20% de aumento para os trabalhadores.

Foi organizado o Comitê de Defesa Proletária para defender a greve, tendo Edgard Leuenroth como um de seus principais líderes. O Comitê, juntamente com ligas e corporações operárias, apresentou no dia 11 de julho suas reivindicações: liberdade aos presos em decorrência da greve; direito de associações para os trabalhadores; que os trabalhadores não fossem demitidos por envolvimento com a greve; abolição do trabalho para menores de 14 anos; fim do trabalho noturno para os menores de 18 anos; abolição do trabalho noturno feminino; aumento entre 25% e 35% nos salários; pagamento dos salários a cada 15 dias; garantia de trabalho permanente; jornada de oito horas e semana inglesa, aumento de 50% em todo trabalho extraordinário.

(A expressão semana inglesa se refere à jornada de trabalho de oito horas diárias de segunda a sexta-feira mais quatro horas pela manhã do dia de sábado, havendo, portanto, descanso no período da tarde de sábado e de todo o dia de domingo, totalizando 44 horas semanais de trabalho.)

Desesperados, os patrões concederam o aumento imediato aos seus funcionários e se comprometeram a pensar nas demais exigências. Os patrões passaram a ter que levar em consideração a decisão dos empregados, o que consagrou a grande vitória do movimento grevista. Mesmo assim, alguns movimentos permaneceram espalhados pelo Brasil até 1919.

Até a Greve de 1917, a ideologia anarquista dominava o pensamento dos trabalhadores no Brasil. O movimento foi importante também porque a partir dele ganhou força a ideologia socialista, havendo também o amadurecimento do movimento sindical. Logo após a greve, em 1921, foi criado o Centro Comunista do Rio de Janeiro que deu as bases para a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB) em 1922.

Ao contrário dos anarquistas, que viam o Estado como um mal em si, os comunistas o viam como um espaço a ser ocupado e transformado. Essas concepções os levaram a buscar aliados e a participar da vida parlamentar do país. Uma liderança que os comunistas tentaram atrair em 1927 foi Luís Carlos Prestes, que naquele ano se exilou na Bolívia. Através do Bloco Operário Camponês (BOC), sua face legal, o PCB elegeu dois vereadores para a Câmara Municipal carioca em 1928: o operário Minervino de Oliveira e o intelectual Otávio Brandão.


TENENTISMO

O tenentismo foi um movimento social que se fortaleceu entre  militares de média e baixa patente do Exército Brasileiro, durante os últimos anos da República Velha nas décadas de 1920 e 1930, período conhecido como República das Oligarquias. Este movimento contestava a ação política e social dos governos representantes das oligarquias cafeeiras (coronelismo). Embora fossem conservadores e autoritários, os tenentes defendiam reformas políticas e sociais, mostravam-se favoráveis às tendências políticas republicanas liberais. Queriam a moralidade política no país e combatiam a corrupção.

O movimento tenentista defendia o fim do voto de cabresto, um sistema de votação baseado em violência e fraudes que só beneficiava os coronéis; a reforma no sistema educacional público do país e a mudança no sistema de voto aberto para secreto. 
Os tenentistas chegaram a promover revoltas como,  a revolta dos 18 do Forte de Copacabana. Nesta revolta, ocorrida em 5 de julho de 1922, aproveitando a separação de algumas oligarquias estaduais, os tenentes apoiaram a candidatura de Nilo Peçanha em oposição ao mineiro Arthur Bernardes, politicamente comprometido com os grandes cafeicultores. Nesse momento, a falta de unidade política dos militares acabou enfraquecendo essa primeira manifestação conhecida como “Reação Republicana”.

Durante essas eleições, a tensão entre os militares e o governo aumentou quando diversas críticas contras os militares, falsamente atribuídas a Arthur Bernardes, foram parar nos jornais da época. Com a vitória eleitoral das oligarquias, a primeira manifestação tenentista veio à tona com uma série de levantes militares. 
Nos dois anos seguintes, duas novas revoltas militares, uma no Rio Grande do Sul (1923) e outra em São Paulo (1924), mostraram que a presença dos tenentistas no cenário político continuava.

Revolta paulista em 1924.

Após terem suas pretensões reprimidas pelas forças fiéis ao governo, esses dois grupos se juntaram para a formação de uma guerrilha conhecida como Coluna Prestes. Entre 1925 e 1927, esse grupo composto por civis e militares armados entrecortou mais de 24 mil quilômetros sob a liderança de Luís Carlos Prestes.

O movimento tenentista perdeu força após a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Ele conseguiu dividir o movimento, sendo que importantes nomes do tenentismo passaram a atuar como interventores federais. Outros continuaram no movimento, fazendo parte, principalmente, da Coluna Prestes.

A falta de apelo entre os setores mais populares e as intensas perseguições e cercos promovidos pelo governo acabaram enfraquecendo esse movimento. Luís Carlos Prestes, percebendo a ausência de um conteúdo ideológico mais consistente à causa militar, resolveu aproximar-se das concepções políticas do Partido Comunista do Brasil. Em 1931, o líder da Coluna mudou-se para a União Soviética, voltando para o país somente quatro anos mais tarde.

[Seção dos Alunos]: Um telejornal sobre o Tenentismo

A Seção dos Alunos é um espaço deste blog destinado a exibir alguns dos trabalhos feitos pelos estudantes da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia - MG) na disciplina de História, ministrada pelo professor Rodrigo Francisco Dias.

Nesta postagem, exibimos um vídeo em formato de telejornal que foi produzido pelos alunos do 2° Ano B (2014), que o apresentaram como um trabalho escolar sobre o Tenentismo. Além do vídeo, há também um pequeno texto de autoria dos alunos que complementa o telejornal. Os estudantes Rafaela Santos, Alisson Paulineli, Laís Furlan, Jordana Gomide, Luan Silva, Lauanny Peixoto e Kamilla Carvalho autorizaram a exibição do vídeo e do texto abaixo:



Consequências do Tenentismo: 
O movimento tenentista não conseguiu produzir resultados imediatos na estrutura política do país, já que nenhuma de suas tentativas teve sucesso, mas conseguiu manter viva a revolta contra o poder das oligarquias, representada na Política do Café com Leite. No entanto, o Tenentismo preparou o caminho para a Revolução de 1930, que alterou definitivamente as estruturas de poder no país. O Tenentismo passou a participar da Aliança Liberal em 1930 com exceção de Luís Carlos Prestes. A Aliança Liberal era formada pelos presidentes de Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. A Aliança pregava a justiça trabalhista, o voto secreto e o voto feminino. Em 1945, o Tenentismo Anti-Getulista consegue depor o ditador Getúlio Vargas e lança a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes.

[Seção dos Alunos]: Revolta da Vacina inspira paródia!

A música pode ser usada como um interessante recurso didático no Ensino de História. Para além do uso de músicas em sala de aula como documentos históricos a serem interpretados pelos alunos, é muito rico o exercício de estimular os estudantes a criarem canções que tenham como tema uma parte do conteúdo visto durante o ano letivo. Ao elaborarem a letra da música e ao cantarem a mesma, os alunos acabam aprendendo a matéria de uma maneira divertida e mais interessante, uma vez que é preciso pesquisa para escrever a letra. 

Vejam abaixo uma paródia que foi feita por alguns alunos do 2° Ano B (2014). Os estudantes parodiaram a música Show das Poderosas, da cantora Anitta, para falar da Revolta da Vacina:


Letra:

Prepara, que agora é hora 
Da vacinação
Querendo ou não 
Faz parte da missão 
De urbanização
Combate às doenças
Varíola aqui não, injeção!

Prepara 
A vacina foi imposta por Oswaldo Cruz
Escolhido por Rodrigues Alves presidente
O exército era pesado e colocou pressão
Ameaçam coisas do tipo você, vai...
Ter que vacinar agora mesmo
Não importa sexo ou idade
Nada a ver a liberdade 
É progresso da cidade
Rio de Janeiro está crescendo 
Obras se tornaram necessárias
Reconstrói o porto agora
E os cortiços vão embora

Vão embora...
Vão embora...


Nota: Os alunos João Pedro Costa, Débora Morais, Jéssica Fernandes, Júlia Duarte, Mariane Melo e Talyta Paula autorizaram a exibição do vídeo neste espaço do Blog.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Espanhóis e Ingleses na América

A CONQUISTA ESPANHOLA

O início da ocupação espanhola dos territórios na América ocorreu pelas ilhas de Guanaani (San Salvador), mas como o ouro encontrado nesses locais era pouco para a ambição dos colonizadores, iniciou-se em seguida o processo de ocupação do continente. Oitenta anos após a chegada ao Novo Mundo, os espanhóis já dominavam um extenso território que ia do norte do México até a Argentina, incluindo a Venezuela e a Colômbia a leste.

Hernán Cortez chegou ao México em 1519 com 508 soldados, 16 cavalos e 14 canhões. Os primeiros contatos com os astecas foram amistosos, e Montezuma II – o líder asteca – até o recebeu com presentes e o tratou com respeito. Todavia, Cortez aliou-se aos povos inimigos dos astecas e, em 1521, após 75 dias de conflitos, os astecas renderam-se à dominação espanhola.

O fato de os espanhóis terem encontrado bastante ouro em território asteca animou o envio de expedições à América do Sul. Francisco Pizarro partiu do Panamá e chegou à cidade inca de Tumbez, em 1532. Dali, partiu com os seus homens para Cajamarca, onde aprisionou Atahualpa, o imperador inca. Os espanhóis exigiram um resgate em ouro para libertarem o soberano inca, mas, mesmo após receberem o pagamento, assassinaram Atahualpa, que era considerado um ser semidivino e intocável pelo seu povo. Na luta contra os incas, Pizarro estabeleceu alianças com alguns povos da região, como os Wanka, um povo guerreiro que habitava o sul do atual Peru e que ajudou os espanhóis na conquista da cidade inca de Cuzco, em 1533. Dois anos depois, Pizarro fundou a Ciudad de los Reyes, atual cidade de Lima, que veio a ser a capital do novo domínio espanhol.

As centenas de homens que desembarcaram na América sob o comando de Cortez e Pizarro derrotaram os milhares de povos indígenas por causa de alguns fatores: a) a superioridade bélica, particularmente em decorrência do uso da pólvora, de canhões, de arcabuzes (similares aos atuais fuzis), de espadas cortantes, de armaduras de ferro que protegiam o corpo (muito úteis contra as flechas indígenas) e de cavalos (que até então eram desconhecidos dos índios); b) os vírus e as bactérias trazidos pelos espanhóis, que disseminaram muitas doenças entre a população nativa, tais como pneumonia, febre amarela, sarampo, varíola, gripe, etc.; c) o conhecimento adquirido pelos espanhóis a respeito dos povos da América, pois os espanhóis procuravam se informar ao máximo sobre as desavenças entre aqueles povos, estimulando as guerras entre eles e subjugando, após a guerra, até mesmo os seus aliados; d) os espanhóis não tinham escrúpulos em mentir, chantagear e fazer massacres, ao contrário dos índios, que viviam sob muitas regras, entre as quais uma que proibia o líder indígena de mentir (Atahualpa, por exemplo, estranhou o fato de continuar preso após o pagamento do resgate por sua liberdade); e) os povos indígenas tiveram que enfrentar bruscas mudanças na alimentação, no ritmo de trabalho e no modo de vida a partir das imposições culturais – idioma, religião, leis, práticas políticas e econômicas – colocadas pelos colonizadores espanhóis.

A ECONOMIA DA AMÉRICA ESPANHOLA

A colonização da América espanhola envolveu interesses públicos e privados de nobres sem fortuna, comerciantes, aventureiros e dos reis espanhóis, no âmbito do mercantilismo. Em decorrência do metalismo e da existência de muitos metais preciosos no continente, a principal atividade econômica da América espanhola era a mineração – notadamente a de ouro e a de prata –, que provocou efeitos multiplicadores sobre outras atividades, como a agricultura, a pecuária, a manufatura e o comércio.

Foi na ilha de Hispaniola (atuais Haiti e República Dominicana), que os espanhóis iniciaram a extração de metais preciosos na América, porém, o ouro de aluvião encontrado ali esgotou-se rapidamente. A mineração só se tornou um setor mais dinâmico da economia colonial a partir de 1545, quando foram descobertas minas de prata em Potosí (atual Bolívia) e em Zacatecas (atual México). Como o subsolo da América era considerado propriedade da Espanha, os mineradores obtinham apenas a concessão da exploração. Em decorrência dos altos custos exigidos na perfuração e no beneficiamento do minério, o número de mineradores era reduzido, o que facilitava o controle sobre a atividade.

Os espanhóis organizaram o trabalho forçado dos indígenas de duas formas: a "mita" e a “encomienda”. A mita era um hábito inca que foi adaptado pelos espanhóis. Os índios tinham a obrigação de trabalhar 4 meses por ano em troca de baixos salários, que eram em parte pagos em moeda (metal) e em parte pagos em alimentos, tecidos e bebidas. Por sua vez, a encomienda era o direito que um colono espanhol tinha de exigir do índio trabalho forçado ou tributos em gênero durante certo período. Tal privilégio passou a ser hereditário com o tempo e, em troca desse direito, o “encomendero” devia pagar tributos à metrópole e dar aos índios assistência material e religiosa, cristianizando-os. Na prática, porém, muitos índios morriam de fome e sem ter aprendido uma oração cristã sequer.

A agropecuária era outra atividade importante na América espanhola. A hacienda – fazenda – era a unidade produtora básica nos campos coloniais, voltada para a policultura (milho, feijão, abóbora, batata e cacau) e a criação de gado. A produção era destinada ao mercado local, regional, intercolonial ou à exportação para a Espanha. Os trabalhadores dessas fazendas eram obrigados a comprar no armazém da propriedade (tienda de raya) tudo o que precisavam, como roupas, calçados e alimentos, tornando-se assim prisioneiros por dívida naquele lugar. Exigindo pouco capital para o seu funcionamento, a fazenda se inseria nos circuitos mercantis que abrangiam grandes áreas da América espanhola. As minas situadas no México e em Potosí eram abastecidas pelos produtos oriundos das fazendas hispano-americanas, por exemplo. Foi com o declínio da mineração no século XVIII que a agropecuária se desenvolveu ainda mais, e as regiões dedicadas a esse setor da economia tornaram-se mais dependentes das exportações para a Europa.

Em alguns pontos da América espanhola também desenvolveu-se a plantation, ou seja, a grande propriedade rural monocultora baseada principalmente no trabalho escravo e cuja produção era voltada para o mercado externo. A plantation foi comum em áreas como Santo Domingo e Cuba (açúcar, tabaco) e Venezuela (cacau).

Como os preços dos fretes marítimos eram elevados e os transportes terrestres eram ineficientes, o artesanato e a manufatura – chamada de obraje – foram estimulados na América espanhola. As principais obrajes produziam tecidos de lã (cobertores, ponchos, xales) e eram instaladas próximas a mercados consumidores, como Quito, que vendia às minas de Nova Granada (Colômbia) e Tucumán (noroeste da atual Argentina), que vendia seus tecidos a Potosí. O artesanato era praticado por trabalhadores reunidos em corporações de ofício e por artesãos independentes. Algumas corporações, como a dos tecelões e ferreiros, que tinham maior prestígio, só admitiam brancos ou mestiços. Já ramos menos valorizados socialmente, como o dos pedreiros ou dos carpinteiros, admitiam índios e negros.

A Casa de Contratação controlava o comércio entre a América espanhola e a Espanha por meio do sistema de portos únicos. Na América, os únicos portos autorizados a fazer comércio com a Espanha eram os de Havana (Cuba), Vera Cruz (México), Cartagena (Colômbia) e Porto Belo (Panamá). Na Espanha, os navios que faziam a rota entre a metrópole e as colônias na América só podiam entrar e sair do território espanhol, inicialmente, pelo porto de Sevilha e, depois, pelo de Cádiz. O comércio colonial era comandado pelo sistema de frotas e galeões, ou seja, os navios que viajavam entre a América e a Espanha só faziam o percurso juntos, em frotas, e protegidos por navios fortemente armados, os galeões. Tal forma de organização visava controlar tudo o que saía das colônias e tudo o que entrava nelas, no intuito de garantir grandes lucros à metrópole. Foi em resposta a tal tentativa de monopólio que surgiu o contrabando.

A SOCIEDADE COLONIAL DA AMÉRICA ESPANHOLA E A ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO

A sociedade hispano-americana era rigidamente hierarquizada e apresentava pouca mobilidade social, sendo difícil ascender socialmente de um grupo a outro. A minoria da população era composta pelas pessoas brancas, fossem elas nascidas na Espanha - os chapetones - ou na América. Os brancos ocupavam os melhores cargos na administração pública, nas forças militares, na Justiça e na Igreja, e muitos deles também eram donos de fazendas, das minas, e de manufaturas. A maioria da população era composta por índios, negros e mestiços (nascidos da união entre brancos e índios ou negros), que viviam do trabalho forçado, mal remunerado ou escravo. O racismo contra índios e negros era grande, e quanto maior fosse a semelhança entre a pessoa e o espanhol branco, melhor ela estava posicionada na hierarquia social.

Para administrar os territórios coloniais, foi criado por Carlos V, em 1524, o Conselho Real e Supremo das Índias, com sede em Sevilha, na Espanha, e que tinha por função cuidar de todas as questões coloniais de ordem legislativa, eclesiástica, militar ou jurídica. Buscando reduzir os custos com a colonização e estimular a conquista de um vasto território, a Coroa espanhola transferiu inicialmente o direito de administrar as áreas coloniais a particulares, os adelantados, que tinham amplos poderes civis e militares. Cortez e Pizarro foram dois adelantados, por exemplo.

Todavia, conforme as riquezas da América foram sendo descobertas, a Coroa espanhola anulou tais concessões feitas a particulares e ampliou o seu próprio poder de mando no Novo Mundo. Foi com este objetivo que foram criados quatro vice-reinos na América espanhola: o de Nova Espanha, o do Peru, o de Nova Granada e o do Rio da Prata. Os vice-reis eram homens que tinham muito poder, embora fossem fiscalizados por funcionários reais nomeados e com funções vitalícias. Também foram criadas as Capitanias Gerais, sendo a de Cuba, a da Guatemala, a da Venezuela e a do Chile as principais.

Por sua vez, nas cidades havia as câmaras municipais – conhecidas como cabildos ou ayuntamientos –, que eram responsáveis por cuidar da segurança interna e da administração local. Normalmente, os filhos dos espanhóis nascidos na América – que viriam a ser chamados de criollos – ocupavam os cargos de vereadores nesses órgãos.

A AMÉRICA INGLESA

Durante o século XVI, a América do Norte não despertou muito interesse dos europeus, que realizaram poucas expedições exploratórias àquela região, tais como as comandadas por Walter Raleigh entre 1584 e 1587 que, no entanto, não conseguiram estabelecer núcleos coloniais fixos, sobretudo por conta dos ataques dos povos nativos. Foi apenas no século XVII que os ingleses buscaram colonizar novas terras, como já o faziam Portugal e Espanha. Foi nesse sentido, que o rei inglês Jaime I criou duas companhias de comércio, em 1601: a Companhia de Londres, que ocuparia a região sul da América do Norte, e a Companhia de Plymouth, que ficaria com o norte da região. O primeiro povoado permanente instalado na região foi Jamestown (1607), na Virgínia, e com o tempo foram criadas outras colônias, perfazendo um total de 13, que juntas dariam origem aos Estados Unidos da América que conhecemos hoje.

A fome, o frio e a resistência indígena foram obstáculos que colocaram dificuldades aos primeiros colonos que vieram para a América Inglesa. Os colonos eram de diversas condições sociais: aventureiros, degredados, mulheres para serem leiloadas como esposas, órfãos e crianças raptadas. Muitos colonos eram na Inglaterra camponeses sem terra que haviam migrado do campo para as cidades inglesas em busca de trabalho. Encontrando dificuldades naquelas cidades, muitos deles eram seduzidos pelas Companhias de Comércio e incentivados a viver nas colônias. Ao chegar à América do Norte, muitas dessas pessoas passavam a viver sob um regime de servidão temporária, ou seja, trabalhavam por quatro ou cinco anos nas terras de quem tivesse financiado a viagem.

Outra parte dos colonos eram composta por grupos religiosos protestantes, tais como os puritanos, os batistas e os quakers, que fugiam da perseguição religiosa imposta pela monarquia absolutista inglesa, que tentava impor a religião anglicana. Em 1620, um desses grupos religiosos deixou a Inglaterra a bordo do Mayflower, fundando no litoral de Massachusetts um próspero núcleo de colonização: New Plymouth. Liderados por puritanos com alto grau de instrução, esses pais peregrinos viam a si mesmos como um grupo eleito por Deus para colonizar a América. Tal crença religiosa foi importante para que esse grupo mantivesse a identidade e a coesão, o que os ajudou a enfrentar os obstáculos de adaptação à nova terra.

É preciso dizer que, além desses grupos de ingleses, vieram também para a América do Norte outros grupos europeus, entre os quais alemães, escoceses, irlandeses e franceses, que vieram para a região em busca de uma vida melhor. Todos esses grupos de colonos que vieram para as 13 colônias da América do Norte encontraram naquelas terras diversos grupos indígenas que lá já viviam. Os índios norte-americanos se dividiam em alguns grupos: Algonquino-Wakash, Penuciano, Hoka-Sioux, Nadene, Azteco-Tano e Inuit-Aleuta. Esses povos indígenas muitas vezes disputavam terras entre si, praticavam a agricultura, caçavam e tinham hábitos migratórios. A presença do colonizador europeu fez com que algumas tribos aderissem ao cristianismo, domesticassem o cavalo e utilizassem arma de fogo. As migrações indígenas aumentavam quando o colonizador apropriava-se de suas terras.

Ao contrário do que aconteceu na América portuguesa – onde a escassez de mulheres brancas estimulou a união entre colonos e mulheres indígenas –, a miscigenação ocorreu nas 13 colônias em um grau bem menor, pois lá a união entre brancos e indígenas não era estimulada. Deste modo, não houve um projeto de integração dos índios norte-americanos no processo de colonização da América inglesa. Em verdade, muitos daqueles índios foram exterminados nos violentos conflitos que ocorriam entre aquelas populações nativas e os colonos. Não se pode deixar de mencionar também que, além dos europeus formadores das 13 colônias, contribuíram também para a formação daquela sociedade os milhares de trabalhadores trazidos da África Ocidental, como escravos. Entre 1620 e 1720, a população das 13 colônias aumentou de 2500 pessoas para cerca de 3 milhões, isso sem contar a população indígena.

A ORGANIZAÇÃO DAS 13 COLÔNIAS

Se os colonos portugueses que vieram para a América viam no trabalho uma atividade a ser exercida por etnias inferiores (índios e negros), os colonos ingleses, ao contrário, viam o trabalho como algo edificante, como os puritanos, por exemplo, que, inspirados pelas ideias de João Calvino, criticavam o ócio e acreditavam que quem enriquecesse trabalhando seria salvo por Deus. Os colonos ingleses também se interessavam pela educação, e foi a partir desse interesse que fundaram a Universidade de Harvard, em 1636, em Cambridge, Massachusetts, no intuito de formar os futuros dirigentes de suas igrejas nas colônias.

Durante o século XVII, a Inglaterra passou por diversas convulsões políticas e sociais, tais como uma guerra civil (1620-1640), a instalação de uma República (Oliver Cromwell, 1649), o fortalecimento da burguesia (Ato de Navegação, 1651), o restabelecimento da monarquia (1660) e o fim do poder absoluto dos reis ingleses (1689). Dentro desse quadro conturbado, a Inglaterra não tinha condições de criar e controlar uma estrutura de governo eficiente para as suas colônias na América. Assim, embora as 13 colônias da América do Norte estivessem submetidas às leis inglesas, pagassem impostos à metrópole e garantissem a posse do território para a Inglaterra, elas viveram uma certa autonomia durante o século XVII, tomando decisões por meio de reuniões em assembleias.

Normalmente, as 13 colônias costumam ser divididas pelos historiadores em dois grupos: as do Norte e as do Sul. As colônias do Norte ocupavam uma área de clima temperado, baseada na policultura (trigo, maçã, batata, milho), na pequena propriedade e na mão de obra familiar ou servil. Havia ali também manufaturas de lã, couro, ferro e madeira, produtos que eram exportados por meio do comércio triangular. Tal comércio era realizado da seguinte maneira: em navios próprios, os colonos do Norte compravam melaço nas Antilhas e o transformavam em rum, em seguida a bebida era trocada por escravos na costa ocidental da África e, enfim, os escravizados eram vendidos para o Sul da América do Norte e para as Antilhas, de onde os navios voltavam com mais melaço. As colônias do Norte eram donas de uma economia diversificada e de um comércio exterior lucrativo, gozando de certa autonomia em relação à metrópole.

Já as colônias do Sul ocupavam uma região de clima quente e planícies extensas, produzindo gêneros agrícolas de larga aceitação na Europa, tais como o fumo, o algodão e o anil. Os fazendeiros sulistas traziam muitos escravizados para trabalhar em suas plantações. O Sul acabou ocupado por “plantations” (grandes propriedades escravistas monocultoras, muitas delas dedicadas ao plantio do algodão, por exemplo). A sociedade sulista era aristocrática e marcada por muitas desigualdades sociais. O Sul era mais dependente economicamente da Inglaterra, o que inibiu ali o afloramento de ideias de independência política.

Do ponto de vista da organização política, cada uma das 13 colônias tinha uma assembleia encarregada de estabelecer os impostos locais, o orçamento do governo colonial e as leis, que eram submetidas ao governador – homem nomeado pela monarquia inglesa ou eleito pelos próprios colonos, tendo ou não direito de veto às leis contrárias aos interesses metropolitanos, conforme o caso. Os colonos participavam ativamente da vida política, desenvolvendo assim sentimentos de autonomia em relação à metrópole e hábitos de autogoverno, que seriam decisivos na luta pela independência.

OBS.: O blog já publicou um breve resumo sobre a colonização inglesa na América do Norte. Clique aqui para ver.