Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O Primeiro Reinado no Brasil

O processo de independência do Brasil foi acelerado pela mobilização da elite local em torno de dom Pedro. Contudo, os oficiais das províncias do Grão-Pará, do Maranhão, do Piauí, da Bahia e da Cisplatina – atual Uruguai –, que eram alinhados às Cortes de Lisboa, resistiram à ideia de rompimento com Portugal. Foi dentro desse quadro que ocorreram combates entre o exército português e os brasileiros.

No intuito de controlar as regiões rebeladas e vencer as forças portuguesas, dom Pedro I contratou navios estrangeiros e mercenários. A tomada de Salvador e a incorporação da Bahia ao Brasil independente ocorreram apenas em 2 de julho de 1823. O Maranhão foi integrado ao Império Brasileiro em agosto, o Grão-Pará em outubro, e a Cisplatina, por sua vez, em novembro de 1823.

No âmbito da Doutrina Monroe, que defendia a autonomia das novas nações do continente americano, os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer a independência brasileira. A Inglaterra reconheceu a independência do Brasil em 1825, época em que o nosso país representava o terceiro maior mercado externo para os produtos ingleses. A Inglaterra interveio nas negociações entre Brasil e Portugal, financiando a quantia de 2 milhões de libras esterlinas que o Brasil pagou a Portugal a título de indenização. O dinheiro não chegou a sair de Londres, pois os ingleses trataram logo de cobrar de Portugal uma dívida no mesmo valor. A ação mediadora dos britânicos permitiu-lhes reafirmar, em 1827, os tratados de 1810 que garantiam tarifas aduaneiras reduzidas pagas pelos produtos ingleses que chegavam ao Brasil.

O baixo preço dos produtos importados, em especial os britânicos, representava uma concorrência que desestimulava a produção industrial interna, gerando um crescente déficit no comércio internacional do Brasil. Tal situação obrigava o Brasil a fazer constantes empréstimos, o que aumentava a sua dependência econômica em relação à Inglaterra.



A Assembleia Constituinte

Cem deputados eleitos por voto censitário e indireto reuniram-se em maio de 1823 para formar a Assembleia Constituinte que seria responsável pela elaboração da Constituição do Império Brasileiro. O grupo dos constituintes era formado por latifundiários, grandes comerciantes, juízes, médicos, militares e representantes da Igreja católica. Boa parte desses deputados defendia o estabelecimento de uma monarquia constitucional que garantisse os direitos individuais e limitasse os poderes do imperador, sem, contudo, promover alterações estruturais que afetassem o domínio aristocrático-escravista ou que dessem origem a um regime amplamente democrático.

Antônio Carlos de Andrada e Silva, irmão de José Bonifácio, redigiu o projeto de Constituição. Antônio Carlos era conservador, porém, foi apoiado pelo Partido Brasileiro, que defendia a soberania do Legislativo sobre o imperador e as forças armadas. O texto de tal projeto determinava que o Poder Executivo – representado pelo imperador – não poderia vetar completamente uma lei aprovada pela Câmara dos Deputados, ou dissolvê-la. O imperador era ainda proibido de ser rei em outro país. O projeto constitucional de Antônio Carlos ficou conhecido como a “Constituição da Mandioca”, pois estabelecia o voto censitário ao exigir uma renda superior ao equivalente a 150 alqueires de mandioca de quem quisesse participar da vida política.

Por sua vez, militares de alta patente, funcionários públicos e comerciantes, quase todos portugueses, formaram o Partido Português, que era contrário ao projeto de Antônio Carlos e defendia a monarquia absolutista. Apoiado por este grupo político, dom Pedro I rejeitou as propostas do referido projeto e dissolveu a Assembleia Constituinte.

O imperador reuniu um Conselho de Estado formado por dez pessoas de sua confiança e, a partir disso, uma Constituição foi elaborada. Em 1824, dom Pedro I outorgou a primeira Carta Constitucional do Brasil. O documento estabelecia a monarquia hereditária, a divisão político-administrativa do território em províncias e a separação do poder em quadros ramos: Executivo (imperador e ministros de Estado), Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado), Judiciário (juízes e tribunais) e Moderador (atribuição exclusiva do imperador, que regularia os outros três poderes). Por meio do poder Moderador, dom Pedro I podia dissolver a Câmara dos Deputados quando quisesse convocar novas eleições, nomear senadores, aprovar ou vetar as decisões da Câmara e do Senado, nomear e destituir os presidentes de província, etc.

O Senado seria formado por senadores escolhidos pelo imperador em uma lista tríplice de pessoas eleitas e com mandato vitalício, enquanto que a Câmara dos Deputados contaria com parlamentares com mandato temporário (quatro anos). As eleições eram indiretas e censitárias, sendo que, para tornar-se senador, por exemplo, era preciso comprovar uma renda anual mínima de 800 mil-réis. Os “eleitores de paróquia” deveriam ter uma renda de 100 mil-réis/ano para escolher os “eleitores de província”, que deveriam ter uma renda de 200 mil-réis/ano para estarem aptos a votar nos deputados e senadores. Os candidatos a deputado deveriam ter uma renda de 400 mil-réis/ano.

A carta constitucional de 1824 considerava cidadãos todos os homens livres nascidos nos Brasil ou naturalizados brasileiros, com igual acesso aos direitos civis. Assim, os cidadãos foram classificados em três grupos: os “cidadãos passivos” não tinham renda suficiente para ter direitos políticos, os “cidadãos ativos votantes” tinham renda suficiente para votar, mas não para se candidatar, e, enfim, os “cidadãos ativos eleitores elegíveis”, que tinham renda para votar e ser eleitos.

A Constituição oficializou a religião católica e subordinou a Igreja ao Estado, sendo que os membros do clero eram considerados funcionários públicos. Enfim, a Carta restringia ou impedia a participação política de grupos sociais menos favorecidos.

Embora afirmasse a igualdade de direitos civis a todos os cidadãos, ao longo de todo o período em que vigorou a Constituição de 1824 o exercício cotidiano da cidadania quase nunca foi o mesmo entre brancos e negros, ricos e pobres, devido às influências, fraudes, pressões, etc.


A Confederação do Equador

Diante do quadro de centralização política e autoritarismo instalado pela Constituição de 1824, um movimento contrário ao poder de dom Pedro I ocorreu a partir da província de Pernambuco. É preciso lembrar que, ainda durante o governo de dom João VI, em 1817, os liberais pernambucanos tentaram emancipar a província e proclamar uma República. Com a independência do Brasil, os ideais republicanos reacenderam-se, mas foram frustrados pelo caráter autoritário da Constituição.

Ademais, naquela região, havia uma intensa rivalidade entre portugueses e brasileiros, estimulada pela cobrança de dívidas antigas por parte dos comerciantes portugueses, que exigiam dos devedores brasileiros a entrega de bens, como escravizados e terras. Havia ainda um temor de que as províncias do norte e do nordeste do Brasil perdessem influência diante do crescimento do poder político e econômico das províncias do sul e do sudeste. O clima de animosidade na província de Pernambuco aumentou ainda mais quando Francisco Pais Barreto, fiel aliado de dom Pedro I, tornou-se presidente da província.

Os liberais Manuel de Carvalho Pais de Andrade, Frei Joaquim do Amor Divino Caneca e Cipriano Barata, este último um médico e filósofo preocupado com questões políticas e sociais como a abolição da escravidão, lideraram o movimento.

A revolta começou com a exigência de que o presidente da província, Francisco Pais Barreto, nomeado por dom Pedro I, renunciasse ao cargo diante da oposição que sofria em Pernambuco. Para o seu lugar, os liberais escolheram Manuel de Carvalho Pais de Andrade. A marinha imperial cercou a cidade do Recife por três meses, mas os rebeldes resistiram e, no dia 2 julho de 1824, Pais de Andrade proclamou a Confederação do Equador, que uniu as províncias de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte em torno da causa republicana e pelo fim do tráfico de escravizados.

O movimento se inspirava nos ideais de federação que serviram de base para a organização dos Estados Unidos da América. Contudo, parte da população das províncias não apoiou o movimento separatista liderado por Pais de Andrade. Houve ainda conflitos internos e a divisão nas forças militares.

A imprensa liberal fazia propaganda pró-República e tentava trazer a população para o seu lado, por meio de jornais como o “Sentinela da Liberdade”, de Cipriano Barata, o “Typhis Pernambucano”, de Frei Caneca, e o “Desengano Pernambucano”, de João Soares Lisboa, que davam as últimas notícias sobre a Confederação do Equador e faziam a propaganda política do movimento separatista.

Dom Pedro I nomeou o brigadeiro Francisco de Lima e Silva para comandar a repressão ao movimento. O brigadeiro seria auxiliado no mar pelo almirante inglês Thomas Cochrane. Os rebeldes resistiram por quase quatro meses, mas, acabaram se entregando. Frei Caneca, o major negro Agostinho Bezerra e outros rebeldes foram condenados à morte; os demais foram anistiados. Dom Pedro I ordenou que a Confederação fosse colocada em “perpétuo silêncio”.


Impopularidade e abdicação de dom Pedro I

Após a dissolução da Assembleia Constituinte, a imposição da Constituição de 1824 e a repressão violenta à Confederação do Equador, a popularidade de dom Pedro I ficou abalada. No campo econômico, a balança comercial deficitária e o aumento da dívida externa, em decorrência dos constantes empréstimos, fragilizaram a economia brasileira. Os elevados gastos com a organização do Estado e a inexistência de uma significativa fonte nacional de recursos levaram dom Pedro I a autorizar várias emissões de dinheiro, o que desvalorizou a moeda e provocou inflação. Em 1829 foi decretada a falência do Banco do Brasil.

Neste período, ocorreu ainda a morte de dom João VI em Portugal, no ano de 1826. Dom Pedro I era o herdeiro natural do trono português, mas sabia que não poderia ser imperador do Brasil e rei de Portugal ao mesmo tempo, tendo em vista o receio dos brasileiros de que o Brasil retornasse à condição de colônia. Dom Pedro I abdicou do trono português em favor de sua filha, Maria da Glória, de apenas 7 anos de idade, e articulou o casamento da menina com seu irmão, Miguel. Todavia, dom Miguel recusou o acordo e tomou o poder. Dom Pedro I gastou enormes somas de dinheiro no envio de navios e tropas para combater dom Miguel e reconduzir sua filha ao trono. Maria da Glória até foi enviada à Europa, em uma ação que pretendia defender seus direitos ao trono.

Na região sul do Império Brasileiro, após a expulsão dos militares portugueses da Cisplatina, em 1823, os uruguaios iniciaram um movimento por sua independência. Interessada em anexar a região e controlar a navegação na bacia do rio da Prata, a Argentina apoiou os uruguaios em sua luta. Em 1825 teve início a Guerra da Cisplatina, e o governo brasileiro fez um empréstimo com os ingleses para contratar tropas mercenárias e comprar armas e provisões. Em 1828, com um tratado assinado no fim da Guerra, a província Cisplatina tornou-se um país independente, o Uruguai.

Em razão da influência do Partido Português no governo, a aversão aos portugueses só fez aumentar. Dom Pedro I tinha nos integrantes do Partido Português os seus únicos aliados, e em troca desse apoio concedia-lhes favores e privilégios. Boa parte da população criticava a intervenção dos “corcundas” – termo utilizado pelos brasileiros da época para se referirem aos partidários do absolutismo – na política brasileira.

Dom Pedro I, que perdia popularidade em meio aos acontecimentos recentes – gastos na disputa pelo trono português, derrota na Guerra da Cisplatina e crescimento do sentimento antilusitano na população brasileira –, passou a ser alvo de críticas por parte da imprensa. Uma grave crise política se instalou a partir de 1830 quando o jornalista Líbero Badaró, feroz crítico do autoritarismo do imperador, foi assassinado em São Paulo por aliados políticos do imperador.

O imperador viajou para Minas Gerais e, na cidade de Ouro Preto, deparou-se com portas e janelas fechadas ostentando panos pretos e o soar de sinos em sinal de luto pela morte de Badaró. De volta ao Rio de Janeiro, o imperador foi recebido por simpatizantes, em sua maioria portugueses, e o resultado foi o início de um conflito de rua – a “Noite das Garrafadas” – que se estendeu por três dias.

Dom Pedro I trocou o ministério e colocou em seu lugar um outro formado apenas por brasileiros, mas as manifestações de insatisfação continuaram. A partir disso, o monarca trocou novamente o ministério, escolhendo agora apenas ministros “corcundas” para o chamado “Ministério dos Marqueses”. Milhares de pessoas saíram às ruas pedindo o retorno do “Ministério dos Brasileiros”, mas dom Pedro I enviou tropas do exército para reprimir as manifestações.

Todavia, a tentativa de repressão por parte do imperador fracassaria. No seio do próprio exército havia um clima de revolta, pois os oficiais brasileiros ocupavam cargos inferiores aos dos portugueses, e as tropas formadas por brancos e mulatos pobres sofriam com os baixos soldos (que quase sempre chegavam atrasados). Assim, em vez de sufocar a revolta, o exército apoiou os populares.

No dia 7 de abril de 1831, dom Pedro I acabou abdicando do trono brasileiro em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, de apenas cinco anos de idade. Após a abdicação, dom Pedro I retornou a Portugal, onde enfrentou e venceu seu irmão dom Miguel, tornando-se o novo monarca português com o título de Pedro IV. Em 1834 abdicou novamente do trono português em favor de sua filha, dona Maria da Glória.

domingo, 24 de agosto de 2014

De Camões a Drummond: a era moderna sob o signo do expansionismo

Texto escrito por Francisco Mateus Conceição [*]

“O mundo está quase todo parcelado, e o que dele resta está sendo dividido, conquistado, colonizado. Pense nas estrelas que vemos à noite, esses vastos mundos que jamais poderemos atingir. Eu anexaria os planetas, se pudesse. Penso sempre nisso. Entristece-me vê-los tão claramente, e ao mesmo tempo tão distantes.”
(Cecil Rhodes, empresário britânico, In: HUBERMAN, 1981: 270)

A questão ambiental perpassa toda a literatura brasileira, sob diferentes enfoques. De um lado, as transformações constantes provocadas no planeta a partir da Era Moderna fazem com que a literatura busque na natureza respostas para a sensação de perda que essas transformações provocam. De outro, a necessidade de se afirmar como país e as dificuldades para tanto fazem da natureza ora mãe, ora madrasta. Sob a perspectiva dos séculos XX e XXI, podemos afirmar que a literatura tem espelhado o problema da instrumentalização, em níveis cada vez mais acentuados, dos recursos que o planeta oferece. Tal percepção pode ser lida em “O homem: as viagens”, de Carlos Drummond de Andrade, poesia que, ao tratar da angústia do homem contemporâneo frente ao seu espaço/tempo, o faz sob a perspectiva da Era Moderna como um todo, expondo a repetitiva frustração de um modelo regido por princípios como expansão, apropriação e controle. Para tanto, o poema, ao mesmo tempo em que projeta, ironicamente, o futuro da trajetória humana, retrocede ao passado pela via intertextual, retomando Camões e, por extensão, as navegações portuguesas, o “achamento” do Brasil e as origens da modernidade. Através desse procedimento, Drummond faz dos fundamentos da modernidade o alvo central de sua crítica. Para operacionalizar a análise, faremos a citação integral do poema:

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.

Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?

Claro – diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto – é isto?
idem
idem
idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.  (ANDRADE, 1978: 448-450)

Publicado em 1973, no livro "As impurezas do branco", esse poema remete a dois componentes históricos imediatos, os quais são estratégicos para a interpretação do mesmo: a viagem à Lua, em 1969, e o desencadear do movimento ecológico. Este último, conforme Marcos Reigotta (1999: 34-35), tem como marco inicial ano de 1968, através de protestos em diversos países. Neste mesmo ano, o Clube de Roma coloca o problema ecológico como pauta central. E a seguir, em 1972, é realizada a Conferência Mundial do Meio Ambiente Humano, conhecida como Conferência de Estocolmo. Na poesia em análise, esses dois fatos parecem atuar como desencadeadores do texto, sendo que o primeiro – a viagem à Lua – comparece de maneira explícita, enquanto o segundo atua como possibilidade interpretativa.
Por tematizar a “viagem”, o referido poema começa com uma alusão direta a Camões. Trata-se do primeiro verso “O homem, bicho da Terra tão pequeno”, que repete as últimas palavras do primeiro canto de "Os Lusíadas". Citemos a estrofe final deste:

No mar tanta tormenta e tanto dano
Tantas vezes a morte apercebida
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida
Onde pode acolher-se um fraco humano
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno? (CAMÕES, 1972: 35)

Observe-se a relação explícita entre “Contra um bicho da terra tão pequeno?” (Camões) e “O homem, bicho da Terra tão pequeno” (Drummond). Para além dessa relação literal, podemos observar que o 4º verso da estrofe camoniana (“Tanta necessidade aborrecida”) atua como mote para a descrição do desencanto do homem drummondiano frente a todas as suas conquistas. Este homem “chateia-se na terra” (1ª estrofe, 2º verso), “chateia-se na Lua” (2ª estrofe, 2º verso), julga Marte um “lugar quadrado” (4ª estrofe, 1º verso), “idem” com relação a Vênus (5ª estrofe, versos finais), irá “repetir a fossa” em Júpiter (6ª estrofe, 3º verso) e, ao chegar, finalmente, ao Sol, exclamará “mas que chato é o Sol” (7ª estrofe, 8º verso). Ainda, para sustentar o vínculo entre os dois autores, salientemos que, no final da terceira estrofe do texto brasileiro, a expressão “com engenho e arte” remete ao final da 2ª estrofe de Camões, “Cantando espalharei por toda a parte / se a tanto me ajudar o engenho e arte”. Neste caso, até a parceria rítmica (parte/arte) é mantida, tendo em vista o 2º verso da 4ª estrofe de Drummond, “Vamos a outra parte?”.[†]
Qual é, porém, a mediação que há entre um texto e outro? Consideremos, inicialmente, o ponto do texto em análise: “O homem, bicho da Terra, tão pequeno”. Em primeiro lugar, cabe observar o detalhe da maiúscula em “Terra” (Drummond) a diferenciar-se da designação minúscula feita por Camões. Note-se que, em outros momentos do texto, quando se refere a planeta, o autor português faz uso da maiúscula. Ocorre que, ao adjetivar o homem como um bicho da terra, Camões não o faz no sentido planetário do termo. A expressão guarda, ainda, uma conotação bíblica, remetendo ao barro original, sendo também um designativo da infinita pequeneza e limitação humanas. Além disso, o espaço restrito da natureza humana opõe-se ao céu e ao universo, mas também se opõe ao mar, para onde se lança através das longas navegações. A Terra (planeta) ainda não fora conquistada, não sendo o espaço familiar do ser humano, como no tempo de Drummond. O tema camoniano inscreve-se nesse processo de conquista e a pequenez humana remete ao quanto de errante, equivocado e injusto esse processo representou.
Para o homem camoniano, a geografia desconhecida assusta. E a grandeza do universo assume dimensão divina, tendo, a conquista desse universo, o caráter de posse humana sobre o espaço mitológico. De outro lado, o que se anuncia como humanização do espaço atua, em realidade, como a europeização do mesmo. A empresa portuguesa, encimada pela cruz cristã, viabiliza-se, do ponto de vista do conhecimento, através da ciência da escola de Sagres, a qual, por sua vez, está articulada com o desenvolvimento científico-tecnológico que povoa a Europa nesse momento. Inaugura-se a Era Moderna, durante a qual o planeta rapidamente se tornará terra-a-terra, caravelas e homens cruzarão continentes, povos serão dizimados e outros transmigrados. Impérios sucederão a impérios, e a natureza será cada vez mais estudada, conhecida, dominada e transformada para dar sustentação a esse modelo de sociedade. Cabe considerar, neste sentido, que o que move essa empresa não é somente sede de conhecimento ou aventura, o lado belo das navegações, mas, principalmente, a voracidade por expansão das economias capitalistas nascentes. Retomemos Leo Huberman:

"As descobertas iniciaram um período de expansão sem par, em toda a vida econômica da Europa ocidental. A expansão dos mercados constituiu sempre um dos incentivos mais fortes à atividade econômica. A expansão dos mercados, nessa época, foi maior do que nunca. Novas regiões com que comerciar, novos mercados para os produtos de todos os países, novas mercadorias a trazer de volta – tudo apresentava um caráter de contaminação e estímulo e anunciou um período de intensa atividade comercial, de descobertas posteriores, exploração e expansão." (HUBERMAN, 1981: 99)

Povos, territórios, ciência, tudo é vertido pela ótica empresarial. E este modelo, em que pese as suas múltiplas metamorfoses, mantém-se fundamentalmente o mesmo até hoje, possibilitando dizermos que a degradação do planeta está diretamente ligada ao desenvolvimento desse paradigma moderno, que faz da Terra “um lugar de muita miséria e pouca diversão”. A perpetuação do modelo está expressa na poesia de Drummond, que recupera, da épica camoniana, o ritual da conquista de territórios e o transpõe para a narrativa de antecipação em que se constitui sua poesia. Assim, os passos do homem contemporâneo são ainda os mesmos do homem do século XVI. Apesar, é claro, “de termos feito tudo, tudo o que fizemos...”, expressão que furtamos a Belchior.  Tal identidade aparece evocada no próprio título, pela referência às viagens, com a diferença que, em Drummond, o encanto ilusório das mesmas é exposto ao olhar corrosivo e impiedoso do eu-poético. Da voz deste, podemos interpretar que o homem viaja em busca de sua completude, mas que, enganosamente, foge de si próprio. O poema inicia com a definição do homem como um “bicho da Terra”, o que implica dizer que esta é constituidora de sua identidade. Ao mesmo tempo, essa expressão, por estar colocada no 1º verso, parece ser desencadeadora da viagem que se relatará no restante do poema. Lendo assim, podemos afirmar que há uma relação de causalidade entre o primeiro verso e o segundo. Porque é um bicho da terra, o homem chateia-se nela. Acossado por sua condição de bicho, ele empreende a viagem espacial, buscando desesperadamente fugir de sua face natural. Ao negá-la, porém, tenta o impossível, que é afastar-se de si próprio. A face negada o persegue e, por isso, o que se vê é que todos os lugares tocados pelo homem adquirem, ironicamente, a fisionomia dele, tornando-se, na palavra do poema, “humanizados”, fazendo com que a novidade perca o encanto. O novo revela-se tediosamente igual ao velho, impulsionando o ser humano para novos, repetitivos e insaciáveis deslocamentos. A descrição dessa anti-epopéía é feita de maneira sintética e rebaixada. As novas conquistas, que não transcendem à ilusão de superfície, já não possuem nenhum poder transformador e também não expressam um esforço de superação humana. Por isso a viagem espacial e inter-galáctica cabe no espaço curto do poema. E, desta forma, a velocidade e a objetividade do mesmo é o equivalente formal destes adjetivos da modernidade, que, assim, está representada, também, no ritmo da poesia.
Por outro lado, o final da viagem exterior e o anúncio da necessidade de o homem viajar para dentro de si acarretam uma mudança de ritmo na poesia, que adquire um ritmo lento na estrofe final. Se antes predominava o uso do tempo verbal no presente do indicativo (experimenta; coloniza; civiliza; humaniza), o que configura rima grave ou feminina (de som mais leve), na parte final predominam os versos no futuro do presente (estará) e no infinitivo (pôr; experimentar; colonizar; civilizar; humanizar), implicando rimas agudas ou masculinas (de som mais intenso), além da expansão final através da vibrante “r”. A isto, associam-se: a partição de palavras (col-onizar; con-viver); a adjetivação (“a dificílima dangerosíssima viagem”; “em suas próprias inexploradas entranhas”; “a perene, insuspeitada alegria”); a introdução de certa opacidade semântica pelo uso aportuguesado do inglês (“dangerosíssima”); e a pausa do parêntese interrogativo em “(estará equipado?)”.
A quebra de ritmo advém da quebra de direção. A viagem exterior é linear porque pré-determinada. Para ela, os itinerários já estão definidos, bastando constituir-se a infra-estrutura para percorrê-lo. Há uma lógica e um conhecimento acumulado que apontam para a sua realização. Não há o espanto do conhecimento inusitado, apenas o espetáculo banalizado da informação, como se evidencia na penúltima estrofe, quando se faz referência à televisão em “ou dá uma volta / só para tever?” (3º e 4º versos) e ao espetáculo, quando adjetiva o Sol como “falso touro / espanhol domado” (8º e 9º versos). Já a viagem interior implica outra lógica e conhecimento. É por isso que o conceito de “descoberta”, tão familiar às viagens dos séculos XV e XVI, só é evocado ao final do poema (“descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas”). Da mesma maneira, a idéia de perigo e dificuldade também é evocada nesse momento do texto (“a dificílima dangerosíssima viagem”), fazendo eco ao canto camoniano (“Em perigos e guerras esforçados / mais do que prometia a força humana”, Canto I, 1ª estrofe, versos 5 e 6). De outra parte, a repetição, em relação à viagem interior, do ritual precedente, instaura, no texto poético, uma desterritorialização da linguagem, subvertendo e potencializando seu sentido. A “colonização” e a “civilização” do homem perdem, neste momento, o sentido de posse de uma população sobre outra, significando, antes, o domínio sobre o impulso destrutivo da humanidade. Eros suplanta Tânatos, aplacando a inquietude humana e instaurando, por isso mesmo, uma satisfação substancial, perene.
A última palavra do poema, o verbo “con-viver”, remete à conquista da harmonia nas relações entre os seres humanos e, parece-nos, com o ambiente natural. A alegria humana é possibilitada por sociedades mais fraternas, solidárias e sócio-ambientalmente justas. Ao nomear diversos corpos celestes e, ao mesmo tempo, a interferência negativa do ser humano em relação aos mesmos, Drummond tematiza o problema ambiental. Nessa nova proposta de civilização, o paradigma sujeito-objeto terá que ser substituído por um paradigma sujeito-sujeito. Tanto o homem quanto o ambiente como um todo não poderão ser aleijados de seus significados, que passam a ser imprescindíveis para a sobrevivência e o equilíbrio do mundo. Sob esse novo prisma, o homem pode reconciliar-se com a expressão “bicho da Terra”, que evoca sensibilidade e (é preciso dizer?) realismo científico. “Pequeno”, por sua vez, já não significa “reles” ou “inferior”, remetendo a um novo conceito de civilização, que pressupõe as limitações humanas e a necessidade de enfrentá-las pela via da complexidade, da multiplicidade e da relatividade dos saberes.
Acerca da dificuldade dessa viagem, parecem-nos bastante ilustrativas as reflexões de MORIN e KERN sobre o que chamam de “possível impossível”:

"É possível hoje, técnica e materialmente, reduzir as desigualdades, alimentar os famintos, distribuir os recursos, atenuar o crescimento demográfico, diminuir as degradações ecológicas, mudar o trabalho, criar diversas altas instâncias planetárias de regulação e de proteção, desenvolver a ONU como verdadeira Sociedade das nações, civilizar a Terra. É racionalmente possível construir a casa comum, arrumar o jardim comum. (...) A união planetária é a exigência racional mínima para um mundo estreitado e interdependente, dissemos. Mas essa união possível parece impossível por necessitar muitas transformações nas estruturas mentais, sociais, econômicas, nacionais... (...) Assim, o possível é impossível e vivemos num mundo impossível em que é impossível atingir a solução possível". (MORIN e KERN, 200: 137)

No entanto, a impossibilidade do possível tem, segundo os autores, a sua contraposição. Como a realidade não é completamente diagnosticada, há, para além do mundo visível e imediato, um espaço de possibilidades não imaginadas. Há o que denominam de “princípio da incerteza da realidade” (Idem: 140), de acordo com o qual o que hoje se mostra impossível pode ser ou se tornar possível.

"A incerteza do espírito e a incerteza do real oferecem ao mesmo tempo risco e oportunidade. A insuficiência do realismo imediato abre a porta ao mais além do imediato. O problema é ser, não realista no sentido trivial (adaptar-se ao imediato) ou irrealista no sentido trivial (subtrair-se às coerções da realidade), mas realista no sentido complexo (compreender a incerteza do real, saber que há possível ainda invisível no real), o que parece com freqüência irrealista".  (Idem: 139)

O poema exorta o ser humano à autotransformação ao mesmo tempo em que, por analogia, sinaliza para as dificuldades da mesma e pergunta-se sobre as possibilidades reais de realizar-se. A perspectiva utópica da última estrofe torna-se cada vez mais urgente, conforme nos indicam as recentes informações sobre a saúde do Planeta. E certamente falta muito para nos equiparmos.

Bibliografia
ANDRADE, Carlos Drummond. Nova reunião: 19 livros de poesia. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.
CAMÕES, Luís de. Os lusíadas. Lisboa: Gris, 1972.
HOLANDA, Sergio Buarque. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil.  São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Trad. Waltensir Dutra. 17ª ed. São Paulo: Zahar Editores, 1981.
MORIN, Edgar/ KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2000.
REIGOTA, Marcos. A floresta e a escola: por uma educação ambiental pós-moderna. 2ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 1999.

Notas:
[*] Professor na UNIJUÍ (Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul), Mestre em Literatura Brasileira (UFRGS).


[†] Referente a essa relação intertextual, veja-se a leitura de Gilberto Mendonça Teles: “Noutro poema, ‘O homem; as viagens’, publicado no Correio da Manhã e depois na ‘Seleta em prosa e verso’, Drummond fala em ‘bicho da terra’ e em ‘engenho e arte’. A segunda expressão, que aparece três vezes em Os Lusíadas (I, 2; VIII, 89; X, 19) e não sei quantas vezes nas Rimas, é por demais conhecida, e popularizada. A primeira, também mais ou menos conhecida, encontra-se na estrofe 106 do canto I (‘Contra um bicho da terra tão pequeno’) mas Camões a repete na Canção 5”, em que se lê: ‘Contra um corpo terreno,/Bicho da terra vil e tão pequeno’. Drummond teria recorrido à lírica ou à épica? (...) Como o poema trata de uma expedição a Marte, (...) é fácil perceber que tenha recorrido à expressão que se encontra na épica, aliás ali justificada pelo ‘engenho e arte’, muito mais conhecido através de Os Lusíadas do que nas suas variações líricas.” (TELES, Gilberto Mendonça. Camões e a poesia brasileira. Rio de Janeiro: MEC/UFF-FCRB: 1973, p. 213)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

As Grandes Navegações

Durante a Idade Média, os árabes intermediavam muitas vezes o comércio entre a Europa e a Ásia levando as mercadorias adquiridas no Oriente até entrepostos comerciais no Mar Negro ou na parte mais oriental do Mediterrâneo. Comerciantes europeus – especialmente genoveses e venezianos – iam até tais entrepostos para comprar as mercadorias orientais e, então, as levavam para as feiras e cidades europeias onde as revendiam.

Entre a saída da Ásia e a chegada à Europa, os preços de tais produtos sofriam grandes aumentos por conta da intermediação árabe. Os comerciantes europeus passaram a defender a ideia de que era preciso dispensar os intermediários árabes e adquirir as mercadorias orientais diretamente dos produtores asiáticos para obter lucros maiores com a atividade comercial.

Até o século XIV, o conhecimento que se tinha no continente europeu a respeito de outras partes do mundo era restrito. Havia todo um conjunto de lendas sobre outros povos e lugares. Os mares também eram objeto das mais variadas crenças, como a que defendia a existência de monstros ao sul, em um lugar onde o oceano estaria em chamas. Acreditava-se que quem tentasse cruzar o Oceano Atlântico – o mar “Tenebroso” – encontraria o fim do mundo, pois onde o oceano acabava havia um enorme abismo.

Esse medo de se aventurar por águas desconhecidas começou a diminuir a partir de 1453, quando os turco otomanos tomaram Constantinopla e dominaram o Mediterrâneo oriental, passando a cobrar altas taxas das caravanas que atravessavam a região.

Os mercadores europeus passaram a buscar rotas alternativas em direção às “Índias” (como eram conhecidas na época as terras do leste da Ásia) para escapar de tais cobranças. E nesse processo, Portugal saiu na frente.


O Pioneirismo Português

A posição geográfica de Portugal favorecia as navegações portuguesas, pois o país era banhado pelas águas do Atlântico e era o reino mais ocidental da Europa. Além disso, havia ali um poder centralizado e um Estado bem unificado, sem dissensões internas. Ademais, os pescadores e marinheiros lusitanos tinham uma longa experiência na costa do Atlântico.

Desde o século XIII, comerciantes e marinheiros portugueses levavam para outras regiões europeias, como a França e a Inglaterra, por exemplo, diversos produtos como azeite, vinho, couro e frutas secas. Quando retornavam de tais viagens, traziam para Portugal móveis de madeira, armas de ferro, tecidos e outros artigos.

Esse comércio marítimo promoveu a ascensão social da burguesia em uma época na qual o dinheiro começava a substituir a posse da terra como símbolo de prestígio e poder. Em Portugal, os mercadores e a Coroa estabeleceram acordos de interesse mútuo. A monarquia portuguesa concedeu privilégios aos comerciantes por meio de leis e decretos.

Em 1358, um decreto autorizou o corte de árvores nas matas do reino para a construção de navios. Em 1380, o governo português criou a Companhia das Naus, uma espécie de seguro marítimo que resguardava os donos dos navios em casos de perdas por naufrágio ou atos de pirataria. Uma política protecionista passou a ser colocada em prática pelo governo de Lisboa: os interesses dos comerciantes nacionais eram protegidos por meio de restrições à atuação de mercadores estrangeiros em Portugal.

A Revolução de Avis (1383-1385), que expulsou de Portugal as forças de Castela e colocou no trono dom João I, consolidou a aproximação entre a Coroa e a burguesia mercantil, pois o novo rei foi apoiado principalmente pelos burgueses.

Em 1415, o infante dom Henrique, filho de dom João I, coordenou a conquista de Ceuta, um importante entreposto comercial e militar localizado no norte da África. O objetivo dessa empreitada era tirar dos muçulmanos o controle do comércio naquela região, que passava agora para mãos portuguesas. A considerável expansão ultramarina de Portugal começou exatamente com a conquista de Ceuta.

Dom Henrique recebeu o título de grão-mestre da Ordem de Cristo, instituição religiosa que tinha como objetivo “combater os infiéis” em qualquer lugar do mundo. Em Ceuta, dom Henrique obteve informações acerca da existência de ouro no reino do Mali, ao sul do Saara, e a partir disso passou a planejar a conquista da costa oeste da África em direção ao sul.

Pouco depois da conquista de Ceuta, dom Henrique transferiu-se para o Algarve, fixando-se perto da vila de Sagres. Ali ele reuniu cartógrafos, astrônomos, matemáticos e navegadores para estudar o legado náutico deixado por fenícios, egípcios, gregos, árabes e outros povos. Tais estudos ficaram conhecidos como Escola de Sagres e resultaram na elaboração de cartas marítimas e no desenvolvimento de diversos instrumentos de navegação, como a bússola, o quadrante e o astrolábio. Foi inventado também um novo tipo de embarcação, a caravela, um navio veloz e relativamente pequeno, com cerca de 20 a 30 metros de comprimento, tripulado por 40 a 50 homens e que era ideal para navegação costeira, capaz de entrar em rios e estuários e de realizar manobras em regiões de águas rasas.

Em 1418 começaram as expedições marítimas portuguesas rumo ao sul. As ilhas da Madeira e dos Açores foram conquistadas entre 1420 e 1427, e ali os portugueses introduziram o plantio de trigo, uvas e cana-de-açúcar.

Anos depois, uma expedição capitaneada por Gil Eanes finalmente conseguiu ultrapassar o cabo Bojador, região na qual muitas embarcações portuguesas haviam sofrido grandes avarias ou mesmo naufragado. Por muito tempo acreditou-se que os desastres foram provocados por monstros ou pela fúria divina, mas com o feito da expedição de Gil Eanes os portugueses finalmente dominaram o medo.

As expedições em direção ao sul da costa africana continuaram, e em 1444 uma delas retornou a Portugal com cerca de duzentos africanos, vendidos posteriormente como escravos. Quando dom Henrique morreu, em 1460, os portugueses já haviam chegado até a região da atual Serra Leoa.

Uma bula do papa Eugênio IV garantiu o monopólio comercial da África aos portugueses, bem como o direito de “capturar e subjugar os sarracenos [muçulmanos] e pagãos [africanos] e qualquer outro incrédulo ou inimigo de Cristo, como também seus reinos, ducados, principados e outras propriedades, assim como reduzir essas pessoas à escravidão perpétua”.

Em 1487, Bartolomeu Dias dobrou a extremidade sul do continente africano, chamando a região de Cabo das Tormentas. Posteriormente, o rei dom João II (1481-1495) mudou esse nome para Cabo da Boa Esperança. O projeto português de encontrar um caminho marítimo para as Índias estava definido.


Os espanhóis chegam à América

A partir dos feitos portugueses, navegantes de outras regiões europeias se sentiram estimulados a buscar um caminho alternativo para as Índias. O genovês Cristóvão Colombo acreditava na esfericidade da Terra e que o Oceano Atlântico oferecia a forma mais rápida de se chegar às Índias a partir da Europa pois, segundo a sua tese, para se chegar ao Oriente era preciso navegar para o Ocidente.

Como o rei de Portugal dom João II se recusou a financiar o projeto de Colombo, o genovês procurou os reis espanhóis Fernando e Isabel, que lhe deram apoio. Em agosto de 1492, acompanhado por cerca de noventa homens, Colombo deixou o porto de Palos, na Andaluzia, comandando as caravelas “Santa María”, “Pinta” e “Niña”.

Navegando sempre em direção ao oeste, Colombo avistou terra firme no dia 12 de outubro de 1492. Acreditou ter chegado às Índias, mas suas embarcações haviam aportado em um continente desconhecido dos europeus e que posteriormente ficaria conhecido como América.

Entre 1493 e 1502, Colombo viajou mais três vezes ao novo continente sob o patrocínio da Espanha, mas não encontrou as riquezas tão desejadas. Em 1506, Colombo morreu em Valladolid, na Espanha, abandonado, sem prestígio e certo de que encontrara o caminho para as Índias.


O Tratado de Tordesilhas

O feito de Colombo levou Portugal e Espanha a disputarem as “novas” terras. O papa Alexandre VI serviu de juiz na disputa e, no dia 7 de junho de 1494, com o testemunho do papa, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tordesilhas. A partir de uma linha imaginária situada a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde o mundo seria dividido em duas partes. As terras existentes a oeste deste marco seriam da Espanha, enquanto que as terras localizadas a leste pertenceriam a Portugal.

Após a assinatura do Tratado de Tordesilhas, os espanhóis continuaram suas expedições ao continente americano. Já o governo de Portugal manteve seus planos de chegar às Índias contornando a África.

Em julho de 1497, Vasco da Gama partiu de Lisboa com quatro navios e 170 homens sob o seu comando. Em novembro, a frota dobrou o Cabo da Boa Esperança. Em março do ano seguinte, chegou a Melinde, na costa do Quênia atual, onde Vasco da Gama conseguiu a ajuda de um marinheiro árabe que os guiou pelo oceano Índico até as Índias. Em maio de 1498, a frota portuguesa chegou a Calicute, na atual Índia. Estava finalmente provado que era possível chegar ao Oriente sem passar pelo Mediterrâneo.

O sucesso de Vasco da Gama estimulou novas viagens. Em 1500, o navegador Pedro Álvares Cabral afastou-se da costa africana e alcançou terras a oeste do Atlântico Sul que mais tarde seriam chamadas de Brasil. No ano seguinte, o florentino Américo Vespúcio, a serviço do rei de Portugal, mapeou essas terras e concluiu que elas não faziam parte das Índias, mas constituíam um novo continente que passaria a ser chamado de América.

Em 1519, o português Fernão de Magalhães, a serviço da Coroa Espanhola, iniciou uma viagem ao redor da Terra, mas acabou morto em uma ilha do Pacífico. Sua viagem de circum-navegação seria completada por Sebastião Elcano, que retornou à Espanha em 1522. A aventura de Magalhães e Elcano comprovou a esfericidade da Terra.

O Processo de Independência do Brasil

Quando a família real portuguesa chegou ao Brasil, houve uma série de comemorações. Contudo, algum tempo depois começaram a aparecer sinais de insatisfação contra a presença da Corte de dom João na América portuguesa e contra a alta carga tributária imposta pelo príncipe regente.

Os altos gastos da Corte, as obras de embelezamento do Rio de Janeiro e as intervenções militares do governo joanino exigiam uma considerável soma de recursos financeiros, que tinham que ser obtidos por meio de impostos. Por outro lado, ainda havia o fato de que os portugueses tinham privilégios ao assumir altos cargos burocráticos e postos elevados na Academia Real Militar, o que era objeto de questionamentos por parte da população.

A população livre e pobre sofria com a carestia, o aumento dos preços, o desemprego (havia agora a concorrência não apenas com a mão de obra escrava, mas também com os imigrantes portugueses, sobretudo no meio urbano) e a dificuldade de acesso à terra nas zonas rurais.

Em meio a esse cenário, começaram a ocorrer agitações de rua que acabavam terminando, por vezes, em choques com a polícia, quebra-quebras e pancadarias.

Em Portugal, a queda de Napoleão Bonaparte em 1815 fez com que os portugueses passassem a exigir o retorno de dom João ao país. Em dezembro do mesmo ano de 1815, dom João assinou um decreto que criava o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, o que fez com que o Brasil deixasse de ser simplesmente uma colônia e passasse a ter o mesmo status político de Portugal. A partir disso, Lisboa e Rio de Janeiro passaram a ser os dois centros políticos do Reino.


A Revolução Pernambucana (1817)

No início de 1817, o debate em torno de ideias emancipacionistas e republicanas originou um movimento conspiratório em Pernambuco. Sob inspiração da Revolução Francesa, os líderes da “Insurreição Pernambucana” redigiram o esboço de uma Constituição que garantia a igualdade de direitos, a liberdade de imprensa e a tolerância religiosa. Nas missas, o vinho e o trigo foram substituídos pela cachaça e pela mandioca em uma atitude de boicote aos produtos vindos de Portugal.

Contudo, as dissenções entre os proprietários de escravos e os rebeldes que defendiam o fim da escravidão acabaram enfraquecendo o movimento. Em maio, tropas oriundas da Bahia e do Rio de Janeiro cercaram o Recife. Alguns líderes do movimento foram executados, enquanto que outros foram presos e enviados a Salvador.


A Revolução do Porto e o retorno da família real a Portugal

Em 1817, em Portugal um grupo de pessoas de formação liberal e ligadas à maçonaria, sob a liderança do general Gomes Freire de Andrade, conspirou pela expulsão dos ingleses do país, pelo fim da monarquia e pela instauração da República. Porém, a conspiração fracassou antes de ser colocada em prática porque os seus líderes foram delatados. Doze pessoas, incluindo Gomes Freire de Andrade foram executadas.

No ano seguinte, dom João foi aclamado rei como dom João VI, e sua insistência em continuar vivendo no Brasil descontentou ainda mais a população em Portugal.

Nessa mesma época, na cidade do Porto, em Portugal, um grupo de monarquistas liberais passou a defender a ideia de que o monarca deveria governar obedecendo a uma Constituição.

Em 1820, o general inglês Beresford, que governava Portugal, foi ao Rio de Janeiro exigir de dom João VI maiores poderes para conter os ânimos da população. Com a ausência de Beresford, uma guarnição do exército do Porto se aproveitou para iniciar uma rebelião, em um processo que levou a uma revolução liberal contrária ao absolutismo que ficaria conhecida como a Revolução do Porto. O movimento iniciado em agosto de 1820 espalhou-se rapidamente por várias cidades portuguesas. Em Lisboa, uma junta provisória assumiu o poder, convocou as Cortes para elaborar uma Constituição e exigiu o retorno da família real a Portugal e a restauração do monopólio comercial com o Brasil, condenando a intromissão inglesa nos negócios do Reino.

Revoltas em apoio ao movimento constitucional de Portugal ocorreram no Pará, na Bahia e em Pernambuco. Em fevereiro de 1821, dom João VI jurou fidelidade à futura Constituição, prometeu convocar eleições para a escolha de deputados representantes do Brasil nas Cortes de Lisboa e anunciou o seu retorno a Portugal, pois temia perder o trono.

No dia 26 de abril, a família real e mais quatro mil pessoas, entre nobres e funcionários, saíram do Brasil em direção a Portugal. O filho do rei, dom Pedro, permaneceu na América portuguesa como príncipe regente.


As Cortes de Lisboa

Após o embarque de dom João VI, eleições foram realizadas para escolher os representantes do Brasil nas Cortes de Lisboa. Dos 71 eleitos, a maior parte defendia a independência do Brasil em relação a Portugal, porém, apenas 56 viajaram a Lisboa, onde chegaram oito meses após o início dos trabalhos dos constituintes portugueses.

Os parlamentares oriundos da América portuguesa enfrentavam forte oposição dos parlamentares portugueses, e começaram a perceber também que medidas desfavoráveis ao Brasil já haviam sido adotadas. Tais medidas convergiam para que o Brasil fosse reduzido à sua antiga condição de colônia. Os portugueses defendiam ainda que Brasil e Portugal deveriam se submeter à autoridade das Cortes de Lisboa. Já em fins de 1821, as Cortes ordenaram que dom Pedro fosse para Portugal.


A Independência

No Brasil, pessoas com experiência administrativa estavam próximas de dom Pedro para ajudá-lo a governar. Desse grupo de pessoas, destacava-se José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-1838), que assim como outros políticos do período defendia a ideia de que o Brasil deveria se manter unido a Portugal, porém com um governo próprio e autônomo. Havia também um grupo de pessoas que defendia o rompimento com Portugal. Apesar das diferenças, as duas correntes políticas concordavam que dom Pedro deveria resistir às pressões das Cortes de Lisboa, recusando-se a ir para Portugal.

No final de 1821, José Bonifácio enviou a dom Pedro uma representação na qual pedia que o príncipe permanecesse no Brasil. No dia 29 de dezembro de 1821, um abaixo-assinado com oito mil assinaturas foi entregue a dom Pedro. O documento também pedia a permanência do filho de dom João VI no Brasil.

No dia 9 de janeiro de 1822, o príncipe anunciou sua decisão de ficar no Brasil, em um episódio que se tornou conhecido como o Dia do Fico. Dom Pedro reorganizou seu ministério, deixando-o sob a chefia de José Bonifácio.

Em fevereiro, dom Pedro nomeou o brasileiro Manuel Pedro para o cargo de governador das armas da Bahia, ato que contrariava a decisão de Lisboa, que havia optado pelo general português Madeira de Melo. Os comandados de Madeira de Melo e as forças brasileiras que queriam a independência iniciaram um conflito que se prolongaria até meados de 1823.

Em maio de 1822 o príncipe regente determinou que nenhum decreto das Cortes de Lisboa fosse cumprido sem a sua prévia aprovação. No mês de junho, ele aprovou a convocação de uma Assembleia Constituinte no Brasil.

Em setembro, despachos vindos de Lisboa desautorizavam a convocação da Assembleia Constituinte e ordenavam que dom Pedro viajasse imediatamente para Portugal. Segundo a narrativa tradicional, José Bonifácio enviou despachos ao príncipe aconselhando-o a romper com Portugal. Um mensageiro, ainda de acordo com a narrativa tradicional, teria alcançado dom Pedro nas proximidades do riacho do Ipiranga, em São Paulo, no dia 7 de setembro de 1822. Ao receber os decretos, o príncipe teria decretado ali mesmo a ruptura dos laços com Portugal.

No dia 12 de outubro, no Rio de Janeiro, dom Pedro foi aclamado imperador constitucional do Brasil.

Conflitos e derramamento de sangue ocorreram em diversas regiões do Brasil. Na Bahia, destacou-se a figura de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, que se alistou ao lado das tropas brasileiras. Naquela região, os combates só terminaram em 2 de julho de 1823.

No Maranhão, no Ceará, no Pará, na Província Cisplatina e no Piauí, portugueses que viviam nessas regiões revoltaram-se contra a independência. Para derrotar os revoltosos, dom Pedro recrutou mercenários estrangeiros, tais como o oficial francês Pedro Labatut e o almirante inglês Lord Cochrane. A vitória das tropas brasileiras impediu a fragmentação do Brasil e garantiu a unidade territorial da jovem nação.


Vídeos sobre o assunto (basta clicar nos links abaixo)*:








* Os vídeos acima foram selecionados pela estagiária Juliane Granusso.


Texto sobre a construção do 7 de setembro como marco da Independência do Brasil (basta clicar no link abaixo para fazer o download do artigo):