Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Morte aos Impostos! Viva o Rei! (*)

(*) Texto escrito por Luciano Figueiredo [1] e originalmente publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, no dia 9 set. 2007.

Um escrito anônimo circulou em Portugal nos idos de 1701. Abusando do destempero, denunciava o excesso de impostos que os moradores do Brasil pagavam: “Tributos no sal, nos vinhos, aguardentes, azeites, couros e tabacos, e dez por cento de tributos nas fazendas de mar em fora para sustentar o Presídio!”. Mais adiante, o texto incriminava sem rodeios os funcionários que serviam ao soberano. Eles pareciam exigir dos colonos: “venha para cá o ouro de sua majestade que lhe queremos pôr a mão por cima, e os bugios [i. é macacos] do Brasil que se esfolem, e das próprias peles paguem os presídios”. O grito de socorro buscava os ouvidos do Rei, ao apelar “Aqui del‐rei, aqui del‐rei que nos acuda, que isto não”.

Portugal não deu trégua aos moradores da América. Farejava oportunidades de tributar onde germinassem riquezas. Os engenhos começavam a moer cana‐de‐açúcar e já apareciam taxas para as caixas de açúcar; uma nova taberna abria suas portas e os barris de vinho chegavam mais caros. O gado que pisava os pastos exigia do seu dono uma contribuição; os carregadores que palmilhavam os caminhos deixavam nas contagens um pagamento pelos secos e molhados que as tropas levavam. Embarcar mercadorias para a Europa e trazer dali azeite, bacalhau e sal custava uma fortuna, paga aos cofres da Companhia de Comércio que fazia esse transporte com exclusividade sob patrocínio régio. Novas riquezas, novos impostos. Um veio de minério era ferido e lá vinha o fiscal para conseguir o “quinto” que deveria ser oferecido ao Rei. Minas Gerais no século XVIII foi, aliás, o paraíso da imaginação tributária. Ali chegaram a existir mais de 80 impostos simultaneamente!

Esse fiscalismo assombrou o Brasil. Mas assombravam mais ainda as reações da população. Um furacão de revoltas contra os impostos varreu a colônia. Revoltas mas, também, rumores, pasquins, abaixo‐assinados, conspirações. Não era preciso muito esforço para uma revolta estalar. O anúncio de um novo imposto, a suspeita de açambarcamento de gêneros básicos pelos comerciantes monopolistas, o boato de aumento de uma taxa: qualquer fagulha espalhava uma onda de violências.

As águas calmas da Baia de Guanabara no dia 8 de novembro de 1660 não pareciam indicar os distúrbios que aconteceriam naquela madrugada. A situação na região estava bastante tensa. Grupos poderosos se indispuseram com Salvador Correia de Sá e Benevides, o governador, suspeito de amealhar fortunas com as rendas da cidade e acusado de administrar cercado de um pequeno grupo de familiares. Sua ligação com os jesuítas também não era nada bem vista. Parecia grossa provocação que, em uma região com grande uso de escravos, o governador se colocasse ao lado dos padres na condenação da escravidão dos nativos.

Por outro lado a posição marítima da cidade custava caro aos moradores do Rio, obrigados a arcar com pesadas taxações para as despesas militares. Suspeitava‐se ainda que esses recursos eram desviados pelo governador para negócios privados. Só quem não parecia preocupado com isso era o titular da capitania. Sem pudor havia lançado há pouco uma nova taxa sobre os prédios da cidade para pagar os intermináveis gastos com a defesa.

Aparentemente tranquilo com tudo que se passava, o governador viajou para inspecionar regiões da capitania vizinha. Sua imprudência custou caro. Ao deixar o comando da cidade nas mãos do interino deu o sinal para a revolta. Fartos de tantos impostos e tamanhos constrangimentos os proprietários de terra do recôncavo promovem uma reunião de milhares de pessoas no Paço da cidade nos primeiros dias de novembro. O povo ocupa a câmara, derruba todas as autoridades do governo pela força, cerca as igrejas e dispara o sino. A palavra de ordem “Liberdade” ganha as ruas, acompanhada de brados de “Viva a Vossa Majestade”, mostrando total lealdade com o soberano português. Elegem novos representantes, nomeiam administradores e aprovam uma constituição com princípios que deveriam servir para o novo governo.

Reformas imediatas são implementadas, dentre elas o alívio tributário. Durante 6 meses uma das cidades mais importantes do Império colonial esteve governada por seus moradores sem o consentimento ou escolha régia, até que Salvador de Sá conseguisse reagir e retomar a cidade. Como era comum acontecer, ele cobra caro pela ofensa: prende dezenas de rebeldes e pendura na forca um dos líderes, Jerônimo Barbalho.

A experiência inaugura uma sucessão de revoltas em reação à cobrança de impostos. No Maranhão as altas taxas cobradas para embarque de mercadorias nos navios da Companhia de Comércio, que monopolizavam a distribuição de gêneros do Grão‐Pará e Maranhão, também não eram bem aceitas. Aliado a isso faltavam escravos africanos para tratar as lavouras. Em 1684, outra vez o afastamento de um governador reabre a temporada de protestos. Liderados por Manuel Beckman, grande proprietário rural, os amotinados juntam os moradores com o apoio dos soldados e estudantes das escolas, prendem os jesuítas e tomam o poder. O passo seguinte foi a suspensão do monopólio e sua taxas, a expulsão dos jesuítas e a deposição do governador. Somente um ano depois um novo administrador chegaria para retomar o poder com delegação do soberano. Para manter o costume enforca os principais líderes, açoita e degreda outros envolvidos e restabelece o monopólio e suas taxas.

Ao longo do século XVIII a inquietação dos moradores não foi menor. A dependência do reino com as rendas do Brasil se aprofunda e, com o crescimento do comércio marítimo e da economia colonial, graças ao ouro e metais descobertos no centro‐sul, prospera a incontinência tributária.

Em Salvador, mal assumira o posto de governador‐geral do Brasil (1711), Pedro de Vasconcellos leva um susto ao ver a sessão que presidia na câmara municipal ser interrompida com os gritos dos rebeldes que invadem a sala sem a menor cerimônia. Os boatos de aumento dos valores cobrados nos impostos sobre o comércio de escravos com a África e do preço do sal exigiam uma resposta com força. A multidão formada por marinheiros soldados comerciantes, padres, oficiais mecânicos e homens pobres controlou a cidade por todo o dia. Atacou a casa do arrematante do sal que escapou de ser trucidado por que recebeu antes o aviso do perigo iminente. Seus móveis são jogados na rua e seus bens arruinados, inclusive os gêneros que guardava no depósito térreo, como sal e bebidas, espalhados pela rua. Cercado e sem alternativas o governador no mesmo dia garantiria à população que jamais passou pela sua cabeça aquele tipo de mudança.

Nessa mesma época, nas sinuosas cidades de Minas Gerais as autoridades também passariam maus bocados quando tentaram cobrar com rigor o quinto sobre o ouro. Ninguém contestava o direito régio de recolhê‐lo, mas ninguém deixou de reagir a cada anúncio de mudança na forma de cobrança. Fora assim desde os primeiros tempos naquela região, onde a terra, como disse um dos governadores, “evapora tumultos” e “a água exala motins”. O anúncio da instalação de casas de fundição em 1719 inquietou os moradores de Vila Rica, a sede da capitania. As expectativas não eram das melhores, uma vez que a fundição se tornava exclusividade da administração régia e tornava‐se proibido o uso do ouro em pó o que dificultava a vida dos que fugiam do pagamento de 20% sobre o metal extraído.

Dos morros próximos descem multidões iradas que percorrem as ruas da cidade aos gritos, destruindo papéis do governo. Dirigem‐se até o governador que busca abrigo na cidade vizinha. Seguem para lá e o obrigam a suspender o projeto das casas de fundição. Assim que a tranquilidade volta a Vila Rica o governador instaura um processo‐relâmpago e condena os líderes à morte. Felipe dos Santos, um dos principais líderes, não consegue fugir a tempo e é submetido a suplícios e dilaceração do corpo com requintes de crueldade.

Não faltou violência nos protestos nem tampouco na reação das autoridades diante da recusa organizada dos moradores da colônia em aceitar a carga tributária. Aparentemente o desassossego generalizado com o excesso de impostos e tantas revoltas desenhava uma situação caótica e até radical. Mas, ao contrário do que parece, esses movimentos preservavam a autoridade máxima do Rei. Acima do bem e do mal, era a ele a quem os rebeldes sempre apelavam. Culpados aos olhos dos colonos eram os administradores que traíam o soberano justo e misericordioso adotando traiçoeiramente medidas injustas. As revoltas aconteciam em nome do rei.

Os povos que viviam no Brasil acionavam um direito de resistência à injustiça fiscal que havia sido construído longe dali, na própria metrópole, que agora parecia desconhecer sua própria história. Quando, na década de 1630, o Império espanhol, sob aperto financeiro, resolveu apertar seus súditos, dentre eles os portugueses, cujo reino encontrava‐se sob a chamada União Ibérica (1580‐1640), e cobrar tributos, uma onda de revoltas toma conta de Portugal a partir de Évora em 1637. Grandes tumultos e mobilizações populares com envolvimento das elites se espalham pelo território até que a independência fosse restaurada em 1640. Nesse processo, para justificar a desobediência com o soberano e a quebra da lealdade, os portugueses elaboraram a ideia de que toda rebelião contra a tirania era justa.

Uma das formas habituais da tirania eram os tributos odiosos, que atropelavam direitos tradicionais e certos princípios do bom governo. Impostos não deveriam levar os súditos à ruína material, assim como não poderiam ser criados sem consulta e por tempo indeterminado. Os recursos arrecadados deveriam ser destinados ao mesmo fim que justificou a criação do imposto. Tampouco as cobranças poderiam ser violentas. Eram regras de ouro que qualquer monarquia, se quisesse governar com tranquilidade, deveria cuidar. Um dos manuais de governo mais consultados pelos soberanos católicos de Portugal dedicava um capítulo especial à forma de tributar. Dizia “Com igual precisão, o Rei astuto, / Podeis tirar, que a abelha vos ensina, / Docemente dos povos o tributo. / E se um reino é a flor mais peregrina; / Se quando esta se perde não dá fruto, / Não lhe busqueis a última ruina.”

Mas nada disso parecia possível de ser seguido na política fiscal aplicada pela metrópole portuguesa no Brasil. Ou bem se tributava e recebia os benefícios da colonização ou bem se governava. Entre o ideal do príncipe perfeito e as necessidades de caixa, Portugal não vacilou em escolher a segunda opção. Muitas vezes, contudo, foi o rumor das ruas que o ajudou a driblar “a última ruína” em meio a esse frágil equilíbrio.

[1] Luciano Figueiredo é professor de História da Universidade Federal Fluminense, editor da Revista de História da Biblioteca Nacional e autor de Rebeliões no Brasil colônia (Editora Jorge Zahar, 2005).

Viva o rei, morte ao governador! (*)

(*) Este texto foi escrito por Flávio José Gomes Cabral [1] e foi originalmente publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, no dia 2 jan. 2012.

Um estrondo vindo das bandas da Rua das Águas Verdes deixou os recifenses assustados naquele cair de tarde do dia 17 de outubro de 1710. Pelo barulho, tratava‐se de um disparo de arma de fogo. De boca em boca soube‐se que o governador Sebastião de Castro e Caldas (?‐1713) fora vítima de uma emboscada. Ele passava por ali em companhia de várias pessoas, vindo da Igreja de Nossa Senhora da Penha em direção à residência governamental no Palácio das Torres, antiga mansão construída pelo conde Maurício de Nassau (1604‐1679).

As notícias sobre os disparos correram velozmente, quase sempre contadas com certo exagero. Não faltaram as que anunciavam a morte do governador. Na hora em que foi alvejado, ele teria visto um vulto na janela de uma casa e saíra em seu encalço, espadim na mão, mas tudo fora em vão, pois seu algoz e mais dois companheiros conseguiram escapar se embrenhando entre os manguezais atrás do Convento de Nossa Senhora do Carmo, alcançando em seguida a Ilha de Joana Bezerra.


Figura 1.: Na obra de Frans Post, cena do cotidiano em
Recife no século XVII.

Castro e Caldas foi conduzido às pressas ao palácio, sob cuidados médicos. Foram feitas rondas, sem qualquer resultado. A opinião nas ruas ficou dividida. Os que nutriam simpatia pelo governador achavam que, ainda que ele “fosse um Herodes, nunca os vassalos Del‐Rei, de quem os governadores são lugares‐tenentes, podiam ter liberdade para ação semelhante”. E foram mais longe ao suspeitarem que membros das famílias Bezerra e Cavalcanti, ligadas às atividades açucareiras, eram os mandantes do crime.

Contra essa opinião, vozes se levantaram acusando o governador de ter simulado o próprio atentado para incriminar a nobreza da terra – as famílias envolvidas com a produção agroexportadora em Pernambuco. Na verdade, Castro e Caldas vinha se indispondo com a elite açucareira, acusado de ser despótico e de utilizar o cargo para favorecer amigos. As relações já estavam muito tensas em princípios de 1710, quando, para desconsolo dos olindenses, ele se posicionou a favor dos mercadores recifenses, ditos mascates, que lutavam pela autonomia do Recife havia bastante tempo.

Toda essa insatisfação chegava ao ponto extremo devido à rivalidade entre a cidade de Olinda, que era a capital da capitania e controlada pelos senhores de engenho, e o povoado do Recife, que se transformara em importante centro mercantil depois da saída dos holandeses em 1654, superando a capital. Para inflamar os ânimos, os negócios da nobreza vinham diminuindo devido à queda do preço do açúcar, obrigando‐a a recorrer aos empréstimos oferecidos pelos mascates, que pouco a pouco passavam a controlar a economia local. Mesmo sendo o Recife um importante centro econômico, dependia politicamente da vizinha Olinda, onde estava a Câmara Municipal. Indignados com a falta de espaço na política, os mascates, interessados em estabelecer a sede da administração da capitania no povoado, lutaram perante o monarca para separar o Recife de Olinda, pretensão que foi atendida pela carta régia de 19 de novembro de 1709, de D. João V, que elevava o Recife à categoria de vila. Com esse novo status, os moradores passaram a ter direitos políticos e a negociar com o rei sem a interferência dos senhores de engenho encastelados em Olinda.

Na realidade, a emancipação do Recife representava, entre outras coisas, a diminuição do alcance dos tributos cobrados pela Câmara olindense, que se via agora privada de importante fonte de receitas. A Câmara se recusou a registrar a carta régia em seus livros e pressionou o governador Sebastião de Castro e Caldas a não acatá‐la. Visivelmente se posicionando ao lado dos mascates, o governador não atendeu aos desejos da Câmara e mandou providenciar a festa de instalação da nova vila, que ocorreu em grande estilo no dia 15 de fevereiro de 1710. O ponto alto das comemorações foi a inauguração do pelourinho, símbolo do poder municipal, erguido em frente à Matriz do Corpo Santo.

Desse momento em diante, a elite açucareira de Olinda, indignada, passou a conspirar para depor o governante. O atentado da Rua das Águas Verdes representou, na prática, uma tentativa frustrada de um desses planos. Aliás, não seria a primeira vez que a elite pernambucana depunha um governador. Em 1666, Jerônimo de Mendonça Furtado, conhecido como Xumbergas, foi vítima de uma conspiração que terminou com sua prisão e expulsão da capitania.

Castro e Caldas tinha conhecimento dessas armações, e informava essas tramas ao rei. Por isso procurou andar acompanhado de grande séquito, como aquele que tinha a seu lado quando foi baleado. A escolha do local do atentado tinha sido bastante pensada, uma vez que a área ficava na periferia recifense, o que facilitaria a fuga dos atiradores. O plano, conforme asseverou o médico Manoel dos Santos, que cuidou do convalescente e posteriormente descreveria em livro os episódios, supunha que, morto o governante, Recife seria sitiado pelas milícias comandadas pela nobreza açucareira. Sua Câmara seria tomada e os funcionários demitidos, voltando o poder, como antigamente, para Olinda. Comentou‐se que as casas de negócio dos mascates seriam saqueadas e os livros contábeis destruídos, apagando vestígios das dívidas dos senhores de engenho. Nesse momento, os insurgentes aguardariam que D. João V revogasse a carta régia que criou a municipalidade recifense.

O governador não perdeu o ânimo de agarrar os criminosos, mandando prender vários suspeitos, e chegou a oferecer um prêmio no valor de 400 mil réis para quem os denunciasse e, caso fosse escravo, promessa de alforria. A nobreza não se deu por vencida e procurou não perder terreno, organizando no interior um movimento destinado a derrubá‐lo. No dia 6 de novembro de 1710, o assunto nas ruas do Recife dava conta de que 10.000 homens armados, incluindo índios com seus arcos e flechas, gritando palavras de ordem de “viva o rei e morra o governador!”, haviam acampado nos arredores. Castro e Caldas procurou negociar um acordo com os insurgentes, e como não tinha homens suficientes para se defender, fugiu na madrugada do dia 7 de novembro para a Bahia.

Com a evasão do governador, o bispo D. Manuel Álvares da Costa (1651‐1733) assumiu provisoriamente a governadoria até a chegada do substituto, Félix José Machado de Mendonça e Vasconcelos (1677‐1731). Olinda festejou a saída de Castro e Caldas. Por suas ladeiras desfilou um boneco representando o fugitivo, enxovalhado e ridicularizado pelos passantes à semelhança do Judas que aparece no sábado de Aleluia. O fato é curioso porque naquela sociedade tradicional, na qual o respeito ao monarca era coisa sublime, a “festa de Judas” se constituiu em ato desrespeitoso, pois os governadores representavam o rei, que representava Deus.

Todos esses incidentes, que desembocariam na Guerra dos Mascates (1710‐1711), mereceram consideração das autoridades de além‐mar, e mesmo a Coroa entendendo que tudo não passara de brigas locais, sem deslealdade, era preciso vigiar os súditos da América portuguesa e evitar que seus intentos rebeldes pusessem em xeque a ordem estabelecida. Este teria sido o recado trazido pela maioria dos governadores nomeados para as terras brasileiras. Apesar de todas essas precauções, não se conseguiu pôr fim às insatisfações brotadas em forma de conspirações e protestos, demonstrando que os vassalos do rei não eram tão submissos assim.

[1] Flavio José Gomes Cabral é professor da Universidade Católica de Pernambuco e autor de Paraíso terreal: a Rebelião Sebastianista na Serra do Rodeador. Pernambuco, 1820 (Annablume, 2004).


Saiba Mais ‐ Bibliografia

COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos. 2ª ed. Recife: Fundarpe, 1984.

MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates – Pernambuco, 1666‐1715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SANTOS, Manoel dos. Calamidades de Pernambuco. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1986.



Pernambuco Dividida*

* Este texto foi escrito por George F. Cabral de Souza [1] e publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, no dia 24 jan. 2011.

Figura 1.: Planta da Vila do Recife, de autor desconhecido (cerca de 1760).

Para conseguir participação política no início do século XVIII, os comerciantes do Recife precisaram enfrentar um conflito civil. Até então, todos os mercadores do Brasil colonial eram excluídos das Câmaras Municipais, o centro do poder local. A disputa foi acirrada, mas os mascates conseguiram o que queriam. O feito era inédito, e três séculos depois esta vitória parece estar mais do que estabelecida. Nas eleições municipais de 2008, quem diria, o vereador mais votado de Olinda foi um vendedor ambulante: Mizael Prestamista conseguiu o voto de 5.300 eleitores. De fato, muita coisa mudou.

Durante quase 200 anos, a aristocracia açucareira pernambucana dominou a Câmara Municipal de Olinda, principal vila da capitania de Pernambuco. Isto acontecia com respaldo da legislação portuguesa. A contenda começou com a expulsão dos holandeses de Pernambuco. Durante a ocupação (1630‐1654), Recife passara de simples ancoradouro de Olinda a um grande centro urbano, ganhando importância. Com a saída dos invasores, formou‐se uma nova comunidade de mercadores. Vinham quase todos do norte de Portugal, para trabalhar como caixeiros ou se dedicavam ao pequeno comércio, e por isso eram chamados de mascates. Muitos deles enriqueceram, chegando a comprar engenhos e escravos.

Com a conquista do poder econômico, não é de espantar que começassem a querer também o poder político. O acesso à Câmara dos Vereadores significava a participação nas principais decisões locais. A instituição tinha múltiplos poderes, como definir valores de mercadorias e tributos, e funcionava ainda como tribunal de primeira instância.

O problema é que ela era controlada pela “nobreza da terra”, ou seja, os senhores de engenho que haviam se empenhado diretamente na luta contra os holandeses. Esse domínio se manteve durante muito tempo, sendo passado para seus descendentes. Quando os comerciantes começaram a cobiçar estes cargos, o clima azedou. Muitos dos senhores de engenho estavam endividados até as orelhas com os mascates. Ceder o mando político local aos seus credores lhes parecia um pesadelo.

Para repelir os comerciantes, os nobres recorreram às antigas e exigentes normas que definiam quem podia se candidatar aos cargos municipais. As eleições para vereador naquela época eram feitas de forma indireta. Votava‐se em um colégio eleitoral e este grupo indicava os nomes para os cargos cujos mandatos eram anuais. Tanto eleitores como eleitos tinham que ser “homens‐bons”, isto é, só podiam participar proprietários de terras e de escravos, que fossem bem‐nascidos. Isso excluía os mestiços, descendentes de judeus e cristãos‐novos (gente recentemente convertida ao cristianismo), e os que exerciam trabalhos manuais. Neste grupo estavam os sapateiros, pedreiros, carpinteiros ou pequenos comerciantes, com suas lidas de pesar, carregar e expor as mercadorias.

Quase todos os comerciantes portugueses no Recife tinham desempenhado trabalhos manuais ou eram filhos e netos de trabalhadores braçais. Além disso, a nobreza da terra alegava que, por só quererem o lucro, os mascates não eram adequados para gerir os assuntos públicos.

Os comerciantes continuaram pressionando por seus interesses, com um poder de barganha que não era pequeno. Entre os serviços que prestavam à Coroa portuguesa estava o empréstimo de recursos para aos cofres da monarquia. Em 1703, uma lei autorizou os grandes comerciantes a serem vereadores. Os mascates, isolados até então em cargos secundários, conseguiram se eleger para alguns dos cargos principais. Mas os nobres se recusavam a tomar posse, paralisando o trabalho da Câmara. Em 1706, a discussão entre dois vereadores sobre uma nomeação acabou em briga. Um nobre e um comerciante trocaram socos e pontapés na sala de reuniões da Câmara de Olinda.

Após muita reclamação de ambos os lados, em 1709 o rei D. João V (1706‐1750) elevou o Recife a vila, com uma Câmara própria. Com autonomia, a localidade não teria mais que disputar com Olinda o poder político.

A notícia chegou ao Recife em 5 de fevereiro de 1710, em meio a um ambiente bastante tenso. Nos meses que haviam decorrido, as desavenças entre mascates e nobres tinham se agravado. Em grande parte, isso acontecera por conta da atuação desastrada do governador da capitania na época, Sebastião de Castro e Caldas. Ele era abertamente partidário dos comerciantes, concedendo‐lhes benesses, prejudicando a nobreza da terra e praticamente transferindo a sede da governança para o Recife, o que tinha grande valor simbólico.

Temendo represálias, Castro e Caldas não divulgou de imediato a emancipação política do Recife; esperou dez dias. As pedras para a construção do novo pelourinho – coluna instalada em local público, símbolo da autonomia da municipalidade e local para castigo de escravos – foram preparadas em segredo. Mas o adiamento não resolveu a situação. O descontentamento da nobreza da terra levou o grupo a iniciar imediatamente sua reação: um atentado contra o governador e a derrubada da Câmara do Recife. Na noite de 17 de outubro, quando voltava de uma missa, Castro e Caldas foi alvejado por vários tiros. Ferido, o governador tentou em vão reprimir a sedição. Os contingentes reunidos por senhores de engenho conseguiram avançar para o Recife.

No dia 6 de novembro, cerca de três mil homens acamparam nas imediações de um Recife tomado pelo pânico. Testemunhos da época relatam que desde a invasão holandesa não se presenciava tanto desespero. Acuado, o governador fugiu para a Bahia. Com ele foram os mascates mais envolvidos nas manobras que levaram à criação da nova Câmara e os maiores credores dos senhores de engenho.

Figura 2.: Os mascates e seus servos, numa gravura de Chamberlain. Com seu crescente poder econômico, os comerciantes recifenses queriam participação no poder político municipal.

As autoridades que permaneceram na capitania conseguiram manter os ânimos sob controle. As milícias foram autorizadas a marchar pela vila. As fileiras mais numerosas entraram no dia 9, acompanhadas por religiosos encarregados de manter a ordem e coibir abusos. Nesse mesmo dia, 12 índios foram enviados ao pelourinho com a missão de destruí‐lo. Após derrubar a coluna, arrastaram pelas ruas a placa de bronze que materializava a autoridade municipal do Recife. Outras duas marchas menores foram feitas nos dois dias seguintes, e ao longo do trajeto os milicianos bradaram ofensas contra o Recife.

Por ordem régia de 1707, competia ao bispo D. Manuel Álvares da Costa assumir o governo. No entanto, ele estava na Paraíba em visita pastoral, e teve que sair de lá às pressas. Com a confusa situação, os líderes locais acharam melhor chegar a um consenso sobre quem deveria governar. Um grupo mais radical queria a proclamação de uma república controlada pela nobreza, nos moldes de Veneza (proposta pioneira no continente americano). Já os moderados defendiam a entrega do governo ao bispo. Depois de muito debate, a posição desses últimos prevaleceu.

D. Manuel Álvares da Costa governou Pernambuco durante 11 meses, controlado de perto pelos nobres. A nova Câmara foi fechada, seus papéis foram destruídos e seus oficiais, humilhados em praça pública. Em Lisboa, a notícia chegou no final de fevereiro de 1711, e o Conselho Ultramarino começou a preparar a punição ao levante. Um novo governador, Félix José Machado, foi nomeado e instruído a identificar e prender os cabeças da sedição dos nobres.

Enquanto isso, os mascates se articulavam para reagir. Tinham que garantir que o novo governador pudesse assumir. Em 18 de junho de 1711, tomaram as fortalezas do porto. A nobreza sitiou a vila com 1.500 homens e canhões retirados dos fortes litorâneos. Os mascates dispararam cerca de cinco mil projéteis contra os sitiantes, mas não conseguiram romper o cerco. As baixas somadas não chegaram a uma dezena, mas na vila houve escassez de comida e água potável. A população teve que comer mariscos com açúcar.

Em Pernambuco e nas capitanias vizinhas, a população se dividia entre apoiar Olinda ou Recife. Alguns senhores de engenho do sul de Pernambuco aderiram ao Recife, o que permitiu que a vila fosse abastecida pelo mar com provisões embarcadas em portos secundários. O impasse durou até o outubro de 1711, quando o novo governador chegou. Após delicadas negociações, os combatentes foram desmobilizados. Só então Félix Machado pode desembarcar e ser empossado. No início, agiu de forma aparentemente imparcial, mas quando a poeira baixou, pôs em prática um elaborado plano de repressão aos nobres da terra.

A Câmara do Recife voltou a funcionar em meados de novembro de 1711. Ao longo das décadas seguintes, surgiram vários pontos de atrito entre as duas municipalidades. Questões de jurisdição sobre a administração dos tributos alimentaram um conflito político crônico. De qualquer forma, o resultado da Guerra dos Mascates foi a entrada de um novo grupo social na esfera política. No século XXI, quando o vereador mais votado nas eleições locais foi um comerciante que diz ter orgulho do que faz, fica evidente o legado do conflito.

[1] GEORGE F. CABRAL DE SOUZA É PROFESSOR DE HISTÓRIA DA UFPE, PRESIDENTE DO INSTITUTO ARQUEOLÓGICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO PERNAMBUCANO e AUTOR DA TESE “ELITES Y EJERCICIO DE PODER EN EL BRASIL COLONIAL: LA CÁMARA MUNICIPAL DE RECIFE (17101822)”.


Saiba Mais ‐ Bibliografia

ACIOLI, Vera Lúcia Costa. Jurisidição e Conflito. Aspectos da administração colonial em Pernambuco no século XVII. Recife: Ufpe, 1997.

MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos. Nobres contra mascates: Pernambuco, 16661715. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Saiba Mais ‐ Documento

SANTOS, Manuel dos. Calamidades de Pernambuco. Editado por SILVA, Leonardo Dantas. Recife: FCCR, 1986.



Há Controvérsias*

* Texto originalmente escrito por Adriana Romeiro [1] e publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional.


O episódio é famoso. Bandeirantes paulistas descobrem enormes jazidas de ouro na região de Minas Gerais e reclamam exclusividade em sua exploração. Os achados atraem muitos portugueses e pessoas de todas as partes do Brasil. Esses forasteiros são pejorativamente chamados de “emboabas” – para alguns, a palavra designava o indivíduo que cobria as pernas para protegê-las dos perigos dos sertões. As tensões entre os dois grupos culminam em um conflito armado que ficou conhecido como Guerra dos Emboabas. Há exatos 300 anos.

O confronto entre paulistas e emboabas já foi tema de um sem-número de livros e estudos. No entanto, pouco se avançou no conhecimento do episódio. Ao longo dos anos, houve um debate acalorado e polarizado que nada mais fez do que mascarar as reais motivações da guerra. Ao contrário do que se defendeu por muito tempo, o fato é que nem os bandeirantes nem os emboabas eram movidos pelo amor à terra.

O levante emboaba entraria para os anais da história mineira e para a memória local como o evento mais formidável das origens da capitania. Prova disso é o poema épico “Vila Rica”, no qual Manuel da Costa narra o nascimento da vila mineira partindo do conflito entre paulistas e emboabas:

“Levados de fervor, que o peito encerra
Vê os Paulistas, animosa gente,
Que ao Rei procuram o metal luzente
Co’as próprias mãos enriquecer o erário.”

Mas ainda no século XIX deixa de ser um conflito local em torno da posse das minas de ouro para se tornar um capítulo memorável na biografia da jovem nação. Na pena de historiadores como Affonso de E. Taunay, J. Soares de Mello, Capistrano de Abreu e Isaías Golgher, a Guerra dos Emboabas ganha grandes proporções e se transforma em uma luta sangrenta e implacável do povo brasileiro em nome da liberdade contra o domínio tirânico da metrópole.

Esse tipo de interpretação floresceu em torno do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), preocupado em estudar e valorizar os processos que levaram à independência do país. Ao cunhar a expressão “revoltas nativistas”, aqueles historiadores pretendiam designar os conflitos coloniais marcados por um incipiente sentimento nacionalista. Mas, ao contrário de outros episódios do gênero – como a Revolta de Beckman, a Guerra dos Mascates, o Motim do Maneta e a Revolta de Vila Rica –, a Guerra dos Emboabas apresentava uma dificuldade: qual era, afinal, o grupo social imbuído desse caráter autonomista ou nacionalista? Quem seriam os verdadeiros defensores da causa nacional? A questão ainda dividia a historiografia no século XX: de um lado ficaram os partidários dos paulistas; de outro, os dos emboabas.

Os pró-paulistas, engajados na exaltação da figura do bandeirante, dominaram os estudos sobre a Guerra dos Emboabas entre os anos 1920 e 1940. Para autores como Alfredo Ellis Júnior, Teodoro Sampaio e Taunay, o episódio foi, antes de tudo, o “noviciado da liberdade para a terra de Santa Cruz”. Os homens do Planalto de Piratininga seriam os legítimos representantes da nação brasileira, os defensores da pátria contra a cobiça de Portugal.

Apesar de dominante, essa não foi a única interpretação a respeito do conflito. Em uma chave oposta, outra corrente historiográfica defendeu uma interpretação inteiramente oposta: identificavam na causa emboaba as sementes do sentimento nacional. Seus argumentos: os rebelados aclamaram Nunes Viana como governador local, em franca desobediência à Coroa portuguesa.

O ato seria uma afirmação de projeto autonomista, pondo em xeque o domínio metropolitano. O historiador Isaías Golgher, russo radicado em Belo Horizonte, é o grande defensor desta tese. Para ele, a Guerra dos Emboabas foi “a primeira guerra civil nas Américas”, um movimento de resistência que culminaria mais tarde com Tiradentes.

Mas, afinal, quem tem razão? Teriam sido os emboabas os precursores da liberdade contra o domínio metropolitano, como quis Golgher? Não exatamente. Desde o início do conflito, o partido emboaba se apresentou como representante legítimo dos interesses de Portugal contra a turba de paulistas insubmissos e rebeldes. Inspirados no exemplo de Portugal sob o domínio da Espanha entre os anos de 1580 e 1640, os emboabas comparavam a libertação das Minas Gerais com a Restauração lusitana. Segundo eles, em ambos os casos era o povo português que se insurgia contra a opressão em nome da liberdade.

É revelador, por exemplo, o fato de o Conselho Ultramarino, órgão responsável pela administração colonial, ter simpatizado com a luta dos emboabas. O governador Antônio de Albuquerque, enviado para promover a pacificação dos sertões, chegou a ser orientado para que fosse em tudo favorável aos emboabas. E assim, apesar de Nunes Viana ter deixado seu cargo, a grande maioria dos emboabas foi mantida em seus postos. Em 1709, a geração heroica dos descobridores paulistas abandonaria a cena mineira para buscar ouro nos sertões de Goiás e Mato Grosso.

Seriam então os paulistas os precursores da Independência brasileira? Também não é bem isso. Apesar da força avassaladora das interpretações tradicionais, os paulistas não nutriam um ódio especial pelos portugueses. Para eles, emboaba era, sobretudo, o forasteiro, fosse ele carioca, pernambucano, baiano ou português. Tampouco se bateram por um ideal de libertação nacional ou pela contestação da opressão metropolitana. O que estava realmente em jogo era a convicção de que, como responsáveis pela descoberta e pelo povoamento dos sertões, eles mereciam privilégios e prerrogativas especiais na administração da região.

Para se ter uma ideia, em 1705, quando a supremacia política dos paulistas começava a se enfraquecer ante o avanço dos forasteiros, o prestigiado sertanista Garcia Rodrigues Pais chegou a escrever ao rei implorando, em tom ressentido, que os cargos ficassem nas mãos de seus patrícios. Pouco antes, a Câmara da Vila de São Paulo também se dirigira ao rei para pedir o monopólio das terras a serem repartidas na região mineradora.

Os paulistas reivindicavam mesmo era o controle político. Não porque fossem vassalos rebeldes em luta contra o poder metropolitano, mas pelo chamado “direito de conquista”, uma noção jurídica tradicional do Antigo Regime português, que assegurava aos descobridores um tratamento privilegiado por parte da Coroa.

Entre uma e outra versão, o que se percebe é que muito do que se escreveu até recentemente sobre a guerra deriva quase exclusivamente das interpretações divulgadas por paulistas e emboabas ainda no século XVIII. Assim foram se perpetuando as acusações de lusofobia da parte dos paulistas e as alegações de que os emboabas seriam movidos pela cobiça desenfreada. Ambas as visões são pra lá de parciais e tendenciosas, o que acabou polarizando o conflito.

O que se pode concluir de tanta discórdia é que, na verdade, a Guerra dos Emboabas não foi, de modo algum, uma revolta nativista. Ponto final. Mesmo se restringirmos o conceito de nativismo à acepção corrente no século XVIII, isto é, de sentimento de amor à pátria, ainda assim a palavra não se aplica ao conflito. Nem paulistas nem emboabas pareciam movidos pela afeição à terra. O aprisionamento do conflito nesse rótulo nativista impediu gerações de historiadores de perceberem que, por trás das divergências entre os dois grupos, o que existia na época era uma cultura política peculiar. Uma política herdeira tanto das doutrinas que no século anterior tinham legitimado a insurreição de Portugal contra o domínio espanhol quanto do conturbado processo de negociação entre os descobridores e a Coroa em torno da exploração das riquezas minerais.

Paulistas e emboabas eram todos igualmente forasteiros numa terra recém-descoberta. Juntos formavam uma multidão de 50 mil pessoas que fervilhavam à beira dos rios e caminhos, nos sertões distantes e inóspitos, e disputavam lado a lado as lavras e datas minerais. E ali, em meio a essa “multidão vaga e tumultuária”, no dizer dos contemporâneos, confluíam valores e concepções políticas forjados em experiências históricas muito diferentes.

Como bem sabiam os observadores, a guerra era tão-somente uma questão de tempo...

“Os que não aprendem com a História, vão cometer sempre os mesmos erros”.

[1] ADRIANA ROMEIRO É PROFESSORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS E AUTORA DO LIVRO PAULISTAS E EMBOABAS NO CORAÇÃO DAS MINAS: IDÉIAS, PRÁTICAS E IMAGINÁRIO POLÍTICO NO SÉCULO XVIII (UFMG, 2008).


Em busca do ouro

A Guerra dos Emboabas foi um confronto travado entre 1708 e 1709 pelo direito de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro no sertão das Minas Gerais. Responsáveis pelos achados, os paulistas se instalaram na incipiente estrutura administrativa ali montada e reivindicaram o direito exclusivo de exploração. No entanto, logo que a notícia da descoberta se espalhou, milhares de pessoas migraram para a região, ficando pejorativamente conhecidas como emboabas, em referência às aves de mesmo nome. O aumento considerável do contingente de forasteiros desequilibrou a frágil balança dos poderes locais, ameaçando o domínio dos paulistas.

O conflito armado constitui o ápice de uma longa série de pequenos incidentes. Em outubro de 1708, os emboabas iniciam o levante com um ataque de surpresa ao arraial do Sabará sob o comando de Manuel Nunes Viana. Português de origem humilde, Nunes Viana seria logo aclamado governador. Uma afronta direta à Coroa, já que a região estava sob a jurisdição do governador do Rio de Janeiro, D. Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre. Ademais, a escolha dos governantes era prerrogativa do rei. Em agosto de 1709, menos de um ano depois do início do conflito, D. Antônio de Albuquerque, recém-nomeado governador do Rio de Janeiro, pisa em solo mineiro determinado a pôr fim à guerra. Ao contrário do seu antecessor, que havia tentado apaziguar os ânimos mas acabou sendo expulso e ameaçado de morte, Albuquerque alcança um êxito surpreendente. Ele destitui Nunes Viana, mas conserva a composição da estrutura administrativa emboaba. No fim, a guerra se encarregou de afastar os paulistas da região, abrindo caminho para a adoção de um novo projeto político.


Saiba Mais - Bibliografia:

GOLGHER, Isaías. Guerra dos Emboabas: a primeira guerra civil nas Américas. 2a. edição. Belo Horizonte: Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, 1982.

MELLO, J. Soares de. Emboabas: crônica de uma revolução nativista – documentos inéditos. São Paulo: São Paulo Editora, 1929.

SUANNES, S. Os emboabas. São Paulo: Brasiliense, 1959.