A penetração europeia na África e na Ásia ocorreu em uma época na qual muitos cientistas debatiam as teorias evolucionistas difundidas na Europa desde o início do século XIX e cujo ápice foi o livro A origem das espécies, do naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882). Lançada em 1859, essa obra procurava explicar do ponto de vista da Ciência - e não da religião - como surgiram os seres vivos na Terra.
Segundo Darwin, todas as formas de vida na Terra descendem de um ancestral comum. A diversidade biológica do planeta seria fruto de um processo que em 1872 ele chamou de evolução. Em sua teoria, a evolução se manifesta de forma gradual por meio da seleção natural. Esta última faz que as espécies transmitam às gerações seguintes as características que aumentam suas possibilidades de sobrevivência, de modo a assegurar-lhes a existência. Já as características consideradas desvantajosas à sobrevivência da espécie teriam possibilidades mais reduzidas de serem transmitidas aos descendentes.
As ideias de Darwin e de outros evolucionistas da época foram aproveitadas por muitos cientistas e pensadores europeus para afirmar que a espécie humana era composta de várias raças.
Sendo assim, muitos passaram a defender a ideia de que as raças mais fortes e capazes sobreviveriam, enquanto que as raças mais fracas e incapazes seriam sucumbidas pela seleção natural e social. Segundo esses pensadores, os brancos, de modo geral, pertenceriam às raças mais capazes, ou seja, às raças "superiores", enquanto os não europeus pertenceriam às raças "inferiores". Alguns cientistas, como Ernst Haeckel (1834-1919), afirmavam que na base dessa escala encontravam-se os judeus e os negros.
Figura 1. Ilustração da obra Antropogenia ou História da evolução
do homem (1874), de Ernst Haeckel, que compara um homem negro
a alguns primatas. Imagens que se pretendiam "científicas" como essa
ajudaram na propagação do racismo.
Essas teorias foram amparadas no chamado "racismo científico". Elas serviram para justificar a colonização da África e da Ásia pelos europeus a partir do século XIX, uma vez que, aos olhos de muitos colonizadores, os habitantes desses continentes seriam seres inferiores, atrasados, preguiçosos e incivilizados. Ficava justificada, assim, a "missão civilizadora" dos europeus nesses continentes.
Durante o século XX, muitos trabalhos científicos mostraram o quanto havia de inconsistente nessas ideias. Os cientistas observaram que as diferenças das sequências genéticas entre dois indivíduos não chega a 1%.
As variações encontradas - como a cor da pele ou dos olhos, por exemplo - são resultado do processo evolutivo do ser humano diante da necessidade de se adaptar às condições ambientais em que passou a viver. Já as diferenças culturais decorrem dos processos histórico-sociais distintos de cada povo. Ou seja, a espécie humana é única.
(FONTE: AZEVEDO, Gislane; SERIACOPI, Reinaldo. História em movimento 2: o mundo moderno e a sociedade contemporânea. 2. ed. São Paulo: Ática, 2014, p. 240-241.)
A persistência do racismo na atualidade
Embora vários estudos nas últimas décadas tenham demonstrado que não existem raças diferentes de seres humanos, mas apenas uma única, o racismo teima em continuar existindo na atualidade. Episódios de manifestações racistas podem ser vivenciados em várias esferas da sociedade, mas nos últimos anos ganharam destaque alguns que ocorreram no futebol.
No dia 27 de abril de 2014, no jogo entre Barcelona e Villarreal - partida válida pelo Campeonato Espanhol -, o jogador brasileiro do Barça, Daniel Alves, foi alvo de ofensas racistas por parte da torcida adversária, que jogou bananas em sua direção. Daniel Alves, que se preparava para cobrar um escanteio, respondeu ao gesto da torcida rival de uma maneira inesperada: ele se abaixou, pegou uma das bananas e a comeu. O Barcelona venceu o Villarreal por 3 a 2.
Figura 2. Após a torcida do Villarreal atirar bananas em sua direção,
o jogador Daniel Alves, do Barcelona, abaixou-se e comeu uma delas.
Episódios como esse, infelizmente têm acontecido com frequência. No Brasil, um caso emblemático foi o do goleiro Aranha que, jogando pelo Santos, foi chamado de "macaco" por parte da torcida do Grêmio em uma partida do Campeonato Brasileiro de 2014.
Figura 3. Durante uma partida do Campeonato Brasileiro de 2014,
parte da torcida do Grêmio ofendeu de maneira racista o goleiro Aranha,
do Santos. Na imagem, torcedora do time gaúcho aparece
gritando "Macaco!" em direção ao goleiro do time adversário.
Mas afinal de contas, por que é tão grave chamar uma pessoa negra de "macaco"? Para responder a essa pergunta, recomendamos a leitura de um interessante texto de Hélton Santos Gomes, publicado no Jornal Correio de Uberlândia no dia 23 de maio de 2014:
SOMOS TODOS MACACOS?, por Hélton Santos Gomes*
Temos
visto constantemente atos racistas contra jogadores negros pelos gramados
europeus. A ofensa mais comum é comparar o negro com o macaco. Assim sendo,
para que possamos entender o porquê do uso ofensivo da comparação de
afrodescendentes com macacos teremos que recorrer à história, pois só assim
entenderemos a força e o objetivo de tais insultos.
O
antecessor de Charles Darwin, Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829), dizia que a
evolução não se dava por meio da seleção natural, mas sim por meio de uma força
vital que levava os organismos a se tornarem mais complexos, funcionando em
combinação com a influência do ambiente. De acordo com esta ideia, os seres se
encaminhariam para um melhoramento constante, rumo à perfeição. Portanto, os
seres humanos não compartilhariam um ancestral em comum com os macacos, nós
seríamos os descendentes diretos dos macacos e, por consequência disto, os
africanos seriam o elo entre os macacos e os europeus. Em outras palavras, os
não-europeus seriam mais macacos do que humanos.
As ideias
de Lamarck contribuíram para o surgimento do racismo científico, este que
acabou colaborando para que o europeu subjugasse outros povos. Basta lembrarmos
que, em 1906, um pigmeu congolês chamado Ota Benga foi enjaulado junto com
macacos e exibido em um zoológico na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Tal exposição se deu com o intuito de demonstrar que Benga representava a forma
mais baixa de desenvolvimento humano. Vale ressaltar que a teoria de Lamarck
não é mais aceita e que Darwin jamais disse que os seres humanos descendem dos
macacos.
Diante de
tais fatos históricos, fica fácil compreender porque tais atos racistas são
inadmissíveis e causam a revolta de quem os sofre. Pois, como disse o
australiano James Bradley, professor de História da Medicina/Ciência da Vida da
Universidade de Melbourne, “invocar a imagem do macaco é acessar o poder que
levou a desapropriação das populações não europeias e outras heranças do
colonialismo”.
Portanto,
acreditamos que independentemente da postagem do jogador Neymar em seu
Instagram com o uso da marcação #somostodosmacacos ter sido planejada por um
publicitário e dar margem para interpretações ambíguas, o fato é que tal
atitude serviu para alertar a sociedade sobre a importância de se debater sobre
o preconceito, não só no esporte, mas também na sociedade em geral.
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* O título do texto de Hélton Santos Gomes faz referência a uma campanha iniciada pelo jogador brasileiro Neymar na internet, após o episódio de racismo sofrido pelo jogador Daniel Alves no dia 27 de abril de 2014. Em apoio ao amigo, Neymar postou uma mensagem em uma rede social com a marcação "#somostodosmacacos". Pouco depois, a imprensa revelou que o slogan havia sido desenvolvido por uma agência de publicidade.