Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

domingo, 13 de setembro de 2015

O Brasil entre 1946 e 1964

Com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas iniciou-se a reorganização política do Brasil. Eleições presidenciais e para a escolha de parlamentares que formariam uma Assembleia Constituinte foram marcadas. No campo partidário, surgiu a União Democrática Nacional (UDN), um partido de direita que se organizou como oposição à herança varguista, defendendo os princípios liberais e os interesses dos grandes proprietários de terra e da indústria aliada ao capital estrangeiro. O Partido Social Democrático (PSD) era um partido de centro formado basicamente por remanescentes do Estado Novo (ex-interventores estaduais e antigos controladores das máquinas político-administrativas). O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) situava-se um pouco mais à esquerda e surgiu em torno da estrutura sindical montada durante o governo de Vargas, procurando atrair as camadas populares das grandes cidades, que estavam satisfeitas com a obra social e trabalhista do Estado Novo. Tanto o PSD quanto o PTB estavam sob a influência da Vargas.

Nas eleições de dezembro de 1945, os dois candidatos com mais chances de vitória eram o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, e o general Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro de guerra de Vargas e candidato pelo PSD. Apoiado por Vargas e pelo PTB, Dutra venceu as eleições com 55% dos votos. Ainda com muito prestígio junto à população, Vargas foi eleito deputado por sete estados e senador por dois, assumindo uma cadeira no Senado representando o estado do Rio Grande do Sul. O Partido Comunista elegeu Luís Carlos Prestes como senador e 15 deputados.

O texto final da quinta Constituição do país em pouco mais de um século ficou pronto em 1946. Buscou-se em sua redação delimitar a ação dos poderes Legislativo (bicameral, com Senado e Câmara dos Deputados), Executivo e Judiciário, no intuito de impedir a centralização política em torno do Executivo que ocorreu durante o Estado Novo. Contudo, o Executivo acabou ficando com grandes poderes, como o de nomear os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da República seria eleito por voto direto e secreto para um mandato de cinco anos, sem direito à reeleição. O Brasil foi definido como uma República Federativa, com autonomia administrativa de estados e municípios. O direito ao voto foi garantido a maiores de 18 anos de ambos os sexos, com exceção dos analfabetos, o que excluía do jogo político quase metade da população brasileira. Foram asseguradas a liberdade de consciência e de crença, a liberdade de reunião e de associação e o direito ao habeas corpus (ação jurídica que protege o cidadão de detenção ou prisão por ato abusivo de um agente do Estado). A censura foi mantida apenas para espetáculos e diversões públicas. A Constituição de 1946 também previa a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, mas, como não houve nenhuma lei complementar nesse sentido, isso não entrou em vigor naquela época. Os sindicatos foram definidos como órgãos de colaboração com o Estado – o que mantinha o corporativismo do sistema sindical –, o imposto sindical foi mantido (a sua existência permitia o controle sobre as diretorias dos sindicatos) e o Estado manteve o poder de intervir nos sindicatos. Por outro lado, foi garantido o direito de greve aos trabalhadores. A Constituição ainda preservou a estrutura fundiária do país, fundada na concentração de terras, e manteve o casamento indissolúvel, proibindo o divórcio.


O Governo Dutra

Eurico Gaspar Dutra assumiu o governo na mesma época em que se iniciava a Guerra Fria, o conflito latente entre a URSS e os EUA que dividiu o mundo em dois blocos de países. Em 1947, foi assinado, no Rio de Janeiro, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) que, sob a influência dos EUA, estabelecia que um ataque a um país americano seria considerado um ataque a todos os outros, definindo assim o alinhamento dos países signatários aos EUA.

O eixo da política econômica do governo Dutra durante o início de seu governo foi o conjunto de princípios do liberalismo. O presidente mostrou-se favorável à entrada de capital estrangeiro no país e, ao contrário do que fizera Getúlio, entregou o comando do desenvolvimento do Brasil à iniciativa privada. As importações foram facilitadas, incluindo aquelas de produtos supérfluos ou com similares produzidos no Brasil. Dutra esperava que a concorrência dos produtos estrangeiros reduzisse os preços e equilibrasse a economia, sem afetar o crescimento do país. As importações provocaram uma perda considerável dos recursos acumulados com as exportações durante a Segunda Guerra Mundial. A política econômica acabou passando por algumas alterações, assim, o governo começou a restringir importações de bens de consumo e houve a valorização do cruzeiro (moeda corrente na época) para incentivar a produção nacional voltada ao consumo interno. Buscava-se estimular o crescimento da indústria brasileira. Entre 1948 e 1950, o PIB brasileiro cresceu em média 8% ao ano, todavia, houve o aumento da inflação e do desemprego. O salário mínimo permaneceu inalterado, o que reduziu o poder aquisitivo da classe trabalhadora.

Como reflexo da Guerra Fria, manifestações e greves tornaram-se frequentes. Uma campanha anticomunista foi iniciada por Dutra e, dessa maneira, em 1947, o governo rompeu relações diplomáticas com a União Soviética e declarou o PCB ilegal, alegando que o partido era controlado pela União Soviética. Os parlamentares da bancada comunista no Congresso foram cassados em 1948, e o PCB voltou à clandestinidade. A repressão aos setores de esquerda foi acompanhada pelo controle governamental sobre as atividades sindicais dos trabalhadores. Um decreto de Dutra restringiu o direito de greve, ao definir diversas atividades como essenciais e proibir a paralisação dos trabalhadores nessas áreas. A ação de Dutra contra o direito de greve tinha como objetivo conter as paralisações provocadas por perdas salariais resultantes da inflação. As medidas levaram amplos setores da sociedade brasileira a um clima de crescente insatisfação.

Em meio a este cenário, Getúlio Vargas venceu as eleições de 1950 pelo PTB com quase 4 milhões de votos, derrotando Cristiano Machado, candidato do PSD apoiado por Dutra, e Eduardo Gomes, candidato da UDN. O retorno de Getúlio à Presidência da República foi celebrado pela marchinha de Haroldo Lobo e Marino Pinto: “Bota o retrato do velho outra vez / Bota no mesmo lugar / O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”. Vargas foi eleito após realizar uma campanha eleitoral nacionalista, na qual defendeu o desenvolvimento da indústria brasileira e a ampliação dos direitos trabalhistas.


O Segundo Governo de Getúlio Vargas

Getúlio Vargas foi eleito presidente com 48,7% dos votos, ou seja, sem obter a maioria absoluta dos votos. Insatisfeita com o resultado, a UDN se opôs à posse de Vargas, mas, como a lei eleitoral da época não exigia maioria absoluta, Getúlio assumiu o governo normalmente. Além da UDN, jornais influentes da época também desconfiavam do populismo de Vargas e alertavam o povo para o risco de uma nova ditadura. Adotando um estilo conciliador, Getúlio nomeou um ministério bastante conservador, em sua maioria formado por membros do PSD. Inicialmente, Vargas chegou a apresentar propostas liberais para combater a inflação e reequilibrar as finanças públicas, com menos intervenção estatal e com a abertura do país às importações.

Todavia, uma disputa entre duas correntes acabaria mudando a política econômica do governo. O que estava em discussão era qual deveria ser o modelo de desenvolvimento econômico a ser adotado pelo Brasil. De um lado, estavam os defensores do ingresso do capital estrangeiro no país, como a UDN e a grande imprensa. Os “entreguistas”, como esse grupo era pejorativamente chamado, defendiam a ideia de que o governo deveria manter um rígido controle orçamentário para conter a inflação e evitar déficits públicos. Do outro lado, políticos do PSD, do PTB e do ABC argumentavam que o desenvolvimento do país devia ocorrer de forma autônoma, por meio da estatização de áreas estratégicas da economia. Esse segundo grupo era o dos “nacionalistas” e desejava evitar a entrada de capital estrangeiro no país.

A política econômica de Vargas acabou sendo marcada pelo nacionalismo, limitando a 10% a remessa para o exterior de lucros de empresas estrangeiras. O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) foi criado para incentivar principalmente a área industrial. Estava definida, assim a intervenção do governo na economia. O ministro da Fazenda, Horácio Lafer, anunciou um plano que destinava 1 bilhão de dólares a investimentos na indústria de base, transporte e energia.

O petróleo era o grande tema de disputa entre “entreguistas” e “nacionalistas”, e muito se discutia a respeito do que devia ser feito com este recurso natural. O monopólio estatal sobre o petróleo e a abertura da exploração do produto ao capital internacional eram as duas opções que estavam sendo discutidas. Após Vargas enviar ao Congresso, em 1951, um projeto de lei que tinha como objetivo estatizar e monopolizar a exploração e distribuição do petróleo brasileiro, o debate mobilizou a opinião pública. A grande imprensa e empresários de vários setores usavam os meios de comunicação para convencer a população da necessidade de se abrir o negócio do petróleo ao capital estrangeiro. Por usa vez, estudantes da UNE, sindicalistas e comunistas defendiam o monopólio estatal sobre o petróleo com o slogan “O petróleo é nosso”. A mobilização popular nas ruas das grandes cidades foi enorme, e o Congresso aprovou a criação da Petrobras em outubro de 1953. A empresa estatal passava a deter o monopólio de exploração, distribuição e refino do petróleo no Brasil.

Os setores conservadores da sociedade brasileira não ficaram insatisfeitos apenas com a política econômica nacionalista de Vargas. Quando eclodiu a Guerra da Coreia (1950-1953) e o governo brasileiro recusou-se a enviar tropas à região, mantendo uma posição de neutralidade no conflito, houve atritos com o governo dos EUA, com setores das Forças Armadas e da sociedade civil. Enquanto isso, o custo de vida só aumentava por conta da inflação e corroía os salários, o que provocou protestos, como a greve que paralisou 300 mil trabalhadores em São Paulo e no Rio de Janeiro, em 1953. Vargas nomeou João Goulart para o Ministério do Trabalho. Goulart era um político do PTB gaúcho que tinha bom trânsito nos sindicatos, mas era mal visto pelos conservadores, que o consideravam um radical de esquerda. No início de 1954, João Goulart se viu pressionado pelos trabalhadores e anunciou um aumento de 100% no salário mínimo. Porém, setores da sociedade brasileira que eram contrários ao aumento, entre os quais estavam membros das Forças Armadas, forçaram Getúlio a demitir Goulart. No dia 1° de maio de 1954, o próprio Vargas decretou o aumento salarial que o ex-ministro do Trabalho havia proposto.

O aumento do salário mínimo provocou críticas por parte da oposição, que acusava Getúlio de favorecer aliados políticos e de corrupção. Por meio do seu jornal Tribuna da Imprensa, o deputado Carlos Lacerda (UDN) lançou uma agressiva campanha contra Vargas e seus auxiliares, acusando-os de corrupção, em 1954. Membros da UDN e das Forças Armadas passaram a defender o afastamento de Getúlio da Presidência. A situação política ficou ainda mais tensa quando, no dia 5 de agosto de 1954, Lacerda sofreu um atentado a tiros que provocou a morte de seu segurança, um major da Aeronáutica chamado Rubens Vaz. Segundo as investigações, o mandante do atentado era Gregório Fortunato, guarda-costas de Vargas. Uma grave crise política instalou-se no país e parlamentares da UDN começaram a exigir a renúncia de Getúlio. A indignação era geral, e até o vice-presidente Café Filho propôs a sua própria renúncia e a de Getúlio. No dia 23 de agosto, Vargas reuniu o seu ministério e alguns dos ministros ali presentes sugeriram um afastamento temporário de Getúlio, enquanto os militares defendiam que Vargas deveria renunciar ao cargo. Pressionado, o presidente suicidou-se em 24 de agosto de 1954 com um tiro no coração.


O Brasil depois da morte de Vargas

A comoção gerada pela morte do presidente foi grande, com multidões tomando as ruas das principais cidades do país. Jornais e emissoras antigetulistas sofreram depredações, bandeiras estadunidenses foram queimadas. Parte da população considerava que o “pai dos pobres” foi levado à morte por seus opositores. A crise política que já estava instalada no país antes de 24 agosto de 1954 ficou ainda mais intensa com a morte de Vargas. O vice-presidente João Café Filho assumiu o governo do país. Café Filho montou um ministério predominantemente udenista, procurou combater a inflação, restringiu o crédito e os gastos públicos. As suas medidas acabaram levando a economia à recessão. Em 1955, foi criada a Instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que permitia a importação de equipamentos com uma política cambial favorável, todavia, o governo acabou recuando por causa das críticas dos nacionalistas.

Naquela tensa conjuntura, havia a constante ameaça de um golpe de Estado liderado pela UDN, e foi nesse clima que foram realizadas as eleições presidenciais. O PSD lançou como candidato o político mineiro Juscelino Kubitschek, ex-prefeito de Belo Horizonte (1940-1945) e que governava o estado de Minas Gerais quando foi escolhido para ser um presidenciável. O PTB lançou João Goulart como candidato a vice na chapa, compondo desta maneira a “frente nacional”, fundada no binômio nacionalismo-desenvolvimentismo. Kubitschek e Goulart eram herdeiros políticos de Vargas. A UDN lançou a candidatura do general Juarez Távora, o PSP apoiou Ademar de Barros e o PRP lançou Plínio Salgado como o seu candidato. Nas eleições realizadas em 1955, Juscelino Kubitschek foi o vencedor, com 36% dos votos, ao lado do vice-presidente João Goulart.

Assim como havia ocorrido com Vargas em 1950, a vitória de Kubitschek e Goulart desagradou a UDN, que manifestou-se contra a posse dos dois, alegando que a eleição não se dera com os votos da maioria absoluta. Carlos Lacerda afirmava que Kubitschek e Goulart haviam sido eleitos por causa da demagogia e do apoio de comunistas. As Forças Armadas estavam divididas, mas o coronel Jurandir Bizarria Mamede, representante do setor radical anticomunista das Forças Armadas, declarou-se contrário à posse de Juscelino e de seu vice. Por sua vez, o ministro da Guerra, Teixeira Lott, solicitou ao presidente Café Filho uma autorização para punir o coronel Mamede, mas o presidente acabou afastando-se do governo por motivos de saúde, sendo substituído por Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados que, no entanto, negou o pedido feito por Lott. Ganhava cada vez mais força a ideia de um golpe conservador que impedisse a posse de Kubitschek e de Goulart.

Teixeira Lott demitiu-se do ministério e mobilizou tropas para destituir o presidente interino. O golpe preventivo colocou na presidência da República o senador Nereu Ramos, que garantiu a posse de Juscelino e de seu vice.


O Governo de Juscelino Kubitschek

“JK”, como Juscelino Kubitschek era conhecido, prometia realizar em cinco anos de mandato o que outros políticos demorariam cinquenta anos para fazer. Para isso, JK contava com o Plano de Metas, que se propunha a realizar o desenvolvimento global da economia brasileira. Segundo o Plano, muitos recursos deveriam ser aplicados nas áreas de energia, transporte, indústria de base, educação e alimentação. Os três primeiros setores foram os mais beneficiados com os investimentos. Usinas hidrelétricas (Furnas e Três Marias, em Minas Gerais, por exemplo) foram construídas. Na cidade mineira de Ipatinga construiu-se a siderúrgica Usiminas. Implantou-se a indústria automobilística no país, concentrada nas cidades paulistas de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano, bem como a indústria de construção naval, especialmente no Rio de Janeiro. O objetivo de medidas como essas era industrializar plenamente o país, superando o subdesenvolvimento. O nacional-desenvolvimentismo de JK representava, em parte, a continuidade da política econômica de Vargas, mas, ao contrário do nacionalismo varguista, Kubitschek ambicionava atrair investimentos estrangeiros, especialmente nas indústrias automobilística, farmacêutica, petroquímica e de eletrodomésticos.

A ocupação e o desenvolvimento do interior do Brasil foram estimulados pelo governo. Regiões distantes entre si foram ligadas por meio da construção de mais de 20 mil quilômetros de rodovias. Tendo em vista a “interiorização do desenvolvimento”, construiu-se no Planalto Central do país a nova capital brasileira, a cidade de Brasília, projetada pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. A obra foi um dos símbolos do otimismo presente durante o governo de JK. Brasília era fruto de uma arquitetura moderna e de linhas arrojadas que vinha sendo desenvolvida no Brasil havia alguns anos, como o complexo da Pampulha que Oscar Niemeyer projetou em Belo Horizonte, em 1943. Todavia, a construção da cidade não foi um processo tranquilo. O projeto enviado por JK ao Congresso sofreu oposição, sobretudo com alegações de que a construção de Brasília geraria muitos gastos e inflação, o que realmente ocorreu. A oposição até abriu uma CPI para apurar irregularidades nos contratos com empreiteiras. Muitos funcionários públicos manifestaram-se contra a transferência da capital para o interior do Brasil, pois isso significava que muitos teriam que se mudar do Rio de Janeiro. De qualquer forma, os defensores da construção de Brasília apontavam para as razões estratégicas do projeto: a transferência da capital integraria o país. A nova capital acabou sendo erguida em tempo recorde, com mão de obra em sua maioria nordestina – os candangos. JK inaugurou Brasília no dia 21 de abril de 1960.

Entre os anos 1955 e 1961, a produção industrial brasileira aumentou 80%. O PIB cresceu cerca de 7% ao ano entre 1957 e 1961. Com maior poder aquisitivo, as classes médias passaram a consumir novos produtos, tais como eletrodomésticos, automóveis e objetos feitos de plástico e fibras sintéticas.


Novidades no campo cultural brasileiro

Durante aqueles “anos dourados” da história brasileira, a bossa nova foi a grande novidade no campo musical do país, a partir de 1958, com o lançamento dos discos Canção do amor demais, de Elizete Cardoso, e Chega de saudade, de João Gilberto. Uma nova batida de violão revolucionava a música brasileira. Enraizada no samba e sob a influência do jazz, a bossa nova saiu das praias de Copacabana e Ipanema (RJ) para conquistar fãs ao redor de todo o mundo. Tom Jobim e Vinícius de Moraes foram dois importantes compositores de canções da bossa nova. Também o campo do cinema apresentava novidades naquele período. O cinema nacional havia sobrevivido até 1943 graças a esforços isolados de diretores como Humberto Mauro e Ademar Gonzaga. No ano de 1953, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que havia sido fundada em 1949 na cidade de São Bernardo do Campo, produziu o filme brasileiro O Cangaceiro, que foi premiado no Festival de Cannes, na França, como o melhor filme de aventuras. O Cinema Novo exibia nas telas as contradições sociais do Brasil. Em Rio 40 graus (1955), o cineasta Nelson Pereira dos Santos retratou a miséria dos morros cariocas. Outros cineastas também trataram de temas sociais em seus filmes, tais como Joaquim Pedro de Andrade, Paulo César Saraceni, Alex Viany e Glauber Rocha.

Na cena teatral, além da figura de Nelson Rodrigues, que agitava o teatro brasileiro desde os anos 1940, tiveram destaque as peças montadas pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), criado em 1948, em São Paulo. No elenco do TBC estavam nomes como Cacilda Becker, Walmor Chagas, Fernanda Montenegro, Tônia Carrero, Maria Della Costa e Paulo Autran. Entre os diretores de teatro do TBC, estavam Adolfo Celli e Zbigniew Ziembinski. O TBC levou para os palcos montagens de textos de Tennessee Williams, Arthur Miller, Federico García Lorca e outros. No mesmo período, também foram atuantes o Teatro Experimental do Negro, surgido em 1944 por iniciativa de Abdias do Nascimento e que procurava resgatar e afirmar os valores humanos dos afrodescendentes no Brasil, o Teatro de Arena, fundado em 1953 e que levou aos palcos peças de autores nacionais (como a bastante conhecida Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri) e o Teatro Oficina que, segundo o crítico Sábato Magaldi, deu “um cunho eminentemente brasileiro” a toda a experiência cênica internacional acumulada até então.

No campo das artes plásticas, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) foi fundado em 1947. Em 1951, realizou-se a I Bienal Internacional de São Paulo. Eventos como esse expunham obras de estrangeiros e de brasileiros, sintonizando o Brasil com a produção artística internacional. Desenvolveu-se no Rio de Janeiro e em São Paulo o concretismo, um estilo que, por meio das linhas geométricas e da cor, distanciava-se tanto do figurativismo quanto do abstracionismo. Rejeitando a ideia de ser um exercício de imaginação, o concretismo se colocava como um estudo rigoroso de componentes de obra de arte como linhas e cores. Alguns nomes importantes das artes plásticas do período foram Ivan Serpa, Lygia Clark e Hélio Oiticica, que adotavam princípios geométricos menos rígidos na criação. Um concretismo mais rigoroso era praticado por Waldemar Cordeiro e Geraldo de Barros. Por sua vez, artistas independentes praticavam o abstracionismo, renovando esteticamente as artes da época, tais como os de origem japonesa, Manabu Mabe e Tomie Ohtake. Já a arquitetura brasileira vinha incorporando tendências modernistas nas décadas anteriores, sobretudo com a influência do arquiteto e urbanista franco-suíço Le Corbusier. Uma equipe composta, entre outros, por Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Redy e Carlos Leão, sob a direção de Lúcio Costa e consultoria do próprio Le Corbusier, foi a responsável pela construção do edifício do Ministério da Educação e Saúde, na década de 1930.

A televisão, inaugurada no Brasil em 1950, começou a se popularizar naquele período. Já no final da década de 1950, as principais capitais brasileiras contavam com diversas emissoras de TV, onde a maior parte da programação era ao vivo e constituída por telejornais, teleteatros, programas musicais, esportivos, infantis e filmes estrangeiros dublados em português. A presença da TV não acabou com o rádio, que continuou sendo um veículo de comunicação importante no país, com suas radionovelas, programas jornalísticos e humorísticos. Já a literatura brasileira viu o surgimento da poesia concreta de Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ferreira Gullar e outros. O movimento concretista lançou, em 1952, a revista Noigandres. A poesia concreta misturava literatura e artes plásticas, explorando não apenas o sentido de cada palavra, mas também a sua forma e disposição na página. Era comum o uso de jogos de palavras sintéticos, palavras soltas, neologismos e estrangeirismos. Em 1956, houve o lançamento de Grande sertão: veredas, do escritor mineiro João Guimarães Rosa, uma das obras-primas da literatura brasileira em prosa de ficção. Também os esportes contribuíram para o clima de otimismo e de confiança no futuro: a seleção brasileira de futebol conquistou duas Copas do Mundo, em 1958 e em 1962, e o pugilista Éder Jofre tornou-se campeão mundial de boxe na categoria peso-galo, em 1960, título que manteve até 1965.


O Fim dos Anos JK

A política desenvolvimentista de JK tinha as suas limitações. A dívida externa aumentou e os gastos com a construção de Brasília produziram um déficit de 286 milhões de dólares, em 1957, nas contas públicas. O governo emitiu uma grande quantidade de papel-moeda para cobrir as despesas, o que provocou uma inflação que chegou a 40% no ano de 1959. Os investimentos governamentais nas áreas de educação e alimentação foram baixos, o que acentuou as desigualdades sociais. De fato, o crescimento econômico verificado no período beneficiou principalmente empresários ligados aos investidores internacionais e a classe média. A vinda de multinacionais gerou empregos, mas tornou o país muito dependente do capital externo. O Plano de Metas favoreceu principalmente o desenvolvimento do Sudeste do país, o que levou a uma intensificação da corrente migratória em direção a essa região do Brasil. Boa parte dos migrantes eram oriundos da zona rural nordestina, região marcada pela miséria, pela seca e pela falta de alimentos. Muitas dessas pessoas alimentavam a esperança de que em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo poderiam encontrar uma vida melhor. Entre 1950 e 1960, o número de brasileiros que viviam em cidades aumentou de 36% para 45%.

A expansão urbana alimentada pelo êxodo rural provocou, nos centros urbanos, o surgimento de favelas e de bairros periféricos pobres e sem instalações e serviços básicos de infraestrutura, como água encanada e rede de esgotos. O resultado foi o crescimento de um sentimento de insatisfação em uma parcela da população brasileira. Nas eleições de 1961, o marechal Henrique Teixeira Lott, candidato apoiado por JK, foi derrotado por Jânio Quadros, ex-governador de São Paulo que foi apoiado pela UDN. João Goulart, candidato a vice-presidente pela chapa de Lott, conseguiu se reeleger. O voto para presidente e vice-presidente era desvinculado.


O Governo de Jânio Quadros

Professor e político de origem mato-grossense, Jânio Quadros teve uma carreira meteórica: foi eleito vereador na cidade de São Paulo em 1948, deputado estadual em 1950, prefeito da capital paulista em 1953 e governador do estado de São Paulo em 1955. Jânio buscou construir uma imagem de si mesmo como um político de austeridade moral e administrativa. Tentava em certas ocasiões parecer um homem do povo e trabalhador, com cabelos despenteados, roupas amassadas e caspa no paletó. Com aparições surpresa, fiscalizava pessoalmente o trabalho de funcionários públicos nas repartições. Usava como símbolo a vassoura, com a qual supostamente varreria a corrupção da política. Era comum usar bilhetes para se comunicar com assessores e secretários. Alguns desses bilhetes eram enviados até à imprensa, e neles Jânio rebatia ataques de adversários ou dava ordens. Foi com este comportamento que Jânio tornou-se nacionalmente conhecido e ganhou as eleições presidenciais no início dos anos 1960, pela UDN. Ao seu lado, foi eleito como vice o político João Goulart, da coligação adversária PTB-PSD, considerada de esquerda pelos udenistas que apoiavam Jânio. Apesar de representarem grupos políticos adversários, o apelo populista de Jânio e a tradição trabalhista de Goulart eram vistos pelos eleitores como um par ideal.

Ao assumir a Presidência da República, Jânio procurou governar desvinculado de partidos políticos, buscando também uma independência em relação aos Estados Unidos da América. Durante a campanha política, a plataforma de Jânio foi o combate à inflação e à corrupção, com a promessa de acabar com a dívida externa. Todavia, as reformas econômicas feitas por Jânio no governo levaram o país à recessão, com queda nos salários, o que desagradou setores populares. O presidente também desagradou setores mais conservadores da sociedade brasileira ao propor alterações na lei de remessa de lucros de empresas estrangeiras. Jânio restabeleceu relações diplomáticas com a URSS, apoiou a independência das colônias portuguesas na África e condecorou Ernesto “Che” Guevara – um dos líderes da Revolução Cubana – com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, em um gesto que foi criticado por setores das Forças Armadas.

A política personalista de Jânio desagradou segmentos populares e conservadores da sociedade brasileira. Carlos Lacerda – líder da UDN – acusou o presidente pelo rádio, acusando-o de estar planejando um golpe de Estado, no dia 24 de agosto de 1961. Todavia, no dia seguinte, após poucos meses de governo, o presidente renunciou ao seu cargo. Uma interpretação consagrada pela historiografia brasileira diz que Jânio renunciou com a expectativa de que o Congresso não aceitasse o seu pedido. De acordo com esta linha de raciocínio, Jânio esperava que os parlamentares mais conservadores, o alto comando das Forças Armadas e muitos dos eleitores que o elegeram não aceitassem que o vice-presidente João Goulart – que era próximo das esquerdas e de sindicatos – assumisse o governo, o que levaria Jânio Quadros a voltar à Presidência mais fortalecido e com mais poderes para governar.

Quaisquer que tenham sido as reais intenções de Jânio por trás de sua decisão de renunciar ao cargo de presidente, o que ocorreu em seguida foi que o Congresso aceitou prontamente a sua renúncia. O vice-presidente João Goulart estava naquele momento em uma viagem oficial à China, e o deputado Ranieri Mazzilli – presidente da Câmara à época – assumiu interinamente a Presidência da República. Uma parcela do alto comando das Forças Armadas e grupos conservadores ligados à UDN tentaram impedir a posse de Goulart, alegando que ele teria ligação com o comunismo.

O debate em torno da posse de “Jango” – como João Goulart era conhecido – ficou ainda mais intenso quando, no Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola (PTB), cunhado de Goulart, apoiado pelo comandante do Terceiro Exército, general José Machado Lopes, deu início ao movimento que ficou conhecido como “Rede da Legalidade”, ameaçando resistir caso Jango não pudesse assumir a Presidência. Como uma solução para o empasse, o Congresso Nacional instituiu o parlamentarismo por meio de uma emenda constitucional. Assim, um primeiro-ministro escolhido pelo Congresso exerceria de fato o governo, enquanto o presidente João Goulart teria a função de chefe de Estado. Após desembarcar no Uruguai, Jango retornou ao Brasil em 7 de setembro de 1961, assumindo a Presidência com poderes diminuídos.


O Governo de João Goulart e o Golpe de 1964

O parlamentarismo vigorou no Brasil entre setembro de 1961 e janeiro de 1963, sendo marcado por manifestações e insatisfação política e social. Neste período, três pessoas ocuparam o cargo de primeiro-ministro: Tancredo Neves (PSD), ex-ministro de Getúlio Vargas em 1953-1954, que governou durante nove meses; Brochado da Rocha (PSD), que ficou mais de dois meses no posto; e Hermes Lima (PSB), que foi primeiro-ministro até a realização de um plebiscito, em janeiro de 1963, que definiu a volta do presidencialismo. Inicialmente, o plebiscito estava previsto para ocorrer apenas em 1965, perto do fim do mandato de Jango, todavia, o presidente conseguiu antecipar a realização do mesmo para o ano de 1963 por meio de um movimento pela volta do presidencialismo.

Após o fim da experiência parlamentarista, João Goulart apresentou um programa de governo que pretendia combater a inflação (que chegou a 54,8% em 1962) e retomar o crescimento econômico e industrial brasileiro. Era o Plano Trienal, de autoria de Celso Furtado. Já no sentido de reformas sociais, Jango conseguiu a aprovação, em março de 1963, do Estatuto do Trabalhador Rural, que garantia aos trabalhadores do campo os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos, o que desagradou os latifundiários. Jango propôs as “reformas de base”, que incluíam as reformas agrária, educacional, bancária e urbana, além de medidas como o direito de voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente, a nacionalização de empresas concessionárias de serviços públicos e o imposto progressivo (quanto maior a renda, mais alta seria a alíquota do imposto). Em setembro de 1963 foi aprovada a lei que limitava as remessas de lucros das multinacionais para o exterior, o que desagradou os representantes de empresas estrangeiras no país.

As reformas propostas dividiram a sociedade brasileira. Grupos de esquerda, setores trabalhistas, sindicalistas, integrantes das Ligas Camponesas[1] e das entidades estudantis (lideradas pela União Nacional dos Estudantes, UNE) apoiavam as reformas. Por outro lado, as medidas propostas por Goulart foram rejeitadas por associações patronais, empresários, oficiais de alta patente das Forças Armadas, setores da alta hierarquia da Igreja Católica, políticos de direita e outros grupos mais conservadores da sociedade brasileira. Havia até quem dissesse que Jango queria implantar o comunismo no Brasil. Certos parlamentares do PSD – que formavam a base política do presidente no Congresso, junto com os parlamentares do PTB – aproximaram-se dos políticos da UDN, que se opunham ao governo de Jango.

O mês de março de 1964 foi bastante agitado. No dia 13, foi realizado um grande comício na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu cerca de 150 mil pessoas em apoio às reformas de base. O presidente João Goulart chegou a assinar decretos nacionalizando as refinarias de petróleo e a anunciar a desapropriação de terras ao longo das rodovias federais, como parte da política de reforma agrária. Dias depois, em 19 de março, a oposição respondeu ao comício da Central do Brasil levando cerca de meio milhão de pessoas às ruas de São Paulo na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Empresários, representantes das classes médias urbanas e setores do clero protestaram ali contra o “comunismo” de Goulart. O clima político ficava cada vez mais tenso. No final do mês de março, uma rebelião de marinheiros no Rio de Janeiro, na qual lutava-se por melhores condições de trabalho e manifestava-se o apoio às Reformas de Base, deixou os altos oficiais das Forças Armadas assustados. A agitação política vivida pelo Brasil no início dos anos 1960 ameaçava agora a hierarquia militar, o que os altos setores das Forças Armadas não podiam tolerar. Membros das Forças Armadas ficaram insatisfeitos com a decisão de Goulart de anistiar os marinheiros revoltosos e, a partir disso, começou o movimento para tirar Jango do poder.

Neste cenário conturbado, o chefe do estado-maior do Exército, general Castelo Branco, colocou-se à frente de um golpe de Estado no dia 31 de março de 1964. O general Olímpio Mourão Filho ordenou que as tropas da IV Região Militar de Minas Gerais fossem ao Rio de Janeiro depor o presidente. O movimento golpista contava com o apoio do governo dos EUA, de alguns governadores de estados – Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo –, das lideranças udenistas, dos representantes dos meios de comunicação, dos empresários e de amplos setores das classes médias. Jango não resistiu, e acabou voando para Brasília e, depois, para o Rio Grande do Sul, de onde partiu para o Uruguai. Mesmo o presidente estando ainda em território brasileiro, o Congresso Nacional declarou vacante a Presidência da República no dia 1° de abril. O deputado Ranieri Mazzilli assumiu interinamente a Presidência da República por duas semanas. No dia 15 de abril, o governo foi entregue ao general Castelo Branco e iniciou-se ali a Ditadura Civil-Militar que duraria até 1985.




[1] Ameaçados de expulsão das terras em que trabalhavam como parceiros ou arrendatários, camponeses nordestinos começaram a se organizar, em meados dos anos 1950, na luta pelo acesso à terra e por melhores condições de vida e trabalho. Tal mobilização originou as Ligas Camponesas, associações de pequenos proprietários rurais e trabalhadores não assalariados (boias-frias, parceiros, arrendatários, etc.). A mais famosa dessas Ligas foi criada em Vitória de Santo Antão (PE), em 1954. Apesar da repressão que sofriam por parte de fazendeiros e da polícia, as Ligas se espalharam pelo Nordeste e chegaram a Minas Gerais e ao interior do Rio de Janeiro. O lema das Ligas era “Reforma agrária na lei ou na marra” e seu líder era o advogado e deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) Francisco Julião (1915-1999), responsável por orientar os trabalhadores acerca de seus direitos. O Primeiro Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas foi realizado em Belo Horizonte, em 1961. Ali, foram reivindicadas a reforma agrária e a extensão das leis trabalhistas ao campo. Após o Golpe de 1964, as Ligas foram proibidas e acabaram extintas.