Com
o fim do Estado Novo de Getúlio
Vargas iniciou-se a reorganização política do Brasil. Eleições presidenciais e
para a escolha de parlamentares que formariam uma Assembleia Constituinte foram
marcadas. No campo partidário, surgiu a União
Democrática Nacional (UDN), um partido de direita que se organizou como
oposição à herança varguista, defendendo os princípios liberais e os interesses
dos grandes proprietários de terra e da indústria aliada ao capital
estrangeiro. O Partido Social
Democrático (PSD) era um partido de centro formado basicamente por
remanescentes do Estado Novo (ex-interventores estaduais e antigos
controladores das máquinas político-administrativas). O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) situava-se um pouco mais à
esquerda e surgiu em torno da estrutura sindical montada durante o governo de
Vargas, procurando atrair as camadas populares das grandes cidades, que estavam
satisfeitas com a obra social e trabalhista do Estado Novo. Tanto o PSD quanto
o PTB estavam sob a influência da Vargas.
Nas
eleições de dezembro de 1945, os dois candidatos com mais chances de vitória
eram o brigadeiro Eduardo Gomes, da
UDN, e o general Eurico Gaspar Dutra,
ex-ministro de guerra de Vargas e candidato pelo PSD. Apoiado por Vargas e pelo
PTB, Dutra venceu as eleições com 55% dos votos. Ainda com muito prestígio
junto à população, Vargas foi eleito deputado por sete estados e senador por
dois, assumindo uma cadeira no Senado representando o estado do Rio Grande do
Sul. O Partido Comunista elegeu Luís
Carlos Prestes como senador e 15 deputados.
O
texto final da quinta Constituição
do país em pouco mais de um século ficou pronto em 1946. Buscou-se em sua
redação delimitar a ação dos poderes Legislativo
(bicameral, com Senado e Câmara dos Deputados), Executivo e Judiciário,
no intuito de impedir a centralização política em torno do Executivo que
ocorreu durante o Estado Novo. Contudo, o Executivo acabou ficando com grandes
poderes, como o de nomear os ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF). O presidente da República seria eleito por voto direto e secreto para um mandato
de cinco anos, sem direito à reeleição. O Brasil foi definido como uma República Federativa, com autonomia
administrativa de estados e municípios. O direito ao voto foi garantido a maiores
de 18 anos de ambos os sexos, com exceção dos analfabetos, o que excluía do
jogo político quase metade da população brasileira. Foram asseguradas a liberdade de consciência e de crença, a
liberdade de reunião e de associação
e o direito ao habeas corpus (ação jurídica que protege o cidadão de detenção
ou prisão por ato abusivo de um agente do Estado). A censura foi mantida apenas
para espetáculos e diversões públicas. A Constituição de 1946 também previa a
participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, mas, como não houve
nenhuma lei complementar nesse sentido, isso não entrou em vigor naquela época.
Os sindicatos foram definidos como órgãos de colaboração com o Estado – o que
mantinha o corporativismo do sistema
sindical –, o imposto sindical foi
mantido (a sua existência permitia o controle sobre as diretorias dos
sindicatos) e o Estado manteve o poder de intervir nos sindicatos. Por outro
lado, foi garantido o direito de greve
aos trabalhadores. A Constituição ainda preservou a estrutura fundiária do país,
fundada na concentração de terras, e manteve o casamento indissolúvel,
proibindo o divórcio.
O Governo Dutra
Eurico
Gaspar Dutra assumiu o governo na mesma época em que se iniciava a Guerra Fria, o conflito latente entre a
URSS e os EUA que dividiu o mundo em dois blocos de países. Em 1947, foi
assinado, no Rio de Janeiro, o Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) que, sob a influência dos
EUA, estabelecia que um ataque a um país americano seria considerado um ataque
a todos os outros, definindo assim o alinhamento dos países signatários aos
EUA.
O
eixo da política econômica do governo Dutra durante o início de seu governo foi
o conjunto de princípios do liberalismo.
O presidente mostrou-se favorável à entrada
de capital estrangeiro no país e, ao contrário do que fizera Getúlio,
entregou o comando do desenvolvimento do Brasil à iniciativa privada. As importações
foram facilitadas, incluindo aquelas de produtos supérfluos ou com similares
produzidos no Brasil. Dutra esperava que a concorrência dos produtos
estrangeiros reduzisse os preços e equilibrasse a economia, sem afetar o
crescimento do país. As importações provocaram uma perda considerável dos
recursos acumulados com as exportações durante a Segunda Guerra Mundial. A
política econômica acabou passando por algumas alterações, assim, o governo
começou a restringir importações de bens de consumo e houve a valorização do cruzeiro (moeda corrente
na época) para incentivar a produção nacional voltada ao consumo interno.
Buscava-se estimular o crescimento da indústria brasileira. Entre 1948 e 1950,
o PIB brasileiro cresceu em média 8% ao ano, todavia, houve o aumento da inflação e do desemprego. O salário mínimo permaneceu inalterado, o que reduziu o
poder aquisitivo da classe trabalhadora.
Como
reflexo da Guerra Fria, manifestações e
greves tornaram-se frequentes. Uma campanha
anticomunista foi iniciada por Dutra e, dessa maneira, em 1947, o governo
rompeu relações diplomáticas com a União Soviética e declarou o PCB ilegal,
alegando que o partido era controlado pela União Soviética. Os parlamentares da
bancada comunista no Congresso foram cassados em 1948, e o PCB voltou à
clandestinidade. A repressão aos setores
de esquerda foi acompanhada pelo controle governamental sobre as atividades
sindicais dos trabalhadores. Um decreto de Dutra restringiu o direito de greve,
ao definir diversas atividades como essenciais e proibir a paralisação dos
trabalhadores nessas áreas. A ação de Dutra contra o direito de greve tinha
como objetivo conter as paralisações provocadas por perdas salariais
resultantes da inflação. As medidas levaram amplos setores da sociedade
brasileira a um clima de crescente insatisfação.
Em
meio a este cenário, Getúlio Vargas venceu as eleições de 1950 pelo PTB com
quase 4 milhões de votos, derrotando Cristiano Machado, candidato do PSD
apoiado por Dutra, e Eduardo Gomes, candidato da UDN. O retorno de Getúlio à
Presidência da República foi celebrado pela marchinha de Haroldo Lobo e Marino
Pinto: “Bota o retrato do velho outra vez / Bota no mesmo lugar / O sorriso do
velhinho faz a gente trabalhar”. Vargas foi eleito após realizar uma campanha
eleitoral nacionalista, na qual defendeu o desenvolvimento da indústria
brasileira e a ampliação dos direitos trabalhistas.
O Segundo Governo de
Getúlio Vargas
Getúlio Vargas foi eleito presidente
com 48,7% dos votos, ou seja, sem obter a maioria absoluta dos votos.
Insatisfeita com o resultado, a UDN se opôs à posse de Vargas, mas, como a lei
eleitoral da época não exigia maioria absoluta, Getúlio assumiu o governo
normalmente. Além da UDN, jornais influentes da época também desconfiavam do populismo
de Vargas e alertavam o povo para o risco de uma nova ditadura. Adotando um
estilo conciliador, Getúlio nomeou um ministério bastante conservador, em sua
maioria formado por membros do PSD. Inicialmente, Vargas chegou a apresentar
propostas liberais para combater a inflação e reequilibrar as finanças
públicas, com menos intervenção estatal e com a abertura do país às
importações.
Todavia,
uma disputa entre duas correntes acabaria mudando a política econômica do
governo. O que estava em discussão era qual deveria ser o modelo de
desenvolvimento econômico a ser adotado pelo Brasil. De um lado, estavam os defensores
do ingresso do capital estrangeiro no país, como a UDN e a grande imprensa. Os “entreguistas”, como esse grupo era
pejorativamente chamado, defendiam a ideia de que o governo deveria manter um
rígido controle orçamentário para conter a inflação e evitar déficits públicos.
Do outro lado, políticos do PSD, do PTB e do ABC argumentavam que o
desenvolvimento do país devia ocorrer de forma autônoma, por meio da
estatização de áreas estratégicas da economia. Esse segundo grupo era o dos “nacionalistas” e desejava evitar a
entrada de capital estrangeiro no país.
A
política econômica de Vargas acabou sendo marcada pelo nacionalismo, limitando a 10% a remessa para o exterior de lucros
de empresas estrangeiras. O Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) foi criado para incentivar
principalmente a área industrial. Estava definida, assim a intervenção do
governo na economia. O ministro da Fazenda, Horácio Lafer, anunciou um plano
que destinava 1 bilhão de dólares a investimentos na indústria de base, transporte
e energia.
O
petróleo era o grande tema de
disputa entre “entreguistas” e “nacionalistas”, e muito se discutia a respeito
do que devia ser feito com este recurso natural. O monopólio estatal sobre o
petróleo e a abertura da exploração do produto ao capital internacional eram as
duas opções que estavam sendo discutidas. Após Vargas enviar ao Congresso, em
1951, um projeto de lei que tinha como objetivo estatizar e monopolizar a
exploração e distribuição do petróleo brasileiro, o debate mobilizou a opinião
pública. A grande imprensa e empresários de vários setores usavam os
meios de comunicação para convencer a população da necessidade de se abrir o
negócio do petróleo ao capital estrangeiro. Por usa vez, estudantes da UNE, sindicalistas e comunistas
defendiam o monopólio estatal sobre o petróleo com o slogan “O petróleo é nosso”. A mobilização popular nas ruas das
grandes cidades foi enorme, e o Congresso aprovou a criação da Petrobras em outubro de 1953. A empresa
estatal passava a deter o monopólio de exploração, distribuição e refino do
petróleo no Brasil.
Os
setores conservadores da sociedade brasileira não ficaram insatisfeitos apenas
com a política econômica nacionalista de Vargas. Quando eclodiu a Guerra da Coreia (1950-1953) e o
governo brasileiro recusou-se a enviar tropas à região, mantendo uma posição de
neutralidade no conflito, houve atritos com o governo dos EUA, com setores das
Forças Armadas e da sociedade civil. Enquanto isso, o custo de vida só
aumentava por conta da inflação e
corroía os salários, o que provocou protestos, como a greve que paralisou 300
mil trabalhadores em São Paulo e no Rio de Janeiro, em 1953. Vargas nomeou João Goulart para o Ministério do Trabalho. Goulart era um
político do PTB gaúcho que tinha bom trânsito nos sindicatos, mas era mal visto
pelos conservadores, que o consideravam um radical de esquerda. No início de
1954, João Goulart se viu pressionado pelos trabalhadores e anunciou um aumento
de 100% no salário mínimo. Porém, setores da sociedade brasileira que eram
contrários ao aumento, entre os quais estavam membros das Forças Armadas,
forçaram Getúlio a demitir Goulart. No dia 1° de maio de 1954, o próprio Vargas
decretou o aumento salarial que o ex-ministro do Trabalho havia proposto.
O
aumento do salário mínimo provocou críticas por parte da oposição, que acusava Getúlio
de favorecer aliados políticos e de corrupção. Por meio do seu jornal Tribuna
da Imprensa, o deputado Carlos
Lacerda (UDN) lançou uma agressiva campanha contra Vargas e seus
auxiliares, acusando-os de corrupção, em 1954. Membros da UDN e das Forças
Armadas passaram a defender o afastamento de Getúlio da Presidência. A situação
política ficou ainda mais tensa quando, no dia 5 de agosto de 1954, Lacerda
sofreu um atentado a tiros que provocou a morte de seu segurança, um major da
Aeronáutica chamado Rubens Vaz. Segundo as investigações, o mandante do
atentado era Gregório Fortunato, guarda-costas de Vargas. Uma grave crise
política instalou-se no país e parlamentares da UDN começaram a exigir a
renúncia de Getúlio. A indignação era geral, e até o vice-presidente Café Filho
propôs a sua própria renúncia e a de Getúlio. No dia 23 de agosto, Vargas
reuniu o seu ministério e alguns dos ministros ali presentes sugeriram um
afastamento temporário de Getúlio, enquanto os militares defendiam que Vargas
deveria renunciar ao cargo. Pressionado, o presidente suicidou-se em 24 de
agosto de 1954 com um tiro no coração.
O Brasil depois da
morte de Vargas
A
comoção gerada pela morte do presidente foi grande, com multidões tomando as
ruas das principais cidades do país. Jornais e emissoras antigetulistas
sofreram depredações, bandeiras estadunidenses foram queimadas. Parte da
população considerava que o “pai dos pobres” foi levado à morte por seus
opositores. A crise política que já estava instalada no país antes de 24 agosto
de 1954 ficou ainda mais intensa com a morte de Vargas. O vice-presidente João Café Filho assumiu o governo do
país. Café Filho montou um ministério predominantemente udenista, procurou
combater a inflação, restringiu o crédito e os gastos públicos. As suas medidas
acabaram levando a economia à recessão. Em 1955, foi criada a Instrução 113 da
Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que permitia a importação de
equipamentos com uma política cambial favorável, todavia, o governo acabou
recuando por causa das críticas dos nacionalistas.
Naquela
tensa conjuntura, havia a constante ameaça de um golpe de Estado liderado pela
UDN, e foi nesse clima que foram realizadas as eleições presidenciais. O PSD
lançou como candidato o político mineiro Juscelino
Kubitschek, ex-prefeito de Belo Horizonte (1940-1945) e que governava o estado
de Minas Gerais quando foi escolhido para ser um presidenciável. O PTB lançou João Goulart como candidato a vice na
chapa, compondo desta maneira a “frente nacional”, fundada no binômio nacionalismo-desenvolvimentismo.
Kubitschek e Goulart eram herdeiros políticos de Vargas. A UDN lançou a
candidatura do general Juarez Távora,
o PSP apoiou Ademar de Barros e o
PRP lançou Plínio Salgado como o seu
candidato. Nas eleições realizadas em 1955, Juscelino Kubitschek foi o vencedor,
com 36% dos votos, ao lado do vice-presidente João Goulart.
Assim
como havia ocorrido com Vargas em 1950, a vitória de Kubitschek e Goulart
desagradou a UDN, que manifestou-se contra a posse dos dois, alegando que a
eleição não se dera com os votos da maioria absoluta. Carlos Lacerda afirmava
que Kubitschek e Goulart haviam sido eleitos por causa da demagogia e do apoio
de comunistas. As Forças Armadas estavam divididas, mas o coronel Jurandir
Bizarria Mamede, representante do setor radical anticomunista das Forças
Armadas, declarou-se contrário à posse de Juscelino e de seu vice. Por sua vez,
o ministro da Guerra, Teixeira Lott,
solicitou ao presidente Café Filho uma autorização para punir o coronel Mamede,
mas o presidente acabou afastando-se do governo por motivos de saúde, sendo
substituído por Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados que, no entanto,
negou o pedido feito por Lott. Ganhava cada vez mais força a ideia de um golpe
conservador que impedisse a posse de Kubitschek e de Goulart.
Teixeira
Lott demitiu-se do ministério e mobilizou tropas para destituir o presidente
interino. O golpe preventivo colocou na presidência da República o senador
Nereu Ramos, que garantiu a posse de Juscelino e de seu vice.
O Governo de Juscelino
Kubitschek
“JK”,
como Juscelino Kubitschek era conhecido, prometia realizar em cinco anos de
mandato o que outros políticos demorariam cinquenta anos para fazer. Para isso,
JK contava com o Plano de Metas, que
se propunha a realizar o desenvolvimento global da economia brasileira. Segundo
o Plano, muitos recursos deveriam ser aplicados nas áreas de energia, transporte, indústria de
base, educação e alimentação. Os três primeiros setores
foram os mais beneficiados com os investimentos. Usinas hidrelétricas (Furnas e Três Marias, em Minas Gerais, por
exemplo) foram construídas. Na cidade mineira de Ipatinga construiu-se a
siderúrgica Usiminas. Implantou-se a
indústria automobilística no país,
concentrada nas cidades paulistas de Santo André, São Bernardo do Campo e São
Caetano, bem como a indústria de construção
naval, especialmente no Rio de Janeiro. O objetivo de medidas como essas
era industrializar plenamente o país, superando o subdesenvolvimento. O nacional-desenvolvimentismo de JK
representava, em parte, a continuidade da política econômica de Vargas, mas, ao
contrário do nacionalismo varguista, Kubitschek ambicionava atrair
investimentos estrangeiros, especialmente nas indústrias automobilística,
farmacêutica, petroquímica e de eletrodomésticos.
A
ocupação e o desenvolvimento do interior do Brasil foram estimulados pelo
governo. Regiões distantes entre si foram ligadas por meio da construção de
mais de 20 mil quilômetros de rodovias.
Tendo em vista a “interiorização do
desenvolvimento”, construiu-se no Planalto Central do país a nova capital
brasileira, a cidade de Brasília,
projetada pelos arquitetos Lúcio Costa
e Oscar Niemeyer. A obra foi um dos
símbolos do otimismo presente durante o governo de JK. Brasília era fruto de
uma arquitetura moderna e de linhas
arrojadas que vinha sendo desenvolvida no Brasil havia alguns anos, como o
complexo da Pampulha que Oscar Niemeyer projetou em Belo Horizonte, em 1943. Todavia,
a construção da cidade não foi um processo tranquilo. O projeto enviado por JK
ao Congresso sofreu oposição, sobretudo com alegações de que a construção de
Brasília geraria muitos gastos e inflação, o que realmente ocorreu. A oposição
até abriu uma CPI para apurar irregularidades nos contratos com empreiteiras.
Muitos funcionários públicos manifestaram-se contra a transferência da capital
para o interior do Brasil, pois isso significava que muitos teriam que se mudar
do Rio de Janeiro. De qualquer forma, os defensores da construção de Brasília
apontavam para as razões estratégicas do projeto: a transferência da capital
integraria o país. A nova capital acabou sendo erguida em tempo recorde, com mão
de obra em sua maioria nordestina – os candangos.
JK inaugurou Brasília no dia 21 de abril de 1960.
Entre
os anos 1955 e 1961, a produção industrial brasileira aumentou 80%. O PIB
cresceu cerca de 7% ao ano entre 1957 e 1961. Com maior poder aquisitivo, as classes médias passaram a consumir
novos produtos, tais como eletrodomésticos,
automóveis e objetos feitos de plástico e fibras sintéticas.
Novidades no campo
cultural brasileiro
Durante
aqueles “anos dourados” da história
brasileira, a bossa nova foi a
grande novidade no campo musical do país, a partir de 1958, com o lançamento
dos discos Canção do amor demais, de Elizete
Cardoso, e Chega de saudade, de João
Gilberto. Uma nova batida de violão revolucionava a música brasileira.
Enraizada no samba e sob a influência do jazz,
a bossa nova saiu das praias de Copacabana e Ipanema (RJ) para conquistar fãs
ao redor de todo o mundo. Tom Jobim
e Vinícius de Moraes foram dois
importantes compositores de canções da bossa nova. Também o campo do cinema
apresentava novidades naquele período. O cinema nacional havia sobrevivido até
1943 graças a esforços isolados de diretores como Humberto Mauro e Ademar
Gonzaga. No ano de 1953, a Companhia
Cinematográfica Vera Cruz, que havia sido fundada em 1949 na cidade de São
Bernardo do Campo, produziu o filme brasileiro O Cangaceiro, que foi
premiado no Festival de Cannes, na França, como o melhor filme de aventuras. O Cinema
Novo exibia nas telas as
contradições sociais do Brasil. Em Rio 40 graus (1955), o cineasta Nelson
Pereira dos Santos retratou a miséria dos morros cariocas. Outros cineastas
também trataram de temas sociais em seus filmes, tais como Joaquim Pedro de Andrade, Paulo
César Saraceni, Alex Viany e Glauber Rocha.
Na
cena teatral, além da figura de Nelson
Rodrigues, que agitava o teatro brasileiro desde os anos 1940, tiveram
destaque as peças montadas pelo Teatro
Brasileiro de Comédia (TBC), criado em 1948, em São Paulo. No elenco do TBC
estavam nomes como Cacilda Becker, Walmor Chagas, Fernanda Montenegro, Tônia
Carrero, Maria Della Costa e Paulo Autran. Entre os diretores de teatro do TBC,
estavam Adolfo Celli e Zbigniew Ziembinski. O TBC levou para os palcos
montagens de textos de Tennessee Williams, Arthur Miller, Federico García Lorca
e outros. No mesmo período, também foram atuantes o Teatro Experimental do Negro, surgido em 1944 por iniciativa de Abdias do Nascimento e que procurava
resgatar e afirmar os valores humanos dos afrodescendentes no Brasil, o Teatro de Arena, fundado em 1953 e que
levou aos palcos peças de autores nacionais (como a bastante conhecida Eles
não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri) e o Teatro Oficina que, segundo o crítico
Sábato Magaldi, deu “um cunho eminentemente brasileiro” a toda a experiência
cênica internacional acumulada até então.
No
campo das artes plásticas, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) foi
fundado em 1947. Em 1951, realizou-se a I Bienal Internacional de São Paulo.
Eventos como esse expunham obras de estrangeiros e de brasileiros, sintonizando
o Brasil com a produção artística internacional. Desenvolveu-se no Rio de
Janeiro e em São Paulo o concretismo,
um estilo que, por meio das linhas geométricas e da cor, distanciava-se tanto
do figurativismo quanto do abstracionismo. Rejeitando a ideia de ser um
exercício de imaginação, o concretismo se colocava como um estudo rigoroso de
componentes de obra de arte como linhas e cores. Alguns nomes importantes das
artes plásticas do período foram Ivan
Serpa, Lygia Clark e Hélio Oiticica, que adotavam princípios
geométricos menos rígidos na criação. Um concretismo mais rigoroso era
praticado por Waldemar Cordeiro e Geraldo de Barros. Por sua vez,
artistas independentes praticavam o abstracionismo, renovando esteticamente as
artes da época, tais como os de origem japonesa, Manabu Mabe e Tomie Ohtake.
Já a arquitetura brasileira vinha
incorporando tendências modernistas
nas décadas anteriores, sobretudo com a influência do arquiteto e urbanista
franco-suíço Le Corbusier. Uma equipe composta, entre outros, por Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Redy e
Carlos Leão, sob a direção de Lúcio
Costa e consultoria do próprio Le Corbusier, foi a responsável pela
construção do edifício do Ministério da Educação e Saúde, na década de 1930.
A
televisão, inaugurada no Brasil em
1950, começou a se popularizar naquele período. Já no final da década de 1950,
as principais capitais brasileiras contavam com diversas emissoras de TV, onde
a maior parte da programação era ao vivo e constituída por telejornais, teleteatros,
programas musicais, esportivos, infantis e filmes estrangeiros dublados em
português. A presença da TV não acabou com o rádio, que continuou sendo um veículo de comunicação importante no
país, com suas radionovelas, programas jornalísticos e humorísticos. Já a literatura brasileira viu o surgimento
da poesia concreta de Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto
de Campos, Ferreira Gullar e
outros. O movimento concretista lançou, em 1952, a revista Noigandres. A poesia
concreta misturava literatura e artes plásticas, explorando não apenas o
sentido de cada palavra, mas também a sua forma e disposição na página. Era
comum o uso de jogos de palavras sintéticos, palavras soltas, neologismos e
estrangeirismos. Em 1956, houve o lançamento de Grande sertão: veredas,
do escritor mineiro João Guimarães Rosa,
uma das obras-primas da literatura brasileira em prosa de ficção. Também os esportes contribuíram para o clima de
otimismo e de confiança no futuro: a seleção
brasileira de futebol conquistou duas Copas do Mundo, em 1958 e em 1962, e
o pugilista Éder Jofre tornou-se
campeão mundial de boxe na categoria peso-galo, em 1960, título que manteve até
1965.
O Fim dos Anos JK
A
política desenvolvimentista de JK tinha as suas limitações. A dívida externa aumentou e os gastos com
a construção de Brasília produziram um déficit
de 286 milhões de dólares, em 1957, nas contas públicas. O governo emitiu uma
grande quantidade de papel-moeda para cobrir as despesas, o que provocou uma inflação que chegou a 40% no ano de
1959. Os investimentos governamentais nas áreas de educação e alimentação foram
baixos, o que acentuou as desigualdades
sociais. De fato, o crescimento econômico verificado no período beneficiou
principalmente empresários ligados aos investidores internacionais e a classe
média. A vinda de multinacionais gerou empregos, mas tornou o país muito
dependente do capital externo. O Plano de Metas favoreceu principalmente o
desenvolvimento do Sudeste do país,
o que levou a uma intensificação da corrente
migratória em direção a essa região do Brasil. Boa parte dos migrantes eram
oriundos da zona rural nordestina, região marcada pela miséria, pela seca e
pela falta de alimentos. Muitas dessas pessoas alimentavam a esperança de que
em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo poderiam encontrar uma vida melhor.
Entre 1950 e 1960, o número de brasileiros que viviam em cidades aumentou de
36% para 45%.
A
expansão urbana alimentada pelo êxodo rural provocou, nos centros
urbanos, o surgimento de favelas e
de bairros periféricos pobres e sem
instalações e serviços básicos de infraestrutura, como água encanada e rede de
esgotos. O resultado foi o crescimento de um sentimento de insatisfação em uma
parcela da população brasileira. Nas eleições de 1961, o marechal Henrique
Teixeira Lott, candidato apoiado por JK, foi derrotado por Jânio Quadros,
ex-governador de São Paulo que foi apoiado pela UDN. João Goulart, candidato a
vice-presidente pela chapa de Lott, conseguiu se reeleger. O voto para
presidente e vice-presidente era desvinculado.
O Governo de Jânio
Quadros
Professor
e político de origem mato-grossense, Jânio
Quadros teve uma carreira meteórica: foi eleito vereador na cidade de São
Paulo em 1948, deputado estadual em 1950, prefeito da capital paulista em 1953
e governador do estado de São Paulo em 1955. Jânio buscou construir uma imagem
de si mesmo como um político de austeridade
moral e administrativa. Tentava em certas ocasiões parecer um homem do povo
e trabalhador, com cabelos despenteados, roupas amassadas e caspa no paletó.
Com aparições surpresa, fiscalizava pessoalmente o trabalho de funcionários
públicos nas repartições. Usava como símbolo a vassoura, com a qual supostamente varreria a corrupção da política.
Era comum usar bilhetes para se
comunicar com assessores e secretários. Alguns desses bilhetes eram enviados
até à imprensa, e neles Jânio rebatia ataques de adversários ou dava ordens.
Foi com este comportamento que Jânio tornou-se nacionalmente conhecido e ganhou
as eleições presidenciais no início dos anos 1960, pela UDN. Ao seu lado, foi
eleito como vice o político João Goulart,
da coligação adversária PTB-PSD, considerada de esquerda pelos udenistas que
apoiavam Jânio. Apesar de representarem grupos políticos adversários, o apelo
populista de Jânio e a tradição trabalhista de Goulart eram vistos pelos
eleitores como um par ideal.
Ao
assumir a Presidência da República, Jânio procurou governar desvinculado de
partidos políticos, buscando também uma independência em relação aos Estados
Unidos da América. Durante a campanha política, a plataforma de Jânio foi o
combate à inflação e à corrupção, com a promessa de acabar com a dívida
externa. Todavia, as reformas econômicas feitas por Jânio no governo levaram o
país à recessão, com queda nos salários, o que desagradou setores populares. O
presidente também desagradou setores mais conservadores da sociedade brasileira
ao propor alterações na lei de remessa
de lucros de empresas estrangeiras. Jânio restabeleceu relações
diplomáticas com a URSS, apoiou a independência das colônias portuguesas na
África e condecorou Ernesto “Che” Guevara – um dos líderes da Revolução Cubana
– com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, em um gesto que foi criticado por
setores das Forças Armadas.
A
política personalista de Jânio desagradou
segmentos populares e conservadores da sociedade brasileira. Carlos Lacerda –
líder da UDN – acusou o presidente pelo rádio, acusando-o de estar planejando
um golpe de Estado, no dia 24 de agosto de 1961. Todavia, no dia seguinte, após
poucos meses de governo, o presidente renunciou ao seu cargo. Uma interpretação
consagrada pela historiografia brasileira diz que Jânio renunciou com a
expectativa de que o Congresso não aceitasse o seu pedido. De acordo com esta
linha de raciocínio, Jânio esperava que os parlamentares mais conservadores, o
alto comando das Forças Armadas e muitos dos eleitores que o elegeram não
aceitassem que o vice-presidente João Goulart – que era próximo das esquerdas e
de sindicatos – assumisse o governo, o que levaria Jânio Quadros a voltar à
Presidência mais fortalecido e com mais poderes para governar.
Quaisquer
que tenham sido as reais intenções de Jânio por trás de sua decisão de
renunciar ao cargo de presidente, o que ocorreu em seguida foi que o Congresso
aceitou prontamente a sua renúncia. O vice-presidente João Goulart estava naquele momento em uma viagem oficial à China, e o deputado Ranieri Mazzilli –
presidente da Câmara à época – assumiu interinamente a Presidência da
República. Uma parcela do alto comando das Forças Armadas e grupos
conservadores ligados à UDN tentaram impedir a posse de Goulart, alegando que
ele teria ligação com o comunismo.
O
debate em torno da posse de “Jango” – como João Goulart era conhecido – ficou
ainda mais intenso quando, no Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola (PTB), cunhado de
Goulart, apoiado pelo comandante do Terceiro Exército, general José Machado
Lopes, deu início ao movimento que ficou conhecido como “Rede da Legalidade”, ameaçando resistir caso Jango não pudesse
assumir a Presidência. Como uma solução para o empasse, o Congresso Nacional
instituiu o parlamentarismo por meio
de uma emenda constitucional. Assim, um primeiro-ministro escolhido pelo
Congresso exerceria de fato o governo, enquanto o presidente João Goulart teria
a função de chefe de Estado. Após desembarcar no Uruguai, Jango retornou ao
Brasil em 7 de setembro de 1961, assumindo a Presidência com poderes
diminuídos.
O Governo de João
Goulart e o Golpe de 1964
O
parlamentarismo vigorou no Brasil entre setembro de 1961 e janeiro de 1963, sendo
marcado por manifestações e insatisfação política e social. Neste período, três
pessoas ocuparam o cargo de primeiro-ministro: Tancredo Neves (PSD), ex-ministro de Getúlio Vargas em 1953-1954,
que governou durante nove meses; Brochado
da Rocha (PSD), que ficou mais de dois meses no posto; e Hermes Lima (PSB), que foi
primeiro-ministro até a realização de um plebiscito, em janeiro de 1963, que
definiu a volta do presidencialismo.
Inicialmente, o plebiscito estava previsto para ocorrer apenas em 1965, perto
do fim do mandato de Jango, todavia, o presidente conseguiu antecipar a
realização do mesmo para o ano de 1963 por meio de um movimento pela volta do
presidencialismo.
Após
o fim da experiência parlamentarista, João Goulart apresentou um programa de
governo que pretendia combater a inflação (que chegou a 54,8% em 1962) e
retomar o crescimento econômico e industrial brasileiro. Era o Plano Trienal, de autoria de Celso Furtado. Já no sentido de
reformas sociais, Jango conseguiu a aprovação, em março de 1963, do Estatuto do Trabalhador Rural, que
garantia aos trabalhadores do campo os mesmos direitos dos trabalhadores
urbanos, o que desagradou os latifundiários. Jango propôs as “reformas de base”, que incluíam as reformas agrária, educacional, bancária e urbana, além de medidas como o direito de voto aos analfabetos e aos
militares de baixa patente, a nacionalização
de empresas concessionárias de serviços públicos e o imposto progressivo (quanto maior a renda, mais alta seria a
alíquota do imposto). Em setembro de 1963 foi aprovada a lei que limitava as remessas de lucros das multinacionais para o
exterior, o que desagradou os representantes de empresas estrangeiras no
país.
As
reformas propostas dividiram a sociedade brasileira. Grupos de esquerda,
setores trabalhistas, sindicalistas, integrantes das Ligas Camponesas[1] e das entidades estudantis
(lideradas pela União Nacional dos Estudantes, UNE) apoiavam as reformas. Por
outro lado, as medidas propostas por Goulart foram rejeitadas por associações
patronais, empresários, oficiais de alta patente das Forças Armadas, setores da
alta hierarquia da Igreja Católica, políticos de direita e outros grupos mais
conservadores da sociedade brasileira. Havia até quem dissesse que Jango queria
implantar o comunismo no Brasil. Certos parlamentares do PSD – que formavam a
base política do presidente no Congresso, junto com os parlamentares do PTB –
aproximaram-se dos políticos da UDN, que se opunham ao governo de Jango.
O
mês de março de 1964 foi bastante agitado. No dia 13, foi realizado um grande
comício na estação Central do Brasil,
no Rio de Janeiro, que reuniu cerca de 150 mil pessoas em apoio às reformas de
base. O presidente João Goulart chegou a assinar decretos nacionalizando as
refinarias de petróleo e a anunciar a desapropriação de terras ao longo das
rodovias federais, como parte da política de reforma agrária. Dias depois, em
19 de março, a oposição respondeu ao comício da Central do Brasil levando cerca
de meio milhão de pessoas às ruas de São Paulo na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Empresários,
representantes das classes médias urbanas e setores do clero protestaram ali
contra o “comunismo” de Goulart. O clima político ficava cada vez mais tenso.
No final do mês de março, uma rebelião
de marinheiros no Rio de Janeiro, na qual lutava-se por melhores condições
de trabalho e manifestava-se o apoio às Reformas de Base, deixou os altos
oficiais das Forças Armadas assustados. A agitação política vivida pelo Brasil
no início dos anos 1960 ameaçava agora a hierarquia militar, o que os altos
setores das Forças Armadas não podiam tolerar. Membros das Forças Armadas
ficaram insatisfeitos com a decisão de Goulart de anistiar os marinheiros
revoltosos e, a partir disso, começou o movimento para tirar Jango do poder.
Neste
cenário conturbado, o chefe do estado-maior do Exército, general Castelo Branco, colocou-se à frente de um golpe de Estado
no dia 31 de março de 1964. O general
Olímpio Mourão Filho ordenou que as tropas da IV Região Militar de Minas
Gerais fossem ao Rio de Janeiro depor o presidente. O movimento golpista contava
com o apoio do governo dos EUA, de alguns governadores de estados – Carlos
Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de
São Paulo –, das lideranças udenistas, dos representantes dos meios de
comunicação, dos empresários e de amplos setores das classes médias. Jango não
resistiu, e acabou voando para Brasília e, depois, para o Rio Grande do Sul, de
onde partiu para o Uruguai. Mesmo o presidente estando ainda em território
brasileiro, o Congresso Nacional declarou vacante a Presidência da República no
dia 1° de abril. O deputado Ranieri Mazzilli assumiu interinamente a
Presidência da República por duas semanas. No dia 15 de abril, o governo foi
entregue ao general Castelo Branco e iniciou-se ali a Ditadura Civil-Militar que duraria até 1985.
[1] Ameaçados de expulsão das terras em que
trabalhavam como parceiros ou arrendatários, camponeses nordestinos começaram a
se organizar, em meados dos anos 1950, na luta pelo acesso à terra e por
melhores condições de vida e trabalho. Tal mobilização originou as Ligas
Camponesas, associações de pequenos proprietários rurais e trabalhadores não
assalariados (boias-frias, parceiros, arrendatários, etc.). A mais famosa
dessas Ligas foi criada em Vitória de Santo Antão (PE), em 1954. Apesar da
repressão que sofriam por parte de fazendeiros e da polícia, as Ligas se
espalharam pelo Nordeste e chegaram a Minas Gerais e ao interior do Rio de
Janeiro. O lema das Ligas era “Reforma agrária na lei ou na marra” e seu líder
era o advogado e deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) Francisco Julião (1915-1999),
responsável por orientar os trabalhadores acerca de seus direitos. O Primeiro
Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas foi realizado em
Belo Horizonte, em 1961. Ali, foram reivindicadas a reforma agrária e a
extensão das leis trabalhistas ao campo. Após o Golpe de 1964, as Ligas foram
proibidas e acabaram extintas.