O
Golpe de Estado que derrubou João Goulart em 1964 marcou o início de um período
de intensa violência e repressão no Brasil. Tanques de guerra e caminhões com
soldados tomaram as ruas das principais cidades brasileiras. Muitas pessoas
começaram a ser perseguidas, presas, torturadas e mortas. Outras tantas
partiram para o exílio. Com o apoio de membros da sociedade civil, os militares
chegaram ao poder e, por meio de dispositivos autoritários, cercearam as
liberdades individuais, censuraram os meios de comunicação e concentraram o
poder nas mãos do próprio governo militar.
O
Ato Institucional número 1, o AI-1,
de 9 de abril de 1964, instituiu a eleição presidencial indireta, concedeu ao
presidente o direito de decretar estado de sítio sem autorização prévia do
Congresso Nacional, suspendeu temporariamente a estabilidade dos funcionários
públicos, autorizou o governo a cassar mandatos de parlamentares e a suspender
os direitos políticos por dez anos, sem apelação judicial. Entre os primeiros
políticos cassados pelo regime estavam os ex-presidentes Jânio Quadros e João
Goulart, o líder comunista Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes (governador de
Pernambuco) e o deputado Francisco Julião (líder das Ligas Camponesas). Mais de
1.400 funcionários públicos foram afastados dos cargos, incluindo militares e
juízes. Professores universitários foram aposentados compulsoriamente. Houve
intervenção do Estado em diversos sindicatos. O governo declarou a União
Nacional dos Estudantes ilegal, e a UNE teve a sua sede invadida e incendiada. Foi
criado o Serviço Nacional de Informação (SNI) para investigar e monitorar a
vida de possíveis inimigos do governo. O general Humberto de Alencar Castelo Branco foi promovido a marechal e
eleito indiretamente pelo Congresso como o novo Presidente da República.
O governo Castelo Branco
(1964-1967)
Castelo
Branco era ligado à ala moderada das
Forças Armadas e defendia a ideia de que os militares não deveriam ficar no
poder durante muito tempo, ou seja, para o novo presidente o governo devia ser
devolvido aos civis o mais rápido possível. A mesma opinião era comum entre
militares mais moderados, ligados à Escola
Superior de Guerra (ESG). De fato, o governo de Castelo Branco deveria
durar até 1965, quando novas eleições deveriam ser realizadas, contudo, uma
emenda constitucional protelou a saída de Castelo Branco para março de 1967. No
intuito de controlar a inflação – que se aproximava dos 100% –, o
marechal-presidente cortou gastos públicos e aumentou os impostos e as tarifas
dos serviços públicos para equilibrar as contas do governo. Era o Programa de Ação Econômica do Governo
(Paeg). Outra medida foi o arrocho
salarial, que afetou principalmente as camadas mais baixas da sociedade
brasileira, acentuando a concentração de renda nas mãos de uma minoria da
população. Como uma forma de fortalecer a indústria e a agricultura,
estimulou-se a entrada de capital
estrangeiro no país, o que fez a dívida
externa aumentar.
A
inflação caiu e o caminho para a retomada do crescimento econômico foi
reaberto, mas a impopularidade do regime aumentou. Quando realizaram-se
eleições em 1965, nas quais foram escolhidos governadores de onze estados, a
oposição saiu vitoriosa em cinco deles, incluindo a Guanabara e Minas Gerais,
que tinham grande peso político. A derrota do governo fez a linha
dura – uma ala mais conservadora das Forças Armadas – pressionar
Castelo Branco no sentido da adoção de medidas mais repressivas. Assim, o
marechal-presidente decretou o AI-2,
que extinguiu os partidos políticos e implantou o bipartidarismo no Brasil. Nesse novo sistema, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) foi
o partido criado para dar sustentação política ao regime, enquanto que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foi
o partido criado para fazer oposição à Ditadura. O MDB reunia políticos de
diversas tendências e representava, na verdade, uma oposição consentida pelo
regime. O AI-2 também instituiu as eleições
indiretas para presidente.
Em
1966, houve a decretação do AI-3,
que estabeleceu eleições indiretas para governadores e prefeitos das capitais
dos estados. No que diz respeito ao comando do executivo nacional, houve a
eleição indireta do general Artur da
Costa e Silva – ministro de Guerra do governo Castelo Branco – para o cargo
de presidente da República. O AI-3 e a eleição de Costa e Silva eram duas
importantes vitórias da linha dura.
Parte
da sociedade civil que havia apoiado o Golpe de 1964 sentia-se traída pelo
regime porque considerava que a intervenção militar seria passageira. Políticos
como Carlos Lacerda e Ademar de Barros, que apoiaram o Golpe, começaram a fazer
críticas à Ditadura. Lacerda até propôs a Juscelino Kubitschek e João Goulart
que formassem uma Frente Ampla
contra a Ditadura, mas a iniciativa não teve sucesso por causa da repressão dos
militares.
No
final de seu governo, Castelo Branco promulgou a Lei de Imprensa, no início de 1967, que cerceava a informação e
restringia a liberdade de expressão dos veículos de comunicação de massa, como
os jornais impressos, o rádio e a televisão. Por sua vez, a Lei de Segurança Nacional restringiu as
liberdades civis, cassou parlamentares e fechou o Congresso, legitimando a
repressão contra os opositores do governo considerados uma ameaça à segurança
da nação. O AI-4 reabriu o Congresso
para que uma nova Constituição fosse
aprovada pelos parlamentares. Promulgada em 15 de março de 1967, a nova Carta
ampliou ainda mais os poderes do Executivo, principalmente no campo da política
econômica e da segurança nacional.
O governo Costa e Silva (1967-1969)
A
posse do general Costa e Silva ocorreu no dia 15 de março de 1967. O novo
presidente representava a chegada da linha
dura ao poder. A tensão política só fez aumentar quando a Ditadura começou
a ser alvo de protestos de estudantes, trabalhadores, artistas e até mesmo de
setores da Igreja Católica, que haviam apoiado o Golpe de 1964. Em resposta à
multiplicação de manifestações contrárias ao regime, houve o aumento da
repressão política por parte do governo.
O
ano de 1968 foi marcado por manifestações contra o imperialismo e a sociedade
capitalista em todo o mundo. No Brasil, descontentes com a Ditadura, os
estudantes encabeçaram vários protestos. Mesmo na clandestinidade, a UNE tinha
uma estrutura de alcance nacional. Os estudantes que protestavam nas ruas
tinham o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) e de parte da imprensa e do MDB. Em março de 1968,
estudantes protestaram pela melhoria da qualidade da comida servida no
restaurante Calabouço, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Houve choques
com a política e um estudante – o jovem Édson
Luís de Lima Souto – foi baleado e morto. Cerca de 50 mil pessoas
acompanharam o enterro do rapaz, o que desencadeou mais protestos.
No
dia 21 de junho de 1968, um confronto entre estudantes e policiais deixou 23
pessoas baleadas e 4 mortos. No dia 26, cerca de 100 mil pessoas saíram às ruas
do Rio de Janeiro pedindo o fim da ditadura no Brasil. Políticos de oposição,
intelectuais, religiosos, estudantes, trabalhadores, donas de casa e artistas
como Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil estiveram
naquela que ficou conhecida como a Passeata
dos Cem Mil. Em outubro de 1968, foi organizado clandestinamente o 30° Congresso da UNE, em Ibiúna, na
Grande São Paulo, mas a polícia descobriu o encontro e invadiu o local,
prendendo centenas de estudantes. Também em 1968, ocorreram grandes greves de
trabalhadores: 15 mil operários em Contagem, Minas Gerais, e 10 mil
metalúrgicos em Osasco, São Paulo, cruzaram os braços. Houve a prisão de
centenas de pessoas e a intervenção do Estado nos sindicatos.
No
Congresso, a oposição manifestou-se contra as ações repressivas do governo e a
Lei de Segurança Nacional. O deputado Márcio Moreira Alves chegou a discursar
defendendo um boicote às comemorações da Semana da Pátria e aos militares, em
setembro de 1968. O governo exigiu do Congresso o direito de processar o
deputado, mas a maioria dos parlamentares, depois de um longo processo de
debates, votou contra o pedido. Em resposta, no dia 13 de dezembro de 1968, o
governo decretou o AI-5, o Ato
Institucional mais repressivo de todos. Por meio do AI-5, o presidente podia
fechar o Congresso e legislar a respeito de qualquer assunto sempre que
quisesse suspender os direitos civis da população, além de intervir nos
estados, aposentar funcionários públicos e suspender o habeas corpus para os casos de “crimes políticos”. Entre outras
medidas, acabou-se com o direito de reunião e intensificou-se a censura à
imprensa, aos meios de comunicação e aos artistas em geral. Antes de chegarem
ao público, notícias, livros, filmes, músicas e peças de teatro tinham que ser
analisados pelos censores. A justificativa normalmente usada pela ditadura para
censurar tais produções era que havia a necessidade de se preservar a
“segurança nacional” e a “moral da família brasileira”. Em resposta ao
cerceamento da liberdade de expressão, o jornal O Estado de S. Paulo passou
a substituir as matérias censuradas por receitas culinárias e trechos de Os Lusíadas, de Camões, no intuito de
explicitar ao leitor a ação da censura. No Rio de Janeiro, o Jornal
do Brasil deixava enormes espaços em branco no lugar das matérias
censuradas. Na imprensa, houve quem desafiasse ainda mais a censura, como os
periódicos alternativos O Pasquim e Opinião, que publicavam artigos incômodos ao regime. Os
exemplares de tais periódicos eram retirados das bancas pela polícia e, muitas
vezes, os jornalistas de tais jornais acabavam presos.
A
censura também proibiu músicas de Chico
Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e tantos outros compositores, além de livros como Zero, de Ignácio de Loyola Brandão, e Feliz
Ano Novo, de Rubem Fonseca, e
peças como Abajur lilás, de Plínio Marcos. No cinema, muitos filmes
só podiam ser exibidos após o corte de determinadas cenas. Em 1968, o Teatro
Ruth Escobar foi invadido por membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC)
– um grupo de extrema direita – e os atores do grupo Teatro de Arena, que
encenavam ali a peça Roda Viva,
escrita por Chico Buarque e dirigida por José
Celso Martinez Correa, foram violentamente agredidos. O CCC também foi
responsável pela morte do estudante secundarista José Guimarães, assassinado em
1968 durante a Batalha da Maria Antônia, confronto armado entre estudantes da
Universidade Mackenzie apoiados pelo CCC e alunos da Faculdade de Filosofia da
USP.
O
endurecimento da ditadura ocorrido após o AI-5 levou à prisão de milhares de
pessoas, muitas das quais eram torturadas. O exílio no exterior acabou se
tornando uma realidade para muitos. Por outro lado, alguns grupos de esquerda,
entre os quais estavam dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), decidiram
abandonar os protestos pacíficos contra a ditadura e resolveram adotar a luta armada como uma forma de
resistência ao regime, inspirados em experiências latino-americanas como a
Revolução Cubana. Surgiram grupos
guerrilheiros formados por homens e mulheres que queriam derrubar o governo
por meio das armas. Guerrilheiros praticavam assaltos a bancos para angariar
fundos para suas ações. O agente da CIA Charles R. Chandler, que colaborava com
os militares brasileiros na repressão à sociedade civil, foi metralhado pelo
grupo guerrilheiro Ação Libertadora
Nacional (ALN), liderado por Carlos
Marighella. Os órgãos de repressão passaram a prender e torturar supostos
membros de grupos de esquerda para identificar e capturar os envolvidos. Em
resposta, também houve sequestros de diplomatas estrangeiros, por meio dos
quais os guerrilheiros tentavam trocar os representantes de outras nações pela
libertação de presos políticos. O embaixador dos EUA no Brasil, Charles Burke
Elbrick, por exemplo, foi trocado por 15 presos políticos, enquanto Ehrenried
von Hollenben, embaixador da Alemanha Ocidental, foi trocado por 40, em 1970.
A
repressão praticada pelo governo foi intensificada após os sequestros. Carlos
Marighella, líder da (ALN), foi morto em uma emboscada na cidade de São Paulo
comandada por Sérgio Paranhos Fleury, um policial civil que era um dos
principais agentes da repressão e líder do Esquadrão
da Morte,[1]
em 1969. No ano seguinte, o capitão do Exército Carlos Lamarca, da Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR) aderiu à luta armada ao abandonar o seu
quartel em Quitaúna, São Paulo, levando consigo três submetralhadoras e 63
fuzis. Lamarca foi perseguido pela repressão, sendo executado na Bahia, em
1971, durante uma ação comandada pelo major Nilton Cerqueira de Albuquerque.
Por sua vez, na região do Araguaia,
na Bacia Amazônica, entre os anos de 1968 e 1974, desenvolveu-se um grupo
guerrilheiro organizado pelo Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), que manteve-se na clandestinidade por quase
quatro anos. Todavia, em 1972, após obter informações acerca das ações do grupo
na área, o governo ordenou o deslocamento de tropas do Exército que, em dois
anos, desarticularam o movimento guerrilheiro, torturando, matando ou prendendo
cerca de oitenta guerrilheiros e guerrilheiras que estavam ali. Já no final do
governo Médici, a guerrilha estava desarticulada.
O governo Médici (1969-1974)
Costa
e Silva afastou-se da Presidência por motivos de saúde oito meses após ter
decretado o AI-5. O vice-presidente, o político mineiro Pedro Aleixo, foi
impedido de assumir o cargo. Até o final de outubro de 1969, uma Junta Militar
formada pelos ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica governou o Brasil. Em
outubro, tomou posse como o novo Presidente da República o general Emílio Garrastazu Médici, que foi
eleito para o cargo pelo Congresso Nacional. O governo de Médici é tido como o
período mais violento da Ditadura. Médici era um representante da linha dura, e reprimiu ferozmente a
oposição, perseguindo, prendendo, torturando e matando muitos dos seus
adversários.
Tanto
os grupos de esquerda quanto a própria sociedade se viam acuados por uma rede
de órgãos repressivos. Um desses órgãos era o Serviço Nacional de Informação (SNI),
instrumento de vigilância e controle criado em 1964. O governo também contava
com os Departamentos de Ordem Política e Social (Dops), que agiam nos
estados e estavam oficialmente subordinados aos governadores. Por sua vez, a Operação
Bandeirante (Oban), de São Paulo, foi criada em 1969, com membros das
polícias estadual e federal e das Forças Armadas. A Oban foi financiada por
empresários após a declaração de Delfim Neto – ministro da Fazenda à época – de
que as Forças Armadas não tinham recursos suficientes para combater os grupos
subversivos. Assim, parte do empresariado paulista contribuiu com recursos
financeiros com a Oban. Além dessa ajuda em dinheiro, empresas como a Ford e a
Volkswagen forneceram carros, a Ultragás emprestou caminhões e a Supergel
abasteceu com refeições congeladas a carceragem da rua Tutoia, o que revela uma
rede de apoio à Oban. Em 1970, a Operação Bandeirante foi colocada sob a
jurisdição de um novo órgão de repressão, o Departamento de Operações
Internas (ou Destacamento de
Operações de Informações) e Centro de
Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). O DOI-Codi investigava,
prendia, torturava e matava presos políticos, adotando diversas técnicas de
tortura, tais como choques elétricos, “paus de arara”, afogamentos, estupros,
queimaduras e pressão psicológica. O objetivo era arrancar informações dos
presos, e o número de mortos e desaparecidos por causa das ações do DOI-Codi
foi muito grande.
As
pessoas que eram presas pelos aparelhos repressivos da Ditadura sofriam
torturas físicas, morais e psicológicas. Segundo alguns relatos, pessoas eram
interrogadas em cubículos ao lado de jacarés ou cobras. Há estimativas que
dizem que pelo menos 200 militantes – entre homens e mulheres – foram mortos
pela Ditadura, enquanto que ao menos 146 continuam desaparecidos até hoje. Só
nos meses iniciais do regime, cerca de 50 mil pessoas foram presas. Durante as
mais de duas décadas de Ditadura no Brasil, 10 mil homens, mulheres, jovens e
crianças refugiaram-se no exterior. Cerca de 130 pessoas foram banidas do país.
O governo sempre procurou negar a existência de mortos políticos no país,
alegando que muitas pessoas morriam durante tiroteios ou tentando fugir da
polícia. Segundo a versão oficial, muitos opositores do regime morriam em
atropelamentos nas ruas ou haviam cometido suicídio. Todavia, o fato é que
muita gente foi morta na cadeia, seja por causa da tortura seja por causa de
execuções sumárias.
Paralelamente
ao terror de Estado, a economia do país parecia se recuperar. De fato, durante
um período da Ditadura houve um intenso crescimento
econômico do Brasil. O intervalo de tempo entre os anos de 1967 e 1974 foi
simultaneamente chamado de “anos de
chumbo” e de época do “milagre
econômico” brasileiro. O Produto Interno Bruto chegou a crescer em média
11% ao ano. Houve a expansão do mercado interno e das exportações. O governo
investia pesado em obras de infraestrutura. Durante o governo Médici surgiram
70 empresas estatais, por meio das quais o governo investia em setores básicos
da economia, como as áreas de telecomunicações,
geração de energia, siderurgia, petroquímica e construção
naval. Foram construídas a usina hidrelétrica de Itaipu, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, e a Ponte Rio-Niterói. O governo assinou um
acordo com a Alemanha para completar o seu programa
nuclear, baseado nas usinas nucleares de Angra dos Reis. Mas nem todas as
obras iniciadas foram concluídas, a exemplo da rodovia Transamazônica, que se revelou um fracasso. A expansão industrial
do país foi obtida graças a empréstimos
em bancos estrangeiros, que triplicaram a dívida externa brasileira entre 1967 e 1972. A entrada de capitais
estrangeiros no Brasil foi estimulada, e muitas multinacionais se instalaram
aqui, produzindo com mão de obra barata diversas mercadorias modernas e
sofisticadas, cujos preços eram cada vez mais acessíveis. As classes médias
passaram a ter acesso a automóveis e eletrodomésticos, sobretudo graças à
política de facilitação de crédito ao consumidor. Por outro lado, nem todos
desfrutavam do “milagre”, uma vez que a população mais pobre continuava
sofrendo com o arrocho salarial.
Os
bons resultados da economia foram explorados pelo governo, que deu início a campanhas publicitárias que procuravam
fixar uma imagem do Brasil como uma “grande potência”. Tais campanhas usavam e
abusavam de slogans como “Ninguém
segura este país”, “Pra frente, Brasil”, “Brasil: ame-o ou deixe-o”. O regime
também explorou a vitória da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de
1970, usando a conquista para enaltecer o país governado pela Ditadura.
O governo Geisel (1974-1979)
No
início de 1974, com o fim do mandato de Médici, houve a eleição indireta do
general Ernesto Geisel para o cargo
de Presidente da República. O novo chefe do Executivo nacional foi eleito por
um Colégio Eleitoral formado por membros do Congresso Nacional e das
Assembleias Legislativas estaduais. Na época da posse de Geisel, o “milagre
econômico” brasileiro já dava sinais de esgotamento. O país sofria as
consequências do aumento do preço do barril de petróleo que foi determinado em
1973 pelos governos dos países-membros da Organização dos Países Exportadores
de Petróleo (Opep). Naquele tempo, as importações brasileiras de óleo cru
correspondiam a aproximadamente 80% de todo o petróleo consumido no Brasil. O
governo pensou que os países árabes baixariam o preço do óleo e, por isso,
manteve as importações do combustível no mesmo patamar. Todavia, o preço do
petróleo não caiu e a decisão da Opep provocou uma crise mundial que afetou a
economia brasileira. Houve diminuição no volume de capitais externos
disponíveis e aumento da taxa de juros dos empréstimos internacionais tomados
pelo Brasil. A dívida externa, a inflação e o desemprego aumentaram. Era o início de um período de recessão. A
renda da classe média começou a cair e a insatisfação com o regime começou a
crescer ainda mais. A década seguinte (anos 1980) ainda seria marcada pelos
fortes reflexos dessa situação econômica.
A
insatisfação ficou visível nas eleições parlamentares de 1974. A oposição saiu
vitoriosa, aumentando o seu número de senadores de 3 para 16, conquistando 44%
das vagas da Câmara Federal e elegendo a maioria dos deputados estaduais em
seis estados. Os militares perdiam prestígio e, em 1976, o MDB obteve a maioria
nas eleições municipais. Propondo a transformação da sociedade, a volta da
democracia e reformas econômicas, o discurso da oposição passou a agradar cada
vez mais boa parte do eleitorado. O
governo sentiu a necessidade de silenciar a oposição e, como um contra-ataque,
aprovou a Lei Falcão, em julho de
1976, que impunha novas regras para a propaganda política. Por meio dessa lei,
os candidatos ficavam proibidos de discursar livremente, podendo apenas
divulgar seu nome, legenda (partido), currículo resumido e seu número de
registro na Justiça Eleitoral. O retrato de cada candidato era exibido na
televisão.
Do
ponto de vista político, Geisel estava alinhado ao grupo mais moderado das
Forças Armadas. O novo presidente era favorável a uma abertura política que
culminaria na volta dos civis ao poder. Mas essa abertura não seria realizada
rapidamente, pois os membros da linha
dura ainda controlavam os principais órgãos de segurança, tendo uma grande
influência no aparelho do Estado. Para não bater de frente com a linha dura, Geisel propôs uma abertura
política “lenta, gradual e segura”.
Todavia, os militares da linha dura desafiavam
tal proposta. Em 1975, o jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog foi torturado e assassinado nas dependências do
Segundo Exército, em São Paulo, fato que provocou protestos e manifestações
públicas, como um ato ecumênico realizado na Catedral da Sé que reuniu 8 mil
pessoas que pediam o fim da Ditadura. A versão oficial dizia que Herzog
cometera o suicídio. Em circunstâncias parecidas às da morte de Herzog, o
metalúrgico Manuel Fiel Filho também
foi morto por militares durante um interrogatório, em 1976. Mais uma vez, foi
dito pela versão oficial que houve um suicídio. Com medo de perder o controle
da situação, Geisel demitiu o general Ednardo D’Ávila Melo, o comandante do
Segundo Exército, e colocou um militar de sua confiança no lugar.
Em
1977, foi decretado o Pacote de Abril,
que procurava garantir a maioria no Congresso à Arena, bem como o controle dos
governos estaduais. O Congresso foi fechado e mudou-se a lei eleitoral. A eleição
indireta para governador foi renovada e o mandato presidencial passou a ser de
seis anos. O governo federal passou a indicar um terço dos senadores. Eram os
chamados senadores biônicos. No
mesmo ano, Geisel impediu que o general Sylvio Frota – um militar da linha dura – lançasse sua candidatura à
Presidência da República. O presidente indicou para a sua sucessão o nome do
general João Baptista Figueiredo,
que foi eleito indiretamente em outubro de 1978. Antes do novo presidente tomar
posse do cargo, o Congresso Nacional revogou o AI-5, restabeleceu o direito de habeas corpus e suspendeu parcialmente a
censura à imprensa. Tais medidas significavam que as pressões populares em
favor da abertura política estavam surtindo efeito.
O governo de Figueiredo
(1979-1985) e a abertura política
Ao
longo dos anos 1970 foram aumentando cada vez mais as manifestações pelo fim da
Ditadura. Estudantes, intelectuais, artistas, integrantes do MDB, membros da
Igreja e de outras instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a
Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além de diversos outros setores da
sociedade brasileira, pediam a volta do Estado democrático de direito. Em 1977,
o jurista Goffredo da Silva Telles Jr. leu um documento reivindicando a volta
da democracia, durante uma manifestação em frente à Faculdade de Direito, em
São Paulo. Em 1978, surgiu o Movimento
do Custo de Vida nas periferias das grandes cidades, exigindo o aumento dos
salários e o congelamento dos preços dos itens de primeira necessidade.
No
mesmo ano, houve um protesto em São Paulo contra a violência do Estado e contra
a discriminação racial. No dia 7 de julho de 1978, o Movimento Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR) ocupou as
escadarias do Teatro Municipal, em São Paulo, em protesto à morte do jovem
negro Robson Silveira da Luz, de 21
anos. Robson foi acusado de ter roubado frutas na feira, sendo torturado e
morto nas dependências de uma delegacia na periferia paulistana. Durante o
protesto no Teatro Municipal, os membros do MUCDR leram uma carta aberta à nação
contra o racismo.[2]
Ainda
no ano de 1978, o movimento operário
começou a mostrar a sua força. Milhares de trabalhadores desafiaram a Lei de
Greve e cruzaram os braços em São Paulo. A primeira paralisação de grandes
proporções ocorrida no Brasil desde 1968 foi liderada por Luiz Inácio da Silva – o Lula –, no dia 12 de maio de 1978, quando
2 mil metalúrgicos da Saab-Scania, em São Bernardo do Campo (SP), entraram em
greve exigindo 20% de aumento salarial. Em seguida, operários da Ford,
Mercedes-Benz e Volkswagen também entraram em greve. Dois dias depois da posse
do presidente Figueiredo, em março de 1979, milhares de trabalhadores da
indústria automobilística entraram em greve, mais uma vez sob a liderança de
Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Ao
longo de 1979, a onda grevista se alastrou por outras cidades paulistas, como
Osasco e Guarulhos, locais de grande concentração industrial, e, depois, chegou
a várias partes do país. Além dos metalúrgicos, também entraram em greve
professores, funcionários públicos, bancários, jornalistas, trabalhadores da
construção civil, médicos, lixeiros e profissionais de várias outras
categorias. Até 1980, cerca de 2 milhões de pessoas já haviam participado de
greves. A mais longa greve do período ocorreu em São Bernardo, em 1980, quando
300 mil metalúrgicos ficaram 41 dias sem trabalhar. A população ajudou os
grevistas doando dinheiro e alimentos, enquanto o governo reprimia os
manifestantes, matando grevistas em confrontos, intervindo nos sindicatos e
prendendo os dirigentes sindicais.
A
campanha pela anistia dos presos políticos, cassados e perseguidos pela
Ditadura também ganhou força em 1979. Como uma resposta aos anseios populares,
a Lei de Anistia foi aprovada pelo
Congresso em agosto de 1979, permitindo o retorno dos exilados ao país, mas
também perdoando os crimes praticados pelos agentes da Ditadura envolvidos em
torturas e mortes de presos políticos. Personagens como Luís Carlos Prestes,
Leonel Brizola, Miguel Arraes, o educador Paulo Freire, o sociólogo Herbert de
Souza, entre outros, retornaram ao país enquanto os presos políticos eram
colocados em liberdade.
Também
em 1979, um projeto de lei do governo foi aprovado pelo Congresso e determinou
o fim do bipartidarismo. A medida abriu o caminho para a volta do pluripartidarismo no Brasil. A Arena
deu origem ao Partido Democrático Social
(PDS) e o MDB originou o Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Outros partidos foram criados no
período. O setor mais moderado do antigo MDB deu origem ao Partido Popular (PP). Sob a liderança de Leonel Brizola foi fundado
o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
A sobrinha-neta de Getúlio Vargas, Ivete Vargas, criou o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Outro partido fundado naquele
contexto foi o Partido dos Trabalhadores
(PT), que reunia sindicalistas, intelectuais, militantes de esquerda,
setores da Igreja e políticos da ala mais radical do antigo MDB.
Os
militares ligados à linha dura não
apoiavam as mudanças em curso no país. Juntamente com grupos paramilitares de
direita, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), a Aliança Anticomunista Brasileira (AACB) e a Falange Pátria Nova (FPN), os militares da linha dura organizaram atentados
terroristas para tentar interromper a redemocratização em andamento. Os
alvos eram normalmente bancas de jornal e outros espaços públicos. Também a
antiga sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio de
Janeiro, foi alvo de um atentado. Muitas vezes, tais grupos cometiam esses atos
e acusavam as esquerdas. Todavia, a verdade foi revelada quando um atentado à
bomba no centro de convenções Riocentro, no Rio de Janeiro, fracassou em 1981,
durante o show de comemoração ao Dia do Trabalhador (1° de maio). As bombas
explodiram antes do previsto, ferindo um dos militares terroristas – o capitão
Wilson Chaves Machado – e matando o outro. A Polícia Militar até instaurou um
inquérito, mas o governo abafou o caso e nunca houve punição aos culpados.
O
clima de terror era acompanhado pelo
agravamento da crise econômica no
país. A inflação chegou a 110% no
ano de 1980. O PIB chegou a apresentar índice negativo. Era um verdadeiro
quadro de estagflação, ou seja, estagnação
econômica somada a uma inflação elevada. A insatisfação com o governo da
Ditadura só aumentava. Em 1980, foram aprovadas as eleições diretas para
governador e extinta a figura do senador biônico. O regime acreditava que a
multiplicação dos partidos políticos pulverizaria a oposição e facilitaria a
vitória do PDS, garantindo o controle da situação ao governo. Eleições para os
governos estaduais foram marcadas para 1982 e, no intuito de conter a oposição,
o governo proibiu as coligações partidárias. Também houve a criação do voto vinculado, por meio do qual o
eleitor tinha que votar em um mesmo partido em todos os níveis representativos,
executivo e legislativo, municipal e estadual. Em meio a este cenário, o PP,
que tinha em seus quadros o político Tancredo
Neves, fundiu-se ao PMDB, depois que ambos viram as suas possibilidades
eleitorais diminuírem com as mudanças impostas pelo governo. O PDS conseguiu a
maioria no Congresso Nacional, enquanto o PMDB obteve vitórias expressivas nas
eleições para governador em estados importantes, tais como São Paulo (Franco
Montoro), Minas Gerais (Tancredo Neves) e Paraná (José Richa). Leonel Brizola,
antigo adversário da Ditadura, foi eleito no Rio de Janeiro pelo PDT. Todavia,
a maioria dos estados ficou com o PDS, inclusive em locais onde a oposição era
forte, como Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Após
as eleições de 1982, a oposição entendeu que a Ditadura só acabaria quando
fossem realizadas eleições diretas para presidente. Em março de 1983, o
deputado federal Dante de Oliveira,
do PMDB, apresentou à Câmara uma emenda constitucional que restabelecia as
eleições diretas para a Presidência da República já na sucessão de Figueiredo. O
senador Teotônio Vilela (PMDB) propôs uma campanha nacional pelo voto direto
para presidente. A campanha foi vista como uma prioridade pelo PT e, com o
apoio do PMDB, realizou-se um comício em Goiânia. Ainda em 1983, um comício
pelas eleições diretas foi realizado em São Paulo, reunindo uma frente
suprapartidária (PT, PMDB, PDT) e organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT). 10 mil pessoas compareceram
ao evento. Em pouco tempo, a campanha das Diretas Já espalhou-se por todo o território nacional, mobilizando amplos
setores da sociedade brasileira, sobretudo após o engajamento total do PMDB.
Grandes comícios a favor das eleições diretas foram realizados em várias
cidades, reunindo milhares de pessoas, além de artistas, intelectuais e
políticos de todas as alas de centro e de esquerda. Todavia, apesar da pressão
popular, a emenda de Dante de Oliveira foi rejeitada no Congresso Nacional, em
abril de 1984.
O
país teria mais uma eleição indireta para a Presidência da República. O PDS
tinha três opções de candidatos: Aureliano Chaves (vice-presidente à época e um
civil ligado aos moderados), o coronel Mário Andreazza (ministro do Interior à
época e indicado pelos militares) e Paulo Maluf (ex-governador de São Paulo e
uma figura política nascida na Ditadura, com um projeto próprio de poder). O
governo acabou indicando o nome de Paulo
Maluf (PDS) para disputar a sucessão do general Figueiredo. A decisão
irritou os militares e descontentou os moderados, provocando uma cisão no seio
do PDS. Alguns parlamentares ligados ao PDS – partido que garantiu a rejeição
da emenda – abandonaram o partido e formaram a Frente Liberal, que mais
tarde originaria o Partido da Frente Liberal (PFL). Aproveitando-se do
enfraquecimento do PDS e do projeto militar, o PMDB aliou-se à Frente Liberal, em
meados de 1984, formando um bloco chamado Aliança Democrática, que lançou a
candidatura do moderado Tancredo Neves,
governador de Minas Gerais, à Presidência. O vice da chapa de Tancredo era o
ex-presidente do PDS e então governador do Maranhão, José Sarney.
O
programa de Tancredo Neves contemplava a convocação de uma Assembleia
Constituinte, os problemas sociais, as eleições diretas, a dívida externa, o
emprego, a Previdência Social, a liberdade sindical e o Estado de Direito. Ulysses Guimarães coordenou a campanha
de Tancredo, intitulada “Muda Brasil:
Tancredo Já!”, que recebeu o apoio popular mesmo as eleições sendo
indiretas. A candidatura de Tancredo representava para muitos a consolidação da
redemocratização. As eleições ocorreram em janeiro de 1985, e deram a vitória a
Tancredo Neves, que obteve 480 votos do Colégio Eleitoral contra os 180 de
Maluf. Apesar de não fazer parte da Aliança Democrática, o PDT votou em
Tancredo. Por sua vez, o PT se recusou a participar do pleito indireto.
Tancredo
cunhou o termo “Nova República” para
designar o seu período de governo. A posse do primeiro civil eleito para o
cargo de Presidente da República em mais de 20 anos foi marcada para o dia 15
de março de 1985. Tancredo receberia um país com inflação de 228% ao ano e uma
dívida externa de 100 bilhões de dólares. Contudo, Tancredo adoeceu gravemente
no dia anterior à posse, sendo internado em um hospital de Brasília e, depois,
transferido para um hospital de São Paulo, onde passou por uma série de
cirurgias. A população brasileira acompanhava o estado de saúde de Tancredo por
meio dos boletins médicos que alimentavam um falso otimismo. Tancredo faleceu no
dia 21 de abril de 1985. O seu cortejo saiu de São Paulo e passou por Brasília
e Belo Horizonte até chegar a São João del-Rei, onde o corpo foi enterrado, em
um trajeto que foi acompanhado por multidões.
José
Sarney, vice-presidente eleito junto com Tancredo e ex-parlamentar da Arena que
integrava a Frente Liberal, acabou ocupando a Presidência da República. A
Ditadura Civil-Militar Brasileira chegava ao seu fim com um político
historicamente associado ao partido da Ditadura ocupando o cargo máximo do
poder Executivo.
TÓPICO EXTRA: CULTURA DE
MASSAS E RESISTÊNCIA À DITADURA
Nos
anos 1960, houve o crescimento dos investimentos nacionais e estrangeiros na
indústria cultural do Brasil. Isso provocou uma expansão dos meios de
comunicação de massa, como televisão, editoras e gravadoras de música, que
gerou um impacto na cultura brasileira. O próprio governo federal investiu na
tecnologia e infraestrutura na área de telecomunicação. Para o governo da
Ditadura, o rádio e a televisão integrariam o país, sendo vitais para a segurança
nacional. A propaganda ideológica da Ditadura Civil-Militar seria veiculada em
meios de comunicação como esses.
Televisão
A
televisão foi introduzida no Brasil em 1950, mas foi na década seguinte que ela
se firmou no cenário cultural brasileiro ao lado do cinema, do rádio e da
indústria editorial e fonográfica. A Embratel foi criada pelo governo em 1965.
O decênio de 1960 foi marcado pela consolidação das principais redes de
televisão do país, sediadas no eixo Rio-São Paulo. A partir disso, os costumes
de várias regiões do país passaram a ser influenciados pelos padrões
linguísticos e de comportamento dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Na
década de 1970, a televisão se estabeleceu como o meio de comunicação mais
poderoso do Brasil, país que ainda tinha na época um grande número de
analfabetos. Um modelo de programação televisiva voltado para buscar a
fidelidade da audiência foi estabelecido. Programas infantis, esportivos,
jornalísticos, programas de auditório, novelas e jogos de futebol passaram a
ser levados ao ar em horários predeterminados. Por meio de um sistema de
transmissão por satélite, milhões de brasileiros assistiram à Copa do Mundo de
futebol realizada no México, em 1970. A TV exibiu a vitória da seleção
brasileira como se fosse uma vitória do governo. Enquanto isso, nos porões da
Ditadura, pessoas eram torturadas e mortas pelo regime.
Censura e propaganda
ideológica
Durante
a Ditadura houve a censura a jornais, revistas, programas de rádio e televisão,
espetáculos de teatro ou de música, livros e filmes, entre outras formas de
expressão. O governo retirava das páginas de jornais e revistas – e cortava de
programas radiofônicos ou televisivos – notícias indesejadas ou conteúdos tidos
como subversivos. Jornais protestavam colocando poesias e receitas de bolo no
lugar da matéria censurada. Para burlar a censura no campo musical,
compositores usavam e abusavam de expressões de duplo sentido, bem como usavam
pseudônimos para assinar suas letras.
Por
outro lado, certos veículos de comunicação que apoiavam a Ditadura praticavam a
autocensura. Em troca, eram beneficiados com verbas publicitárias, uma vez que
o maior anunciante era o governo. A Ditadura investiu bastante em propaganda
ideológica, produzindo cartazes, anúncios na TV, no rádio e no cinema. O
governo também incentivava músicas ufanistas, procurando mostrar um Brasil sem
problemas e prestes a se tornar uma grande potência a nível mundial.
A internacionalização cultural
Os
meios de comunicação de massa contribuíram para a difusão no Brasil de costumes
estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos da América. As campanhas
publicitárias introduziam ou consolidavam hábitos de consumo, seja de produtos
convencionais seja de produtos culturais, como a moda e a música. A música pop
inglesa e estadunidense conquistou os jovens de todo o mundo e do Brasil.
Bandas como os Beatles e os Rolling Stones eram ouvidas em discos e programas
de rádio, e vistas na TV e no cinema. Tais bandas eram imitadas no Brasil pelo
iê-iê-iê e pela Jovem Guarda. O rock ditou comportamentos para a juventude e
influenciou compositores e intérpretes brasileiros.
Arte nacional popular e de
vanguarda
Tendo
em vista esse cenário no campo cultural brasileiro, é preciso dizer que houve
disputas àquela época. A esquerda mais radical era crítica à influência dos
grandes países capitalistas na arte e na cultura dos brasileiros. Lutando
contra o que chamavam de “imperialismo cultural”, o Centro Popular de Cultura
(CPC) – órgão mantido pela UNE – pregava uma arte nacionalista e popular,
dotada de uma função política bem definida. Essa arte engajada deveria
conscientizar e mobilizar politicamente a população. Por outro lado, havia
grupos que defendiam o livre uso de referências culturais, sem preconceitos.
Tais grupos criticavam o patrulhamento ideológico praticado pelas esquerdas.
Foi nesse quadro que surgiu o tropicalismo, em 1967. Os artistas tropicalistas
Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, entre outros, introduziram inovações
estéticas e mesclaram releituras de elementos nacionais com propostas de
vanguardas internacionais.
Os festivais de música
Emissoras
de TV começaram a promover os festivais de Música Popular Brasileira (MPB) a
partir de 1965, revelando grandes compositores e intérpretes. Em meio à
repressão política, canções de protesto produzidas pelos participantes de tais
festivais ganhavam a preferência dos jovens. Nos festivais, parte do
descontentamento com o regime era exteriorizado. No Festival Internacional da
Canção de 1968, a canção Pra não dizer
que não falei de flores, de Geraldo Vandré, ficou em segundo lugar e acabou
proibida pela Ditadura, tornando-se um hino para os opositores do regime. Por
outro lado, eram comuns as vaias a músicas consideradas apolíticas ou
classificadas como influenciadas pelo imperialismo cultural. Caetano Veloso foi
vaiado no Festival de 1968, enquanto o tropicalismo era criticado por usar
recursos rotulados como próprios da cultura estadunidense, como a guitarra
elétrica.
Cultura de oposição
A
resistência cultural se fazia presente em várias formas de arte, com a
criatividade sendo usada para driblar a censura. O Cinema Novo propunha pensar
a realidade nacional e suas contradições sociais e regionais, por meio de
produções baratas e criativas reconhecidas internacionalmente por sua qualidade
estética e profundidade temática. No teatro e nas artes plásticas, dramaturgos,
atores, diretores, e artistas plásticos sofreram com a censura e a repressão,
mas deixaram uma produção bastante significativa. Muitos se exilaram no exterior,
enquanto outros aqui ficaram, embora impedidos de se expressar plena e
livremente. A cultura de oposição também se fez presente em jornais
alternativos surgidos no final da década de 1960 e que usavam o humor e a
irreverência para criticar o regime. Um notável exemplo foi o jornal O Pasquim, que reunia intelectuais e jornalistas
críticos à Ditadura.