Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A Ditadura no Brasil (1964-1985)

O Golpe de Estado que derrubou João Goulart em 1964 marcou o início de um período de intensa violência e repressão no Brasil. Tanques de guerra e caminhões com soldados tomaram as ruas das principais cidades brasileiras. Muitas pessoas começaram a ser perseguidas, presas, torturadas e mortas. Outras tantas partiram para o exílio. Com o apoio de membros da sociedade civil, os militares chegaram ao poder e, por meio de dispositivos autoritários, cercearam as liberdades individuais, censuraram os meios de comunicação e concentraram o poder nas mãos do próprio governo militar.

O Ato Institucional número 1, o AI-1, de 9 de abril de 1964, instituiu a eleição presidencial indireta, concedeu ao presidente o direito de decretar estado de sítio sem autorização prévia do Congresso Nacional, suspendeu temporariamente a estabilidade dos funcionários públicos, autorizou o governo a cassar mandatos de parlamentares e a suspender os direitos políticos por dez anos, sem apelação judicial. Entre os primeiros políticos cassados pelo regime estavam os ex-presidentes Jânio Quadros e João Goulart, o líder comunista Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes (governador de Pernambuco) e o deputado Francisco Julião (líder das Ligas Camponesas). Mais de 1.400 funcionários públicos foram afastados dos cargos, incluindo militares e juízes. Professores universitários foram aposentados compulsoriamente. Houve intervenção do Estado em diversos sindicatos. O governo declarou a União Nacional dos Estudantes ilegal, e a UNE teve a sua sede invadida e incendiada. Foi criado o Serviço Nacional de Informação (SNI) para investigar e monitorar a vida de possíveis inimigos do governo. O general Humberto de Alencar Castelo Branco foi promovido a marechal e eleito indiretamente pelo Congresso como o novo Presidente da República.


O governo Castelo Branco (1964-1967)

Castelo Branco era ligado à ala moderada das Forças Armadas e defendia a ideia de que os militares não deveriam ficar no poder durante muito tempo, ou seja, para o novo presidente o governo devia ser devolvido aos civis o mais rápido possível. A mesma opinião era comum entre militares mais moderados, ligados à Escola Superior de Guerra (ESG). De fato, o governo de Castelo Branco deveria durar até 1965, quando novas eleições deveriam ser realizadas, contudo, uma emenda constitucional protelou a saída de Castelo Branco para março de 1967. No intuito de controlar a inflação – que se aproximava dos 100% –, o marechal-presidente cortou gastos públicos e aumentou os impostos e as tarifas dos serviços públicos para equilibrar as contas do governo. Era o Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg). Outra medida foi o arrocho salarial, que afetou principalmente as camadas mais baixas da sociedade brasileira, acentuando a concentração de renda nas mãos de uma minoria da população. Como uma forma de fortalecer a indústria e a agricultura, estimulou-se a entrada de capital estrangeiro no país, o que fez a dívida externa aumentar.

A inflação caiu e o caminho para a retomada do crescimento econômico foi reaberto, mas a impopularidade do regime aumentou. Quando realizaram-se eleições em 1965, nas quais foram escolhidos governadores de onze estados, a oposição saiu vitoriosa em cinco deles, incluindo a Guanabara e Minas Gerais, que tinham grande peso político. A derrota do governo fez a linha dura – uma ala mais conservadora das Forças Armadas – pressionar Castelo Branco no sentido da adoção de medidas mais repressivas. Assim, o marechal-presidente decretou o AI-2, que extinguiu os partidos políticos e implantou o bipartidarismo no Brasil. Nesse novo sistema, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) foi o partido criado para dar sustentação política ao regime, enquanto que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foi o partido criado para fazer oposição à Ditadura. O MDB reunia políticos de diversas tendências e representava, na verdade, uma oposição consentida pelo regime. O AI-2 também instituiu as eleições indiretas para presidente.

Em 1966, houve a decretação do AI-3, que estabeleceu eleições indiretas para governadores e prefeitos das capitais dos estados. No que diz respeito ao comando do executivo nacional, houve a eleição indireta do general Artur da Costa e Silva – ministro de Guerra do governo Castelo Branco – para o cargo de presidente da República. O AI-3 e a eleição de Costa e Silva eram duas importantes vitórias da linha dura.

Parte da sociedade civil que havia apoiado o Golpe de 1964 sentia-se traída pelo regime porque considerava que a intervenção militar seria passageira. Políticos como Carlos Lacerda e Ademar de Barros, que apoiaram o Golpe, começaram a fazer críticas à Ditadura. Lacerda até propôs a Juscelino Kubitschek e João Goulart que formassem uma Frente Ampla contra a Ditadura, mas a iniciativa não teve sucesso por causa da repressão dos militares.

No final de seu governo, Castelo Branco promulgou a Lei de Imprensa, no início de 1967, que cerceava a informação e restringia a liberdade de expressão dos veículos de comunicação de massa, como os jornais impressos, o rádio e a televisão. Por sua vez, a Lei de Segurança Nacional restringiu as liberdades civis, cassou parlamentares e fechou o Congresso, legitimando a repressão contra os opositores do governo considerados uma ameaça à segurança da nação. O AI-4 reabriu o Congresso para que uma nova Constituição fosse aprovada pelos parlamentares. Promulgada em 15 de março de 1967, a nova Carta ampliou ainda mais os poderes do Executivo, principalmente no campo da política econômica e da segurança nacional.


O governo Costa e Silva (1967-1969)

A posse do general Costa e Silva ocorreu no dia 15 de março de 1967. O novo presidente representava a chegada da linha dura ao poder. A tensão política só fez aumentar quando a Ditadura começou a ser alvo de protestos de estudantes, trabalhadores, artistas e até mesmo de setores da Igreja Católica, que haviam apoiado o Golpe de 1964. Em resposta à multiplicação de manifestações contrárias ao regime, houve o aumento da repressão política por parte do governo.

O ano de 1968 foi marcado por manifestações contra o imperialismo e a sociedade capitalista em todo o mundo. No Brasil, descontentes com a Ditadura, os estudantes encabeçaram vários protestos. Mesmo na clandestinidade, a UNE tinha uma estrutura de alcance nacional. Os estudantes que protestavam nas ruas tinham o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de parte da imprensa e do MDB. Em março de 1968, estudantes protestaram pela melhoria da qualidade da comida servida no restaurante Calabouço, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Houve choques com a política e um estudante – o jovem Édson Luís de Lima Souto – foi baleado e morto. Cerca de 50 mil pessoas acompanharam o enterro do rapaz, o que desencadeou mais protestos.

No dia 21 de junho de 1968, um confronto entre estudantes e policiais deixou 23 pessoas baleadas e 4 mortos. No dia 26, cerca de 100 mil pessoas saíram às ruas do Rio de Janeiro pedindo o fim da ditadura no Brasil. Políticos de oposição, intelectuais, religiosos, estudantes, trabalhadores, donas de casa e artistas como Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil estiveram naquela que ficou conhecida como a Passeata dos Cem Mil. Em outubro de 1968, foi organizado clandestinamente o 30° Congresso da UNE, em Ibiúna, na Grande São Paulo, mas a polícia descobriu o encontro e invadiu o local, prendendo centenas de estudantes. Também em 1968, ocorreram grandes greves de trabalhadores: 15 mil operários em Contagem, Minas Gerais, e 10 mil metalúrgicos em Osasco, São Paulo, cruzaram os braços. Houve a prisão de centenas de pessoas e a intervenção do Estado nos sindicatos.

No Congresso, a oposição manifestou-se contra as ações repressivas do governo e a Lei de Segurança Nacional. O deputado Márcio Moreira Alves chegou a discursar defendendo um boicote às comemorações da Semana da Pátria e aos militares, em setembro de 1968. O governo exigiu do Congresso o direito de processar o deputado, mas a maioria dos parlamentares, depois de um longo processo de debates, votou contra o pedido. Em resposta, no dia 13 de dezembro de 1968, o governo decretou o AI-5, o Ato Institucional mais repressivo de todos. Por meio do AI-5, o presidente podia fechar o Congresso e legislar a respeito de qualquer assunto sempre que quisesse suspender os direitos civis da população, além de intervir nos estados, aposentar funcionários públicos e suspender o habeas corpus para os casos de “crimes políticos”. Entre outras medidas, acabou-se com o direito de reunião e intensificou-se a censura à imprensa, aos meios de comunicação e aos artistas em geral. Antes de chegarem ao público, notícias, livros, filmes, músicas e peças de teatro tinham que ser analisados pelos censores. A justificativa normalmente usada pela ditadura para censurar tais produções era que havia a necessidade de se preservar a “segurança nacional” e a “moral da família brasileira”. Em resposta ao cerceamento da liberdade de expressão, o jornal O Estado de S. Paulo passou a substituir as matérias censuradas por receitas culinárias e trechos de Os Lusíadas, de Camões, no intuito de explicitar ao leitor a ação da censura. No Rio de Janeiro, o Jornal do Brasil deixava enormes espaços em branco no lugar das matérias censuradas. Na imprensa, houve quem desafiasse ainda mais a censura, como os periódicos alternativos O Pasquim e Opinião, que publicavam artigos incômodos ao regime. Os exemplares de tais periódicos eram retirados das bancas pela polícia e, muitas vezes, os jornalistas de tais jornais acabavam presos.

A censura também proibiu músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e tantos outros compositores, além de livros como Zero, de Ignácio de Loyola Brandão, e Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, e peças como Abajur lilás, de Plínio Marcos. No cinema, muitos filmes só podiam ser exibidos após o corte de determinadas cenas. Em 1968, o Teatro Ruth Escobar foi invadido por membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) – um grupo de extrema direita – e os atores do grupo Teatro de Arena, que encenavam ali a peça Roda Viva, escrita por Chico Buarque e dirigida por José Celso Martinez Correa, foram violentamente agredidos. O CCC também foi responsável pela morte do estudante secundarista José Guimarães, assassinado em 1968 durante a Batalha da Maria Antônia, confronto armado entre estudantes da Universidade Mackenzie apoiados pelo CCC e alunos da Faculdade de Filosofia da USP.

O endurecimento da ditadura ocorrido após o AI-5 levou à prisão de milhares de pessoas, muitas das quais eram torturadas. O exílio no exterior acabou se tornando uma realidade para muitos. Por outro lado, alguns grupos de esquerda, entre os quais estavam dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), decidiram abandonar os protestos pacíficos contra a ditadura e resolveram adotar a luta armada como uma forma de resistência ao regime, inspirados em experiências latino-americanas como a Revolução Cubana. Surgiram grupos guerrilheiros formados por homens e mulheres que queriam derrubar o governo por meio das armas. Guerrilheiros praticavam assaltos a bancos para angariar fundos para suas ações. O agente da CIA Charles R. Chandler, que colaborava com os militares brasileiros na repressão à sociedade civil, foi metralhado pelo grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional (ALN), liderado por Carlos Marighella. Os órgãos de repressão passaram a prender e torturar supostos membros de grupos de esquerda para identificar e capturar os envolvidos. Em resposta, também houve sequestros de diplomatas estrangeiros, por meio dos quais os guerrilheiros tentavam trocar os representantes de outras nações pela libertação de presos políticos. O embaixador dos EUA no Brasil, Charles Burke Elbrick, por exemplo, foi trocado por 15 presos políticos, enquanto Ehrenried von Hollenben, embaixador da Alemanha Ocidental, foi trocado por 40, em 1970.

A repressão praticada pelo governo foi intensificada após os sequestros. Carlos Marighella, líder da (ALN), foi morto em uma emboscada na cidade de São Paulo comandada por Sérgio Paranhos Fleury, um policial civil que era um dos principais agentes da repressão e líder do Esquadrão da Morte,[1] em 1969. No ano seguinte, o capitão do Exército Carlos Lamarca, da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) aderiu à luta armada ao abandonar o seu quartel em Quitaúna, São Paulo, levando consigo três submetralhadoras e 63 fuzis. Lamarca foi perseguido pela repressão, sendo executado na Bahia, em 1971, durante uma ação comandada pelo major Nilton Cerqueira de Albuquerque. Por sua vez, na região do Araguaia, na Bacia Amazônica, entre os anos de 1968 e 1974, desenvolveu-se um grupo guerrilheiro organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que manteve-se na clandestinidade por quase quatro anos. Todavia, em 1972, após obter informações acerca das ações do grupo na área, o governo ordenou o deslocamento de tropas do Exército que, em dois anos, desarticularam o movimento guerrilheiro, torturando, matando ou prendendo cerca de oitenta guerrilheiros e guerrilheiras que estavam ali. Já no final do governo Médici, a guerrilha estava desarticulada.


O governo Médici (1969-1974)

Costa e Silva afastou-se da Presidência por motivos de saúde oito meses após ter decretado o AI-5. O vice-presidente, o político mineiro Pedro Aleixo, foi impedido de assumir o cargo. Até o final de outubro de 1969, uma Junta Militar formada pelos ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica governou o Brasil. Em outubro, tomou posse como o novo Presidente da República o general Emílio Garrastazu Médici, que foi eleito para o cargo pelo Congresso Nacional. O governo de Médici é tido como o período mais violento da Ditadura. Médici era um representante da linha dura, e reprimiu ferozmente a oposição, perseguindo, prendendo, torturando e matando muitos dos seus adversários.

Tanto os grupos de esquerda quanto a própria sociedade se viam acuados por uma rede de órgãos repressivos. Um desses órgãos era o Serviço Nacional de Informação (SNI), instrumento de vigilância e controle criado em 1964. O governo também contava com os Departamentos de Ordem Política e Social (Dops), que agiam nos estados e estavam oficialmente subordinados aos governadores. Por sua vez, a Operação Bandeirante (Oban), de São Paulo, foi criada em 1969, com membros das polícias estadual e federal e das Forças Armadas. A Oban foi financiada por empresários após a declaração de Delfim Neto – ministro da Fazenda à época – de que as Forças Armadas não tinham recursos suficientes para combater os grupos subversivos. Assim, parte do empresariado paulista contribuiu com recursos financeiros com a Oban. Além dessa ajuda em dinheiro, empresas como a Ford e a Volkswagen forneceram carros, a Ultragás emprestou caminhões e a Supergel abasteceu com refeições congeladas a carceragem da rua Tutoia, o que revela uma rede de apoio à Oban. Em 1970, a Operação Bandeirante foi colocada sob a jurisdição de um novo órgão de repressão, o Departamento de Operações Internas (ou Destacamento de Operações de Informações) e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). O DOI-Codi investigava, prendia, torturava e matava presos políticos, adotando diversas técnicas de tortura, tais como choques elétricos, “paus de arara”, afogamentos, estupros, queimaduras e pressão psicológica. O objetivo era arrancar informações dos presos, e o número de mortos e desaparecidos por causa das ações do DOI-Codi foi muito grande.

As pessoas que eram presas pelos aparelhos repressivos da Ditadura sofriam torturas físicas, morais e psicológicas. Segundo alguns relatos, pessoas eram interrogadas em cubículos ao lado de jacarés ou cobras. Há estimativas que dizem que pelo menos 200 militantes – entre homens e mulheres – foram mortos pela Ditadura, enquanto que ao menos 146 continuam desaparecidos até hoje. Só nos meses iniciais do regime, cerca de 50 mil pessoas foram presas. Durante as mais de duas décadas de Ditadura no Brasil, 10 mil homens, mulheres, jovens e crianças refugiaram-se no exterior. Cerca de 130 pessoas foram banidas do país. O governo sempre procurou negar a existência de mortos políticos no país, alegando que muitas pessoas morriam durante tiroteios ou tentando fugir da polícia. Segundo a versão oficial, muitos opositores do regime morriam em atropelamentos nas ruas ou haviam cometido suicídio. Todavia, o fato é que muita gente foi morta na cadeia, seja por causa da tortura seja por causa de execuções sumárias.

Paralelamente ao terror de Estado, a economia do país parecia se recuperar. De fato, durante um período da Ditadura houve um intenso crescimento econômico do Brasil. O intervalo de tempo entre os anos de 1967 e 1974 foi simultaneamente chamado de “anos de chumbo” e de época do “milagre econômico” brasileiro. O Produto Interno Bruto chegou a crescer em média 11% ao ano. Houve a expansão do mercado interno e das exportações. O governo investia pesado em obras de infraestrutura. Durante o governo Médici surgiram 70 empresas estatais, por meio das quais o governo investia em setores básicos da economia, como as áreas de telecomunicações, geração de energia, siderurgia, petroquímica e construção naval. Foram construídas a usina hidrelétrica de Itaipu, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, e a Ponte Rio-Niterói. O governo assinou um acordo com a Alemanha para completar o seu programa nuclear, baseado nas usinas nucleares de Angra dos Reis. Mas nem todas as obras iniciadas foram concluídas, a exemplo da rodovia Transamazônica, que se revelou um fracasso. A expansão industrial do país foi obtida graças a empréstimos em bancos estrangeiros, que triplicaram a dívida externa brasileira entre 1967 e 1972. A entrada de capitais estrangeiros no Brasil foi estimulada, e muitas multinacionais se instalaram aqui, produzindo com mão de obra barata diversas mercadorias modernas e sofisticadas, cujos preços eram cada vez mais acessíveis. As classes médias passaram a ter acesso a automóveis e eletrodomésticos, sobretudo graças à política de facilitação de crédito ao consumidor. Por outro lado, nem todos desfrutavam do “milagre”, uma vez que a população mais pobre continuava sofrendo com o arrocho salarial.

Os bons resultados da economia foram explorados pelo governo, que deu início a campanhas publicitárias que procuravam fixar uma imagem do Brasil como uma “grande potência”. Tais campanhas usavam e abusavam de slogans como “Ninguém segura este país”, “Pra frente, Brasil”, “Brasil: ame-o ou deixe-o”. O regime também explorou a vitória da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1970, usando a conquista para enaltecer o país governado pela Ditadura.


O governo Geisel (1974-1979)

No início de 1974, com o fim do mandato de Médici, houve a eleição indireta do general Ernesto Geisel para o cargo de Presidente da República. O novo chefe do Executivo nacional foi eleito por um Colégio Eleitoral formado por membros do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas estaduais. Na época da posse de Geisel, o “milagre econômico” brasileiro já dava sinais de esgotamento. O país sofria as consequências do aumento do preço do barril de petróleo que foi determinado em 1973 pelos governos dos países-membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Naquele tempo, as importações brasileiras de óleo cru correspondiam a aproximadamente 80% de todo o petróleo consumido no Brasil. O governo pensou que os países árabes baixariam o preço do óleo e, por isso, manteve as importações do combustível no mesmo patamar. Todavia, o preço do petróleo não caiu e a decisão da Opep provocou uma crise mundial que afetou a economia brasileira. Houve diminuição no volume de capitais externos disponíveis e aumento da taxa de juros dos empréstimos internacionais tomados pelo Brasil. A dívida externa, a inflação e o desemprego aumentaram. Era o início de um período de recessão. A renda da classe média começou a cair e a insatisfação com o regime começou a crescer ainda mais. A década seguinte (anos 1980) ainda seria marcada pelos fortes reflexos dessa situação econômica.

A insatisfação ficou visível nas eleições parlamentares de 1974. A oposição saiu vitoriosa, aumentando o seu número de senadores de 3 para 16, conquistando 44% das vagas da Câmara Federal e elegendo a maioria dos deputados estaduais em seis estados. Os militares perdiam prestígio e, em 1976, o MDB obteve a maioria nas eleições municipais. Propondo a transformação da sociedade, a volta da democracia e reformas econômicas, o discurso da oposição passou a agradar cada vez mais boa parte do eleitorado.  O governo sentiu a necessidade de silenciar a oposição e, como um contra-ataque, aprovou a Lei Falcão, em julho de 1976, que impunha novas regras para a propaganda política. Por meio dessa lei, os candidatos ficavam proibidos de discursar livremente, podendo apenas divulgar seu nome, legenda (partido), currículo resumido e seu número de registro na Justiça Eleitoral. O retrato de cada candidato era exibido na televisão.

Do ponto de vista político, Geisel estava alinhado ao grupo mais moderado das Forças Armadas. O novo presidente era favorável a uma abertura política que culminaria na volta dos civis ao poder. Mas essa abertura não seria realizada rapidamente, pois os membros da linha dura ainda controlavam os principais órgãos de segurança, tendo uma grande influência no aparelho do Estado. Para não bater de frente com a linha dura, Geisel propôs uma abertura política “lenta, gradual e segura”. Todavia, os militares da linha dura desafiavam tal proposta. Em 1975, o jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog foi torturado e assassinado nas dependências do Segundo Exército, em São Paulo, fato que provocou protestos e manifestações públicas, como um ato ecumênico realizado na Catedral da Sé que reuniu 8 mil pessoas que pediam o fim da Ditadura. A versão oficial dizia que Herzog cometera o suicídio. Em circunstâncias parecidas às da morte de Herzog, o metalúrgico Manuel Fiel Filho também foi morto por militares durante um interrogatório, em 1976. Mais uma vez, foi dito pela versão oficial que houve um suicídio. Com medo de perder o controle da situação, Geisel demitiu o general Ednardo D’Ávila Melo, o comandante do Segundo Exército, e colocou um militar de sua confiança no lugar.

Em 1977, foi decretado o Pacote de Abril, que procurava garantir a maioria no Congresso à Arena, bem como o controle dos governos estaduais. O Congresso foi fechado e mudou-se a lei eleitoral. A eleição indireta para governador foi renovada e o mandato presidencial passou a ser de seis anos. O governo federal passou a indicar um terço dos senadores. Eram os chamados senadores biônicos. No mesmo ano, Geisel impediu que o general Sylvio Frota – um militar da linha dura – lançasse sua candidatura à Presidência da República. O presidente indicou para a sua sucessão o nome do general João Baptista Figueiredo, que foi eleito indiretamente em outubro de 1978. Antes do novo presidente tomar posse do cargo, o Congresso Nacional revogou o AI-5, restabeleceu o direito de habeas corpus e suspendeu parcialmente a censura à imprensa. Tais medidas significavam que as pressões populares em favor da abertura política estavam surtindo efeito.


O governo de Figueiredo (1979-1985) e a abertura política

Ao longo dos anos 1970 foram aumentando cada vez mais as manifestações pelo fim da Ditadura. Estudantes, intelectuais, artistas, integrantes do MDB, membros da Igreja e de outras instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além de diversos outros setores da sociedade brasileira, pediam a volta do Estado democrático de direito. Em 1977, o jurista Goffredo da Silva Telles Jr. leu um documento reivindicando a volta da democracia, durante uma manifestação em frente à Faculdade de Direito, em São Paulo. Em 1978, surgiu o Movimento do Custo de Vida nas periferias das grandes cidades, exigindo o aumento dos salários e o congelamento dos preços dos itens de primeira necessidade.

No mesmo ano, houve um protesto em São Paulo contra a violência do Estado e contra a discriminação racial. No dia 7 de julho de 1978, o Movimento Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR) ocupou as escadarias do Teatro Municipal, em São Paulo, em protesto à morte do jovem negro Robson Silveira da Luz, de 21 anos. Robson foi acusado de ter roubado frutas na feira, sendo torturado e morto nas dependências de uma delegacia na periferia paulistana. Durante o protesto no Teatro Municipal, os membros do MUCDR leram uma carta aberta à nação contra o racismo.[2]

Ainda no ano de 1978, o movimento operário começou a mostrar a sua força. Milhares de trabalhadores desafiaram a Lei de Greve e cruzaram os braços em São Paulo. A primeira paralisação de grandes proporções ocorrida no Brasil desde 1968 foi liderada por Luiz Inácio da Silva – o Lula –, no dia 12 de maio de 1978, quando 2 mil metalúrgicos da Saab-Scania, em São Bernardo do Campo (SP), entraram em greve exigindo 20% de aumento salarial. Em seguida, operários da Ford, Mercedes-Benz e Volkswagen também entraram em greve. Dois dias depois da posse do presidente Figueiredo, em março de 1979, milhares de trabalhadores da indústria automobilística entraram em greve, mais uma vez sob a liderança de Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Ao longo de 1979, a onda grevista se alastrou por outras cidades paulistas, como Osasco e Guarulhos, locais de grande concentração industrial, e, depois, chegou a várias partes do país. Além dos metalúrgicos, também entraram em greve professores, funcionários públicos, bancários, jornalistas, trabalhadores da construção civil, médicos, lixeiros e profissionais de várias outras categorias. Até 1980, cerca de 2 milhões de pessoas já haviam participado de greves. A mais longa greve do período ocorreu em São Bernardo, em 1980, quando 300 mil metalúrgicos ficaram 41 dias sem trabalhar. A população ajudou os grevistas doando dinheiro e alimentos, enquanto o governo reprimia os manifestantes, matando grevistas em confrontos, intervindo nos sindicatos e prendendo os dirigentes sindicais.

A campanha pela anistia dos presos políticos, cassados e perseguidos pela Ditadura também ganhou força em 1979. Como uma resposta aos anseios populares, a Lei de Anistia foi aprovada pelo Congresso em agosto de 1979, permitindo o retorno dos exilados ao país, mas também perdoando os crimes praticados pelos agentes da Ditadura envolvidos em torturas e mortes de presos políticos. Personagens como Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes, o educador Paulo Freire, o sociólogo Herbert de Souza, entre outros, retornaram ao país enquanto os presos políticos eram colocados em liberdade.

Também em 1979, um projeto de lei do governo foi aprovado pelo Congresso e determinou o fim do bipartidarismo. A medida abriu o caminho para a volta do pluripartidarismo no Brasil. A Arena deu origem ao Partido Democrático Social (PDS) e o MDB originou o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Outros partidos foram criados no período. O setor mais moderado do antigo MDB deu origem ao Partido Popular (PP). Sob a liderança de Leonel Brizola foi fundado o Partido Democrático Trabalhista (PDT). A sobrinha-neta de Getúlio Vargas, Ivete Vargas, criou o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Outro partido fundado naquele contexto foi o Partido dos Trabalhadores (PT), que reunia sindicalistas, intelectuais, militantes de esquerda, setores da Igreja e políticos da ala mais radical do antigo MDB.

Os militares ligados à linha dura não apoiavam as mudanças em curso no país. Juntamente com grupos paramilitares de direita, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), a Aliança Anticomunista Brasileira (AACB) e a Falange Pátria Nova (FPN), os militares da linha dura organizaram atentados terroristas para tentar interromper a redemocratização em andamento. Os alvos eram normalmente bancas de jornal e outros espaços públicos. Também a antiga sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio de Janeiro, foi alvo de um atentado. Muitas vezes, tais grupos cometiam esses atos e acusavam as esquerdas. Todavia, a verdade foi revelada quando um atentado à bomba no centro de convenções Riocentro, no Rio de Janeiro, fracassou em 1981, durante o show de comemoração ao Dia do Trabalhador (1° de maio). As bombas explodiram antes do previsto, ferindo um dos militares terroristas – o capitão Wilson Chaves Machado – e matando o outro. A Polícia Militar até instaurou um inquérito, mas o governo abafou o caso e nunca houve punição aos culpados.

O clima de terror era acompanhado pelo agravamento da crise econômica no país. A inflação chegou a 110% no ano de 1980. O PIB chegou a apresentar índice negativo. Era um verdadeiro quadro de estagflação, ou seja, estagnação econômica somada a uma inflação elevada. A insatisfação com o governo da Ditadura só aumentava. Em 1980, foram aprovadas as eleições diretas para governador e extinta a figura do senador biônico. O regime acreditava que a multiplicação dos partidos políticos pulverizaria a oposição e facilitaria a vitória do PDS, garantindo o controle da situação ao governo. Eleições para os governos estaduais foram marcadas para 1982 e, no intuito de conter a oposição, o governo proibiu as coligações partidárias. Também houve a criação do voto vinculado, por meio do qual o eleitor tinha que votar em um mesmo partido em todos os níveis representativos, executivo e legislativo, municipal e estadual. Em meio a este cenário, o PP, que tinha em seus quadros o político Tancredo Neves, fundiu-se ao PMDB, depois que ambos viram as suas possibilidades eleitorais diminuírem com as mudanças impostas pelo governo. O PDS conseguiu a maioria no Congresso Nacional, enquanto o PMDB obteve vitórias expressivas nas eleições para governador em estados importantes, tais como São Paulo (Franco Montoro), Minas Gerais (Tancredo Neves) e Paraná (José Richa). Leonel Brizola, antigo adversário da Ditadura, foi eleito no Rio de Janeiro pelo PDT. Todavia, a maioria dos estados ficou com o PDS, inclusive em locais onde a oposição era forte, como Pernambuco e Rio Grande do Sul.

Após as eleições de 1982, a oposição entendeu que a Ditadura só acabaria quando fossem realizadas eleições diretas para presidente. Em março de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira, do PMDB, apresentou à Câmara uma emenda constitucional que restabelecia as eleições diretas para a Presidência da República já na sucessão de Figueiredo. O senador Teotônio Vilela (PMDB) propôs uma campanha nacional pelo voto direto para presidente. A campanha foi vista como uma prioridade pelo PT e, com o apoio do PMDB, realizou-se um comício em Goiânia. Ainda em 1983, um comício pelas eleições diretas foi realizado em São Paulo, reunindo uma frente suprapartidária (PT, PMDB, PDT) e organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT). 10 mil pessoas compareceram ao evento. Em pouco tempo, a campanha das Diretas Já espalhou-se por todo o território nacional, mobilizando amplos setores da sociedade brasileira, sobretudo após o engajamento total do PMDB. Grandes comícios a favor das eleições diretas foram realizados em várias cidades, reunindo milhares de pessoas, além de artistas, intelectuais e políticos de todas as alas de centro e de esquerda. Todavia, apesar da pressão popular, a emenda de Dante de Oliveira foi rejeitada no Congresso Nacional, em abril de 1984.

O país teria mais uma eleição indireta para a Presidência da República. O PDS tinha três opções de candidatos: Aureliano Chaves (vice-presidente à época e um civil ligado aos moderados), o coronel Mário Andreazza (ministro do Interior à época e indicado pelos militares) e Paulo Maluf (ex-governador de São Paulo e uma figura política nascida na Ditadura, com um projeto próprio de poder). O governo acabou indicando o nome de Paulo Maluf (PDS) para disputar a sucessão do general Figueiredo. A decisão irritou os militares e descontentou os moderados, provocando uma cisão no seio do PDS. Alguns parlamentares ligados ao PDS – partido que garantiu a rejeição da emenda – abandonaram o partido e formaram a Frente Liberal, que mais tarde originaria o Partido da Frente Liberal (PFL). Aproveitando-se do enfraquecimento do PDS e do projeto militar, o PMDB aliou-se à Frente Liberal, em meados de 1984, formando um bloco chamado Aliança Democrática, que lançou a candidatura do moderado Tancredo Neves, governador de Minas Gerais, à Presidência. O vice da chapa de Tancredo era o ex-presidente do PDS e então governador do Maranhão, José Sarney.

O programa de Tancredo Neves contemplava a convocação de uma Assembleia Constituinte, os problemas sociais, as eleições diretas, a dívida externa, o emprego, a Previdência Social, a liberdade sindical e o Estado de Direito. Ulysses Guimarães coordenou a campanha de Tancredo, intitulada “Muda Brasil: Tancredo Já!”, que recebeu o apoio popular mesmo as eleições sendo indiretas. A candidatura de Tancredo representava para muitos a consolidação da redemocratização. As eleições ocorreram em janeiro de 1985, e deram a vitória a Tancredo Neves, que obteve 480 votos do Colégio Eleitoral contra os 180 de Maluf. Apesar de não fazer parte da Aliança Democrática, o PDT votou em Tancredo. Por sua vez, o PT se recusou a participar do pleito indireto.

Tancredo cunhou o termo “Nova República” para designar o seu período de governo. A posse do primeiro civil eleito para o cargo de Presidente da República em mais de 20 anos foi marcada para o dia 15 de março de 1985. Tancredo receberia um país com inflação de 228% ao ano e uma dívida externa de 100 bilhões de dólares. Contudo, Tancredo adoeceu gravemente no dia anterior à posse, sendo internado em um hospital de Brasília e, depois, transferido para um hospital de São Paulo, onde passou por uma série de cirurgias. A população brasileira acompanhava o estado de saúde de Tancredo por meio dos boletins médicos que alimentavam um falso otimismo. Tancredo faleceu no dia 21 de abril de 1985. O seu cortejo saiu de São Paulo e passou por Brasília e Belo Horizonte até chegar a São João del-Rei, onde o corpo foi enterrado, em um trajeto que foi acompanhado por multidões. 

José Sarney, vice-presidente eleito junto com Tancredo e ex-parlamentar da Arena que integrava a Frente Liberal, acabou ocupando a Presidência da República. A Ditadura Civil-Militar Brasileira chegava ao seu fim com um político historicamente associado ao partido da Ditadura ocupando o cargo máximo do poder Executivo.


TÓPICO EXTRA: CULTURA DE MASSAS E RESISTÊNCIA À DITADURA

Nos anos 1960, houve o crescimento dos investimentos nacionais e estrangeiros na indústria cultural do Brasil. Isso provocou uma expansão dos meios de comunicação de massa, como televisão, editoras e gravadoras de música, que gerou um impacto na cultura brasileira. O próprio governo federal investiu na tecnologia e infraestrutura na área de telecomunicação. Para o governo da Ditadura, o rádio e a televisão integrariam o país, sendo vitais para a segurança nacional. A propaganda ideológica da Ditadura Civil-Militar seria veiculada em meios de comunicação como esses.

Televisão

A televisão foi introduzida no Brasil em 1950, mas foi na década seguinte que ela se firmou no cenário cultural brasileiro ao lado do cinema, do rádio e da indústria editorial e fonográfica. A Embratel foi criada pelo governo em 1965. O decênio de 1960 foi marcado pela consolidação das principais redes de televisão do país, sediadas no eixo Rio-São Paulo. A partir disso, os costumes de várias regiões do país passaram a ser influenciados pelos padrões linguísticos e de comportamento dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Na década de 1970, a televisão se estabeleceu como o meio de comunicação mais poderoso do Brasil, país que ainda tinha na época um grande número de analfabetos. Um modelo de programação televisiva voltado para buscar a fidelidade da audiência foi estabelecido. Programas infantis, esportivos, jornalísticos, programas de auditório, novelas e jogos de futebol passaram a ser levados ao ar em horários predeterminados. Por meio de um sistema de transmissão por satélite, milhões de brasileiros assistiram à Copa do Mundo de futebol realizada no México, em 1970. A TV exibiu a vitória da seleção brasileira como se fosse uma vitória do governo. Enquanto isso, nos porões da Ditadura, pessoas eram torturadas e mortas pelo regime.

Censura e propaganda ideológica

Durante a Ditadura houve a censura a jornais, revistas, programas de rádio e televisão, espetáculos de teatro ou de música, livros e filmes, entre outras formas de expressão. O governo retirava das páginas de jornais e revistas – e cortava de programas radiofônicos ou televisivos – notícias indesejadas ou conteúdos tidos como subversivos. Jornais protestavam colocando poesias e receitas de bolo no lugar da matéria censurada. Para burlar a censura no campo musical, compositores usavam e abusavam de expressões de duplo sentido, bem como usavam pseudônimos para assinar suas letras.

Por outro lado, certos veículos de comunicação que apoiavam a Ditadura praticavam a autocensura. Em troca, eram beneficiados com verbas publicitárias, uma vez que o maior anunciante era o governo. A Ditadura investiu bastante em propaganda ideológica, produzindo cartazes, anúncios na TV, no rádio e no cinema. O governo também incentivava músicas ufanistas, procurando mostrar um Brasil sem problemas e prestes a se tornar uma grande potência a nível mundial.

A internacionalização cultural

Os meios de comunicação de massa contribuíram para a difusão no Brasil de costumes estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos da América. As campanhas publicitárias introduziam ou consolidavam hábitos de consumo, seja de produtos convencionais seja de produtos culturais, como a moda e a música. A música pop inglesa e estadunidense conquistou os jovens de todo o mundo e do Brasil. Bandas como os Beatles e os Rolling Stones eram ouvidas em discos e programas de rádio, e vistas na TV e no cinema. Tais bandas eram imitadas no Brasil pelo iê-iê-iê e pela Jovem Guarda. O rock ditou comportamentos para a juventude e influenciou compositores e intérpretes brasileiros.

Arte nacional popular e de vanguarda

Tendo em vista esse cenário no campo cultural brasileiro, é preciso dizer que houve disputas àquela época. A esquerda mais radical era crítica à influência dos grandes países capitalistas na arte e na cultura dos brasileiros. Lutando contra o que chamavam de “imperialismo cultural”, o Centro Popular de Cultura (CPC) – órgão mantido pela UNE – pregava uma arte nacionalista e popular, dotada de uma função política bem definida. Essa arte engajada deveria conscientizar e mobilizar politicamente a população. Por outro lado, havia grupos que defendiam o livre uso de referências culturais, sem preconceitos. Tais grupos criticavam o patrulhamento ideológico praticado pelas esquerdas. Foi nesse quadro que surgiu o tropicalismo, em 1967. Os artistas tropicalistas Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, entre outros, introduziram inovações estéticas e mesclaram releituras de elementos nacionais com propostas de vanguardas internacionais.

Os festivais de música

Emissoras de TV começaram a promover os festivais de Música Popular Brasileira (MPB) a partir de 1965, revelando grandes compositores e intérpretes. Em meio à repressão política, canções de protesto produzidas pelos participantes de tais festivais ganhavam a preferência dos jovens. Nos festivais, parte do descontentamento com o regime era exteriorizado. No Festival Internacional da Canção de 1968, a canção Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré, ficou em segundo lugar e acabou proibida pela Ditadura, tornando-se um hino para os opositores do regime. Por outro lado, eram comuns as vaias a músicas consideradas apolíticas ou classificadas como influenciadas pelo imperialismo cultural. Caetano Veloso foi vaiado no Festival de 1968, enquanto o tropicalismo era criticado por usar recursos rotulados como próprios da cultura estadunidense, como a guitarra elétrica.

Cultura de oposição

A resistência cultural se fazia presente em várias formas de arte, com a criatividade sendo usada para driblar a censura. O Cinema Novo propunha pensar a realidade nacional e suas contradições sociais e regionais, por meio de produções baratas e criativas reconhecidas internacionalmente por sua qualidade estética e profundidade temática. No teatro e nas artes plásticas, dramaturgos, atores, diretores, e artistas plásticos sofreram com a censura e a repressão, mas deixaram uma produção bastante significativa. Muitos se exilaram no exterior, enquanto outros aqui ficaram, embora impedidos de se expressar plena e livremente. A cultura de oposição também se fez presente em jornais alternativos surgidos no final da década de 1960 e que usavam o humor e a irreverência para criticar o regime. Um notável exemplo foi o jornal O Pasquim, que reunia intelectuais e jornalistas críticos à Ditadura.



[1] O Esquadrão da Morte era um grupo formado por policiais que exterminavam tanto criminosos quanto opositores do regime.
[2] Posteriormente, o MUCDR transformou-se no Movimento Negro Unificado, que até hoje combate o racismo presente na sociedade brasileira.