Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A Ditadura no Brasil (1964-1985)

O Golpe de Estado que derrubou João Goulart em 1964 marcou o início de um período de intensa violência e repressão no Brasil. Tanques de guerra e caminhões com soldados tomaram as ruas das principais cidades brasileiras. Muitas pessoas começaram a ser perseguidas, presas, torturadas e mortas. Outras tantas partiram para o exílio. Com o apoio de membros da sociedade civil, os militares chegaram ao poder e, por meio de dispositivos autoritários, cercearam as liberdades individuais, censuraram os meios de comunicação e concentraram o poder nas mãos do próprio governo militar.

O Ato Institucional número 1, o AI-1, de 9 de abril de 1964, instituiu a eleição presidencial indireta, concedeu ao presidente o direito de decretar estado de sítio sem autorização prévia do Congresso Nacional, suspendeu temporariamente a estabilidade dos funcionários públicos, autorizou o governo a cassar mandatos de parlamentares e a suspender os direitos políticos por dez anos, sem apelação judicial. Entre os primeiros políticos cassados pelo regime estavam os ex-presidentes Jânio Quadros e João Goulart, o líder comunista Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes (governador de Pernambuco) e o deputado Francisco Julião (líder das Ligas Camponesas). Mais de 1.400 funcionários públicos foram afastados dos cargos, incluindo militares e juízes. Professores universitários foram aposentados compulsoriamente. Houve intervenção do Estado em diversos sindicatos. O governo declarou a União Nacional dos Estudantes ilegal, e a UNE teve a sua sede invadida e incendiada. Foi criado o Serviço Nacional de Informação (SNI) para investigar e monitorar a vida de possíveis inimigos do governo. O general Humberto de Alencar Castelo Branco foi promovido a marechal e eleito indiretamente pelo Congresso como o novo Presidente da República.


O governo Castelo Branco (1964-1967)

Castelo Branco era ligado à ala moderada das Forças Armadas e defendia a ideia de que os militares não deveriam ficar no poder durante muito tempo, ou seja, para o novo presidente o governo devia ser devolvido aos civis o mais rápido possível. A mesma opinião era comum entre militares mais moderados, ligados à Escola Superior de Guerra (ESG). De fato, o governo de Castelo Branco deveria durar até 1965, quando novas eleições deveriam ser realizadas, contudo, uma emenda constitucional protelou a saída de Castelo Branco para março de 1967. No intuito de controlar a inflação – que se aproximava dos 100% –, o marechal-presidente cortou gastos públicos e aumentou os impostos e as tarifas dos serviços públicos para equilibrar as contas do governo. Era o Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg). Outra medida foi o arrocho salarial, que afetou principalmente as camadas mais baixas da sociedade brasileira, acentuando a concentração de renda nas mãos de uma minoria da população. Como uma forma de fortalecer a indústria e a agricultura, estimulou-se a entrada de capital estrangeiro no país, o que fez a dívida externa aumentar.

A inflação caiu e o caminho para a retomada do crescimento econômico foi reaberto, mas a impopularidade do regime aumentou. Quando realizaram-se eleições em 1965, nas quais foram escolhidos governadores de onze estados, a oposição saiu vitoriosa em cinco deles, incluindo a Guanabara e Minas Gerais, que tinham grande peso político. A derrota do governo fez a linha dura – uma ala mais conservadora das Forças Armadas – pressionar Castelo Branco no sentido da adoção de medidas mais repressivas. Assim, o marechal-presidente decretou o AI-2, que extinguiu os partidos políticos e implantou o bipartidarismo no Brasil. Nesse novo sistema, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) foi o partido criado para dar sustentação política ao regime, enquanto que o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foi o partido criado para fazer oposição à Ditadura. O MDB reunia políticos de diversas tendências e representava, na verdade, uma oposição consentida pelo regime. O AI-2 também instituiu as eleições indiretas para presidente.

Em 1966, houve a decretação do AI-3, que estabeleceu eleições indiretas para governadores e prefeitos das capitais dos estados. No que diz respeito ao comando do executivo nacional, houve a eleição indireta do general Artur da Costa e Silva – ministro de Guerra do governo Castelo Branco – para o cargo de presidente da República. O AI-3 e a eleição de Costa e Silva eram duas importantes vitórias da linha dura.

Parte da sociedade civil que havia apoiado o Golpe de 1964 sentia-se traída pelo regime porque considerava que a intervenção militar seria passageira. Políticos como Carlos Lacerda e Ademar de Barros, que apoiaram o Golpe, começaram a fazer críticas à Ditadura. Lacerda até propôs a Juscelino Kubitschek e João Goulart que formassem uma Frente Ampla contra a Ditadura, mas a iniciativa não teve sucesso por causa da repressão dos militares.

No final de seu governo, Castelo Branco promulgou a Lei de Imprensa, no início de 1967, que cerceava a informação e restringia a liberdade de expressão dos veículos de comunicação de massa, como os jornais impressos, o rádio e a televisão. Por sua vez, a Lei de Segurança Nacional restringiu as liberdades civis, cassou parlamentares e fechou o Congresso, legitimando a repressão contra os opositores do governo considerados uma ameaça à segurança da nação. O AI-4 reabriu o Congresso para que uma nova Constituição fosse aprovada pelos parlamentares. Promulgada em 15 de março de 1967, a nova Carta ampliou ainda mais os poderes do Executivo, principalmente no campo da política econômica e da segurança nacional.


O governo Costa e Silva (1967-1969)

A posse do general Costa e Silva ocorreu no dia 15 de março de 1967. O novo presidente representava a chegada da linha dura ao poder. A tensão política só fez aumentar quando a Ditadura começou a ser alvo de protestos de estudantes, trabalhadores, artistas e até mesmo de setores da Igreja Católica, que haviam apoiado o Golpe de 1964. Em resposta à multiplicação de manifestações contrárias ao regime, houve o aumento da repressão política por parte do governo.

O ano de 1968 foi marcado por manifestações contra o imperialismo e a sociedade capitalista em todo o mundo. No Brasil, descontentes com a Ditadura, os estudantes encabeçaram vários protestos. Mesmo na clandestinidade, a UNE tinha uma estrutura de alcance nacional. Os estudantes que protestavam nas ruas tinham o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de parte da imprensa e do MDB. Em março de 1968, estudantes protestaram pela melhoria da qualidade da comida servida no restaurante Calabouço, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Houve choques com a política e um estudante – o jovem Édson Luís de Lima Souto – foi baleado e morto. Cerca de 50 mil pessoas acompanharam o enterro do rapaz, o que desencadeou mais protestos.

No dia 21 de junho de 1968, um confronto entre estudantes e policiais deixou 23 pessoas baleadas e 4 mortos. No dia 26, cerca de 100 mil pessoas saíram às ruas do Rio de Janeiro pedindo o fim da ditadura no Brasil. Políticos de oposição, intelectuais, religiosos, estudantes, trabalhadores, donas de casa e artistas como Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil estiveram naquela que ficou conhecida como a Passeata dos Cem Mil. Em outubro de 1968, foi organizado clandestinamente o 30° Congresso da UNE, em Ibiúna, na Grande São Paulo, mas a polícia descobriu o encontro e invadiu o local, prendendo centenas de estudantes. Também em 1968, ocorreram grandes greves de trabalhadores: 15 mil operários em Contagem, Minas Gerais, e 10 mil metalúrgicos em Osasco, São Paulo, cruzaram os braços. Houve a prisão de centenas de pessoas e a intervenção do Estado nos sindicatos.

No Congresso, a oposição manifestou-se contra as ações repressivas do governo e a Lei de Segurança Nacional. O deputado Márcio Moreira Alves chegou a discursar defendendo um boicote às comemorações da Semana da Pátria e aos militares, em setembro de 1968. O governo exigiu do Congresso o direito de processar o deputado, mas a maioria dos parlamentares, depois de um longo processo de debates, votou contra o pedido. Em resposta, no dia 13 de dezembro de 1968, o governo decretou o AI-5, o Ato Institucional mais repressivo de todos. Por meio do AI-5, o presidente podia fechar o Congresso e legislar a respeito de qualquer assunto sempre que quisesse suspender os direitos civis da população, além de intervir nos estados, aposentar funcionários públicos e suspender o habeas corpus para os casos de “crimes políticos”. Entre outras medidas, acabou-se com o direito de reunião e intensificou-se a censura à imprensa, aos meios de comunicação e aos artistas em geral. Antes de chegarem ao público, notícias, livros, filmes, músicas e peças de teatro tinham que ser analisados pelos censores. A justificativa normalmente usada pela ditadura para censurar tais produções era que havia a necessidade de se preservar a “segurança nacional” e a “moral da família brasileira”. Em resposta ao cerceamento da liberdade de expressão, o jornal O Estado de S. Paulo passou a substituir as matérias censuradas por receitas culinárias e trechos de Os Lusíadas, de Camões, no intuito de explicitar ao leitor a ação da censura. No Rio de Janeiro, o Jornal do Brasil deixava enormes espaços em branco no lugar das matérias censuradas. Na imprensa, houve quem desafiasse ainda mais a censura, como os periódicos alternativos O Pasquim e Opinião, que publicavam artigos incômodos ao regime. Os exemplares de tais periódicos eram retirados das bancas pela polícia e, muitas vezes, os jornalistas de tais jornais acabavam presos.

A censura também proibiu músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e tantos outros compositores, além de livros como Zero, de Ignácio de Loyola Brandão, e Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, e peças como Abajur lilás, de Plínio Marcos. No cinema, muitos filmes só podiam ser exibidos após o corte de determinadas cenas. Em 1968, o Teatro Ruth Escobar foi invadido por membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) – um grupo de extrema direita – e os atores do grupo Teatro de Arena, que encenavam ali a peça Roda Viva, escrita por Chico Buarque e dirigida por José Celso Martinez Correa, foram violentamente agredidos. O CCC também foi responsável pela morte do estudante secundarista José Guimarães, assassinado em 1968 durante a Batalha da Maria Antônia, confronto armado entre estudantes da Universidade Mackenzie apoiados pelo CCC e alunos da Faculdade de Filosofia da USP.

O endurecimento da ditadura ocorrido após o AI-5 levou à prisão de milhares de pessoas, muitas das quais eram torturadas. O exílio no exterior acabou se tornando uma realidade para muitos. Por outro lado, alguns grupos de esquerda, entre os quais estavam dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), decidiram abandonar os protestos pacíficos contra a ditadura e resolveram adotar a luta armada como uma forma de resistência ao regime, inspirados em experiências latino-americanas como a Revolução Cubana. Surgiram grupos guerrilheiros formados por homens e mulheres que queriam derrubar o governo por meio das armas. Guerrilheiros praticavam assaltos a bancos para angariar fundos para suas ações. O agente da CIA Charles R. Chandler, que colaborava com os militares brasileiros na repressão à sociedade civil, foi metralhado pelo grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional (ALN), liderado por Carlos Marighella. Os órgãos de repressão passaram a prender e torturar supostos membros de grupos de esquerda para identificar e capturar os envolvidos. Em resposta, também houve sequestros de diplomatas estrangeiros, por meio dos quais os guerrilheiros tentavam trocar os representantes de outras nações pela libertação de presos políticos. O embaixador dos EUA no Brasil, Charles Burke Elbrick, por exemplo, foi trocado por 15 presos políticos, enquanto Ehrenried von Hollenben, embaixador da Alemanha Ocidental, foi trocado por 40, em 1970.

A repressão praticada pelo governo foi intensificada após os sequestros. Carlos Marighella, líder da (ALN), foi morto em uma emboscada na cidade de São Paulo comandada por Sérgio Paranhos Fleury, um policial civil que era um dos principais agentes da repressão e líder do Esquadrão da Morte,[1] em 1969. No ano seguinte, o capitão do Exército Carlos Lamarca, da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) aderiu à luta armada ao abandonar o seu quartel em Quitaúna, São Paulo, levando consigo três submetralhadoras e 63 fuzis. Lamarca foi perseguido pela repressão, sendo executado na Bahia, em 1971, durante uma ação comandada pelo major Nilton Cerqueira de Albuquerque. Por sua vez, na região do Araguaia, na Bacia Amazônica, entre os anos de 1968 e 1974, desenvolveu-se um grupo guerrilheiro organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que manteve-se na clandestinidade por quase quatro anos. Todavia, em 1972, após obter informações acerca das ações do grupo na área, o governo ordenou o deslocamento de tropas do Exército que, em dois anos, desarticularam o movimento guerrilheiro, torturando, matando ou prendendo cerca de oitenta guerrilheiros e guerrilheiras que estavam ali. Já no final do governo Médici, a guerrilha estava desarticulada.


O governo Médici (1969-1974)

Costa e Silva afastou-se da Presidência por motivos de saúde oito meses após ter decretado o AI-5. O vice-presidente, o político mineiro Pedro Aleixo, foi impedido de assumir o cargo. Até o final de outubro de 1969, uma Junta Militar formada pelos ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica governou o Brasil. Em outubro, tomou posse como o novo Presidente da República o general Emílio Garrastazu Médici, que foi eleito para o cargo pelo Congresso Nacional. O governo de Médici é tido como o período mais violento da Ditadura. Médici era um representante da linha dura, e reprimiu ferozmente a oposição, perseguindo, prendendo, torturando e matando muitos dos seus adversários.

Tanto os grupos de esquerda quanto a própria sociedade se viam acuados por uma rede de órgãos repressivos. Um desses órgãos era o Serviço Nacional de Informação (SNI), instrumento de vigilância e controle criado em 1964. O governo também contava com os Departamentos de Ordem Política e Social (Dops), que agiam nos estados e estavam oficialmente subordinados aos governadores. Por sua vez, a Operação Bandeirante (Oban), de São Paulo, foi criada em 1969, com membros das polícias estadual e federal e das Forças Armadas. A Oban foi financiada por empresários após a declaração de Delfim Neto – ministro da Fazenda à época – de que as Forças Armadas não tinham recursos suficientes para combater os grupos subversivos. Assim, parte do empresariado paulista contribuiu com recursos financeiros com a Oban. Além dessa ajuda em dinheiro, empresas como a Ford e a Volkswagen forneceram carros, a Ultragás emprestou caminhões e a Supergel abasteceu com refeições congeladas a carceragem da rua Tutoia, o que revela uma rede de apoio à Oban. Em 1970, a Operação Bandeirante foi colocada sob a jurisdição de um novo órgão de repressão, o Departamento de Operações Internas (ou Destacamento de Operações de Informações) e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). O DOI-Codi investigava, prendia, torturava e matava presos políticos, adotando diversas técnicas de tortura, tais como choques elétricos, “paus de arara”, afogamentos, estupros, queimaduras e pressão psicológica. O objetivo era arrancar informações dos presos, e o número de mortos e desaparecidos por causa das ações do DOI-Codi foi muito grande.

As pessoas que eram presas pelos aparelhos repressivos da Ditadura sofriam torturas físicas, morais e psicológicas. Segundo alguns relatos, pessoas eram interrogadas em cubículos ao lado de jacarés ou cobras. Há estimativas que dizem que pelo menos 200 militantes – entre homens e mulheres – foram mortos pela Ditadura, enquanto que ao menos 146 continuam desaparecidos até hoje. Só nos meses iniciais do regime, cerca de 50 mil pessoas foram presas. Durante as mais de duas décadas de Ditadura no Brasil, 10 mil homens, mulheres, jovens e crianças refugiaram-se no exterior. Cerca de 130 pessoas foram banidas do país. O governo sempre procurou negar a existência de mortos políticos no país, alegando que muitas pessoas morriam durante tiroteios ou tentando fugir da polícia. Segundo a versão oficial, muitos opositores do regime morriam em atropelamentos nas ruas ou haviam cometido suicídio. Todavia, o fato é que muita gente foi morta na cadeia, seja por causa da tortura seja por causa de execuções sumárias.

Paralelamente ao terror de Estado, a economia do país parecia se recuperar. De fato, durante um período da Ditadura houve um intenso crescimento econômico do Brasil. O intervalo de tempo entre os anos de 1967 e 1974 foi simultaneamente chamado de “anos de chumbo” e de época do “milagre econômico” brasileiro. O Produto Interno Bruto chegou a crescer em média 11% ao ano. Houve a expansão do mercado interno e das exportações. O governo investia pesado em obras de infraestrutura. Durante o governo Médici surgiram 70 empresas estatais, por meio das quais o governo investia em setores básicos da economia, como as áreas de telecomunicações, geração de energia, siderurgia, petroquímica e construção naval. Foram construídas a usina hidrelétrica de Itaipu, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, e a Ponte Rio-Niterói. O governo assinou um acordo com a Alemanha para completar o seu programa nuclear, baseado nas usinas nucleares de Angra dos Reis. Mas nem todas as obras iniciadas foram concluídas, a exemplo da rodovia Transamazônica, que se revelou um fracasso. A expansão industrial do país foi obtida graças a empréstimos em bancos estrangeiros, que triplicaram a dívida externa brasileira entre 1967 e 1972. A entrada de capitais estrangeiros no Brasil foi estimulada, e muitas multinacionais se instalaram aqui, produzindo com mão de obra barata diversas mercadorias modernas e sofisticadas, cujos preços eram cada vez mais acessíveis. As classes médias passaram a ter acesso a automóveis e eletrodomésticos, sobretudo graças à política de facilitação de crédito ao consumidor. Por outro lado, nem todos desfrutavam do “milagre”, uma vez que a população mais pobre continuava sofrendo com o arrocho salarial.

Os bons resultados da economia foram explorados pelo governo, que deu início a campanhas publicitárias que procuravam fixar uma imagem do Brasil como uma “grande potência”. Tais campanhas usavam e abusavam de slogans como “Ninguém segura este país”, “Pra frente, Brasil”, “Brasil: ame-o ou deixe-o”. O regime também explorou a vitória da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1970, usando a conquista para enaltecer o país governado pela Ditadura.


O governo Geisel (1974-1979)

No início de 1974, com o fim do mandato de Médici, houve a eleição indireta do general Ernesto Geisel para o cargo de Presidente da República. O novo chefe do Executivo nacional foi eleito por um Colégio Eleitoral formado por membros do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas estaduais. Na época da posse de Geisel, o “milagre econômico” brasileiro já dava sinais de esgotamento. O país sofria as consequências do aumento do preço do barril de petróleo que foi determinado em 1973 pelos governos dos países-membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Naquele tempo, as importações brasileiras de óleo cru correspondiam a aproximadamente 80% de todo o petróleo consumido no Brasil. O governo pensou que os países árabes baixariam o preço do óleo e, por isso, manteve as importações do combustível no mesmo patamar. Todavia, o preço do petróleo não caiu e a decisão da Opep provocou uma crise mundial que afetou a economia brasileira. Houve diminuição no volume de capitais externos disponíveis e aumento da taxa de juros dos empréstimos internacionais tomados pelo Brasil. A dívida externa, a inflação e o desemprego aumentaram. Era o início de um período de recessão. A renda da classe média começou a cair e a insatisfação com o regime começou a crescer ainda mais. A década seguinte (anos 1980) ainda seria marcada pelos fortes reflexos dessa situação econômica.

A insatisfação ficou visível nas eleições parlamentares de 1974. A oposição saiu vitoriosa, aumentando o seu número de senadores de 3 para 16, conquistando 44% das vagas da Câmara Federal e elegendo a maioria dos deputados estaduais em seis estados. Os militares perdiam prestígio e, em 1976, o MDB obteve a maioria nas eleições municipais. Propondo a transformação da sociedade, a volta da democracia e reformas econômicas, o discurso da oposição passou a agradar cada vez mais boa parte do eleitorado.  O governo sentiu a necessidade de silenciar a oposição e, como um contra-ataque, aprovou a Lei Falcão, em julho de 1976, que impunha novas regras para a propaganda política. Por meio dessa lei, os candidatos ficavam proibidos de discursar livremente, podendo apenas divulgar seu nome, legenda (partido), currículo resumido e seu número de registro na Justiça Eleitoral. O retrato de cada candidato era exibido na televisão.

Do ponto de vista político, Geisel estava alinhado ao grupo mais moderado das Forças Armadas. O novo presidente era favorável a uma abertura política que culminaria na volta dos civis ao poder. Mas essa abertura não seria realizada rapidamente, pois os membros da linha dura ainda controlavam os principais órgãos de segurança, tendo uma grande influência no aparelho do Estado. Para não bater de frente com a linha dura, Geisel propôs uma abertura política “lenta, gradual e segura”. Todavia, os militares da linha dura desafiavam tal proposta. Em 1975, o jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog foi torturado e assassinado nas dependências do Segundo Exército, em São Paulo, fato que provocou protestos e manifestações públicas, como um ato ecumênico realizado na Catedral da Sé que reuniu 8 mil pessoas que pediam o fim da Ditadura. A versão oficial dizia que Herzog cometera o suicídio. Em circunstâncias parecidas às da morte de Herzog, o metalúrgico Manuel Fiel Filho também foi morto por militares durante um interrogatório, em 1976. Mais uma vez, foi dito pela versão oficial que houve um suicídio. Com medo de perder o controle da situação, Geisel demitiu o general Ednardo D’Ávila Melo, o comandante do Segundo Exército, e colocou um militar de sua confiança no lugar.

Em 1977, foi decretado o Pacote de Abril, que procurava garantir a maioria no Congresso à Arena, bem como o controle dos governos estaduais. O Congresso foi fechado e mudou-se a lei eleitoral. A eleição indireta para governador foi renovada e o mandato presidencial passou a ser de seis anos. O governo federal passou a indicar um terço dos senadores. Eram os chamados senadores biônicos. No mesmo ano, Geisel impediu que o general Sylvio Frota – um militar da linha dura – lançasse sua candidatura à Presidência da República. O presidente indicou para a sua sucessão o nome do general João Baptista Figueiredo, que foi eleito indiretamente em outubro de 1978. Antes do novo presidente tomar posse do cargo, o Congresso Nacional revogou o AI-5, restabeleceu o direito de habeas corpus e suspendeu parcialmente a censura à imprensa. Tais medidas significavam que as pressões populares em favor da abertura política estavam surtindo efeito.


O governo de Figueiredo (1979-1985) e a abertura política

Ao longo dos anos 1970 foram aumentando cada vez mais as manifestações pelo fim da Ditadura. Estudantes, intelectuais, artistas, integrantes do MDB, membros da Igreja e de outras instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além de diversos outros setores da sociedade brasileira, pediam a volta do Estado democrático de direito. Em 1977, o jurista Goffredo da Silva Telles Jr. leu um documento reivindicando a volta da democracia, durante uma manifestação em frente à Faculdade de Direito, em São Paulo. Em 1978, surgiu o Movimento do Custo de Vida nas periferias das grandes cidades, exigindo o aumento dos salários e o congelamento dos preços dos itens de primeira necessidade.

No mesmo ano, houve um protesto em São Paulo contra a violência do Estado e contra a discriminação racial. No dia 7 de julho de 1978, o Movimento Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR) ocupou as escadarias do Teatro Municipal, em São Paulo, em protesto à morte do jovem negro Robson Silveira da Luz, de 21 anos. Robson foi acusado de ter roubado frutas na feira, sendo torturado e morto nas dependências de uma delegacia na periferia paulistana. Durante o protesto no Teatro Municipal, os membros do MUCDR leram uma carta aberta à nação contra o racismo.[2]

Ainda no ano de 1978, o movimento operário começou a mostrar a sua força. Milhares de trabalhadores desafiaram a Lei de Greve e cruzaram os braços em São Paulo. A primeira paralisação de grandes proporções ocorrida no Brasil desde 1968 foi liderada por Luiz Inácio da Silva – o Lula –, no dia 12 de maio de 1978, quando 2 mil metalúrgicos da Saab-Scania, em São Bernardo do Campo (SP), entraram em greve exigindo 20% de aumento salarial. Em seguida, operários da Ford, Mercedes-Benz e Volkswagen também entraram em greve. Dois dias depois da posse do presidente Figueiredo, em março de 1979, milhares de trabalhadores da indústria automobilística entraram em greve, mais uma vez sob a liderança de Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Ao longo de 1979, a onda grevista se alastrou por outras cidades paulistas, como Osasco e Guarulhos, locais de grande concentração industrial, e, depois, chegou a várias partes do país. Além dos metalúrgicos, também entraram em greve professores, funcionários públicos, bancários, jornalistas, trabalhadores da construção civil, médicos, lixeiros e profissionais de várias outras categorias. Até 1980, cerca de 2 milhões de pessoas já haviam participado de greves. A mais longa greve do período ocorreu em São Bernardo, em 1980, quando 300 mil metalúrgicos ficaram 41 dias sem trabalhar. A população ajudou os grevistas doando dinheiro e alimentos, enquanto o governo reprimia os manifestantes, matando grevistas em confrontos, intervindo nos sindicatos e prendendo os dirigentes sindicais.

A campanha pela anistia dos presos políticos, cassados e perseguidos pela Ditadura também ganhou força em 1979. Como uma resposta aos anseios populares, a Lei de Anistia foi aprovada pelo Congresso em agosto de 1979, permitindo o retorno dos exilados ao país, mas também perdoando os crimes praticados pelos agentes da Ditadura envolvidos em torturas e mortes de presos políticos. Personagens como Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes, o educador Paulo Freire, o sociólogo Herbert de Souza, entre outros, retornaram ao país enquanto os presos políticos eram colocados em liberdade.

Também em 1979, um projeto de lei do governo foi aprovado pelo Congresso e determinou o fim do bipartidarismo. A medida abriu o caminho para a volta do pluripartidarismo no Brasil. A Arena deu origem ao Partido Democrático Social (PDS) e o MDB originou o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Outros partidos foram criados no período. O setor mais moderado do antigo MDB deu origem ao Partido Popular (PP). Sob a liderança de Leonel Brizola foi fundado o Partido Democrático Trabalhista (PDT). A sobrinha-neta de Getúlio Vargas, Ivete Vargas, criou o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Outro partido fundado naquele contexto foi o Partido dos Trabalhadores (PT), que reunia sindicalistas, intelectuais, militantes de esquerda, setores da Igreja e políticos da ala mais radical do antigo MDB.

Os militares ligados à linha dura não apoiavam as mudanças em curso no país. Juntamente com grupos paramilitares de direita, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), a Aliança Anticomunista Brasileira (AACB) e a Falange Pátria Nova (FPN), os militares da linha dura organizaram atentados terroristas para tentar interromper a redemocratização em andamento. Os alvos eram normalmente bancas de jornal e outros espaços públicos. Também a antiga sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio de Janeiro, foi alvo de um atentado. Muitas vezes, tais grupos cometiam esses atos e acusavam as esquerdas. Todavia, a verdade foi revelada quando um atentado à bomba no centro de convenções Riocentro, no Rio de Janeiro, fracassou em 1981, durante o show de comemoração ao Dia do Trabalhador (1° de maio). As bombas explodiram antes do previsto, ferindo um dos militares terroristas – o capitão Wilson Chaves Machado – e matando o outro. A Polícia Militar até instaurou um inquérito, mas o governo abafou o caso e nunca houve punição aos culpados.

O clima de terror era acompanhado pelo agravamento da crise econômica no país. A inflação chegou a 110% no ano de 1980. O PIB chegou a apresentar índice negativo. Era um verdadeiro quadro de estagflação, ou seja, estagnação econômica somada a uma inflação elevada. A insatisfação com o governo da Ditadura só aumentava. Em 1980, foram aprovadas as eleições diretas para governador e extinta a figura do senador biônico. O regime acreditava que a multiplicação dos partidos políticos pulverizaria a oposição e facilitaria a vitória do PDS, garantindo o controle da situação ao governo. Eleições para os governos estaduais foram marcadas para 1982 e, no intuito de conter a oposição, o governo proibiu as coligações partidárias. Também houve a criação do voto vinculado, por meio do qual o eleitor tinha que votar em um mesmo partido em todos os níveis representativos, executivo e legislativo, municipal e estadual. Em meio a este cenário, o PP, que tinha em seus quadros o político Tancredo Neves, fundiu-se ao PMDB, depois que ambos viram as suas possibilidades eleitorais diminuírem com as mudanças impostas pelo governo. O PDS conseguiu a maioria no Congresso Nacional, enquanto o PMDB obteve vitórias expressivas nas eleições para governador em estados importantes, tais como São Paulo (Franco Montoro), Minas Gerais (Tancredo Neves) e Paraná (José Richa). Leonel Brizola, antigo adversário da Ditadura, foi eleito no Rio de Janeiro pelo PDT. Todavia, a maioria dos estados ficou com o PDS, inclusive em locais onde a oposição era forte, como Pernambuco e Rio Grande do Sul.

Após as eleições de 1982, a oposição entendeu que a Ditadura só acabaria quando fossem realizadas eleições diretas para presidente. Em março de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira, do PMDB, apresentou à Câmara uma emenda constitucional que restabelecia as eleições diretas para a Presidência da República já na sucessão de Figueiredo. O senador Teotônio Vilela (PMDB) propôs uma campanha nacional pelo voto direto para presidente. A campanha foi vista como uma prioridade pelo PT e, com o apoio do PMDB, realizou-se um comício em Goiânia. Ainda em 1983, um comício pelas eleições diretas foi realizado em São Paulo, reunindo uma frente suprapartidária (PT, PMDB, PDT) e organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT). 10 mil pessoas compareceram ao evento. Em pouco tempo, a campanha das Diretas Já espalhou-se por todo o território nacional, mobilizando amplos setores da sociedade brasileira, sobretudo após o engajamento total do PMDB. Grandes comícios a favor das eleições diretas foram realizados em várias cidades, reunindo milhares de pessoas, além de artistas, intelectuais e políticos de todas as alas de centro e de esquerda. Todavia, apesar da pressão popular, a emenda de Dante de Oliveira foi rejeitada no Congresso Nacional, em abril de 1984.

O país teria mais uma eleição indireta para a Presidência da República. O PDS tinha três opções de candidatos: Aureliano Chaves (vice-presidente à época e um civil ligado aos moderados), o coronel Mário Andreazza (ministro do Interior à época e indicado pelos militares) e Paulo Maluf (ex-governador de São Paulo e uma figura política nascida na Ditadura, com um projeto próprio de poder). O governo acabou indicando o nome de Paulo Maluf (PDS) para disputar a sucessão do general Figueiredo. A decisão irritou os militares e descontentou os moderados, provocando uma cisão no seio do PDS. Alguns parlamentares ligados ao PDS – partido que garantiu a rejeição da emenda – abandonaram o partido e formaram a Frente Liberal, que mais tarde originaria o Partido da Frente Liberal (PFL). Aproveitando-se do enfraquecimento do PDS e do projeto militar, o PMDB aliou-se à Frente Liberal, em meados de 1984, formando um bloco chamado Aliança Democrática, que lançou a candidatura do moderado Tancredo Neves, governador de Minas Gerais, à Presidência. O vice da chapa de Tancredo era o ex-presidente do PDS e então governador do Maranhão, José Sarney.

O programa de Tancredo Neves contemplava a convocação de uma Assembleia Constituinte, os problemas sociais, as eleições diretas, a dívida externa, o emprego, a Previdência Social, a liberdade sindical e o Estado de Direito. Ulysses Guimarães coordenou a campanha de Tancredo, intitulada “Muda Brasil: Tancredo Já!”, que recebeu o apoio popular mesmo as eleições sendo indiretas. A candidatura de Tancredo representava para muitos a consolidação da redemocratização. As eleições ocorreram em janeiro de 1985, e deram a vitória a Tancredo Neves, que obteve 480 votos do Colégio Eleitoral contra os 180 de Maluf. Apesar de não fazer parte da Aliança Democrática, o PDT votou em Tancredo. Por sua vez, o PT se recusou a participar do pleito indireto.

Tancredo cunhou o termo “Nova República” para designar o seu período de governo. A posse do primeiro civil eleito para o cargo de Presidente da República em mais de 20 anos foi marcada para o dia 15 de março de 1985. Tancredo receberia um país com inflação de 228% ao ano e uma dívida externa de 100 bilhões de dólares. Contudo, Tancredo adoeceu gravemente no dia anterior à posse, sendo internado em um hospital de Brasília e, depois, transferido para um hospital de São Paulo, onde passou por uma série de cirurgias. A população brasileira acompanhava o estado de saúde de Tancredo por meio dos boletins médicos que alimentavam um falso otimismo. Tancredo faleceu no dia 21 de abril de 1985. O seu cortejo saiu de São Paulo e passou por Brasília e Belo Horizonte até chegar a São João del-Rei, onde o corpo foi enterrado, em um trajeto que foi acompanhado por multidões. 

José Sarney, vice-presidente eleito junto com Tancredo e ex-parlamentar da Arena que integrava a Frente Liberal, acabou ocupando a Presidência da República. A Ditadura Civil-Militar Brasileira chegava ao seu fim com um político historicamente associado ao partido da Ditadura ocupando o cargo máximo do poder Executivo.


TÓPICO EXTRA: CULTURA DE MASSAS E RESISTÊNCIA À DITADURA

Nos anos 1960, houve o crescimento dos investimentos nacionais e estrangeiros na indústria cultural do Brasil. Isso provocou uma expansão dos meios de comunicação de massa, como televisão, editoras e gravadoras de música, que gerou um impacto na cultura brasileira. O próprio governo federal investiu na tecnologia e infraestrutura na área de telecomunicação. Para o governo da Ditadura, o rádio e a televisão integrariam o país, sendo vitais para a segurança nacional. A propaganda ideológica da Ditadura Civil-Militar seria veiculada em meios de comunicação como esses.

Televisão

A televisão foi introduzida no Brasil em 1950, mas foi na década seguinte que ela se firmou no cenário cultural brasileiro ao lado do cinema, do rádio e da indústria editorial e fonográfica. A Embratel foi criada pelo governo em 1965. O decênio de 1960 foi marcado pela consolidação das principais redes de televisão do país, sediadas no eixo Rio-São Paulo. A partir disso, os costumes de várias regiões do país passaram a ser influenciados pelos padrões linguísticos e de comportamento dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Na década de 1970, a televisão se estabeleceu como o meio de comunicação mais poderoso do Brasil, país que ainda tinha na época um grande número de analfabetos. Um modelo de programação televisiva voltado para buscar a fidelidade da audiência foi estabelecido. Programas infantis, esportivos, jornalísticos, programas de auditório, novelas e jogos de futebol passaram a ser levados ao ar em horários predeterminados. Por meio de um sistema de transmissão por satélite, milhões de brasileiros assistiram à Copa do Mundo de futebol realizada no México, em 1970. A TV exibiu a vitória da seleção brasileira como se fosse uma vitória do governo. Enquanto isso, nos porões da Ditadura, pessoas eram torturadas e mortas pelo regime.

Censura e propaganda ideológica

Durante a Ditadura houve a censura a jornais, revistas, programas de rádio e televisão, espetáculos de teatro ou de música, livros e filmes, entre outras formas de expressão. O governo retirava das páginas de jornais e revistas – e cortava de programas radiofônicos ou televisivos – notícias indesejadas ou conteúdos tidos como subversivos. Jornais protestavam colocando poesias e receitas de bolo no lugar da matéria censurada. Para burlar a censura no campo musical, compositores usavam e abusavam de expressões de duplo sentido, bem como usavam pseudônimos para assinar suas letras.

Por outro lado, certos veículos de comunicação que apoiavam a Ditadura praticavam a autocensura. Em troca, eram beneficiados com verbas publicitárias, uma vez que o maior anunciante era o governo. A Ditadura investiu bastante em propaganda ideológica, produzindo cartazes, anúncios na TV, no rádio e no cinema. O governo também incentivava músicas ufanistas, procurando mostrar um Brasil sem problemas e prestes a se tornar uma grande potência a nível mundial.

A internacionalização cultural

Os meios de comunicação de massa contribuíram para a difusão no Brasil de costumes estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos da América. As campanhas publicitárias introduziam ou consolidavam hábitos de consumo, seja de produtos convencionais seja de produtos culturais, como a moda e a música. A música pop inglesa e estadunidense conquistou os jovens de todo o mundo e do Brasil. Bandas como os Beatles e os Rolling Stones eram ouvidas em discos e programas de rádio, e vistas na TV e no cinema. Tais bandas eram imitadas no Brasil pelo iê-iê-iê e pela Jovem Guarda. O rock ditou comportamentos para a juventude e influenciou compositores e intérpretes brasileiros.

Arte nacional popular e de vanguarda

Tendo em vista esse cenário no campo cultural brasileiro, é preciso dizer que houve disputas àquela época. A esquerda mais radical era crítica à influência dos grandes países capitalistas na arte e na cultura dos brasileiros. Lutando contra o que chamavam de “imperialismo cultural”, o Centro Popular de Cultura (CPC) – órgão mantido pela UNE – pregava uma arte nacionalista e popular, dotada de uma função política bem definida. Essa arte engajada deveria conscientizar e mobilizar politicamente a população. Por outro lado, havia grupos que defendiam o livre uso de referências culturais, sem preconceitos. Tais grupos criticavam o patrulhamento ideológico praticado pelas esquerdas. Foi nesse quadro que surgiu o tropicalismo, em 1967. Os artistas tropicalistas Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, entre outros, introduziram inovações estéticas e mesclaram releituras de elementos nacionais com propostas de vanguardas internacionais.

Os festivais de música

Emissoras de TV começaram a promover os festivais de Música Popular Brasileira (MPB) a partir de 1965, revelando grandes compositores e intérpretes. Em meio à repressão política, canções de protesto produzidas pelos participantes de tais festivais ganhavam a preferência dos jovens. Nos festivais, parte do descontentamento com o regime era exteriorizado. No Festival Internacional da Canção de 1968, a canção Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré, ficou em segundo lugar e acabou proibida pela Ditadura, tornando-se um hino para os opositores do regime. Por outro lado, eram comuns as vaias a músicas consideradas apolíticas ou classificadas como influenciadas pelo imperialismo cultural. Caetano Veloso foi vaiado no Festival de 1968, enquanto o tropicalismo era criticado por usar recursos rotulados como próprios da cultura estadunidense, como a guitarra elétrica.

Cultura de oposição

A resistência cultural se fazia presente em várias formas de arte, com a criatividade sendo usada para driblar a censura. O Cinema Novo propunha pensar a realidade nacional e suas contradições sociais e regionais, por meio de produções baratas e criativas reconhecidas internacionalmente por sua qualidade estética e profundidade temática. No teatro e nas artes plásticas, dramaturgos, atores, diretores, e artistas plásticos sofreram com a censura e a repressão, mas deixaram uma produção bastante significativa. Muitos se exilaram no exterior, enquanto outros aqui ficaram, embora impedidos de se expressar plena e livremente. A cultura de oposição também se fez presente em jornais alternativos surgidos no final da década de 1960 e que usavam o humor e a irreverência para criticar o regime. Um notável exemplo foi o jornal O Pasquim, que reunia intelectuais e jornalistas críticos à Ditadura.



[1] O Esquadrão da Morte era um grupo formado por policiais que exterminavam tanto criminosos quanto opositores do regime.
[2] Posteriormente, o MUCDR transformou-se no Movimento Negro Unificado, que até hoje combate o racismo presente na sociedade brasileira.

domingo, 13 de setembro de 2015

O Brasil entre 1946 e 1964

Com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas iniciou-se a reorganização política do Brasil. Eleições presidenciais e para a escolha de parlamentares que formariam uma Assembleia Constituinte foram marcadas. No campo partidário, surgiu a União Democrática Nacional (UDN), um partido de direita que se organizou como oposição à herança varguista, defendendo os princípios liberais e os interesses dos grandes proprietários de terra e da indústria aliada ao capital estrangeiro. O Partido Social Democrático (PSD) era um partido de centro formado basicamente por remanescentes do Estado Novo (ex-interventores estaduais e antigos controladores das máquinas político-administrativas). O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) situava-se um pouco mais à esquerda e surgiu em torno da estrutura sindical montada durante o governo de Vargas, procurando atrair as camadas populares das grandes cidades, que estavam satisfeitas com a obra social e trabalhista do Estado Novo. Tanto o PSD quanto o PTB estavam sob a influência da Vargas.

Nas eleições de dezembro de 1945, os dois candidatos com mais chances de vitória eram o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, e o general Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro de guerra de Vargas e candidato pelo PSD. Apoiado por Vargas e pelo PTB, Dutra venceu as eleições com 55% dos votos. Ainda com muito prestígio junto à população, Vargas foi eleito deputado por sete estados e senador por dois, assumindo uma cadeira no Senado representando o estado do Rio Grande do Sul. O Partido Comunista elegeu Luís Carlos Prestes como senador e 15 deputados.

O texto final da quinta Constituição do país em pouco mais de um século ficou pronto em 1946. Buscou-se em sua redação delimitar a ação dos poderes Legislativo (bicameral, com Senado e Câmara dos Deputados), Executivo e Judiciário, no intuito de impedir a centralização política em torno do Executivo que ocorreu durante o Estado Novo. Contudo, o Executivo acabou ficando com grandes poderes, como o de nomear os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da República seria eleito por voto direto e secreto para um mandato de cinco anos, sem direito à reeleição. O Brasil foi definido como uma República Federativa, com autonomia administrativa de estados e municípios. O direito ao voto foi garantido a maiores de 18 anos de ambos os sexos, com exceção dos analfabetos, o que excluía do jogo político quase metade da população brasileira. Foram asseguradas a liberdade de consciência e de crença, a liberdade de reunião e de associação e o direito ao habeas corpus (ação jurídica que protege o cidadão de detenção ou prisão por ato abusivo de um agente do Estado). A censura foi mantida apenas para espetáculos e diversões públicas. A Constituição de 1946 também previa a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, mas, como não houve nenhuma lei complementar nesse sentido, isso não entrou em vigor naquela época. Os sindicatos foram definidos como órgãos de colaboração com o Estado – o que mantinha o corporativismo do sistema sindical –, o imposto sindical foi mantido (a sua existência permitia o controle sobre as diretorias dos sindicatos) e o Estado manteve o poder de intervir nos sindicatos. Por outro lado, foi garantido o direito de greve aos trabalhadores. A Constituição ainda preservou a estrutura fundiária do país, fundada na concentração de terras, e manteve o casamento indissolúvel, proibindo o divórcio.


O Governo Dutra

Eurico Gaspar Dutra assumiu o governo na mesma época em que se iniciava a Guerra Fria, o conflito latente entre a URSS e os EUA que dividiu o mundo em dois blocos de países. Em 1947, foi assinado, no Rio de Janeiro, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) que, sob a influência dos EUA, estabelecia que um ataque a um país americano seria considerado um ataque a todos os outros, definindo assim o alinhamento dos países signatários aos EUA.

O eixo da política econômica do governo Dutra durante o início de seu governo foi o conjunto de princípios do liberalismo. O presidente mostrou-se favorável à entrada de capital estrangeiro no país e, ao contrário do que fizera Getúlio, entregou o comando do desenvolvimento do Brasil à iniciativa privada. As importações foram facilitadas, incluindo aquelas de produtos supérfluos ou com similares produzidos no Brasil. Dutra esperava que a concorrência dos produtos estrangeiros reduzisse os preços e equilibrasse a economia, sem afetar o crescimento do país. As importações provocaram uma perda considerável dos recursos acumulados com as exportações durante a Segunda Guerra Mundial. A política econômica acabou passando por algumas alterações, assim, o governo começou a restringir importações de bens de consumo e houve a valorização do cruzeiro (moeda corrente na época) para incentivar a produção nacional voltada ao consumo interno. Buscava-se estimular o crescimento da indústria brasileira. Entre 1948 e 1950, o PIB brasileiro cresceu em média 8% ao ano, todavia, houve o aumento da inflação e do desemprego. O salário mínimo permaneceu inalterado, o que reduziu o poder aquisitivo da classe trabalhadora.

Como reflexo da Guerra Fria, manifestações e greves tornaram-se frequentes. Uma campanha anticomunista foi iniciada por Dutra e, dessa maneira, em 1947, o governo rompeu relações diplomáticas com a União Soviética e declarou o PCB ilegal, alegando que o partido era controlado pela União Soviética. Os parlamentares da bancada comunista no Congresso foram cassados em 1948, e o PCB voltou à clandestinidade. A repressão aos setores de esquerda foi acompanhada pelo controle governamental sobre as atividades sindicais dos trabalhadores. Um decreto de Dutra restringiu o direito de greve, ao definir diversas atividades como essenciais e proibir a paralisação dos trabalhadores nessas áreas. A ação de Dutra contra o direito de greve tinha como objetivo conter as paralisações provocadas por perdas salariais resultantes da inflação. As medidas levaram amplos setores da sociedade brasileira a um clima de crescente insatisfação.

Em meio a este cenário, Getúlio Vargas venceu as eleições de 1950 pelo PTB com quase 4 milhões de votos, derrotando Cristiano Machado, candidato do PSD apoiado por Dutra, e Eduardo Gomes, candidato da UDN. O retorno de Getúlio à Presidência da República foi celebrado pela marchinha de Haroldo Lobo e Marino Pinto: “Bota o retrato do velho outra vez / Bota no mesmo lugar / O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”. Vargas foi eleito após realizar uma campanha eleitoral nacionalista, na qual defendeu o desenvolvimento da indústria brasileira e a ampliação dos direitos trabalhistas.


O Segundo Governo de Getúlio Vargas

Getúlio Vargas foi eleito presidente com 48,7% dos votos, ou seja, sem obter a maioria absoluta dos votos. Insatisfeita com o resultado, a UDN se opôs à posse de Vargas, mas, como a lei eleitoral da época não exigia maioria absoluta, Getúlio assumiu o governo normalmente. Além da UDN, jornais influentes da época também desconfiavam do populismo de Vargas e alertavam o povo para o risco de uma nova ditadura. Adotando um estilo conciliador, Getúlio nomeou um ministério bastante conservador, em sua maioria formado por membros do PSD. Inicialmente, Vargas chegou a apresentar propostas liberais para combater a inflação e reequilibrar as finanças públicas, com menos intervenção estatal e com a abertura do país às importações.

Todavia, uma disputa entre duas correntes acabaria mudando a política econômica do governo. O que estava em discussão era qual deveria ser o modelo de desenvolvimento econômico a ser adotado pelo Brasil. De um lado, estavam os defensores do ingresso do capital estrangeiro no país, como a UDN e a grande imprensa. Os “entreguistas”, como esse grupo era pejorativamente chamado, defendiam a ideia de que o governo deveria manter um rígido controle orçamentário para conter a inflação e evitar déficits públicos. Do outro lado, políticos do PSD, do PTB e do ABC argumentavam que o desenvolvimento do país devia ocorrer de forma autônoma, por meio da estatização de áreas estratégicas da economia. Esse segundo grupo era o dos “nacionalistas” e desejava evitar a entrada de capital estrangeiro no país.

A política econômica de Vargas acabou sendo marcada pelo nacionalismo, limitando a 10% a remessa para o exterior de lucros de empresas estrangeiras. O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) foi criado para incentivar principalmente a área industrial. Estava definida, assim a intervenção do governo na economia. O ministro da Fazenda, Horácio Lafer, anunciou um plano que destinava 1 bilhão de dólares a investimentos na indústria de base, transporte e energia.

O petróleo era o grande tema de disputa entre “entreguistas” e “nacionalistas”, e muito se discutia a respeito do que devia ser feito com este recurso natural. O monopólio estatal sobre o petróleo e a abertura da exploração do produto ao capital internacional eram as duas opções que estavam sendo discutidas. Após Vargas enviar ao Congresso, em 1951, um projeto de lei que tinha como objetivo estatizar e monopolizar a exploração e distribuição do petróleo brasileiro, o debate mobilizou a opinião pública. A grande imprensa e empresários de vários setores usavam os meios de comunicação para convencer a população da necessidade de se abrir o negócio do petróleo ao capital estrangeiro. Por usa vez, estudantes da UNE, sindicalistas e comunistas defendiam o monopólio estatal sobre o petróleo com o slogan “O petróleo é nosso”. A mobilização popular nas ruas das grandes cidades foi enorme, e o Congresso aprovou a criação da Petrobras em outubro de 1953. A empresa estatal passava a deter o monopólio de exploração, distribuição e refino do petróleo no Brasil.

Os setores conservadores da sociedade brasileira não ficaram insatisfeitos apenas com a política econômica nacionalista de Vargas. Quando eclodiu a Guerra da Coreia (1950-1953) e o governo brasileiro recusou-se a enviar tropas à região, mantendo uma posição de neutralidade no conflito, houve atritos com o governo dos EUA, com setores das Forças Armadas e da sociedade civil. Enquanto isso, o custo de vida só aumentava por conta da inflação e corroía os salários, o que provocou protestos, como a greve que paralisou 300 mil trabalhadores em São Paulo e no Rio de Janeiro, em 1953. Vargas nomeou João Goulart para o Ministério do Trabalho. Goulart era um político do PTB gaúcho que tinha bom trânsito nos sindicatos, mas era mal visto pelos conservadores, que o consideravam um radical de esquerda. No início de 1954, João Goulart se viu pressionado pelos trabalhadores e anunciou um aumento de 100% no salário mínimo. Porém, setores da sociedade brasileira que eram contrários ao aumento, entre os quais estavam membros das Forças Armadas, forçaram Getúlio a demitir Goulart. No dia 1° de maio de 1954, o próprio Vargas decretou o aumento salarial que o ex-ministro do Trabalho havia proposto.

O aumento do salário mínimo provocou críticas por parte da oposição, que acusava Getúlio de favorecer aliados políticos e de corrupção. Por meio do seu jornal Tribuna da Imprensa, o deputado Carlos Lacerda (UDN) lançou uma agressiva campanha contra Vargas e seus auxiliares, acusando-os de corrupção, em 1954. Membros da UDN e das Forças Armadas passaram a defender o afastamento de Getúlio da Presidência. A situação política ficou ainda mais tensa quando, no dia 5 de agosto de 1954, Lacerda sofreu um atentado a tiros que provocou a morte de seu segurança, um major da Aeronáutica chamado Rubens Vaz. Segundo as investigações, o mandante do atentado era Gregório Fortunato, guarda-costas de Vargas. Uma grave crise política instalou-se no país e parlamentares da UDN começaram a exigir a renúncia de Getúlio. A indignação era geral, e até o vice-presidente Café Filho propôs a sua própria renúncia e a de Getúlio. No dia 23 de agosto, Vargas reuniu o seu ministério e alguns dos ministros ali presentes sugeriram um afastamento temporário de Getúlio, enquanto os militares defendiam que Vargas deveria renunciar ao cargo. Pressionado, o presidente suicidou-se em 24 de agosto de 1954 com um tiro no coração.


O Brasil depois da morte de Vargas

A comoção gerada pela morte do presidente foi grande, com multidões tomando as ruas das principais cidades do país. Jornais e emissoras antigetulistas sofreram depredações, bandeiras estadunidenses foram queimadas. Parte da população considerava que o “pai dos pobres” foi levado à morte por seus opositores. A crise política que já estava instalada no país antes de 24 agosto de 1954 ficou ainda mais intensa com a morte de Vargas. O vice-presidente João Café Filho assumiu o governo do país. Café Filho montou um ministério predominantemente udenista, procurou combater a inflação, restringiu o crédito e os gastos públicos. As suas medidas acabaram levando a economia à recessão. Em 1955, foi criada a Instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que permitia a importação de equipamentos com uma política cambial favorável, todavia, o governo acabou recuando por causa das críticas dos nacionalistas.

Naquela tensa conjuntura, havia a constante ameaça de um golpe de Estado liderado pela UDN, e foi nesse clima que foram realizadas as eleições presidenciais. O PSD lançou como candidato o político mineiro Juscelino Kubitschek, ex-prefeito de Belo Horizonte (1940-1945) e que governava o estado de Minas Gerais quando foi escolhido para ser um presidenciável. O PTB lançou João Goulart como candidato a vice na chapa, compondo desta maneira a “frente nacional”, fundada no binômio nacionalismo-desenvolvimentismo. Kubitschek e Goulart eram herdeiros políticos de Vargas. A UDN lançou a candidatura do general Juarez Távora, o PSP apoiou Ademar de Barros e o PRP lançou Plínio Salgado como o seu candidato. Nas eleições realizadas em 1955, Juscelino Kubitschek foi o vencedor, com 36% dos votos, ao lado do vice-presidente João Goulart.

Assim como havia ocorrido com Vargas em 1950, a vitória de Kubitschek e Goulart desagradou a UDN, que manifestou-se contra a posse dos dois, alegando que a eleição não se dera com os votos da maioria absoluta. Carlos Lacerda afirmava que Kubitschek e Goulart haviam sido eleitos por causa da demagogia e do apoio de comunistas. As Forças Armadas estavam divididas, mas o coronel Jurandir Bizarria Mamede, representante do setor radical anticomunista das Forças Armadas, declarou-se contrário à posse de Juscelino e de seu vice. Por sua vez, o ministro da Guerra, Teixeira Lott, solicitou ao presidente Café Filho uma autorização para punir o coronel Mamede, mas o presidente acabou afastando-se do governo por motivos de saúde, sendo substituído por Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados que, no entanto, negou o pedido feito por Lott. Ganhava cada vez mais força a ideia de um golpe conservador que impedisse a posse de Kubitschek e de Goulart.

Teixeira Lott demitiu-se do ministério e mobilizou tropas para destituir o presidente interino. O golpe preventivo colocou na presidência da República o senador Nereu Ramos, que garantiu a posse de Juscelino e de seu vice.


O Governo de Juscelino Kubitschek

“JK”, como Juscelino Kubitschek era conhecido, prometia realizar em cinco anos de mandato o que outros políticos demorariam cinquenta anos para fazer. Para isso, JK contava com o Plano de Metas, que se propunha a realizar o desenvolvimento global da economia brasileira. Segundo o Plano, muitos recursos deveriam ser aplicados nas áreas de energia, transporte, indústria de base, educação e alimentação. Os três primeiros setores foram os mais beneficiados com os investimentos. Usinas hidrelétricas (Furnas e Três Marias, em Minas Gerais, por exemplo) foram construídas. Na cidade mineira de Ipatinga construiu-se a siderúrgica Usiminas. Implantou-se a indústria automobilística no país, concentrada nas cidades paulistas de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano, bem como a indústria de construção naval, especialmente no Rio de Janeiro. O objetivo de medidas como essas era industrializar plenamente o país, superando o subdesenvolvimento. O nacional-desenvolvimentismo de JK representava, em parte, a continuidade da política econômica de Vargas, mas, ao contrário do nacionalismo varguista, Kubitschek ambicionava atrair investimentos estrangeiros, especialmente nas indústrias automobilística, farmacêutica, petroquímica e de eletrodomésticos.

A ocupação e o desenvolvimento do interior do Brasil foram estimulados pelo governo. Regiões distantes entre si foram ligadas por meio da construção de mais de 20 mil quilômetros de rodovias. Tendo em vista a “interiorização do desenvolvimento”, construiu-se no Planalto Central do país a nova capital brasileira, a cidade de Brasília, projetada pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. A obra foi um dos símbolos do otimismo presente durante o governo de JK. Brasília era fruto de uma arquitetura moderna e de linhas arrojadas que vinha sendo desenvolvida no Brasil havia alguns anos, como o complexo da Pampulha que Oscar Niemeyer projetou em Belo Horizonte, em 1943. Todavia, a construção da cidade não foi um processo tranquilo. O projeto enviado por JK ao Congresso sofreu oposição, sobretudo com alegações de que a construção de Brasília geraria muitos gastos e inflação, o que realmente ocorreu. A oposição até abriu uma CPI para apurar irregularidades nos contratos com empreiteiras. Muitos funcionários públicos manifestaram-se contra a transferência da capital para o interior do Brasil, pois isso significava que muitos teriam que se mudar do Rio de Janeiro. De qualquer forma, os defensores da construção de Brasília apontavam para as razões estratégicas do projeto: a transferência da capital integraria o país. A nova capital acabou sendo erguida em tempo recorde, com mão de obra em sua maioria nordestina – os candangos. JK inaugurou Brasília no dia 21 de abril de 1960.

Entre os anos 1955 e 1961, a produção industrial brasileira aumentou 80%. O PIB cresceu cerca de 7% ao ano entre 1957 e 1961. Com maior poder aquisitivo, as classes médias passaram a consumir novos produtos, tais como eletrodomésticos, automóveis e objetos feitos de plástico e fibras sintéticas.


Novidades no campo cultural brasileiro

Durante aqueles “anos dourados” da história brasileira, a bossa nova foi a grande novidade no campo musical do país, a partir de 1958, com o lançamento dos discos Canção do amor demais, de Elizete Cardoso, e Chega de saudade, de João Gilberto. Uma nova batida de violão revolucionava a música brasileira. Enraizada no samba e sob a influência do jazz, a bossa nova saiu das praias de Copacabana e Ipanema (RJ) para conquistar fãs ao redor de todo o mundo. Tom Jobim e Vinícius de Moraes foram dois importantes compositores de canções da bossa nova. Também o campo do cinema apresentava novidades naquele período. O cinema nacional havia sobrevivido até 1943 graças a esforços isolados de diretores como Humberto Mauro e Ademar Gonzaga. No ano de 1953, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que havia sido fundada em 1949 na cidade de São Bernardo do Campo, produziu o filme brasileiro O Cangaceiro, que foi premiado no Festival de Cannes, na França, como o melhor filme de aventuras. O Cinema Novo exibia nas telas as contradições sociais do Brasil. Em Rio 40 graus (1955), o cineasta Nelson Pereira dos Santos retratou a miséria dos morros cariocas. Outros cineastas também trataram de temas sociais em seus filmes, tais como Joaquim Pedro de Andrade, Paulo César Saraceni, Alex Viany e Glauber Rocha.

Na cena teatral, além da figura de Nelson Rodrigues, que agitava o teatro brasileiro desde os anos 1940, tiveram destaque as peças montadas pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), criado em 1948, em São Paulo. No elenco do TBC estavam nomes como Cacilda Becker, Walmor Chagas, Fernanda Montenegro, Tônia Carrero, Maria Della Costa e Paulo Autran. Entre os diretores de teatro do TBC, estavam Adolfo Celli e Zbigniew Ziembinski. O TBC levou para os palcos montagens de textos de Tennessee Williams, Arthur Miller, Federico García Lorca e outros. No mesmo período, também foram atuantes o Teatro Experimental do Negro, surgido em 1944 por iniciativa de Abdias do Nascimento e que procurava resgatar e afirmar os valores humanos dos afrodescendentes no Brasil, o Teatro de Arena, fundado em 1953 e que levou aos palcos peças de autores nacionais (como a bastante conhecida Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri) e o Teatro Oficina que, segundo o crítico Sábato Magaldi, deu “um cunho eminentemente brasileiro” a toda a experiência cênica internacional acumulada até então.

No campo das artes plásticas, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) foi fundado em 1947. Em 1951, realizou-se a I Bienal Internacional de São Paulo. Eventos como esse expunham obras de estrangeiros e de brasileiros, sintonizando o Brasil com a produção artística internacional. Desenvolveu-se no Rio de Janeiro e em São Paulo o concretismo, um estilo que, por meio das linhas geométricas e da cor, distanciava-se tanto do figurativismo quanto do abstracionismo. Rejeitando a ideia de ser um exercício de imaginação, o concretismo se colocava como um estudo rigoroso de componentes de obra de arte como linhas e cores. Alguns nomes importantes das artes plásticas do período foram Ivan Serpa, Lygia Clark e Hélio Oiticica, que adotavam princípios geométricos menos rígidos na criação. Um concretismo mais rigoroso era praticado por Waldemar Cordeiro e Geraldo de Barros. Por sua vez, artistas independentes praticavam o abstracionismo, renovando esteticamente as artes da época, tais como os de origem japonesa, Manabu Mabe e Tomie Ohtake. Já a arquitetura brasileira vinha incorporando tendências modernistas nas décadas anteriores, sobretudo com a influência do arquiteto e urbanista franco-suíço Le Corbusier. Uma equipe composta, entre outros, por Oscar Niemeyer, Afonso Eduardo Redy e Carlos Leão, sob a direção de Lúcio Costa e consultoria do próprio Le Corbusier, foi a responsável pela construção do edifício do Ministério da Educação e Saúde, na década de 1930.

A televisão, inaugurada no Brasil em 1950, começou a se popularizar naquele período. Já no final da década de 1950, as principais capitais brasileiras contavam com diversas emissoras de TV, onde a maior parte da programação era ao vivo e constituída por telejornais, teleteatros, programas musicais, esportivos, infantis e filmes estrangeiros dublados em português. A presença da TV não acabou com o rádio, que continuou sendo um veículo de comunicação importante no país, com suas radionovelas, programas jornalísticos e humorísticos. Já a literatura brasileira viu o surgimento da poesia concreta de Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ferreira Gullar e outros. O movimento concretista lançou, em 1952, a revista Noigandres. A poesia concreta misturava literatura e artes plásticas, explorando não apenas o sentido de cada palavra, mas também a sua forma e disposição na página. Era comum o uso de jogos de palavras sintéticos, palavras soltas, neologismos e estrangeirismos. Em 1956, houve o lançamento de Grande sertão: veredas, do escritor mineiro João Guimarães Rosa, uma das obras-primas da literatura brasileira em prosa de ficção. Também os esportes contribuíram para o clima de otimismo e de confiança no futuro: a seleção brasileira de futebol conquistou duas Copas do Mundo, em 1958 e em 1962, e o pugilista Éder Jofre tornou-se campeão mundial de boxe na categoria peso-galo, em 1960, título que manteve até 1965.


O Fim dos Anos JK

A política desenvolvimentista de JK tinha as suas limitações. A dívida externa aumentou e os gastos com a construção de Brasília produziram um déficit de 286 milhões de dólares, em 1957, nas contas públicas. O governo emitiu uma grande quantidade de papel-moeda para cobrir as despesas, o que provocou uma inflação que chegou a 40% no ano de 1959. Os investimentos governamentais nas áreas de educação e alimentação foram baixos, o que acentuou as desigualdades sociais. De fato, o crescimento econômico verificado no período beneficiou principalmente empresários ligados aos investidores internacionais e a classe média. A vinda de multinacionais gerou empregos, mas tornou o país muito dependente do capital externo. O Plano de Metas favoreceu principalmente o desenvolvimento do Sudeste do país, o que levou a uma intensificação da corrente migratória em direção a essa região do Brasil. Boa parte dos migrantes eram oriundos da zona rural nordestina, região marcada pela miséria, pela seca e pela falta de alimentos. Muitas dessas pessoas alimentavam a esperança de que em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo poderiam encontrar uma vida melhor. Entre 1950 e 1960, o número de brasileiros que viviam em cidades aumentou de 36% para 45%.

A expansão urbana alimentada pelo êxodo rural provocou, nos centros urbanos, o surgimento de favelas e de bairros periféricos pobres e sem instalações e serviços básicos de infraestrutura, como água encanada e rede de esgotos. O resultado foi o crescimento de um sentimento de insatisfação em uma parcela da população brasileira. Nas eleições de 1961, o marechal Henrique Teixeira Lott, candidato apoiado por JK, foi derrotado por Jânio Quadros, ex-governador de São Paulo que foi apoiado pela UDN. João Goulart, candidato a vice-presidente pela chapa de Lott, conseguiu se reeleger. O voto para presidente e vice-presidente era desvinculado.


O Governo de Jânio Quadros

Professor e político de origem mato-grossense, Jânio Quadros teve uma carreira meteórica: foi eleito vereador na cidade de São Paulo em 1948, deputado estadual em 1950, prefeito da capital paulista em 1953 e governador do estado de São Paulo em 1955. Jânio buscou construir uma imagem de si mesmo como um político de austeridade moral e administrativa. Tentava em certas ocasiões parecer um homem do povo e trabalhador, com cabelos despenteados, roupas amassadas e caspa no paletó. Com aparições surpresa, fiscalizava pessoalmente o trabalho de funcionários públicos nas repartições. Usava como símbolo a vassoura, com a qual supostamente varreria a corrupção da política. Era comum usar bilhetes para se comunicar com assessores e secretários. Alguns desses bilhetes eram enviados até à imprensa, e neles Jânio rebatia ataques de adversários ou dava ordens. Foi com este comportamento que Jânio tornou-se nacionalmente conhecido e ganhou as eleições presidenciais no início dos anos 1960, pela UDN. Ao seu lado, foi eleito como vice o político João Goulart, da coligação adversária PTB-PSD, considerada de esquerda pelos udenistas que apoiavam Jânio. Apesar de representarem grupos políticos adversários, o apelo populista de Jânio e a tradição trabalhista de Goulart eram vistos pelos eleitores como um par ideal.

Ao assumir a Presidência da República, Jânio procurou governar desvinculado de partidos políticos, buscando também uma independência em relação aos Estados Unidos da América. Durante a campanha política, a plataforma de Jânio foi o combate à inflação e à corrupção, com a promessa de acabar com a dívida externa. Todavia, as reformas econômicas feitas por Jânio no governo levaram o país à recessão, com queda nos salários, o que desagradou setores populares. O presidente também desagradou setores mais conservadores da sociedade brasileira ao propor alterações na lei de remessa de lucros de empresas estrangeiras. Jânio restabeleceu relações diplomáticas com a URSS, apoiou a independência das colônias portuguesas na África e condecorou Ernesto “Che” Guevara – um dos líderes da Revolução Cubana – com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, em um gesto que foi criticado por setores das Forças Armadas.

A política personalista de Jânio desagradou segmentos populares e conservadores da sociedade brasileira. Carlos Lacerda – líder da UDN – acusou o presidente pelo rádio, acusando-o de estar planejando um golpe de Estado, no dia 24 de agosto de 1961. Todavia, no dia seguinte, após poucos meses de governo, o presidente renunciou ao seu cargo. Uma interpretação consagrada pela historiografia brasileira diz que Jânio renunciou com a expectativa de que o Congresso não aceitasse o seu pedido. De acordo com esta linha de raciocínio, Jânio esperava que os parlamentares mais conservadores, o alto comando das Forças Armadas e muitos dos eleitores que o elegeram não aceitassem que o vice-presidente João Goulart – que era próximo das esquerdas e de sindicatos – assumisse o governo, o que levaria Jânio Quadros a voltar à Presidência mais fortalecido e com mais poderes para governar.

Quaisquer que tenham sido as reais intenções de Jânio por trás de sua decisão de renunciar ao cargo de presidente, o que ocorreu em seguida foi que o Congresso aceitou prontamente a sua renúncia. O vice-presidente João Goulart estava naquele momento em uma viagem oficial à China, e o deputado Ranieri Mazzilli – presidente da Câmara à época – assumiu interinamente a Presidência da República. Uma parcela do alto comando das Forças Armadas e grupos conservadores ligados à UDN tentaram impedir a posse de Goulart, alegando que ele teria ligação com o comunismo.

O debate em torno da posse de “Jango” – como João Goulart era conhecido – ficou ainda mais intenso quando, no Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola (PTB), cunhado de Goulart, apoiado pelo comandante do Terceiro Exército, general José Machado Lopes, deu início ao movimento que ficou conhecido como “Rede da Legalidade”, ameaçando resistir caso Jango não pudesse assumir a Presidência. Como uma solução para o empasse, o Congresso Nacional instituiu o parlamentarismo por meio de uma emenda constitucional. Assim, um primeiro-ministro escolhido pelo Congresso exerceria de fato o governo, enquanto o presidente João Goulart teria a função de chefe de Estado. Após desembarcar no Uruguai, Jango retornou ao Brasil em 7 de setembro de 1961, assumindo a Presidência com poderes diminuídos.


O Governo de João Goulart e o Golpe de 1964

O parlamentarismo vigorou no Brasil entre setembro de 1961 e janeiro de 1963, sendo marcado por manifestações e insatisfação política e social. Neste período, três pessoas ocuparam o cargo de primeiro-ministro: Tancredo Neves (PSD), ex-ministro de Getúlio Vargas em 1953-1954, que governou durante nove meses; Brochado da Rocha (PSD), que ficou mais de dois meses no posto; e Hermes Lima (PSB), que foi primeiro-ministro até a realização de um plebiscito, em janeiro de 1963, que definiu a volta do presidencialismo. Inicialmente, o plebiscito estava previsto para ocorrer apenas em 1965, perto do fim do mandato de Jango, todavia, o presidente conseguiu antecipar a realização do mesmo para o ano de 1963 por meio de um movimento pela volta do presidencialismo.

Após o fim da experiência parlamentarista, João Goulart apresentou um programa de governo que pretendia combater a inflação (que chegou a 54,8% em 1962) e retomar o crescimento econômico e industrial brasileiro. Era o Plano Trienal, de autoria de Celso Furtado. Já no sentido de reformas sociais, Jango conseguiu a aprovação, em março de 1963, do Estatuto do Trabalhador Rural, que garantia aos trabalhadores do campo os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos, o que desagradou os latifundiários. Jango propôs as “reformas de base”, que incluíam as reformas agrária, educacional, bancária e urbana, além de medidas como o direito de voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente, a nacionalização de empresas concessionárias de serviços públicos e o imposto progressivo (quanto maior a renda, mais alta seria a alíquota do imposto). Em setembro de 1963 foi aprovada a lei que limitava as remessas de lucros das multinacionais para o exterior, o que desagradou os representantes de empresas estrangeiras no país.

As reformas propostas dividiram a sociedade brasileira. Grupos de esquerda, setores trabalhistas, sindicalistas, integrantes das Ligas Camponesas[1] e das entidades estudantis (lideradas pela União Nacional dos Estudantes, UNE) apoiavam as reformas. Por outro lado, as medidas propostas por Goulart foram rejeitadas por associações patronais, empresários, oficiais de alta patente das Forças Armadas, setores da alta hierarquia da Igreja Católica, políticos de direita e outros grupos mais conservadores da sociedade brasileira. Havia até quem dissesse que Jango queria implantar o comunismo no Brasil. Certos parlamentares do PSD – que formavam a base política do presidente no Congresso, junto com os parlamentares do PTB – aproximaram-se dos políticos da UDN, que se opunham ao governo de Jango.

O mês de março de 1964 foi bastante agitado. No dia 13, foi realizado um grande comício na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu cerca de 150 mil pessoas em apoio às reformas de base. O presidente João Goulart chegou a assinar decretos nacionalizando as refinarias de petróleo e a anunciar a desapropriação de terras ao longo das rodovias federais, como parte da política de reforma agrária. Dias depois, em 19 de março, a oposição respondeu ao comício da Central do Brasil levando cerca de meio milhão de pessoas às ruas de São Paulo na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Empresários, representantes das classes médias urbanas e setores do clero protestaram ali contra o “comunismo” de Goulart. O clima político ficava cada vez mais tenso. No final do mês de março, uma rebelião de marinheiros no Rio de Janeiro, na qual lutava-se por melhores condições de trabalho e manifestava-se o apoio às Reformas de Base, deixou os altos oficiais das Forças Armadas assustados. A agitação política vivida pelo Brasil no início dos anos 1960 ameaçava agora a hierarquia militar, o que os altos setores das Forças Armadas não podiam tolerar. Membros das Forças Armadas ficaram insatisfeitos com a decisão de Goulart de anistiar os marinheiros revoltosos e, a partir disso, começou o movimento para tirar Jango do poder.

Neste cenário conturbado, o chefe do estado-maior do Exército, general Castelo Branco, colocou-se à frente de um golpe de Estado no dia 31 de março de 1964. O general Olímpio Mourão Filho ordenou que as tropas da IV Região Militar de Minas Gerais fossem ao Rio de Janeiro depor o presidente. O movimento golpista contava com o apoio do governo dos EUA, de alguns governadores de estados – Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo –, das lideranças udenistas, dos representantes dos meios de comunicação, dos empresários e de amplos setores das classes médias. Jango não resistiu, e acabou voando para Brasília e, depois, para o Rio Grande do Sul, de onde partiu para o Uruguai. Mesmo o presidente estando ainda em território brasileiro, o Congresso Nacional declarou vacante a Presidência da República no dia 1° de abril. O deputado Ranieri Mazzilli assumiu interinamente a Presidência da República por duas semanas. No dia 15 de abril, o governo foi entregue ao general Castelo Branco e iniciou-se ali a Ditadura Civil-Militar que duraria até 1985.




[1] Ameaçados de expulsão das terras em que trabalhavam como parceiros ou arrendatários, camponeses nordestinos começaram a se organizar, em meados dos anos 1950, na luta pelo acesso à terra e por melhores condições de vida e trabalho. Tal mobilização originou as Ligas Camponesas, associações de pequenos proprietários rurais e trabalhadores não assalariados (boias-frias, parceiros, arrendatários, etc.). A mais famosa dessas Ligas foi criada em Vitória de Santo Antão (PE), em 1954. Apesar da repressão que sofriam por parte de fazendeiros e da polícia, as Ligas se espalharam pelo Nordeste e chegaram a Minas Gerais e ao interior do Rio de Janeiro. O lema das Ligas era “Reforma agrária na lei ou na marra” e seu líder era o advogado e deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) Francisco Julião (1915-1999), responsável por orientar os trabalhadores acerca de seus direitos. O Primeiro Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas foi realizado em Belo Horizonte, em 1961. Ali, foram reivindicadas a reforma agrária e a extensão das leis trabalhistas ao campo. Após o Golpe de 1964, as Ligas foram proibidas e acabaram extintas.