Texto escrito por Francisco Mateus Conceição [*]
“O mundo está quase todo parcelado, e o que dele resta
está sendo dividido, conquistado, colonizado. Pense nas estrelas que vemos à
noite, esses vastos mundos que jamais poderemos atingir. Eu anexaria os
planetas, se pudesse. Penso sempre nisso. Entristece-me vê-los tão claramente,
e ao mesmo tempo tão distantes.”
(Cecil
Rhodes, empresário britânico, In: HUBERMAN, 1981: 270)
A
questão ambiental perpassa toda a literatura brasileira, sob diferentes
enfoques. De um lado, as transformações constantes provocadas no planeta a
partir da Era Moderna fazem com que a literatura busque na natureza respostas
para a sensação de perda que essas transformações provocam. De outro, a
necessidade de se afirmar como país e as dificuldades para tanto fazem da
natureza ora mãe, ora madrasta. Sob a perspectiva dos séculos XX e XXI, podemos
afirmar que a literatura tem espelhado o problema da instrumentalização, em
níveis cada vez mais acentuados, dos recursos que o planeta oferece. Tal
percepção pode ser lida em “O homem: as viagens”, de Carlos Drummond de
Andrade, poesia que, ao tratar da angústia do homem contemporâneo frente ao seu
espaço/tempo, o faz sob a perspectiva da Era Moderna como um todo, expondo a
repetitiva frustração de um modelo regido por princípios como expansão,
apropriação e controle. Para tanto, o poema, ao mesmo tempo em que projeta,
ironicamente, o futuro da trajetória humana, retrocede ao passado pela via
intertextual, retomando Camões e, por extensão, as navegações portuguesas, o
“achamento” do Brasil e as origens da modernidade. Através desse procedimento,
Drummond faz dos fundamentos da modernidade o alvo central de sua crítica. Para
operacionalizar a análise, faremos a citação integral do poema:
O
homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se
na Terra
lugar
de muita miséria e pouca diversão,
faz
um foguete, uma cápsula, um módulo
toca
para a Lua
desce
cauteloso na Lua
pisa
na Lua
planta
bandeirola na Lua
experimenta
a Lua
coloniza
a Lua
civiliza
a Lua
humaniza
a Lua
Lua
humanizada: tão igual à Terra.
O
homem chateia-se na Lua.
Vamos
para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas
obedecem, o homem desce em Marte
pisa
em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza
Marte com engenho e arte.
Marte
humanizado, que lugar quadrado.
Vamos
a outra parte?
Claro
– diz o engenho
sofisticado
e dócil.
Vamos
a Vênus.
O
homem põe o pé em Vênus,
vê
o visto – é isto?
idem
idem
idem.
O
homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar
justiça junto com injustiça
repetir
a fossa
repetir
o inquieto
repetitório.
Outros
planetas restam para outras colônias.
O
espaço todo vira Terra-a-terra.
O
homem chega ao Sol ou dá uma volta
só
para tever?
Não-vê
que ele inventa
roupa
insiderável de viver no Sol.
Põe
o pé e:
mas
que chato é o Sol, falso touro
espanhol
domado.
Restam
outros sistemas fora
do
solar a col-
onizar.
Ao
acabarem todos
só
resta ao homem
(estará
equipado?)
a
dificílima dangerosíssima viagem
de
si a si mesmo:
pôr
o pé no chão
do
seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o
homem
descobrindo
em suas próprias inexploradas entranhas
a
perene, insuspeitada alegria
de
con-viver. (ANDRADE, 1978: 448-450)
Publicado em 1973, no livro "As impurezas do branco", esse poema remete a dois componentes
históricos imediatos, os quais são estratégicos para a interpretação do mesmo:
a viagem à Lua, em 1969, e o desencadear do movimento ecológico. Este último,
conforme Marcos Reigotta (1999: 34-35), tem como marco inicial ano de 1968,
através de protestos em diversos países. Neste mesmo ano, o Clube de Roma
coloca o problema ecológico como pauta central. E a seguir, em 1972, é realizada
a Conferência Mundial do Meio Ambiente Humano, conhecida como Conferência de
Estocolmo. Na poesia em análise, esses dois fatos parecem atuar como
desencadeadores do texto, sendo que o primeiro – a viagem à Lua – comparece de
maneira explícita, enquanto o segundo atua como possibilidade interpretativa.
Por
tematizar a “viagem”, o referido poema começa com uma alusão direta a Camões.
Trata-se do primeiro verso “O homem, bicho da Terra tão pequeno”, que repete as
últimas palavras do primeiro canto de "Os Lusíadas". Citemos a estrofe final
deste:
No
mar tanta tormenta e tanto dano
Tantas
vezes a morte apercebida
Na
terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta
necessidade aborrecida
Onde
pode acolher-se um fraco humano
Onde
terá segura a curta vida,
Que
não se arme e se indigne o céu sereno
Contra
um bicho da terra tão pequeno? (CAMÕES, 1972: 35)
Observe-se
a relação explícita entre “Contra um bicho da terra tão pequeno?” (Camões) e “O
homem, bicho da Terra tão pequeno” (Drummond). Para além dessa relação literal,
podemos observar que o 4º verso da estrofe camoniana (“Tanta necessidade
aborrecida”) atua como mote para a descrição do desencanto do homem
drummondiano frente a todas as suas conquistas. Este homem “chateia-se na
terra” (1ª estrofe, 2º verso), “chateia-se na Lua” (2ª estrofe, 2º verso),
julga Marte um “lugar quadrado” (4ª estrofe, 1º verso), “idem” com relação a
Vênus (5ª estrofe, versos finais), irá “repetir a fossa” em Júpiter (6ª
estrofe, 3º verso) e, ao chegar, finalmente, ao Sol, exclamará “mas que chato é
o Sol” (7ª estrofe, 8º verso). Ainda, para sustentar o vínculo entre os dois
autores, salientemos que, no final da terceira estrofe do texto brasileiro, a
expressão “com engenho e arte” remete ao final da 2ª estrofe de Camões,
“Cantando espalharei por toda a parte / se a tanto me ajudar o engenho e arte”.
Neste caso, até a parceria rítmica (parte/arte) é mantida, tendo em vista o 2º
verso da 4ª estrofe de Drummond, “Vamos a outra parte?”.[†]
Qual
é, porém, a mediação que há entre um texto e outro? Consideremos, inicialmente,
o ponto do texto em análise: “O homem, bicho da Terra, tão pequeno”. Em
primeiro lugar, cabe observar o detalhe da maiúscula em “Terra” (Drummond) a
diferenciar-se da designação minúscula feita por Camões. Note-se que, em outros
momentos do texto, quando se refere a planeta, o autor português faz uso da
maiúscula. Ocorre que, ao adjetivar o homem como um bicho da terra, Camões não
o faz no sentido planetário do termo. A expressão guarda, ainda, uma conotação
bíblica, remetendo ao barro original, sendo também um designativo da infinita
pequeneza e limitação humanas. Além disso, o espaço restrito da natureza humana
opõe-se ao céu e ao universo, mas também se opõe ao mar, para onde se lança
através das longas navegações. A Terra (planeta) ainda não fora conquistada,
não sendo o espaço familiar do ser humano, como no tempo de Drummond. O tema
camoniano inscreve-se nesse processo de conquista e a pequenez humana remete ao
quanto de errante, equivocado e injusto esse processo representou.
Para
o homem camoniano, a geografia desconhecida assusta. E a grandeza do universo
assume dimensão divina, tendo, a conquista desse universo, o caráter de posse
humana sobre o espaço mitológico. De outro lado, o que se anuncia como
humanização do espaço atua, em realidade, como a europeização do mesmo. A
empresa portuguesa, encimada pela cruz cristã, viabiliza-se, do ponto de vista
do conhecimento, através da ciência da escola de Sagres, a qual, por sua vez,
está articulada com o desenvolvimento científico-tecnológico que povoa a Europa
nesse momento. Inaugura-se a Era Moderna, durante a qual o planeta rapidamente
se tornará terra-a-terra, caravelas e homens cruzarão continentes, povos serão
dizimados e outros transmigrados. Impérios sucederão a impérios, e a natureza
será cada vez mais estudada, conhecida, dominada e transformada para dar
sustentação a esse modelo de sociedade. Cabe considerar, neste sentido, que o
que move essa empresa não é somente sede de conhecimento ou aventura, o lado
belo das navegações, mas, principalmente, a voracidade por expansão das
economias capitalistas nascentes. Retomemos Leo Huberman:
"As
descobertas iniciaram um período de expansão sem par, em toda a vida econômica
da Europa ocidental. A expansão dos mercados constituiu sempre um dos
incentivos mais fortes à atividade econômica. A expansão dos mercados, nessa
época, foi maior do que nunca. Novas regiões com que comerciar, novos mercados
para os produtos de todos os países, novas mercadorias a trazer de volta – tudo
apresentava um caráter de contaminação e estímulo e anunciou um período de
intensa atividade comercial, de descobertas posteriores, exploração e expansão." (HUBERMAN, 1981: 99)
Povos,
territórios, ciência, tudo é vertido pela ótica empresarial. E este modelo, em
que pese as suas múltiplas metamorfoses, mantém-se fundamentalmente o mesmo até
hoje, possibilitando dizermos que a degradação do planeta está diretamente
ligada ao desenvolvimento desse paradigma moderno, que faz da Terra “um lugar
de muita miséria e pouca diversão”. A perpetuação do modelo está expressa na
poesia de Drummond, que recupera, da épica camoniana, o ritual da conquista de
territórios e o transpõe para a narrativa de antecipação em que se constitui
sua poesia. Assim, os passos do homem contemporâneo são ainda os mesmos do
homem do século XVI. Apesar, é claro, “de termos feito tudo, tudo o que
fizemos...”, expressão que furtamos a Belchior.
Tal identidade aparece evocada no próprio título, pela referência às viagens,
com a diferença que, em Drummond, o encanto ilusório das mesmas é exposto ao
olhar corrosivo e impiedoso do eu-poético. Da voz deste, podemos interpretar
que o homem viaja em busca de sua completude, mas que, enganosamente, foge de
si próprio. O poema inicia com a definição do homem como um “bicho da Terra”, o
que implica dizer que esta é constituidora de sua identidade. Ao mesmo tempo,
essa expressão, por estar colocada no 1º verso, parece ser desencadeadora da
viagem que se relatará no restante do poema. Lendo assim, podemos afirmar que
há uma relação de causalidade entre o primeiro verso e o segundo. Porque é um
bicho da terra, o homem chateia-se nela. Acossado por sua condição de bicho,
ele empreende a viagem espacial, buscando desesperadamente fugir de sua face
natural. Ao negá-la, porém, tenta o impossível, que é afastar-se de si próprio.
A face negada o persegue e, por isso, o que se vê é que todos os lugares
tocados pelo homem adquirem, ironicamente, a fisionomia dele, tornando-se, na
palavra do poema, “humanizados”, fazendo com que a novidade perca o encanto. O
novo revela-se tediosamente igual ao velho, impulsionando o ser humano para
novos, repetitivos e insaciáveis deslocamentos. A descrição dessa anti-epopéía
é feita de maneira sintética e rebaixada. As novas conquistas, que não
transcendem à ilusão de superfície, já não possuem nenhum poder transformador e
também não expressam um esforço de superação humana. Por isso a viagem espacial
e inter-galáctica cabe no espaço curto do poema. E, desta forma, a velocidade e
a objetividade do mesmo é o equivalente formal destes adjetivos da modernidade,
que, assim, está representada, também, no ritmo da poesia.
Por
outro lado, o final da viagem exterior e o anúncio da necessidade de o homem
viajar para dentro de si acarretam uma mudança de ritmo na poesia, que adquire
um ritmo lento na estrofe final. Se antes predominava o uso do tempo verbal no
presente do indicativo (experimenta; coloniza; civiliza; humaniza), o que
configura rima grave ou feminina (de som mais leve), na parte final predominam
os versos no futuro do presente (estará) e no infinitivo (pôr; experimentar;
colonizar; civilizar; humanizar), implicando rimas agudas ou masculinas (de som
mais intenso), além da expansão final através da vibrante “r”. A isto,
associam-se: a partição de palavras (col-onizar; con-viver); a adjetivação (“a
dificílima dangerosíssima viagem”; “em suas próprias inexploradas entranhas”;
“a perene, insuspeitada alegria”); a introdução de certa opacidade semântica
pelo uso aportuguesado do inglês (“dangerosíssima”); e a pausa do parêntese
interrogativo em “(estará equipado?)”.
A
quebra de ritmo advém da quebra de direção. A viagem exterior é linear porque
pré-determinada. Para ela, os itinerários já estão definidos, bastando
constituir-se a infra-estrutura para percorrê-lo. Há uma lógica e um
conhecimento acumulado que apontam para a sua realização. Não há o espanto do
conhecimento inusitado, apenas o espetáculo banalizado da informação, como se
evidencia na penúltima estrofe, quando se faz referência à televisão em “ou dá
uma volta / só para tever?” (3º e 4º versos) e ao espetáculo, quando adjetiva o
Sol como “falso touro / espanhol domado” (8º e 9º versos). Já a viagem interior
implica outra lógica e conhecimento. É por isso que o conceito de “descoberta”,
tão familiar às viagens dos séculos XV e XVI, só é evocado ao final do poema
(“descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas”). Da mesma maneira, a
idéia de perigo e dificuldade também é evocada nesse momento do texto (“a
dificílima dangerosíssima viagem”), fazendo eco ao canto camoniano (“Em perigos
e guerras esforçados / mais do que prometia a força humana”, Canto I, 1ª
estrofe, versos 5 e 6). De outra parte, a repetição, em relação à viagem
interior, do ritual precedente, instaura, no texto poético, uma desterritorialização
da linguagem, subvertendo e potencializando seu sentido. A “colonização” e a
“civilização” do homem perdem, neste momento, o sentido de posse de uma
população sobre outra, significando, antes, o domínio sobre o impulso
destrutivo da humanidade. Eros suplanta Tânatos, aplacando a inquietude humana
e instaurando, por isso mesmo, uma satisfação substancial, perene.
A
última palavra do poema, o verbo “con-viver”, remete à conquista da harmonia
nas relações entre os seres humanos e, parece-nos, com o ambiente natural. A
alegria humana é possibilitada por sociedades mais fraternas, solidárias e
sócio-ambientalmente justas. Ao nomear diversos corpos celestes e, ao mesmo
tempo, a interferência negativa do ser humano em relação aos mesmos, Drummond
tematiza o problema ambiental. Nessa nova proposta de civilização, o paradigma
sujeito-objeto terá que ser substituído por um paradigma sujeito-sujeito. Tanto
o homem quanto o ambiente como um todo não poderão ser aleijados de seus
significados, que passam a ser imprescindíveis para a sobrevivência e o
equilíbrio do mundo. Sob esse novo prisma, o homem pode reconciliar-se com a
expressão “bicho da Terra”, que evoca sensibilidade e (é preciso dizer?)
realismo científico. “Pequeno”, por sua vez, já não significa “reles” ou
“inferior”, remetendo a um novo conceito de civilização, que pressupõe as
limitações humanas e a necessidade de enfrentá-las pela via da complexidade, da
multiplicidade e da relatividade dos saberes.
Acerca
da dificuldade dessa viagem, parecem-nos bastante ilustrativas as reflexões de
MORIN e KERN sobre o que chamam de “possível impossível”:
"É
possível hoje, técnica e materialmente, reduzir as desigualdades, alimentar os
famintos, distribuir os recursos, atenuar o crescimento demográfico, diminuir
as degradações ecológicas, mudar o trabalho, criar diversas altas instâncias
planetárias de regulação e de proteção, desenvolver a ONU como verdadeira
Sociedade das nações, civilizar a Terra. É racionalmente possível construir a
casa comum, arrumar o jardim comum. (...) A união planetária é a exigência
racional mínima para um mundo estreitado e interdependente, dissemos. Mas essa
união possível parece impossível por necessitar muitas transformações nas
estruturas mentais, sociais, econômicas, nacionais... (...) Assim, o possível é
impossível e vivemos num mundo impossível em que é impossível atingir a solução
possível". (MORIN e KERN, 200: 137)
No
entanto, a impossibilidade do possível tem, segundo os autores, a sua
contraposição. Como a realidade não é completamente diagnosticada, há, para
além do mundo visível e imediato, um espaço de possibilidades não imaginadas.
Há o que denominam de “princípio da incerteza da realidade” (Idem: 140), de
acordo com o qual o que hoje se mostra impossível pode ser ou se tornar
possível.
"A
incerteza do espírito e a incerteza do real oferecem ao mesmo tempo risco e
oportunidade. A insuficiência do realismo imediato abre a porta ao mais além do
imediato. O problema é ser, não realista no sentido trivial (adaptar-se ao
imediato) ou irrealista no sentido trivial (subtrair-se às coerções da
realidade), mas realista no sentido complexo (compreender a incerteza do real,
saber que há possível ainda invisível no real), o que parece com freqüência
irrealista". (Idem: 139)
O
poema exorta o ser humano à autotransformação ao mesmo tempo em que, por
analogia, sinaliza para as dificuldades da mesma e pergunta-se sobre as
possibilidades reais de realizar-se. A perspectiva utópica da última estrofe
torna-se cada vez mais urgente, conforme nos indicam as recentes informações
sobre a saúde do Planeta. E certamente falta muito para nos equiparmos.
Bibliografia
ANDRADE,
Carlos Drummond. Nova reunião: 19 livros de poesia. 3ª ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1978.
CAMÕES,
Luís de. Os lusíadas. Lisboa: Gris, 1972.
HOLANDA,
Sergio Buarque. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e
colonização do Brasil. São Paulo:
Brasiliense; Publifolha, 2000.
HUBERMAN,
Leo. História da riqueza do homem. Trad. Waltensir Dutra. 17ª ed. São Paulo:
Zahar Editores, 1981.
MORIN,
Edgar/ KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva.
Porto Alegre: Sulina, 2000.
REIGOTA,
Marcos. A floresta e a escola: por uma educação ambiental pós-moderna. 2ª ed.
São Paulo: Cortez Editora, 1999.
Notas:
[*]
Professor na UNIJUÍ (Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul), Mestre em Literatura Brasileira (UFRGS).
[†] Referente
a essa relação intertextual, veja-se a leitura de Gilberto Mendonça Teles:
“Noutro poema, ‘O homem; as viagens’, publicado no Correio da Manhã e depois na
‘Seleta em prosa e verso’, Drummond fala em ‘bicho da terra’ e em ‘engenho e
arte’. A segunda expressão, que aparece três vezes em Os Lusíadas (I, 2; VIII,
89; X, 19) e não sei quantas vezes nas Rimas, é por demais conhecida, e
popularizada. A primeira, também mais ou menos conhecida, encontra-se na
estrofe 106 do canto I (‘Contra um bicho da terra tão pequeno’) mas Camões a
repete na Canção 5”, em que se lê: ‘Contra um corpo terreno,/Bicho da terra vil
e tão pequeno’. Drummond teria recorrido à lírica ou à épica? (...) Como o
poema trata de uma expedição a Marte, (...) é fácil perceber que tenha
recorrido à expressão que se encontra na épica, aliás ali justificada pelo
‘engenho e arte’, muito mais conhecido através de Os Lusíadas do que nas suas
variações líricas.” (TELES, Gilberto Mendonça. Camões e a poesia brasileira.
Rio de Janeiro: MEC/UFF-FCRB: 1973, p. 213)