Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

domingo, 24 de agosto de 2014

De Camões a Drummond: a era moderna sob o signo do expansionismo

Texto escrito por Francisco Mateus Conceição [*]

“O mundo está quase todo parcelado, e o que dele resta está sendo dividido, conquistado, colonizado. Pense nas estrelas que vemos à noite, esses vastos mundos que jamais poderemos atingir. Eu anexaria os planetas, se pudesse. Penso sempre nisso. Entristece-me vê-los tão claramente, e ao mesmo tempo tão distantes.”
(Cecil Rhodes, empresário britânico, In: HUBERMAN, 1981: 270)

A questão ambiental perpassa toda a literatura brasileira, sob diferentes enfoques. De um lado, as transformações constantes provocadas no planeta a partir da Era Moderna fazem com que a literatura busque na natureza respostas para a sensação de perda que essas transformações provocam. De outro, a necessidade de se afirmar como país e as dificuldades para tanto fazem da natureza ora mãe, ora madrasta. Sob a perspectiva dos séculos XX e XXI, podemos afirmar que a literatura tem espelhado o problema da instrumentalização, em níveis cada vez mais acentuados, dos recursos que o planeta oferece. Tal percepção pode ser lida em “O homem: as viagens”, de Carlos Drummond de Andrade, poesia que, ao tratar da angústia do homem contemporâneo frente ao seu espaço/tempo, o faz sob a perspectiva da Era Moderna como um todo, expondo a repetitiva frustração de um modelo regido por princípios como expansão, apropriação e controle. Para tanto, o poema, ao mesmo tempo em que projeta, ironicamente, o futuro da trajetória humana, retrocede ao passado pela via intertextual, retomando Camões e, por extensão, as navegações portuguesas, o “achamento” do Brasil e as origens da modernidade. Através desse procedimento, Drummond faz dos fundamentos da modernidade o alvo central de sua crítica. Para operacionalizar a análise, faremos a citação integral do poema:

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.

Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?

Claro – diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto – é isto?
idem
idem
idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.  (ANDRADE, 1978: 448-450)

Publicado em 1973, no livro "As impurezas do branco", esse poema remete a dois componentes históricos imediatos, os quais são estratégicos para a interpretação do mesmo: a viagem à Lua, em 1969, e o desencadear do movimento ecológico. Este último, conforme Marcos Reigotta (1999: 34-35), tem como marco inicial ano de 1968, através de protestos em diversos países. Neste mesmo ano, o Clube de Roma coloca o problema ecológico como pauta central. E a seguir, em 1972, é realizada a Conferência Mundial do Meio Ambiente Humano, conhecida como Conferência de Estocolmo. Na poesia em análise, esses dois fatos parecem atuar como desencadeadores do texto, sendo que o primeiro – a viagem à Lua – comparece de maneira explícita, enquanto o segundo atua como possibilidade interpretativa.
Por tematizar a “viagem”, o referido poema começa com uma alusão direta a Camões. Trata-se do primeiro verso “O homem, bicho da Terra tão pequeno”, que repete as últimas palavras do primeiro canto de "Os Lusíadas". Citemos a estrofe final deste:

No mar tanta tormenta e tanto dano
Tantas vezes a morte apercebida
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida
Onde pode acolher-se um fraco humano
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno? (CAMÕES, 1972: 35)

Observe-se a relação explícita entre “Contra um bicho da terra tão pequeno?” (Camões) e “O homem, bicho da Terra tão pequeno” (Drummond). Para além dessa relação literal, podemos observar que o 4º verso da estrofe camoniana (“Tanta necessidade aborrecida”) atua como mote para a descrição do desencanto do homem drummondiano frente a todas as suas conquistas. Este homem “chateia-se na terra” (1ª estrofe, 2º verso), “chateia-se na Lua” (2ª estrofe, 2º verso), julga Marte um “lugar quadrado” (4ª estrofe, 1º verso), “idem” com relação a Vênus (5ª estrofe, versos finais), irá “repetir a fossa” em Júpiter (6ª estrofe, 3º verso) e, ao chegar, finalmente, ao Sol, exclamará “mas que chato é o Sol” (7ª estrofe, 8º verso). Ainda, para sustentar o vínculo entre os dois autores, salientemos que, no final da terceira estrofe do texto brasileiro, a expressão “com engenho e arte” remete ao final da 2ª estrofe de Camões, “Cantando espalharei por toda a parte / se a tanto me ajudar o engenho e arte”. Neste caso, até a parceria rítmica (parte/arte) é mantida, tendo em vista o 2º verso da 4ª estrofe de Drummond, “Vamos a outra parte?”.[†]
Qual é, porém, a mediação que há entre um texto e outro? Consideremos, inicialmente, o ponto do texto em análise: “O homem, bicho da Terra, tão pequeno”. Em primeiro lugar, cabe observar o detalhe da maiúscula em “Terra” (Drummond) a diferenciar-se da designação minúscula feita por Camões. Note-se que, em outros momentos do texto, quando se refere a planeta, o autor português faz uso da maiúscula. Ocorre que, ao adjetivar o homem como um bicho da terra, Camões não o faz no sentido planetário do termo. A expressão guarda, ainda, uma conotação bíblica, remetendo ao barro original, sendo também um designativo da infinita pequeneza e limitação humanas. Além disso, o espaço restrito da natureza humana opõe-se ao céu e ao universo, mas também se opõe ao mar, para onde se lança através das longas navegações. A Terra (planeta) ainda não fora conquistada, não sendo o espaço familiar do ser humano, como no tempo de Drummond. O tema camoniano inscreve-se nesse processo de conquista e a pequenez humana remete ao quanto de errante, equivocado e injusto esse processo representou.
Para o homem camoniano, a geografia desconhecida assusta. E a grandeza do universo assume dimensão divina, tendo, a conquista desse universo, o caráter de posse humana sobre o espaço mitológico. De outro lado, o que se anuncia como humanização do espaço atua, em realidade, como a europeização do mesmo. A empresa portuguesa, encimada pela cruz cristã, viabiliza-se, do ponto de vista do conhecimento, através da ciência da escola de Sagres, a qual, por sua vez, está articulada com o desenvolvimento científico-tecnológico que povoa a Europa nesse momento. Inaugura-se a Era Moderna, durante a qual o planeta rapidamente se tornará terra-a-terra, caravelas e homens cruzarão continentes, povos serão dizimados e outros transmigrados. Impérios sucederão a impérios, e a natureza será cada vez mais estudada, conhecida, dominada e transformada para dar sustentação a esse modelo de sociedade. Cabe considerar, neste sentido, que o que move essa empresa não é somente sede de conhecimento ou aventura, o lado belo das navegações, mas, principalmente, a voracidade por expansão das economias capitalistas nascentes. Retomemos Leo Huberman:

"As descobertas iniciaram um período de expansão sem par, em toda a vida econômica da Europa ocidental. A expansão dos mercados constituiu sempre um dos incentivos mais fortes à atividade econômica. A expansão dos mercados, nessa época, foi maior do que nunca. Novas regiões com que comerciar, novos mercados para os produtos de todos os países, novas mercadorias a trazer de volta – tudo apresentava um caráter de contaminação e estímulo e anunciou um período de intensa atividade comercial, de descobertas posteriores, exploração e expansão." (HUBERMAN, 1981: 99)

Povos, territórios, ciência, tudo é vertido pela ótica empresarial. E este modelo, em que pese as suas múltiplas metamorfoses, mantém-se fundamentalmente o mesmo até hoje, possibilitando dizermos que a degradação do planeta está diretamente ligada ao desenvolvimento desse paradigma moderno, que faz da Terra “um lugar de muita miséria e pouca diversão”. A perpetuação do modelo está expressa na poesia de Drummond, que recupera, da épica camoniana, o ritual da conquista de territórios e o transpõe para a narrativa de antecipação em que se constitui sua poesia. Assim, os passos do homem contemporâneo são ainda os mesmos do homem do século XVI. Apesar, é claro, “de termos feito tudo, tudo o que fizemos...”, expressão que furtamos a Belchior.  Tal identidade aparece evocada no próprio título, pela referência às viagens, com a diferença que, em Drummond, o encanto ilusório das mesmas é exposto ao olhar corrosivo e impiedoso do eu-poético. Da voz deste, podemos interpretar que o homem viaja em busca de sua completude, mas que, enganosamente, foge de si próprio. O poema inicia com a definição do homem como um “bicho da Terra”, o que implica dizer que esta é constituidora de sua identidade. Ao mesmo tempo, essa expressão, por estar colocada no 1º verso, parece ser desencadeadora da viagem que se relatará no restante do poema. Lendo assim, podemos afirmar que há uma relação de causalidade entre o primeiro verso e o segundo. Porque é um bicho da terra, o homem chateia-se nela. Acossado por sua condição de bicho, ele empreende a viagem espacial, buscando desesperadamente fugir de sua face natural. Ao negá-la, porém, tenta o impossível, que é afastar-se de si próprio. A face negada o persegue e, por isso, o que se vê é que todos os lugares tocados pelo homem adquirem, ironicamente, a fisionomia dele, tornando-se, na palavra do poema, “humanizados”, fazendo com que a novidade perca o encanto. O novo revela-se tediosamente igual ao velho, impulsionando o ser humano para novos, repetitivos e insaciáveis deslocamentos. A descrição dessa anti-epopéía é feita de maneira sintética e rebaixada. As novas conquistas, que não transcendem à ilusão de superfície, já não possuem nenhum poder transformador e também não expressam um esforço de superação humana. Por isso a viagem espacial e inter-galáctica cabe no espaço curto do poema. E, desta forma, a velocidade e a objetividade do mesmo é o equivalente formal destes adjetivos da modernidade, que, assim, está representada, também, no ritmo da poesia.
Por outro lado, o final da viagem exterior e o anúncio da necessidade de o homem viajar para dentro de si acarretam uma mudança de ritmo na poesia, que adquire um ritmo lento na estrofe final. Se antes predominava o uso do tempo verbal no presente do indicativo (experimenta; coloniza; civiliza; humaniza), o que configura rima grave ou feminina (de som mais leve), na parte final predominam os versos no futuro do presente (estará) e no infinitivo (pôr; experimentar; colonizar; civilizar; humanizar), implicando rimas agudas ou masculinas (de som mais intenso), além da expansão final através da vibrante “r”. A isto, associam-se: a partição de palavras (col-onizar; con-viver); a adjetivação (“a dificílima dangerosíssima viagem”; “em suas próprias inexploradas entranhas”; “a perene, insuspeitada alegria”); a introdução de certa opacidade semântica pelo uso aportuguesado do inglês (“dangerosíssima”); e a pausa do parêntese interrogativo em “(estará equipado?)”.
A quebra de ritmo advém da quebra de direção. A viagem exterior é linear porque pré-determinada. Para ela, os itinerários já estão definidos, bastando constituir-se a infra-estrutura para percorrê-lo. Há uma lógica e um conhecimento acumulado que apontam para a sua realização. Não há o espanto do conhecimento inusitado, apenas o espetáculo banalizado da informação, como se evidencia na penúltima estrofe, quando se faz referência à televisão em “ou dá uma volta / só para tever?” (3º e 4º versos) e ao espetáculo, quando adjetiva o Sol como “falso touro / espanhol domado” (8º e 9º versos). Já a viagem interior implica outra lógica e conhecimento. É por isso que o conceito de “descoberta”, tão familiar às viagens dos séculos XV e XVI, só é evocado ao final do poema (“descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas”). Da mesma maneira, a idéia de perigo e dificuldade também é evocada nesse momento do texto (“a dificílima dangerosíssima viagem”), fazendo eco ao canto camoniano (“Em perigos e guerras esforçados / mais do que prometia a força humana”, Canto I, 1ª estrofe, versos 5 e 6). De outra parte, a repetição, em relação à viagem interior, do ritual precedente, instaura, no texto poético, uma desterritorialização da linguagem, subvertendo e potencializando seu sentido. A “colonização” e a “civilização” do homem perdem, neste momento, o sentido de posse de uma população sobre outra, significando, antes, o domínio sobre o impulso destrutivo da humanidade. Eros suplanta Tânatos, aplacando a inquietude humana e instaurando, por isso mesmo, uma satisfação substancial, perene.
A última palavra do poema, o verbo “con-viver”, remete à conquista da harmonia nas relações entre os seres humanos e, parece-nos, com o ambiente natural. A alegria humana é possibilitada por sociedades mais fraternas, solidárias e sócio-ambientalmente justas. Ao nomear diversos corpos celestes e, ao mesmo tempo, a interferência negativa do ser humano em relação aos mesmos, Drummond tematiza o problema ambiental. Nessa nova proposta de civilização, o paradigma sujeito-objeto terá que ser substituído por um paradigma sujeito-sujeito. Tanto o homem quanto o ambiente como um todo não poderão ser aleijados de seus significados, que passam a ser imprescindíveis para a sobrevivência e o equilíbrio do mundo. Sob esse novo prisma, o homem pode reconciliar-se com a expressão “bicho da Terra”, que evoca sensibilidade e (é preciso dizer?) realismo científico. “Pequeno”, por sua vez, já não significa “reles” ou “inferior”, remetendo a um novo conceito de civilização, que pressupõe as limitações humanas e a necessidade de enfrentá-las pela via da complexidade, da multiplicidade e da relatividade dos saberes.
Acerca da dificuldade dessa viagem, parecem-nos bastante ilustrativas as reflexões de MORIN e KERN sobre o que chamam de “possível impossível”:

"É possível hoje, técnica e materialmente, reduzir as desigualdades, alimentar os famintos, distribuir os recursos, atenuar o crescimento demográfico, diminuir as degradações ecológicas, mudar o trabalho, criar diversas altas instâncias planetárias de regulação e de proteção, desenvolver a ONU como verdadeira Sociedade das nações, civilizar a Terra. É racionalmente possível construir a casa comum, arrumar o jardim comum. (...) A união planetária é a exigência racional mínima para um mundo estreitado e interdependente, dissemos. Mas essa união possível parece impossível por necessitar muitas transformações nas estruturas mentais, sociais, econômicas, nacionais... (...) Assim, o possível é impossível e vivemos num mundo impossível em que é impossível atingir a solução possível". (MORIN e KERN, 200: 137)

No entanto, a impossibilidade do possível tem, segundo os autores, a sua contraposição. Como a realidade não é completamente diagnosticada, há, para além do mundo visível e imediato, um espaço de possibilidades não imaginadas. Há o que denominam de “princípio da incerteza da realidade” (Idem: 140), de acordo com o qual o que hoje se mostra impossível pode ser ou se tornar possível.

"A incerteza do espírito e a incerteza do real oferecem ao mesmo tempo risco e oportunidade. A insuficiência do realismo imediato abre a porta ao mais além do imediato. O problema é ser, não realista no sentido trivial (adaptar-se ao imediato) ou irrealista no sentido trivial (subtrair-se às coerções da realidade), mas realista no sentido complexo (compreender a incerteza do real, saber que há possível ainda invisível no real), o que parece com freqüência irrealista".  (Idem: 139)

O poema exorta o ser humano à autotransformação ao mesmo tempo em que, por analogia, sinaliza para as dificuldades da mesma e pergunta-se sobre as possibilidades reais de realizar-se. A perspectiva utópica da última estrofe torna-se cada vez mais urgente, conforme nos indicam as recentes informações sobre a saúde do Planeta. E certamente falta muito para nos equiparmos.

Bibliografia
ANDRADE, Carlos Drummond. Nova reunião: 19 livros de poesia. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.
CAMÕES, Luís de. Os lusíadas. Lisboa: Gris, 1972.
HOLANDA, Sergio Buarque. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil.  São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Trad. Waltensir Dutra. 17ª ed. São Paulo: Zahar Editores, 1981.
MORIN, Edgar/ KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Trad. Paulo Azevedo Neves da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2000.
REIGOTA, Marcos. A floresta e a escola: por uma educação ambiental pós-moderna. 2ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 1999.

Notas:
[*] Professor na UNIJUÍ (Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul), Mestre em Literatura Brasileira (UFRGS).


[†] Referente a essa relação intertextual, veja-se a leitura de Gilberto Mendonça Teles: “Noutro poema, ‘O homem; as viagens’, publicado no Correio da Manhã e depois na ‘Seleta em prosa e verso’, Drummond fala em ‘bicho da terra’ e em ‘engenho e arte’. A segunda expressão, que aparece três vezes em Os Lusíadas (I, 2; VIII, 89; X, 19) e não sei quantas vezes nas Rimas, é por demais conhecida, e popularizada. A primeira, também mais ou menos conhecida, encontra-se na estrofe 106 do canto I (‘Contra um bicho da terra tão pequeno’) mas Camões a repete na Canção 5”, em que se lê: ‘Contra um corpo terreno,/Bicho da terra vil e tão pequeno’. Drummond teria recorrido à lírica ou à épica? (...) Como o poema trata de uma expedição a Marte, (...) é fácil perceber que tenha recorrido à expressão que se encontra na épica, aliás ali justificada pelo ‘engenho e arte’, muito mais conhecido através de Os Lusíadas do que nas suas variações líricas.” (TELES, Gilberto Mendonça. Camões e a poesia brasileira. Rio de Janeiro: MEC/UFF-FCRB: 1973, p. 213)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

As Grandes Navegações

Durante a Idade Média, os árabes intermediavam muitas vezes o comércio entre a Europa e a Ásia levando as mercadorias adquiridas no Oriente até entrepostos comerciais no Mar Negro ou na parte mais oriental do Mediterrâneo. Comerciantes europeus – especialmente genoveses e venezianos – iam até tais entrepostos para comprar as mercadorias orientais e, então, as levavam para as feiras e cidades europeias onde as revendiam.

Entre a saída da Ásia e a chegada à Europa, os preços de tais produtos sofriam grandes aumentos por conta da intermediação árabe. Os comerciantes europeus passaram a defender a ideia de que era preciso dispensar os intermediários árabes e adquirir as mercadorias orientais diretamente dos produtores asiáticos para obter lucros maiores com a atividade comercial.

Até o século XIV, o conhecimento que se tinha no continente europeu a respeito de outras partes do mundo era restrito. Havia todo um conjunto de lendas sobre outros povos e lugares. Os mares também eram objeto das mais variadas crenças, como a que defendia a existência de monstros ao sul, em um lugar onde o oceano estaria em chamas. Acreditava-se que quem tentasse cruzar o Oceano Atlântico – o mar “Tenebroso” – encontraria o fim do mundo, pois onde o oceano acabava havia um enorme abismo.

Esse medo de se aventurar por águas desconhecidas começou a diminuir a partir de 1453, quando os turco otomanos tomaram Constantinopla e dominaram o Mediterrâneo oriental, passando a cobrar altas taxas das caravanas que atravessavam a região.

Os mercadores europeus passaram a buscar rotas alternativas em direção às “Índias” (como eram conhecidas na época as terras do leste da Ásia) para escapar de tais cobranças. E nesse processo, Portugal saiu na frente.


O Pioneirismo Português

A posição geográfica de Portugal favorecia as navegações portuguesas, pois o país era banhado pelas águas do Atlântico e era o reino mais ocidental da Europa. Além disso, havia ali um poder centralizado e um Estado bem unificado, sem dissensões internas. Ademais, os pescadores e marinheiros lusitanos tinham uma longa experiência na costa do Atlântico.

Desde o século XIII, comerciantes e marinheiros portugueses levavam para outras regiões europeias, como a França e a Inglaterra, por exemplo, diversos produtos como azeite, vinho, couro e frutas secas. Quando retornavam de tais viagens, traziam para Portugal móveis de madeira, armas de ferro, tecidos e outros artigos.

Esse comércio marítimo promoveu a ascensão social da burguesia em uma época na qual o dinheiro começava a substituir a posse da terra como símbolo de prestígio e poder. Em Portugal, os mercadores e a Coroa estabeleceram acordos de interesse mútuo. A monarquia portuguesa concedeu privilégios aos comerciantes por meio de leis e decretos.

Em 1358, um decreto autorizou o corte de árvores nas matas do reino para a construção de navios. Em 1380, o governo português criou a Companhia das Naus, uma espécie de seguro marítimo que resguardava os donos dos navios em casos de perdas por naufrágio ou atos de pirataria. Uma política protecionista passou a ser colocada em prática pelo governo de Lisboa: os interesses dos comerciantes nacionais eram protegidos por meio de restrições à atuação de mercadores estrangeiros em Portugal.

A Revolução de Avis (1383-1385), que expulsou de Portugal as forças de Castela e colocou no trono dom João I, consolidou a aproximação entre a Coroa e a burguesia mercantil, pois o novo rei foi apoiado principalmente pelos burgueses.

Em 1415, o infante dom Henrique, filho de dom João I, coordenou a conquista de Ceuta, um importante entreposto comercial e militar localizado no norte da África. O objetivo dessa empreitada era tirar dos muçulmanos o controle do comércio naquela região, que passava agora para mãos portuguesas. A considerável expansão ultramarina de Portugal começou exatamente com a conquista de Ceuta.

Dom Henrique recebeu o título de grão-mestre da Ordem de Cristo, instituição religiosa que tinha como objetivo “combater os infiéis” em qualquer lugar do mundo. Em Ceuta, dom Henrique obteve informações acerca da existência de ouro no reino do Mali, ao sul do Saara, e a partir disso passou a planejar a conquista da costa oeste da África em direção ao sul.

Pouco depois da conquista de Ceuta, dom Henrique transferiu-se para o Algarve, fixando-se perto da vila de Sagres. Ali ele reuniu cartógrafos, astrônomos, matemáticos e navegadores para estudar o legado náutico deixado por fenícios, egípcios, gregos, árabes e outros povos. Tais estudos ficaram conhecidos como Escola de Sagres e resultaram na elaboração de cartas marítimas e no desenvolvimento de diversos instrumentos de navegação, como a bússola, o quadrante e o astrolábio. Foi inventado também um novo tipo de embarcação, a caravela, um navio veloz e relativamente pequeno, com cerca de 20 a 30 metros de comprimento, tripulado por 40 a 50 homens e que era ideal para navegação costeira, capaz de entrar em rios e estuários e de realizar manobras em regiões de águas rasas.

Em 1418 começaram as expedições marítimas portuguesas rumo ao sul. As ilhas da Madeira e dos Açores foram conquistadas entre 1420 e 1427, e ali os portugueses introduziram o plantio de trigo, uvas e cana-de-açúcar.

Anos depois, uma expedição capitaneada por Gil Eanes finalmente conseguiu ultrapassar o cabo Bojador, região na qual muitas embarcações portuguesas haviam sofrido grandes avarias ou mesmo naufragado. Por muito tempo acreditou-se que os desastres foram provocados por monstros ou pela fúria divina, mas com o feito da expedição de Gil Eanes os portugueses finalmente dominaram o medo.

As expedições em direção ao sul da costa africana continuaram, e em 1444 uma delas retornou a Portugal com cerca de duzentos africanos, vendidos posteriormente como escravos. Quando dom Henrique morreu, em 1460, os portugueses já haviam chegado até a região da atual Serra Leoa.

Uma bula do papa Eugênio IV garantiu o monopólio comercial da África aos portugueses, bem como o direito de “capturar e subjugar os sarracenos [muçulmanos] e pagãos [africanos] e qualquer outro incrédulo ou inimigo de Cristo, como também seus reinos, ducados, principados e outras propriedades, assim como reduzir essas pessoas à escravidão perpétua”.

Em 1487, Bartolomeu Dias dobrou a extremidade sul do continente africano, chamando a região de Cabo das Tormentas. Posteriormente, o rei dom João II (1481-1495) mudou esse nome para Cabo da Boa Esperança. O projeto português de encontrar um caminho marítimo para as Índias estava definido.


Os espanhóis chegam à América

A partir dos feitos portugueses, navegantes de outras regiões europeias se sentiram estimulados a buscar um caminho alternativo para as Índias. O genovês Cristóvão Colombo acreditava na esfericidade da Terra e que o Oceano Atlântico oferecia a forma mais rápida de se chegar às Índias a partir da Europa pois, segundo a sua tese, para se chegar ao Oriente era preciso navegar para o Ocidente.

Como o rei de Portugal dom João II se recusou a financiar o projeto de Colombo, o genovês procurou os reis espanhóis Fernando e Isabel, que lhe deram apoio. Em agosto de 1492, acompanhado por cerca de noventa homens, Colombo deixou o porto de Palos, na Andaluzia, comandando as caravelas “Santa María”, “Pinta” e “Niña”.

Navegando sempre em direção ao oeste, Colombo avistou terra firme no dia 12 de outubro de 1492. Acreditou ter chegado às Índias, mas suas embarcações haviam aportado em um continente desconhecido dos europeus e que posteriormente ficaria conhecido como América.

Entre 1493 e 1502, Colombo viajou mais três vezes ao novo continente sob o patrocínio da Espanha, mas não encontrou as riquezas tão desejadas. Em 1506, Colombo morreu em Valladolid, na Espanha, abandonado, sem prestígio e certo de que encontrara o caminho para as Índias.


O Tratado de Tordesilhas

O feito de Colombo levou Portugal e Espanha a disputarem as “novas” terras. O papa Alexandre VI serviu de juiz na disputa e, no dia 7 de junho de 1494, com o testemunho do papa, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tordesilhas. A partir de uma linha imaginária situada a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde o mundo seria dividido em duas partes. As terras existentes a oeste deste marco seriam da Espanha, enquanto que as terras localizadas a leste pertenceriam a Portugal.

Após a assinatura do Tratado de Tordesilhas, os espanhóis continuaram suas expedições ao continente americano. Já o governo de Portugal manteve seus planos de chegar às Índias contornando a África.

Em julho de 1497, Vasco da Gama partiu de Lisboa com quatro navios e 170 homens sob o seu comando. Em novembro, a frota dobrou o Cabo da Boa Esperança. Em março do ano seguinte, chegou a Melinde, na costa do Quênia atual, onde Vasco da Gama conseguiu a ajuda de um marinheiro árabe que os guiou pelo oceano Índico até as Índias. Em maio de 1498, a frota portuguesa chegou a Calicute, na atual Índia. Estava finalmente provado que era possível chegar ao Oriente sem passar pelo Mediterrâneo.

O sucesso de Vasco da Gama estimulou novas viagens. Em 1500, o navegador Pedro Álvares Cabral afastou-se da costa africana e alcançou terras a oeste do Atlântico Sul que mais tarde seriam chamadas de Brasil. No ano seguinte, o florentino Américo Vespúcio, a serviço do rei de Portugal, mapeou essas terras e concluiu que elas não faziam parte das Índias, mas constituíam um novo continente que passaria a ser chamado de América.

Em 1519, o português Fernão de Magalhães, a serviço da Coroa Espanhola, iniciou uma viagem ao redor da Terra, mas acabou morto em uma ilha do Pacífico. Sua viagem de circum-navegação seria completada por Sebastião Elcano, que retornou à Espanha em 1522. A aventura de Magalhães e Elcano comprovou a esfericidade da Terra.

O Processo de Independência do Brasil

Quando a família real portuguesa chegou ao Brasil, houve uma série de comemorações. Contudo, algum tempo depois começaram a aparecer sinais de insatisfação contra a presença da Corte de dom João na América portuguesa e contra a alta carga tributária imposta pelo príncipe regente.

Os altos gastos da Corte, as obras de embelezamento do Rio de Janeiro e as intervenções militares do governo joanino exigiam uma considerável soma de recursos financeiros, que tinham que ser obtidos por meio de impostos. Por outro lado, ainda havia o fato de que os portugueses tinham privilégios ao assumir altos cargos burocráticos e postos elevados na Academia Real Militar, o que era objeto de questionamentos por parte da população.

A população livre e pobre sofria com a carestia, o aumento dos preços, o desemprego (havia agora a concorrência não apenas com a mão de obra escrava, mas também com os imigrantes portugueses, sobretudo no meio urbano) e a dificuldade de acesso à terra nas zonas rurais.

Em meio a esse cenário, começaram a ocorrer agitações de rua que acabavam terminando, por vezes, em choques com a polícia, quebra-quebras e pancadarias.

Em Portugal, a queda de Napoleão Bonaparte em 1815 fez com que os portugueses passassem a exigir o retorno de dom João ao país. Em dezembro do mesmo ano de 1815, dom João assinou um decreto que criava o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, o que fez com que o Brasil deixasse de ser simplesmente uma colônia e passasse a ter o mesmo status político de Portugal. A partir disso, Lisboa e Rio de Janeiro passaram a ser os dois centros políticos do Reino.


A Revolução Pernambucana (1817)

No início de 1817, o debate em torno de ideias emancipacionistas e republicanas originou um movimento conspiratório em Pernambuco. Sob inspiração da Revolução Francesa, os líderes da “Insurreição Pernambucana” redigiram o esboço de uma Constituição que garantia a igualdade de direitos, a liberdade de imprensa e a tolerância religiosa. Nas missas, o vinho e o trigo foram substituídos pela cachaça e pela mandioca em uma atitude de boicote aos produtos vindos de Portugal.

Contudo, as dissenções entre os proprietários de escravos e os rebeldes que defendiam o fim da escravidão acabaram enfraquecendo o movimento. Em maio, tropas oriundas da Bahia e do Rio de Janeiro cercaram o Recife. Alguns líderes do movimento foram executados, enquanto que outros foram presos e enviados a Salvador.


A Revolução do Porto e o retorno da família real a Portugal

Em 1817, em Portugal um grupo de pessoas de formação liberal e ligadas à maçonaria, sob a liderança do general Gomes Freire de Andrade, conspirou pela expulsão dos ingleses do país, pelo fim da monarquia e pela instauração da República. Porém, a conspiração fracassou antes de ser colocada em prática porque os seus líderes foram delatados. Doze pessoas, incluindo Gomes Freire de Andrade foram executadas.

No ano seguinte, dom João foi aclamado rei como dom João VI, e sua insistência em continuar vivendo no Brasil descontentou ainda mais a população em Portugal.

Nessa mesma época, na cidade do Porto, em Portugal, um grupo de monarquistas liberais passou a defender a ideia de que o monarca deveria governar obedecendo a uma Constituição.

Em 1820, o general inglês Beresford, que governava Portugal, foi ao Rio de Janeiro exigir de dom João VI maiores poderes para conter os ânimos da população. Com a ausência de Beresford, uma guarnição do exército do Porto se aproveitou para iniciar uma rebelião, em um processo que levou a uma revolução liberal contrária ao absolutismo que ficaria conhecida como a Revolução do Porto. O movimento iniciado em agosto de 1820 espalhou-se rapidamente por várias cidades portuguesas. Em Lisboa, uma junta provisória assumiu o poder, convocou as Cortes para elaborar uma Constituição e exigiu o retorno da família real a Portugal e a restauração do monopólio comercial com o Brasil, condenando a intromissão inglesa nos negócios do Reino.

Revoltas em apoio ao movimento constitucional de Portugal ocorreram no Pará, na Bahia e em Pernambuco. Em fevereiro de 1821, dom João VI jurou fidelidade à futura Constituição, prometeu convocar eleições para a escolha de deputados representantes do Brasil nas Cortes de Lisboa e anunciou o seu retorno a Portugal, pois temia perder o trono.

No dia 26 de abril, a família real e mais quatro mil pessoas, entre nobres e funcionários, saíram do Brasil em direção a Portugal. O filho do rei, dom Pedro, permaneceu na América portuguesa como príncipe regente.


As Cortes de Lisboa

Após o embarque de dom João VI, eleições foram realizadas para escolher os representantes do Brasil nas Cortes de Lisboa. Dos 71 eleitos, a maior parte defendia a independência do Brasil em relação a Portugal, porém, apenas 56 viajaram a Lisboa, onde chegaram oito meses após o início dos trabalhos dos constituintes portugueses.

Os parlamentares oriundos da América portuguesa enfrentavam forte oposição dos parlamentares portugueses, e começaram a perceber também que medidas desfavoráveis ao Brasil já haviam sido adotadas. Tais medidas convergiam para que o Brasil fosse reduzido à sua antiga condição de colônia. Os portugueses defendiam ainda que Brasil e Portugal deveriam se submeter à autoridade das Cortes de Lisboa. Já em fins de 1821, as Cortes ordenaram que dom Pedro fosse para Portugal.


A Independência

No Brasil, pessoas com experiência administrativa estavam próximas de dom Pedro para ajudá-lo a governar. Desse grupo de pessoas, destacava-se José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-1838), que assim como outros políticos do período defendia a ideia de que o Brasil deveria se manter unido a Portugal, porém com um governo próprio e autônomo. Havia também um grupo de pessoas que defendia o rompimento com Portugal. Apesar das diferenças, as duas correntes políticas concordavam que dom Pedro deveria resistir às pressões das Cortes de Lisboa, recusando-se a ir para Portugal.

No final de 1821, José Bonifácio enviou a dom Pedro uma representação na qual pedia que o príncipe permanecesse no Brasil. No dia 29 de dezembro de 1821, um abaixo-assinado com oito mil assinaturas foi entregue a dom Pedro. O documento também pedia a permanência do filho de dom João VI no Brasil.

No dia 9 de janeiro de 1822, o príncipe anunciou sua decisão de ficar no Brasil, em um episódio que se tornou conhecido como o Dia do Fico. Dom Pedro reorganizou seu ministério, deixando-o sob a chefia de José Bonifácio.

Em fevereiro, dom Pedro nomeou o brasileiro Manuel Pedro para o cargo de governador das armas da Bahia, ato que contrariava a decisão de Lisboa, que havia optado pelo general português Madeira de Melo. Os comandados de Madeira de Melo e as forças brasileiras que queriam a independência iniciaram um conflito que se prolongaria até meados de 1823.

Em maio de 1822 o príncipe regente determinou que nenhum decreto das Cortes de Lisboa fosse cumprido sem a sua prévia aprovação. No mês de junho, ele aprovou a convocação de uma Assembleia Constituinte no Brasil.

Em setembro, despachos vindos de Lisboa desautorizavam a convocação da Assembleia Constituinte e ordenavam que dom Pedro viajasse imediatamente para Portugal. Segundo a narrativa tradicional, José Bonifácio enviou despachos ao príncipe aconselhando-o a romper com Portugal. Um mensageiro, ainda de acordo com a narrativa tradicional, teria alcançado dom Pedro nas proximidades do riacho do Ipiranga, em São Paulo, no dia 7 de setembro de 1822. Ao receber os decretos, o príncipe teria decretado ali mesmo a ruptura dos laços com Portugal.

No dia 12 de outubro, no Rio de Janeiro, dom Pedro foi aclamado imperador constitucional do Brasil.

Conflitos e derramamento de sangue ocorreram em diversas regiões do Brasil. Na Bahia, destacou-se a figura de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, que se alistou ao lado das tropas brasileiras. Naquela região, os combates só terminaram em 2 de julho de 1823.

No Maranhão, no Ceará, no Pará, na Província Cisplatina e no Piauí, portugueses que viviam nessas regiões revoltaram-se contra a independência. Para derrotar os revoltosos, dom Pedro recrutou mercenários estrangeiros, tais como o oficial francês Pedro Labatut e o almirante inglês Lord Cochrane. A vitória das tropas brasileiras impediu a fragmentação do Brasil e garantiu a unidade territorial da jovem nação.


Vídeos sobre o assunto (basta clicar nos links abaixo)*:








* Os vídeos acima foram selecionados pela estagiária Juliane Granusso.


Texto sobre a construção do 7 de setembro como marco da Independência do Brasil (basta clicar no link abaixo para fazer o download do artigo):

sábado, 9 de agosto de 2014

1808 - A Família Real Portuguesa no Brasil

A América portuguesa no início do século XIX

- Vilas e cidades no litoral e no interior em decorrência da ação de bandeirantes, mineradores, vaqueiros e tropeiros, bem como do trabalho de escravos indígenas e africanos.

- Sul: criação de gado e produção de artigos de couro.

- Capitania de São Paulo: produção agrícola e ponto de passagem de mercadorias vindas do sul para outras regiões.

- Rio de Janeiro: capital da colônia desde 1763, tinha um porto bem movimentado.

- Minas Gerais: polo agropecuário.

- Zona da Mata do Nordeste: produção de açúcar.

- Norte e partes do Nordeste: algodão, arroz, fumo, cacau, anil.


1808: a vinda da família real

Quando Napoleão Bonaparte decretou o Bloqueio Continental à Inglaterra em 1806, Portugal se viu em uma complexa situação. Se os portugueses não aderissem ao Bloqueio, teriam seu país atacado pelas tropas francesas. Todavia, se aderissem, as forças inglesas atacariam Portugal.

Neste difícil momento, Portugal tentou se manter neutro, demorando a tomar uma posição. E foi tendo em vista essa demora que Napoleão determinou a invasão de Portugal em novembro de 1807.

Governando Portugal como príncipe regente desde 1799, Dom João decidiu transferir a família real para o Brasil com a ajuda da marinha britânica. Os preparativos para a viagem foram feitos às pressas, e os nobres e familiares do príncipe carregaram tudo o que podiam: joias, obras de arte, livros, móveis, roupas, baixelas de prata, animais domésticos, alimentos, etc. A viagem teve início no dia 29 de novembro, e as estimativas são de que entre 4,5 mil e 15 mil pessoas foram para a América portuguesa em 36 navios. Além dos membros da família real, também fizeram a viagem altos funcionários, magistrados, nobres, sacerdotes, militares de alta patente, etc. A viagem não foi muito agradável para todos porque, com a lotação dos navios, muitos dormiam no convés e houve também o racionamento de água e comida.

Parte da esquadra aportou em Salvador a partir de uma decisão do próprio Dom João, que queria assegurar a fidelidade da população da cidade, na qual ocorrera a Conjuração Baiana em 1798. Posteriormente, a comitiva seguiu para o Rio de Janeiro, onde já se encontrava o restante da frota.


A abertura dos portos

Com boa parte da elite lusa agora na América portuguesa, que assim se tornava sede do Império, o desenvolvimento da colônia seria acelerado. Em 28 de janeiro de 1808, seis dias após a chegada do príncipe a Salvador, Dom João decretou a abertura dos portos brasileiros às nações amigas. Também ficou definido que produtos importados de Portugal seriam taxados em 16%, enquanto que os oriundos de outros países seriam taxados em 24%, exceção feita aos produtos ingleses, que seriam taxados em 15%.


Urbanização do Rio de Janeiro

Quando a família real chegou ao Rio de Janeiro, a cidade tinha uma população de aproximadamente 50 mil habitantes e não contava com uma infraestrutura para receber um número tão grande de pessoas. A partir disso, Dom João requisitou as melhores casas da cidade para abrigar temporariamente os fidalgos vindos de Portugal. As ruas foram pavimentadas e equipadas com iluminação pública e novos chafarizes. Prédios públicos e residenciais foram construídos. Com a abertura dos portos, artigos de luxo chegavam ao Rio de Janeiro. Pessoas da Corte e da elite local passaram a usufruir de lojas de roupas finas, joalherias e salões de cabeleireiros.


O governo joanino

Em seu governo, Dom João adotou algumas medidas importantes, entre as quais:

- Ação expansionista na política externa, com a ocupação da Guiana Francesa em 1809 e a anexação da Banda Oriental (atual Uruguai) em 1816.

Montagem de toda uma estrutura burocrática. Órgãos e repartições como o Conselho de Estado e o Erário Real foram criados e proporcionaram emprego para muitos integrantes da comitiva do príncipe regente que se encontravam sem fonte de renda. Em 1808 foram criados o Banco do Brasil, o Real Hospital Militar e o Jardim Botânico.

Autorização do funcionamento de tipografias e a publicação de jornais. A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro foi organizada com os livros trazidos da Biblioteca Real de Lisboa.

Doação de sesmarias e fornecimento de crédito para que as pessoas pudessem plantar e criar gado. A intenção com tais medidas era a de interligar a capital com outras regiões da colônia e povoar o interior. Essa política de povoamento estimulou a imigração: 45 colonos oriundos de Macau e Cantão, na China, estabeleceram-se no Rio de Janeiro em 1815, enquanto que cerca de 2 mil suíços fundaram Nova Friburgo em 1818, na província do Rio de Janeiro. Por sua vez, artistas e cientistas estrangeiros interessados em estudar a fauna e a flora do Brasil também vieram para cá, organizando expedições em províncias como Mato Grosso, Minas Gerais e Santa Catarina.


Missões artísticas e científicas

O príncipe alemão Maximilian von Wied liderou uma das primeiras expedições (também chamadas de missões) artísticas e científicas de estrangeiros no Brasil durante o início do século XIX, entre 1815 e 1817. Essa expedição deixou um importante legado botânico e linguístico, além de um grande acervo etnográfico com registros da vida de diversos povos indígenas, como os Puri, os Botocudo e os Pataxó.

O pintor francês Jean-Baptiste Debret chegou ao Rio de Janeiro em 1816 e retratou em seus quadros a vida dos escravizados e o cotidiano da cidade.

Em 1817 chegou uma importante missão de origem austríaca que tinha entre seus integrantes o zoólogo Johann von Spix e o botânico Karl von Martius. Por três anos eles percorreram mais de 20 mil quilômetros, registrando informações sobre a fauna e a flora do Brasil.

Em 1824, o cônsul da Rússia no Brasil, o barão Georg Heinrich von Langsdorff, organizou a Expedição Langsdorff que saiu do Rio de Janeiro em direção ao interior. Esse grupo desenvolveu um trabalho que é considerado um dos maiores tesouros científicos do Brasil. Fez parte dessa expedição o pintor Johann Moritz Rugendas.


E como ficou Portugal após a vinda da família real para a América portuguesa?


As tropas de Napoleão entraram em Lisboa um dia depois da fuga da família real portuguesa, e o reino de Portugal ficou sob domínio estrangeiro. Em maio de 1808, começaram a ocorrer revoltas de portugueses contra as tropas de Bonaparte em diversos pontos do território português. A guerra entre portugueses e franceses duraria até 1814, e os primeiros tiveram a ajuda do exército britânico. Nesse período marcado por conflitos e pela fome, 100 mil portugueses morreram.


MATERIAIS COMPLEMENTARES PARA ESTUDO - basta clicar nos links abaixo: