Cecília
Meireles (1901-1964) foi uma importante poetisa brasileira. Em 1953, ela lançou
a obra Romanceiro da Inconfidência, uma coletânea de poemas que aborda
a história de Minas Gerais do início do século XVII ao final do século XVIII. Entre
os vários episódios narrados pela autora por meio de versos está a Revolta de
Vila Rica, também conhecida como Revolta de Filipe
dos Santos.
Vale a pena conferir o modo como Cecília Meireles trata desta revolta
ocorrida em 1720:
ROMANCE V OU DA
DESTRUIÇÃO DE OURO PODRE
Dorme,
meu menino, dorme,
que
o mundo vai se acabar.
Vieram
cavalos de fogo:
são
do Conde de Assumar.
Pelo
Arraial e Ouro Podre,
começa
o incêndio a lavrar.
O
Conde jurou no Carmo
não
fazer mal a ninguém.
(Vede
agora pelo morro
que
palavra o Conde tem!
Casas,
muros, gente aflita
no
fogo ralando vêm!)
D.
Pedro, de uma varanda,
viu
desfazer-se o arraial.
Grande
vilania, Conde,
comestes
para teu mal.
Mas
o que aguenta as coroas
é
sempre a espada brutal.
Riqueza
grande da terra,
quantos
por ti morrerão!
(Vede
as sombras dos soldados
entre
pólvora e alcatrão!
Valha-nos
Santa Ifigênia!
-
E isto é ser povo cristão!)
Dorme,
meu menino, dorme...
Dorme
e não queiras sonhar.
Morreu
Felipe dos Santos
e,
por castigo exemplar,
Depois
de morto na forca,
Mandaram-no
esquartejar!
Cavalos
a que o prenderam,
estremeciam
de dó,
Por
arrastarem seu corpo
Ensanguentado,
no pó.
Há
multidões para os vivos:
porém
quem morre vai só.
Dentro
do tempo há mais tempo,
e,
na roca da ambição,
Vais-se
preparando a teia
dos
castigos que virão:
Há
mais forcas, mais suplícios
para
os netos da tradição.
Embaixo
e em cima da terra,
o
ouro um dia vai secar.
Toda
vez que um justo grita,
um
carrasco o vem calar.
Quem
não presta fica vivo;
quem
é bom, mandam matar.
Dorme,
meu menino, dorme...
Fogo
vai, fumaça vem...
Um
vento de cinzas negras
levou
tudo para além...
Dizem
que o Conde se ria!
Mas,
quem ri, chora também.
Quando
um dia fores grande,
e
passares por ali,
Dirás:
“Morro da Queimada,
como
foste, nunca vi;
Mas,
só de te ver agora,
ponho-me
a chorar por ti:
Por
tuas casas caídas,
pelos
teus negros quintais,
Pelos
corações queimados
em
labaredas fatais,
-
Por essa cobiça de ouro
que
ardeu nas minas gerais.”
Foi
numa noite medonha,
numa
noite sem perdão.
Dissera
o Conde: “Estais livres.”
E
deu ordem de prisão.
Isso,
Dom Pedro de Almeida,
é
o que faz qualquer vilão.
Dorme,
meu menino, dorme...
Que
fumo subiu pelo ar!
As
ruas se misturaram,
tudo
perdeu lugar.
Quem
vos deu poder tamanho,
Senhor
Conde de Assumar?
“Jurisdição para tanto
não tinha, Senhor, bem sei...”
(Vede
os pequenos tiranos
que
mandam mais do que o Rei!
Onde
a fonte do ouro corre,
apodrece
a flor da Lei!)
Dorme,
meu menino, dorme,
-
que Deus te ensine a lição
dos
que sofrem neste mundo
violência
e perseguição.
Morreu
Felipe dos Santos:
Outros,
porém, nascerão.
Não
há Conde, não há forca,
não
há coroa real
Mais
seguros que estas casas,
que
estas pedras do arraial,
deste
Arraial do Ouro Podre
que
foi de Mestre Pascoal.