Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

terça-feira, 7 de abril de 2015

A Inglaterra entre os séculos XV e XVII

Recapitulando... A Formação da Inglaterra

No início do período medieval, a Grã-Bretanha foi ocupada por anglos e saxões. Como o rei anglo-saxão Eduardo, o Confessor (1042-1066), não deixou filhos herdeiros, houve uma disputa pelo trono. Em 1066, normandos vindos do norte da atual França invadiram a ilha e, sob a liderança de Guilherme, o Conquistador (primo de Eduardo), derrotaram os anglo-saxões na Batalha de Hastings, dando início à Dinastia Normanda. Desenvolveu-se um sistema administrativo para cobrança de impostos e um forte exército foi criado. Guilherme (1066-1087) dividiu o reino em condados, os shires, controlados pela nobreza e fiscalizados por funcionários chamados sheriffs.

Em 1154, a Dinastia Plantageneta substituiu a Dinastia Normanda quando Henrique II (1154-1189) subiu ao trono. Os monarcas da Dinastia Plantageneta estabeleceram a justiça real e o Common Law, um conjunto de leis que deveria ser aplicado em todo o território.

Ricardo I, ou Ricardo Coração de Leão (1189-1199), foi o sucessor de Henrique II. Ricardo I se envolveu em guerras contra a França e participou da Terceira Cruzada, contribuindo com sua ausência para enfraquecer o poder real na Inglaterra. No reinado de João Sem-Terra (1199-1216), irmão de Ricardo, a insatisfação dos nobres com o rei atingiu o seu ponto máximo.

Guerreando contra a França, indispondo-se com o papa, elevando os impostos e tentando taxar os bens da Igreja, João Sem-Terra acabou tendo que enfrentar a revolta da nobreza, que lhe impôs a Magna Carta (1215). Segundo o documento, o monarca só poderia criar impostos ou alterar leis após a aprovação do Grande Conselho, órgão controlado por membros do clero e da nobreza.

Portanto, o processo de centralização política na Inglaterra foi retardado por meio dessa limitação ao poder real. Controlado por membros da velha ordem feudal, o Grande Conselho tinha um caráter conservador, e só aceitou a participação de burgueses em 1265.

Em decorrência da disputa de territórios no norte da Europa, como a próspera região têxtil de Flandres, a Inglaterra se envolveu na Guerra dos Cem Anos contra França. Os ingleses obtiveram vitórias iniciais importantes, mas passaram a enfrentar alguns problemas, tais como a peste negra, as rebeliões camponesas (destacando-se o levante liderado por Wat Tyler e John Ball, em 1381) e o prolongamento da guerra. Neste quadro, houve o enfraquecimento da nobreza.


Os (des)caminhos do absolutismo inglês entre os séculos XV e XVII

Com o fim da Guerra dos Cem Anos, já no século XV, começou uma disputa pela sucessão do trono inglês que afetaria ainda mais a nobreza: a Guerra das Duas Rosas (1455-1485), confronto entre as famílias York e Lancaster. Este conflito foi mais um episódio que marcou o tumultuado processo de centralização política na Inglaterra, ao lado da Magna Carta e da Guerra dos Cem Anos. A disputa do trono inglês pelas famílias York e Lancaster envolveu toda a nobreza inglesa, que ficou enfraquecida após as batalhas. A dinastia Lancaster governava a Inglaterra desde 1399, quando Ricardo II foi deposto, preso e morto após uma revolta tramada por seu primo, que assumiu o poder sob o título de Henrique IV. Com a derrota na Guerra dos Cem Anos e com a doença mental de Henrique VI, os York passaram a reivindicar o trono inglês, o que levou à Guerra das Duas Rosas, que recebeu esse nome porque enquanto o símbolo dos York era uma rosa branca, o símbolo dos Lancaster era uma rosa vermelha. O conflito entre as duas famílias fragilizou a nobreza e possibilitou a centralização política do país, afinal, uma nova família, os Tudor, acabou assumindo o poder. Henrique Tudor, apoiado pelos Lancaster, derrotou Ricardo III, da família York, na Batalha de Bosworth. O novo rei foi coroado como Henrique VII (1485-1509) e pacificou os York e os Lancaster, uma vez que tinha laços com as duas famílias (o monarca era Lancaster por parte de mãe e casado com Elizabeth/Isabel de York). Henrique VII submeteu os nobres ao seu controle, concentrando poderes em suas mãos. Durante o seu governo, a Inglaterra desenvolveu-se economicamente, com a burguesia adquirindo terras e prosperando. Henrique VII estimulou o comércio, a marinha mercante, a construção de portos e transformou a nação em uma potência.

Todavia, seria o seu sucessor, Henrique VIII (1509-1547), que daria uma forma mais bem acabada ao absolutismo inglês. Henrique VIII casou-se com a viúva de seu irmão, Catarina de Aragão, para manter uma aliança com a Espanha, mas o primeiro-ministro Wolsey preferia uma aliança com a França. Paralelamente a isso, o rei estava descontente com sua esposa, pois ela não havia gerado um herdeiro masculino, o que provavelmente provocaria problemas de sucessão. Henrique VIII pediu ao papa Clemente VII para anular seu casamento com Catarina, de modo que pudesse se casar com a inglesa Ana Bolena. Todavia, o pedido do rei foi negado, uma vez que a Igreja Católica era aliada da Espanha. O rei submeteu o Parlamento e decretou o Ato de Supremacia em 1534, transformando o anglicanismo na doutrina religiosa oficial da Inglaterra. Semelhante ao catolicismo na forma, mas com conteúdo calvinista, a religião anglicana agradava à burguesia. Como chefe da Igreja Anglicana, o rei confiscou os bens da Igreja Católica, o que reforçava a sua autoridade e seu poder econômico. O rei teve uma filha com Ana Bolena, Elizabeth. Todavia, para se casar com Jane Seymour, Henrique VIII acusou Ana Bolena de adultério e ordenou que ela fosse decapitada. Jane Seymour, a nova esposa do rei, deu à luz um menino, Eduardo. Henrique VIII casou-se outras três vezes e, após sua morte, seu filho foi coroado como Eduardo VI, que morreu após cinco anos de reinado. Sua sucessora foi Maria, filha de Catarina de Aragão.

Durante o curto governo de Maria I (1553-1558), o catolicismo foi restaurado na Inglaterra, ocorrendo violentas perseguições aos protestantes. Todavia, o anglicanismo voltou a ser oficializado no reinado de Elizabeth I (1558-1603), filha de Henrique VIII e Ana Bolena, quando a Inglaterra adotou uma política mercantilista bastante agressiva, com a construção de uma poderosa frota, a exploração de colônias na América e a criação de manufaturas e companhias de comércio. Elizabeth I também criou uma rede de espionagem e decidiu convocar o Parlamento apenas em casos excepcionais, medidas que reforçavam o absolutismo.

Neste cenário, o aumento da presença inglesa nos mares e na América deu início a um clima de rivalidade entre Inglaterra e Espanha. Os ingleses atacavam as colônias espanholas e saqueavam os navios da Espanha em ações que tinham o apoio da rainha Elizabeth I (a Coroa ficava com uma parte do lucro obtido por meio da pirataria praticada pelos ingleses). O monarca espanhol Filipe II tentou invadir a Inglaterra usando a sua poderosa marinha, conhecida na época como a Invencível Armada. Contudo, a marinha inglesa venceu a frota de Filipe II em 1588. A rainha Elizabeth I morreu em 1603 sem deixar herdeiros, o que fez com que Jaime I (1603-1625), seu primo, assumisse o trono e iniciasse a dinastia Stuart.

Como o novo rei tinha origens escocesas, ele acabou unificando os dois reinos. Governando de maneira despótica e defendendo a ideia do direito divino dos reis, Jaime I perseguiu os puritanos (calvinistas), fazendo com que muitos deles decidissem migrar para a América do Norte. Foi nesse período que se intensificou o processo dos cercamentos, quando propriedades rurais que produziam vários itens passaram a se especializar na produção de um único produto voltado para comercialização no mercado. De maneira geral, ganhou espaço a criação de ovelhas, atividade que possibilitava a produção de lã, matéria-prima para as manufaturas têxteis. Um proprietário único passava a explorar assim determinada área em proveito próprio, empregando reduzida mão-de-obra. O resultado desse processo foi o êxodo rural, pois muitos camponeses que não tinham mais lugar no campo passaram a migrar para as cidades.

A partir dos cercamentos, boa parte da aristocracia se “aburguesou”, sobrepondo-se ao rei. Vale lembrar que as bases legais do absolutismo inglês eram bastante frágeis, uma vez que a Magna Carta limitava o poder real, dando um considerável espaço para as elites inglesas do Parlamento atuarem politicamente. No intuito de reverter essa situação, os Stuart decidiram enfrentar os poderes estabelecidos acentuando os aspectos católicos do anglicanismo. Foi nesse quadro que, defendendo os aspectos calvinistas da doutrina anglicana, burgueses começaram a questionar o poder real, formando o grupo dos puritanos. Jaime I chegou a pedir uma pensão vitalícia, mas o Parlamento se negou a atender o desejo do rei. O monarca acabou dissolvendo o Parlamento, que seria convocado só dez anos depois. O poder de Jaime I começou a sofrer séria oposição quando, para manter um exército fiel e uma corte luxuosa, o rei restaurou antigos impostos e implantou uma série de monopólios, medidas que desagradaram tanto as camadas mais pobres da sociedade quanto a burguesia. As críticas ao seu governo aumentaram ainda mais quando Jaime I tentou se reaproximar da Espanha, vista como inimiga pelos ingleses.

Os conflitos políticos e religiosos tornaram-se cada vez mais intensos. É preciso dizer que na Inglaterra havia uma variedade notável de doutrinas religiosas. Os puritanos se dividiam em presbiterianos – religiosos dirigidos por pastores e presbíteros (leigos idosos) – e puritanos independentes – pessoas que desejavam mais liberdade e menos controle nas organizações religiosas, defendendo a ideia de que os próprios fiéis deveriam assumir as funções de pastores e pregadores da palavra divina. O anglicanismo era aceito pela maioria dos pares, da alta nobreza e do clero, embora houvesse ainda aristocratas católicos. Boa parte dos comerciantes e nobres dedicados à produção de lã era formada por presbiterianos. Já o puritanismo independente era comum entre certos comerciantes e setores burgueses, bem como entre pequenos e médios proprietários rurais, trabalhadores assalariados, artesãos e camponeses. Havia ainda católicos e anglicanos em vários desses grupos sociais.

Após a morte de Jaime I, subiu ao trono o seu filho Carlos I (1625-1649). Mesmo sem a aprovação do Parlamento, o novo rei criou taxas alfandegárias para sustentar a família real, impôs aos proprietários um empréstimo forçado à Coroa e perseguiu os seus opositores. Em 1640, a Escócia calvinista rebelou-se contra a Inglaterra anglicana. Para combater os escoceses, era preciso que o rei inglês Carlos I aumentasse os impostos para conseguir montar um exército. No intuito de realizar tal empreitada, o rei convocou o Parlamento, mas este impôs condições para atender ao pedido real. O Parlamento exigiu alguns direitos, tais como ser consultado sobre questões tributárias, sobre a questão religiosa e sobre questões atinentes ao julgamento pelo júri. Carlos I não aceitou as exigências e ordenou o fechamento do Parlamento. As tropas do monarca inglês foram derrotadas pelo exército escocês, o que intensificou a crise política. Carlos I chegou a convocar novamente o Parlamento, mas este órgão acabou retomando seu antigo papel na estrutura do Estado inglês, revogando tributos estabelecidos pelo rei sem a sua aprovação e tornando automática a sua convocação independentemente da vontade do monarca. Em 1641, a Irlanda católica rebelou-se contra a Inglaterra, o que levava à necessidade de os ingleses formarem um exército. Para que o rei não controlasse esse exército, o Parlamento decidiu controlar as tropas militares.

Em 1642, começou uma violenta guerra civil na Inglaterra que colocou de um lado os cavaleiros (ou realistas) – nobres fiéis ao rei, bispos da Igreja Anglicana e alguns grandes burgueses –, que eram chamados assim em uma referência aos caballeros espanhóis que lutaram contra os protestantes durante os séculos XVI e XVII, e do outro os cabeças redondas – partidários do Parlamento, foco da reação burguesa e puritana contra a monarquia absolutista. Muitos dos cabeças redondas eram artesãos aprendizes que estiveram entre os primeiros voluntários do exército parlamentar, e receberam esse nome porque usavam os cabelos bem curtos, o que revelava a forma redonda da cabeça. Católicos e anglicanos ficaram do lado rei, enquanto os puritanos apoiaram o Parlamento. O exército parlamentar era basicamente formado por voluntários motivados por convicções políticas e religiosas. Ademais, no exército parlamentar havia uma valorização do mérito militar e os soldados sempre discutiam livremente as questões polêmicas que surgiam, ou seja, eles sabiam realmente por qual motivo estavam lutando. O puritano Oliver Cromwell, membro da Câmara dos Comuns que zelava pela religião protestante, liderou habilmente as tropas do Parlamento, vencendo as forças leais a Carlos I.

Após a vitória sobre as forças do rei, os puritanos se dividiram, pois os presbiterianos, que controlavam o Parlamento e temiam a radicalização da revolução, tentavam negociar com o rei, enquanto os puritanos independentes, que comandavam o exército, aproximavam-se cada vez mais de setores radicais da revolução. Havia uma instabilidade política interna por causa do descontentamento da população pobre, artesãos e jornaleiros. Liderados por John Lilburne, o Nivelador, esses grupos reivindicavam a redistribuição da propriedade, o sufrágio universal masculino e a abolição das elites intelectuais e religiosas que apoiavam os interesses dos grupos dominantes. Por sua vez, os diggers – cavadores – criticavam o controle dos proprietários sobre os trabalhadores rurais, algo que era visível nas taxas pagas pelo uso da terra e nos despejos que os trabalhadores rurais sofriam muitas vezes sem aviso prévio. Os diggers defendiam o direito dos trabalhadores rurais de cultivar a terra por conta própria. Havia um temor por parte dos presbiterianos de que esses grupos mais radicais assumissem o poder, por isso os presbiterianos planejavam recolocar Carlos I no trono. Com o tempo, tanto os niveladores quanto os diggers foram duramente reprimidos. O exército impediu o plano dos presbiterianos, não permitindo o retorno de Carlos I ao poder.

Destituído de seu posto, o rei foi condenado à morte por decapitação em 1649. Cromwell assumiu o poder e proclamou a República – chamada de Commonwealth –, passando a governar com poderes ditatoriais garantidos pelo exército. O novo governante chegou a dissolver o Parlamento, de maioria presbiteriana, em 1653, levando à dispersão dos seus membros que faziam oposição ao centralismo de Cromwell. O ditador recebeu o título vitalício de Lorde Protetor da Inglaterra, Irlanda e Escócia, mas recusou a coroa do rei quando esta lhe foi ofertada por alguns partidários. Privilégios feudais foram abolidos e ampliou-se o capital em circulação (especialmente por meio de joias, peças de ouro e bens de valor usados para custear os exércitos que se enfrentaram durante a guerra civil), o que estimulou o comércio e a produção artesanal. No intuito de atender os interesses mercantis da burguesia, Cromwell decretou os Atos de Navegação em 1651, leis que protegiam os comerciantes ingleses e estimulavam a construção naval. O objetivo dos Atos era enfrentar a poderosa concorrência holandesa, uma vez que a Holanda tinha uma grande frota mercante e transportava produtos em todo o mundo. Ficava estabelecido que as mercadorias só poderiam entrar na Inglaterra ou nas colônias inglesas se fossem transportadas por navios ingleses ou por navios de seus próprios países de origem. De caráter mercantilista, os Atos procuravam garantir o monopólio comercial, fato que gerou uma guerra entre Inglaterra e Holanda entre 1652 e 1654, conflito vencido pelos ingleses.

Cromwell morreu em 1658, o que acentuou a instabilidade na Inglaterra, pois o seu filho, Richard Cromwell, não conseguiu conter a reação monárquica e antipuritana. A monarquia Stuart acabou sendo restaurada, com Carlos II – filho de Carlos I – assumindo o poder. Carlos II preferiu não restaurar o absolutismo radicalmente, mas também trabalhou no sentido de limitar de alguma maneira a atuação dos parlamentares. Em decorrência de seu ódio a Cromwell, o rei ordenou que o cadáver do ditador fosse desenterrado, enforcado e tivesse a cabeça exibida sobre um poste, na entrada do Parlamento. Carlos II governou entre 1660 e 1685. Como o rei não tinha filhos legítimos, seu sucessor deveria ser o seu irmão Jaime, um católico fervoroso. Durante anos houve um debate no âmbito do Estado protestante inglês sobre a possibilidade de a Inglaterra ter um rei católico. No Parlamento formaram-se dois grupos: os liberais whigs, que queriam excluir Jaime da linha de sucessão, e os conservadores tories, que aceitavam o direito de Jaime assumir o trono.

Carlos II morreu em 1685 e foi sucedido pelo seu irmão, Jaime II, que assumiu o poder com o intuito de submeter o Parlamento e os governos locais, mas acabou ficando isolado por causa de seu catolicismo. De fato, Jaime II não agradava nem a Igreja Anglicana e muito menos as forças políticas que se rebelaram contra o seu pai, Carlos I. Ademais, o absolutismo era visto pelas elites dominantes como uma ameaça à paz, por causa da possibilidade de ocorrer uma nova guerra civil puritana, que poderia provocar prejuízos econômicos ao país. A situação de Jaime II ficou ainda mais delicada quando, em 1688, nasceu Jaime Francisco Stuart, filho legítimo do rei, pois a perspectiva de uma dinastia católica reinando na Inglaterra não agradava diversos atores sociais. Começou a se articular, então, uma conspiração por parte dos anglicanos e dos inimigos do absolutismo. Em 1688, sem derramamento de sangue, a Revolução Gloriosa afastou Jaime II do poder e colocou em seu lugar um novo monarca, o protestante Guilherme de Orange, holandês de origem e casado com a filha mais velha do rei deposto. Coroado como Guilherme III, o novo rei assinou a Declaração de DireitosBill of Rights –, por meio da qual abdicava, em seu nome e de seus sucessores, de tentar submeter o Parlamento. Jaime II exilou-se na França.

Ficavam garantidos os fundamentos da monarquia constitucional inglesa, a autonomia do judiciário, a liberdade de imprensa e a proteção à propriedade particular. A nova situação agradou a burguesia. Também ficou estabelecido que o Parlamento deveria aprovar novas taxações e que haveria liberdade religiosa a todos os protestantes, medida esta que foi definida pelo Ato de Tolerância. A partir da Revolução Gloriosa, a Inglaterra passou a ter um governo comprometido com o enriquecimento da classe dos homens de negócios, fato que nos ajuda a entender o desenvolvimento econômico inglês que ocorreria nos 200 anos seguintes.


Para pensar... O Absolutismo Inglês e o Teatro de Shakespeare

Leia abaixo um pequeno texto de autoria de Leandro Karnal, onde o autor analisa alguns aspectos do absolutismo inglês, a presença da "modernidade política" desenvolvida pelos ingleses nas peças de William Shakespeare e as relações entre a conjuntura inglesa do século XVII e o início da colonização inglesa da América do Norte:

"Já no século XV, a Inglaterra enfrentava o mais longo conflito da história: a Guerra dos Cem anos (1337-1453). Lutando contra um inimigo comum, os ingleses começam a pensar no que os unia, no que era ser inglês. Porém, mal terminada a Guerra dos Cem anos, a ilha é envolvida numa violenta guerra civil: a Guerra das Duas Rosas (1455-1485). A família York (que usava uma rosa branca como símbolo) e a família Lancaster (que usava uma rosa vermelha) submergiram o país em mais três décadas de violência.

Qual a importância das duas guerras para a Inglaterra? A luta contra a França estimulou certa unidade na ilha, reforçando o chamado “esplêndido isolamento”, como os ingleses denominaram seu relativo afastamento do continente. A sucessão de guerras colabora também para enfraquecer a nobreza e suscitar no país o desejo de um poder centralizado e pacificador. A dinastia Tudor (1485-1603), que surge desse processo, torna-se, de fato, a primeira dinastia absolutista na Inglaterra.

A família Tudor no governo seria responsável pela afirmação do poder real inglês em escala inédita. Um país cansado de guerras ofereceu-se à ação dos Tudor sem grandes resistências. A expressão “país cansado” pode dar a ideia de que a Nação seja um indivíduo. Quem é “o país”? Nesse momento, é importante destacar que as guerras atrapalhavam as atividades produtivas e comerciais. Logo, uma das partes do “país” que estava mais cansada era constituída por burgueses que, em sua maioria, queriam um poder forte e centralizado. A outra parte do “país”, que poderia oferecer resistência – os nobres –, tinha sido duramente atingida pelas guerras.

O poder dos Tudor aumentou ainda mais com a reforma religiosa (século XVI). Usando como justificativa sua intenção de divórcio, o rei Henrique VIII rompeu com o papa e fundou o anglicanismo, tornando-se chefe da igreja na Inglaterra e confiscando as terras da igreja Católica.

Os dois maiores limites ao poder real eram os nobres e a igreja Católica. Graças à Reforma e à fraqueza da nobreza inglesa, esses limites foram eliminados ou diminuídos durante a dinastia Tudor.

Se o inimigo francês fora a realidade do fim da Idade Média, na Moderna ele seria substituído pelo “perigo espanhol”, ou seja, o risco de a Espanha invadir a Inglaterra. Esse risco foi bastante alto (ao menos até a derrota da Invencível Armada da Espanha, em 1588). Um inimigo forte e agressivo no exterior refreia críticas internas. Atacar o rei, condutor da nação, diante do risco nacional permanente, parecia uma traição.

No século XVI, o nacionalismo na Inglaterra fortaleceu-se. O que significa isto: mesmo com todas as diferenças, cada inglês olha para o outro e sente que há pontos em comum, coisas que os diferenciam dos franceses e espanhóis, formando laços de união entre eles.

Os ingleses estavam desenvolvendo a “modernidade política”. Mas no que ela consistia? Basicamente, seria uma ação política independente da teologia e da moral. Em outras palavras, a ação dos príncipes modernos não procura levar em conta se o que fazem é moralmente correto. Os príncipes modernos agem porque tal ação é eficaz para atingir seus objetivos, dentre os quais o maior é conseguir o poder absoluto. Na história política da Inglaterra, entre o final da Idade Média e o início da Moderna, esse tipo de príncipe foi comum. Eram príncipes reais, concretos, sem fumos divinos ao redor do trono.

Essa memória política pôde servir de base para personagens de Shakespeare como Macbeth e Ricardo III. Mesmo ambientando suas cenas na Escócia medieval ou na Inglaterra do século anterior ao seu, Shakespeare remete à memória política dos ingleses, marcada pela astúcia, violência e, acima de tudo, por um apego à realidade.

Macbeth faz de tudo para conseguir o trono da Escócia. Mata, trai e personifica um tipo particular de política não muito distante daquele a que os ingleses haviam assistido no princípio da Idade Moderna. A fala das feiticeiras da peça Macbeth mostra que esse é um mundo em que os valores estão em transformação: “O belo é feio e o feio é belo”. Da guerra nasce uma relatividade nos valores tradicionais, uma das características do moderno. O que valia até aqui pode não valer mais, é isso que as feiticeiras dizem aos ingleses que assistem a sua fala.

Ricardo III segue os passos de Macbeth. Que outra figura a literatura terá criado com tamanha maldade e falta de escrúpulos? Ele é capaz de matar crianças e supostos amigos; feio, disforme, repugnante de corpo e alma. Ricardo, duque de Glócester, nos obriga a rever o conceito de maldade. Não obstante, Shakespeare o faz personagem central de uma peça.

No final de Ricardo III, Shakespeare anuncia o fim da guerra civil e o advento da paz com o início do governo Tudor. Era preciso descrever como era terrível o rei que antecedeu a dinastia para a qual o poeta trabalhava. Mesmo querendo realçar a ruptura entre Ricardo III e Henrique VII, Shakespeare acaba nos mostrando quanto a Inglaterra é fruto também de modernidade política, seja ela York, Lancaster ou Tudor. O dramaturgo distancia-se o suficiente do poder para analisá-lo, e este, bem ou mal exercido, torna-se um conceito. É possível, então, jogar com ele, distanciar-se, relativizar. Apesar do proverbial amor shakesperiano à ordem e a poderes absolutos e sua repulsa figadal a agitações populares, o bardo instalou uma modernidade extraordinária. Veja-se essa notável modernidade moral quando o vilão Iago (Otelo, o Mouro de Veneza – Ato I, cena III) rejeita qualquer traço externo a suas escolhas pessoais e proclama o primado absoluto da sua vontade individual:

Só de nós mesmos depende ser de uma maneira ou de outra. Nossos corpos são jardins e nossa vontade é o jardineiro. De modo que, se quisermos plantar urtigas ou semear alfaces, criar flores ou arrancar ervas, guarnecê-lo com um só gênero de plantas ou dividi-lo em muitos para torná-lo estéril por meio do ócio, ou fértil à força da indústria, muito bem!; o poder, a autoridade corretiva disto tudo residem em nossa vontade. Se a balança de nossas existências não tivesse o prato da razão como contrapeso à sensualidade, o sangue e a baixeza de nossa natureza nos conduziriam às mais desagradáveis consequências. Mas possuímos a razão para esfriar nossas furiosas paixões, nossos impulsos carnais, nossos desejos desenfreados.

O homem é livre. Não existe sina, estrela ou destino. Em vez da política dinástica e da crença na legitimidade do poder real, a Inglaterra entra na Idade Moderna tendo convivido com a relatividade desses valores. Mas a Inglaterra também passa a conviver com outra questão moderna: a diversidade religiosa.

Henrique VIII casara-se seis vezes. Ao casar-se pela segunda vez, rompera com a Igreja de Roma, tornando-se chefe da Igreja inglesa: a Igreja Anglicana. Ao morrer, deixa como herdeiro seu filho Eduardo VI, de tendências calvinistas. O curto reinado de Eduardo VI é seguido pelo de Maria I, alcunhada de “sanguinária” pelos ingleses. Maria recebeu esse apelido ao reprimir com grande violência os protestantes e tentar reinstalar o catolicismo na Inglaterra, chegando mesmo a casar-se com o rei Filipe II da Espanha, tradicional inimigo. Ao morrer sem deixar herdeiros, Maria abre o caminho do poder para sua meio-irmã, Elizabeth I, que por quase cinquenta anos afirmou o anglicanismo como religião da Inglaterra.

Difícil imaginar a importância da religião no século XVI. Romper com Roma, negar a autoridade do papa, sucessor de São Pedro e figura que por muitos séculos os ingleses respeitaram, representa muito mais do que uma ruptura política. Os ingleses e o rei, ao fundarem uma nova Igreja, criaram também uma nova visão de mundo. O rei desejou casar-se novamente, o papa não autorizou, o rei casou-se mesmo assim. Apesar de todas as justificativas bíblicas que Henrique VIII usou, o que ele fez foi afirmar a supremacia de sua vontade individual sobre a tradição. Em outras palavras, Henrique VIII usa sua liberdade contra a tradição, quebra o que “sempre foi” e torna válido um ato de rebeldia.

Por meio século, os ingleses conviveram com súbitas mudanças de orientação nas diretrizes religiosas do país. Ao contrário de uma Espanha que se unificava em torno do catolicismo, expulsando judeus e muçulmanos e perseguindo as vozes discordantes, a Inglaterra conheceu a relatividade religiosa.

No século XVII, quando se iniciou a dinastia Stuart, a ilha estava fragmentada em inúmeras denominações protestantes, vários focos de resistência católicos e a Igreja Anglicana oficial.

O SÉCULO XVII E OS STUART

A Inglaterra estava em transformação. Primeiramente quanto à população: havia 2,2 milhões de ingleses em 1525 e esse número passaria a 4,1 milhões em 1601. A revolução agrícola e o progresso das manufaturas fizeram da era Tudor um momento de prosperidade.

No século XVII, intensifica-se o processo de cercamentos (enclosures) que tinham se iniciado no final da Idade Média. As velhas terras comuns e os campos abertos, indispensáveis à sobrevivência dos camponeses, estavam sendo cercados e vendidos pelos proprietários, principalmente em função do progresso de criação de ovelhas. O capitalismo avançava sobre o campo e o desenvolvimento da propriedade privada excluía muitos trabalhadores. Para diversos camponeses, o fim das terras comuns foi também o fim da vida no campo.

O êxodo rural cresce consideravelmente. As cidades inglesas aumentam e o número de pobres nelas é grande. É dessa massa de pobres que sairá grande parte do contingente que emigra para a América em busca de melhores condições.

Esse processo de cercamentos e de êxodo rural foi analisado por Karl Marx, que destaca as grandes transformações decorrentes dele. O rápido crescimento econômico e as mudanças súbitas de valores criam uma época em que, segundo Marx, “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. As cidades se transformam. Não há verdades absolutas. O mundo tradicional fica diluído inclusive com a ascensão de novos grupos sociais, como a burguesia e a pequena nobreza inglesa.

A política inglesa do século XVII convive com o espírito de Macbeth – a “política moderna” – anteriormente explicada: os jogos de poder e a luta pelo mundo. A dinastia Stuart, ao tentar governar sem a rédea do Parlamento, entra em colisão com uma parte da sociedade da ilha. Estoura a Guerra Civil e a revolução Puritana. O novo líder da Inglaterra, Cromwell, manda matar Carlos I. O regicídio tinha sido comum nas conspirações da história da Inglaterra, porém, pela primeira vez um rei era morto após um julgamento, como os franceses fariam no século seguinte com Luís XVI. Ao matarem Carlos I, os ingleses estavam declarando: os reis devem servir à nação e não o contrário. Os juízes, em 1649, declararam que Carlos I era “tirano, traidor, assassino e inimigo público”. Como disse o historiador Christopher Hill, a ilha da Grã-Bretanha tinha virado a “ilha da Grã-loucura”. A necessidade concreta de grupos particulares pode vencer tradição e leis. Isso é importante para reforçar o que já tratamos várias vezes: o conceito de modernidade política.

Moderna novamente, a Inglaterra torna-se sede da primeira e efetiva revolução burguesa da Europa (por levar os burgueses ao controle do poder político), que, mais tarde, formularia a Declaração de Direitos, estabelecendo novas bases para a política. Era a Revolução Gloriosa, que depôs mais um Stuart em 1688. No mesmo ano, a França vivia o apogeu do absolutismo sob o governo de Luís XIV, os portugueses eram dominados pela dinastia de Bragança e os espanhóis continuavam sob o poder dos Habsburgo.

Os choques constantes entre rei e burguesia, entre a religião oficial e grupos reformados, bem como choques entre grupos mais democráticos e populares contra grupos burgueses — tudo isso colabora para tornar o século XVII um momento conturbado na história da Inglaterra e ajuda a explicar o pouco controle inglês sobre suas colônias.

Outro fator tornava as vidas inglesa e europeia bastante difíceis nos séculos XVI e XVII: a alta de preços. A inflação dos produtos de primeira necessidade estava associada à abundância de ouro e prata que jorrava da Espanha pelo continente. Os metais retirados da América empurravam os preços para cima e, como costuma acontecer, atingiam a classe baixa de forma particularmente violenta. As perturbações sociais nesses séculos são constantes. A fome e a peste, filhas da inflação e do aumento populacional, varrem a Europa.

Essa situação da Inglaterra explica a inexistência de um projeto colonial sistemático para a América e a própria “ausência” da metrópole no século XVII. Há a falta de um referencial uniforme que norteie a colonização.

As perseguições religiosas que marcaram o período também estimularam muitos grupos minoritários, como os quakers, a se refugiarem na América. O aumento da pobreza nas cidades favorece grupos sem posses a ver na América a oportunidade de melhorarem sua vida e serem livres.

Os ingleses que vêm para a América trazem uma tradição cultural diversa da espanhola ou portuguesa. Os colonos ingleses, por exemplo, convivem com mais religiões. O senso do relativo que a história inglesa ajudara a formar estabeleceria uma possibilidade de opção bem maior, uma visão de mundo mais diversificada para nortear as escolhas de vida feitas na nova terra.

O Estado e a Igreja oficial, na verdade, não acompanharam os colonos ingleses. Aqui eles teriam de construir muita coisa nova, inclusive a memória. No entanto, uma nova memória só foi possível graças às transformações que a própria história inglesa havia sofrido desde o final da Idade Média e a consequente criação de novos referenciais culturais. O fantasma de Macbeth acompanhou os colonos. Suficientemente fluido para permitir a criatividade. Suficientemente nítido para resistir à travessia do Atlântico."

(KARNAL, Leandro. O modelo original: a Inglaterra. In: Karnal, Leandro; PURDY, Sean; FERNANDES, Luiz Estevam; MORAIS, Marcus Vinícius de. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed. 1. reimpr. São Paulo: Contexto, 2013, p. 31-37.)