Recapitulando... A Formação
da Inglaterra
No
início do período medieval, a Grã-Bretanha foi ocupada por anglos e saxões.
Como o rei anglo-saxão Eduardo, o
Confessor (1042-1066), não deixou filhos herdeiros, houve uma disputa pelo
trono. Em 1066, normandos vindos do norte da atual França invadiram a ilha e,
sob a liderança de Guilherme, o
Conquistador (primo de Eduardo), derrotaram os anglo-saxões na Batalha de Hastings, dando início à
Dinastia Normanda. Desenvolveu-se um sistema administrativo para cobrança de
impostos e um forte exército foi criado. Guilherme (1066-1087) dividiu o reino
em condados, os shires, controlados
pela nobreza e fiscalizados por funcionários chamados sheriffs.
Em
1154, a Dinastia Plantageneta substituiu a Dinastia Normanda quando Henrique II (1154-1189) subiu ao trono.
Os monarcas da Dinastia Plantageneta estabeleceram a justiça real e o Common Law, um conjunto de leis que
deveria ser aplicado em todo o território.
Ricardo I, ou
Ricardo Coração de Leão (1189-1199), foi o sucessor de Henrique II. Ricardo I
se envolveu em guerras contra a França e participou da Terceira Cruzada,
contribuindo com sua ausência para enfraquecer o poder real na Inglaterra. No
reinado de João Sem-Terra
(1199-1216), irmão de Ricardo, a insatisfação dos nobres com o rei atingiu o
seu ponto máximo.
Guerreando
contra a França, indispondo-se com o papa, elevando os impostos e tentando
taxar os bens da Igreja, João Sem-Terra acabou tendo que enfrentar a revolta da
nobreza, que lhe impôs a Magna Carta
(1215). Segundo o documento, o monarca só poderia criar impostos ou alterar
leis após a aprovação do Grande Conselho,
órgão controlado por membros do clero e da nobreza.
Portanto,
o processo de centralização política na Inglaterra foi retardado por meio dessa
limitação ao poder real. Controlado por membros da velha ordem feudal, o Grande
Conselho tinha um caráter conservador, e só aceitou a participação de burgueses
em 1265.
Em
decorrência da disputa de territórios no norte da Europa, como a próspera
região têxtil de Flandres, a Inglaterra se envolveu na Guerra dos Cem Anos contra França. Os ingleses obtiveram vitórias
iniciais importantes, mas passaram a enfrentar alguns problemas, tais como a
peste negra, as rebeliões camponesas (destacando-se o levante liderado por Wat
Tyler e John Ball, em 1381) e o prolongamento da guerra. Neste quadro, houve o
enfraquecimento da nobreza.
Os (des)caminhos do
absolutismo inglês entre os séculos XV e XVII
Com
o fim da Guerra dos Cem Anos, já no século XV, começou uma disputa pela
sucessão do trono inglês que afetaria ainda mais a nobreza: a Guerra das Duas Rosas (1455-1485),
confronto entre as famílias York e Lancaster. Este conflito foi mais um
episódio que marcou o tumultuado processo de centralização política na
Inglaterra, ao lado da Magna Carta e da Guerra dos Cem Anos. A disputa do trono
inglês pelas famílias York e Lancaster envolveu toda a nobreza inglesa, que
ficou enfraquecida após as batalhas. A dinastia Lancaster governava a
Inglaterra desde 1399, quando Ricardo II
foi deposto, preso e morto após uma revolta tramada por seu primo, que assumiu
o poder sob o título de Henrique IV.
Com a derrota na Guerra dos Cem Anos e com a doença mental de Henrique VI, os York passaram a
reivindicar o trono inglês, o que levou à Guerra das Duas Rosas, que recebeu
esse nome porque enquanto o símbolo dos York era uma rosa branca, o símbolo dos
Lancaster era uma rosa vermelha. O conflito entre as duas famílias fragilizou a
nobreza e possibilitou a centralização política do país, afinal, uma nova
família, os Tudor, acabou assumindo o poder. Henrique Tudor, apoiado pelos Lancaster, derrotou Ricardo III, da família
York, na Batalha de Bosworth. O novo
rei foi coroado como Henrique VII (1485-1509) e pacificou os York e os
Lancaster, uma vez que tinha laços com as duas famílias (o monarca era
Lancaster por parte de mãe e casado com Elizabeth/Isabel de York). Henrique VII
submeteu os nobres ao seu controle, concentrando poderes em suas mãos. Durante
o seu governo, a Inglaterra desenvolveu-se economicamente, com a burguesia
adquirindo terras e prosperando. Henrique VII estimulou o comércio, a marinha
mercante, a construção de portos e transformou a nação em uma potência.
Todavia,
seria o seu sucessor, Henrique VIII
(1509-1547), que daria uma forma mais bem acabada ao absolutismo inglês. Henrique
VIII casou-se com a viúva de seu irmão, Catarina de Aragão, para manter uma
aliança com a Espanha, mas o primeiro-ministro Wolsey preferia uma aliança com
a França. Paralelamente a isso, o rei estava descontente com sua esposa, pois
ela não havia gerado um herdeiro masculino, o que provavelmente provocaria
problemas de sucessão. Henrique VIII pediu ao papa Clemente VII para anular seu
casamento com Catarina, de modo que pudesse se casar com a inglesa Ana Bolena.
Todavia, o pedido do rei foi negado, uma vez que a Igreja Católica era aliada
da Espanha. O rei submeteu o Parlamento e decretou o Ato de Supremacia em 1534, transformando o anglicanismo na doutrina religiosa oficial da Inglaterra. Semelhante
ao catolicismo na forma, mas com conteúdo calvinista, a religião anglicana
agradava à burguesia. Como chefe da Igreja Anglicana, o rei confiscou os bens
da Igreja Católica, o que reforçava a sua autoridade e seu poder econômico. O
rei teve uma filha com Ana Bolena, Elizabeth. Todavia, para se casar com Jane
Seymour, Henrique VIII acusou Ana Bolena de adultério e ordenou que ela fosse
decapitada. Jane Seymour, a nova esposa do rei, deu à luz um menino, Eduardo.
Henrique VIII casou-se outras três vezes e, após sua morte, seu filho foi
coroado como Eduardo VI, que morreu
após cinco anos de reinado. Sua sucessora foi Maria, filha de Catarina de
Aragão.
Durante
o curto governo de Maria I
(1553-1558), o catolicismo foi restaurado na Inglaterra, ocorrendo violentas
perseguições aos protestantes. Todavia, o anglicanismo voltou a ser
oficializado no reinado de Elizabeth I
(1558-1603), filha de Henrique VIII e Ana Bolena, quando a Inglaterra adotou
uma política mercantilista bastante agressiva, com a construção de uma poderosa
frota, a exploração de colônias na América e a criação de manufaturas e companhias
de comércio. Elizabeth I também criou uma rede de espionagem e decidiu convocar
o Parlamento apenas em casos excepcionais, medidas que reforçavam o absolutismo.
Neste
cenário, o aumento da presença inglesa nos mares e na América deu início a um
clima de rivalidade entre Inglaterra e Espanha. Os ingleses atacavam as
colônias espanholas e saqueavam os navios da Espanha em ações que tinham o
apoio da rainha Elizabeth I (a Coroa ficava com uma parte do lucro obtido por
meio da pirataria praticada pelos ingleses). O monarca espanhol Filipe II
tentou invadir a Inglaterra usando a sua poderosa marinha, conhecida na época
como a Invencível Armada. Contudo, a
marinha inglesa venceu a frota de Filipe II em 1588. A rainha Elizabeth I
morreu em 1603 sem deixar herdeiros, o que fez com que Jaime I (1603-1625), seu primo, assumisse o trono e iniciasse a dinastia Stuart.
Como
o novo rei tinha origens escocesas, ele acabou unificando os dois reinos. Governando
de maneira despótica e defendendo a ideia do direito divino dos reis, Jaime I
perseguiu os puritanos (calvinistas), fazendo com que muitos deles decidissem
migrar para a América do Norte. Foi nesse período que se intensificou o
processo dos cercamentos, quando propriedades
rurais que produziam vários itens passaram a se especializar na produção de um
único produto voltado para comercialização no mercado. De maneira geral, ganhou
espaço a criação de ovelhas, atividade que possibilitava a produção de lã,
matéria-prima para as manufaturas têxteis. Um proprietário único passava a
explorar assim determinada área em proveito próprio, empregando reduzida
mão-de-obra. O resultado desse processo foi o êxodo rural, pois muitos
camponeses que não tinham mais lugar no campo passaram a migrar para as
cidades.
A
partir dos cercamentos, boa parte da aristocracia se “aburguesou”,
sobrepondo-se ao rei. Vale lembrar que as bases legais do absolutismo inglês
eram bastante frágeis, uma vez que a Magna Carta limitava o poder real, dando
um considerável espaço para as elites inglesas do Parlamento atuarem politicamente.
No intuito de reverter essa situação, os Stuart decidiram enfrentar os poderes
estabelecidos acentuando os aspectos católicos do anglicanismo. Foi nesse
quadro que, defendendo os aspectos calvinistas da doutrina anglicana, burgueses
começaram a questionar o poder real, formando o grupo dos puritanos. Jaime I chegou a pedir uma pensão vitalícia, mas o
Parlamento se negou a atender o desejo do rei. O monarca acabou dissolvendo o
Parlamento, que seria convocado só dez anos depois. O poder de Jaime I começou
a sofrer séria oposição quando, para manter um exército fiel e uma corte
luxuosa, o rei restaurou antigos impostos e implantou uma série de monopólios,
medidas que desagradaram tanto as camadas mais pobres da sociedade quanto a
burguesia. As críticas ao seu governo aumentaram ainda mais quando Jaime I
tentou se reaproximar da Espanha, vista como inimiga pelos ingleses.
Os
conflitos políticos e religiosos tornaram-se cada vez mais intensos. É preciso
dizer que na Inglaterra havia uma variedade notável de doutrinas religiosas. Os
puritanos se dividiam em presbiterianos
– religiosos dirigidos por pastores e presbíteros (leigos idosos) – e puritanos independentes – pessoas que
desejavam mais liberdade e menos controle nas organizações religiosas,
defendendo a ideia de que os próprios fiéis deveriam assumir as funções de
pastores e pregadores da palavra divina. O anglicanismo era aceito pela maioria
dos pares, da alta nobreza e do clero, embora houvesse ainda aristocratas
católicos. Boa parte dos comerciantes e nobres dedicados à produção de lã era
formada por presbiterianos. Já o puritanismo independente era comum entre
certos comerciantes e setores burgueses, bem como entre pequenos e médios
proprietários rurais, trabalhadores assalariados, artesãos e camponeses. Havia
ainda católicos e anglicanos em vários desses grupos sociais.
Após
a morte de Jaime I, subiu ao trono o seu filho Carlos I (1625-1649). Mesmo sem a aprovação do Parlamento, o novo
rei criou taxas alfandegárias para sustentar a família real, impôs aos
proprietários um empréstimo forçado à Coroa e perseguiu os seus opositores. Em
1640, a Escócia calvinista rebelou-se contra a Inglaterra anglicana. Para
combater os escoceses, era preciso que o rei inglês Carlos I aumentasse os
impostos para conseguir montar um exército. No intuito de realizar tal
empreitada, o rei convocou o Parlamento, mas este impôs condições para atender
ao pedido real. O Parlamento exigiu alguns direitos, tais como ser consultado
sobre questões tributárias, sobre a questão religiosa e sobre questões
atinentes ao julgamento pelo júri. Carlos I não aceitou as exigências e ordenou
o fechamento do Parlamento. As tropas do monarca inglês foram derrotadas pelo
exército escocês, o que intensificou a crise política. Carlos I chegou a
convocar novamente o Parlamento, mas este órgão acabou retomando seu antigo
papel na estrutura do Estado inglês, revogando tributos estabelecidos pelo rei
sem a sua aprovação e tornando automática a sua convocação independentemente da
vontade do monarca. Em 1641, a Irlanda católica rebelou-se contra a Inglaterra,
o que levava à necessidade de os ingleses formarem um exército. Para que o rei
não controlasse esse exército, o Parlamento decidiu controlar as tropas
militares.
Em
1642, começou uma violenta guerra civil na Inglaterra que colocou de um lado os
cavaleiros (ou realistas) – nobres fiéis ao rei, bispos da Igreja Anglicana e
alguns grandes burgueses –, que eram chamados assim em uma referência aos caballeros espanhóis que lutaram contra
os protestantes durante os séculos XVI e XVII, e do outro os cabeças redondas – partidários do
Parlamento, foco da reação burguesa e puritana contra a monarquia absolutista. Muitos
dos cabeças redondas eram artesãos
aprendizes que estiveram entre os primeiros voluntários do exército
parlamentar, e receberam esse nome porque usavam os cabelos bem curtos, o que
revelava a forma redonda da cabeça. Católicos e anglicanos ficaram do lado rei,
enquanto os puritanos apoiaram o Parlamento. O exército parlamentar era
basicamente formado por voluntários motivados por convicções políticas e
religiosas. Ademais, no exército parlamentar havia uma valorização do mérito
militar e os soldados sempre discutiam livremente as questões polêmicas que
surgiam, ou seja, eles sabiam realmente por qual motivo estavam lutando. O
puritano Oliver Cromwell, membro da
Câmara dos Comuns que zelava pela religião protestante, liderou habilmente as
tropas do Parlamento, vencendo as forças leais a Carlos I.
Após
a vitória sobre as forças do rei, os puritanos se dividiram, pois os
presbiterianos, que controlavam o Parlamento e temiam a radicalização da
revolução, tentavam negociar com o rei, enquanto os puritanos independentes,
que comandavam o exército, aproximavam-se cada vez mais de setores radicais da
revolução. Havia uma instabilidade política interna por causa do
descontentamento da população pobre, artesãos e jornaleiros. Liderados por John
Lilburne, o Nivelador, esses grupos reivindicavam a redistribuição da
propriedade, o sufrágio universal masculino e a abolição das elites
intelectuais e religiosas que apoiavam os interesses dos grupos dominantes. Por
sua vez, os diggers – cavadores –
criticavam o controle dos proprietários sobre os trabalhadores rurais, algo que
era visível nas taxas pagas pelo uso da terra e nos despejos que os
trabalhadores rurais sofriam muitas vezes sem aviso prévio. Os diggers defendiam o direito dos
trabalhadores rurais de cultivar a terra por conta própria. Havia um temor por
parte dos presbiterianos de que esses grupos mais radicais assumissem o poder,
por isso os presbiterianos planejavam recolocar Carlos I no trono. Com o tempo,
tanto os niveladores quanto os diggers foram duramente reprimidos. O exército
impediu o plano dos presbiterianos, não permitindo o retorno de Carlos I ao poder.
Destituído
de seu posto, o rei foi condenado à morte por decapitação em 1649. Cromwell
assumiu o poder e proclamou a República – chamada de Commonwealth –, passando a governar com poderes ditatoriais
garantidos pelo exército. O novo governante chegou a dissolver o Parlamento, de
maioria presbiteriana, em 1653, levando à dispersão dos seus membros que faziam
oposição ao centralismo de Cromwell. O ditador recebeu o título vitalício de Lorde Protetor da Inglaterra, Irlanda e
Escócia, mas recusou a coroa do rei quando esta lhe foi ofertada por alguns
partidários. Privilégios feudais foram abolidos e ampliou-se o capital em
circulação (especialmente por meio de joias, peças de ouro e bens de valor
usados para custear os exércitos que se enfrentaram durante a guerra civil), o
que estimulou o comércio e a produção artesanal. No intuito de atender os
interesses mercantis da burguesia, Cromwell decretou os Atos de Navegação em 1651, leis que protegiam os comerciantes
ingleses e estimulavam a construção naval. O objetivo dos Atos era enfrentar a
poderosa concorrência holandesa, uma vez que a Holanda tinha uma grande frota
mercante e transportava produtos em todo o mundo. Ficava estabelecido que as
mercadorias só poderiam entrar na Inglaterra ou nas colônias inglesas se fossem
transportadas por navios ingleses ou por navios de seus próprios países de
origem. De caráter mercantilista, os Atos procuravam garantir o monopólio
comercial, fato que gerou uma guerra entre Inglaterra e Holanda entre 1652 e
1654, conflito vencido pelos ingleses.
Cromwell
morreu em 1658, o que acentuou a instabilidade na Inglaterra, pois o seu filho,
Richard Cromwell, não conseguiu conter a reação monárquica e antipuritana. A
monarquia Stuart acabou sendo restaurada, com Carlos II – filho de Carlos I – assumindo o poder. Carlos II
preferiu não restaurar o absolutismo radicalmente, mas também trabalhou no
sentido de limitar de alguma maneira a atuação dos parlamentares. Em
decorrência de seu ódio a Cromwell, o rei ordenou que o cadáver do ditador
fosse desenterrado, enforcado e tivesse a cabeça exibida sobre um poste, na
entrada do Parlamento. Carlos II governou entre 1660 e 1685. Como o rei não
tinha filhos legítimos, seu sucessor deveria ser o seu irmão Jaime, um católico
fervoroso. Durante anos houve um debate no âmbito do Estado protestante inglês
sobre a possibilidade de a Inglaterra ter um rei católico. No Parlamento
formaram-se dois grupos: os liberais whigs, que queriam excluir Jaime da
linha de sucessão, e os conservadores tories, que aceitavam o direito de
Jaime assumir o trono.
Carlos
II morreu em 1685 e foi sucedido pelo seu irmão, Jaime II, que assumiu o poder com o intuito de submeter o
Parlamento e os governos locais, mas acabou ficando isolado por causa de seu
catolicismo. De fato, Jaime II não agradava nem a Igreja Anglicana e muito
menos as forças políticas que se rebelaram contra o seu pai, Carlos I. Ademais,
o absolutismo era visto pelas elites dominantes como uma ameaça à paz, por
causa da possibilidade de ocorrer uma nova guerra civil puritana, que poderia
provocar prejuízos econômicos ao país. A situação de Jaime II ficou ainda mais
delicada quando, em 1688, nasceu Jaime Francisco Stuart, filho legítimo do rei,
pois a perspectiva de uma dinastia católica reinando na Inglaterra não agradava
diversos atores sociais. Começou a se articular, então, uma conspiração por
parte dos anglicanos e dos inimigos do absolutismo. Em 1688, sem derramamento
de sangue, a Revolução Gloriosa afastou
Jaime II do poder e colocou em seu lugar um novo monarca, o protestante
Guilherme de Orange, holandês de origem e casado com a filha mais velha do rei
deposto. Coroado como Guilherme III,
o novo rei assinou a Declaração de
Direitos – Bill of Rights –, por
meio da qual abdicava, em seu nome e de seus sucessores, de tentar submeter o
Parlamento. Jaime II exilou-se na França.
Ficavam
garantidos os fundamentos da monarquia constitucional inglesa, a autonomia do
judiciário, a liberdade de imprensa e a proteção à propriedade particular. A
nova situação agradou a burguesia. Também ficou estabelecido que o Parlamento
deveria aprovar novas taxações e que haveria liberdade religiosa a todos os
protestantes, medida esta que foi definida pelo Ato de Tolerância. A partir da Revolução Gloriosa, a Inglaterra
passou a ter um governo comprometido com o enriquecimento da classe dos homens
de negócios, fato que nos ajuda a entender o desenvolvimento econômico inglês
que ocorreria nos 200 anos seguintes.
Para pensar... O Absolutismo Inglês e o Teatro de Shakespeare
Leia abaixo um pequeno texto de autoria de Leandro Karnal, onde o autor analisa alguns aspectos do absolutismo inglês, a presença da "modernidade política" desenvolvida pelos ingleses nas peças de William Shakespeare e as relações entre a conjuntura inglesa do século XVII e o início da colonização inglesa da América do Norte:
"Já
no século XV, a Inglaterra enfrentava o mais longo conflito da história: a
Guerra dos Cem anos (1337-1453). Lutando contra um inimigo comum, os ingleses
começam a pensar no que os unia, no que era ser inglês. Porém, mal terminada a
Guerra dos Cem anos, a ilha é envolvida numa violenta guerra civil: a Guerra
das Duas Rosas (1455-1485). A família York (que usava uma rosa branca como
símbolo) e a família Lancaster (que usava uma rosa vermelha) submergiram o país
em mais três décadas de violência.
Qual
a importância das duas guerras para a Inglaterra? A luta contra a França estimulou
certa unidade na ilha, reforçando o chamado “esplêndido isolamento”, como os
ingleses denominaram seu relativo afastamento do continente. A sucessão de guerras
colabora também para enfraquecer a nobreza e suscitar no país o desejo de um
poder centralizado e pacificador. A dinastia Tudor (1485-1603), que surge desse
processo, torna-se, de fato, a primeira dinastia absolutista na Inglaterra.
A
família Tudor no governo seria responsável pela afirmação do poder real inglês
em escala inédita. Um país cansado de guerras ofereceu-se à ação dos Tudor sem
grandes resistências. A expressão “país cansado” pode dar a ideia de que a
Nação seja um indivíduo. Quem é “o país”? Nesse momento, é importante destacar
que as guerras atrapalhavam as atividades produtivas e comerciais. Logo, uma
das partes do “país” que estava mais cansada era constituída por burgueses que,
em sua maioria, queriam um poder forte e centralizado. A outra parte do “país”,
que poderia oferecer resistência – os nobres –, tinha sido duramente atingida
pelas guerras.
O
poder dos Tudor aumentou ainda mais com a reforma religiosa (século XVI). Usando
como justificativa sua intenção de divórcio, o rei Henrique VIII rompeu com o papa
e fundou o anglicanismo, tornando-se chefe da igreja na Inglaterra e
confiscando as terras da igreja Católica.
Os
dois maiores limites ao poder real eram os nobres e a igreja Católica. Graças à
Reforma e à fraqueza da nobreza inglesa, esses limites foram eliminados ou
diminuídos durante a dinastia Tudor.
Se
o inimigo francês fora a realidade do fim da Idade Média, na Moderna ele seria substituído
pelo “perigo espanhol”, ou seja, o risco de a Espanha invadir a Inglaterra. Esse
risco foi bastante alto (ao menos até a derrota da Invencível Armada da
Espanha, em 1588). Um inimigo forte e agressivo no exterior refreia críticas
internas. Atacar o rei, condutor da nação, diante do risco nacional permanente,
parecia uma traição.
No
século XVI, o nacionalismo na Inglaterra fortaleceu-se. O que significa isto: mesmo
com todas as diferenças, cada inglês olha para o outro e sente que há pontos em
comum, coisas que os diferenciam dos franceses e espanhóis, formando laços de união
entre eles.
Os
ingleses estavam desenvolvendo a “modernidade política”. Mas no que ela consistia?
Basicamente, seria uma ação política independente da teologia e da moral. Em
outras palavras, a ação dos príncipes modernos não procura levar em conta se o que
fazem é moralmente correto. Os príncipes modernos agem porque tal ação é eficaz
para atingir seus objetivos, dentre os quais o maior é conseguir o poder
absoluto. Na história política da Inglaterra, entre o final da Idade Média e o
início da Moderna, esse tipo de príncipe foi comum. Eram príncipes reais,
concretos, sem fumos divinos ao redor do trono.
Essa
memória política pôde servir de base para personagens de Shakespeare como
Macbeth e Ricardo III. Mesmo ambientando suas cenas na Escócia medieval ou na
Inglaterra do século anterior ao seu, Shakespeare remete à memória política dos
ingleses, marcada pela astúcia, violência e, acima de tudo, por um apego à
realidade.
Macbeth
faz de tudo para conseguir o trono da Escócia. Mata, trai e personifica um tipo
particular de política não muito distante daquele a que os ingleses haviam
assistido no princípio da Idade Moderna. A fala das feiticeiras da peça Macbeth mostra que esse é um mundo em
que os valores estão em transformação: “O belo é feio e o feio é belo”. Da
guerra nasce uma relatividade nos valores tradicionais, uma das características
do moderno. O que valia até aqui pode não valer mais, é isso que as feiticeiras
dizem aos ingleses que assistem a sua fala.
Ricardo
III segue os passos de Macbeth. Que outra figura a literatura terá criado com
tamanha maldade e falta de escrúpulos? Ele é capaz de matar crianças e supostos
amigos; feio, disforme, repugnante de corpo e alma. Ricardo, duque de Glócester,
nos obriga a rever o conceito de maldade. Não obstante, Shakespeare o faz personagem
central de uma peça.
No
final de Ricardo III, Shakespeare
anuncia o fim da guerra civil e o advento da paz com o início do governo Tudor.
Era preciso descrever como era terrível o rei que antecedeu a dinastia para a
qual o poeta trabalhava. Mesmo querendo realçar a ruptura entre Ricardo III e
Henrique VII, Shakespeare acaba nos mostrando quanto a Inglaterra é fruto
também de modernidade política, seja ela York, Lancaster ou Tudor. O dramaturgo
distancia-se o suficiente do poder para analisá-lo, e este, bem ou mal exercido,
torna-se um conceito. É possível, então, jogar com ele, distanciar-se, relativizar.
Apesar do proverbial amor shakesperiano à ordem e a poderes absolutos e sua
repulsa figadal a agitações populares, o bardo instalou uma modernidade extraordinária.
Veja-se essa notável modernidade moral quando o vilão Iago (Otelo, o Mouro de Veneza – Ato I, cena III)
rejeita qualquer traço externo a suas escolhas pessoais e proclama o primado
absoluto da sua vontade individual:
Só de nós mesmos depende ser de uma maneira ou de outra. Nossos corpos são jardins e nossa vontade é o jardineiro. De modo que, se quisermos plantar urtigas ou semear alfaces, criar flores ou arrancar ervas, guarnecê-lo com um só gênero de plantas ou dividi-lo em muitos para torná-lo estéril por meio do ócio, ou fértil à força da indústria, muito bem!; o poder, a autoridade corretiva disto tudo residem em nossa vontade. Se a balança de nossas existências não tivesse o prato da razão como contrapeso à sensualidade, o sangue e a baixeza de nossa natureza nos conduziriam às mais desagradáveis consequências. Mas possuímos a razão para esfriar nossas furiosas paixões, nossos impulsos carnais, nossos desejos desenfreados.
O
homem é livre. Não existe sina, estrela ou destino. Em vez da política
dinástica e da crença na legitimidade do poder real, a Inglaterra entra na
Idade Moderna tendo convivido com a relatividade desses valores. Mas a
Inglaterra também passa a conviver com outra questão moderna: a diversidade
religiosa.
Henrique
VIII casara-se seis vezes. Ao casar-se pela segunda vez, rompera com a Igreja
de Roma, tornando-se chefe da Igreja inglesa: a Igreja Anglicana. Ao morrer, deixa
como herdeiro seu filho Eduardo VI, de tendências calvinistas. O curto reinado
de Eduardo VI é seguido pelo de Maria I, alcunhada de “sanguinária” pelos
ingleses. Maria recebeu esse apelido ao reprimir com grande violência os
protestantes e tentar reinstalar o catolicismo na Inglaterra, chegando mesmo a
casar-se com o rei Filipe II da Espanha, tradicional inimigo. Ao morrer sem
deixar herdeiros, Maria abre o caminho do poder para sua meio-irmã, Elizabeth I,
que por quase cinquenta anos afirmou o anglicanismo como religião da
Inglaterra.
Difícil
imaginar a importância da religião no século XVI. Romper com Roma, negar a autoridade
do papa, sucessor de São Pedro e figura que por muitos séculos os ingleses
respeitaram, representa muito mais do que uma ruptura política. Os ingleses e o
rei, ao fundarem uma nova Igreja, criaram também uma nova visão de mundo. O rei
desejou casar-se novamente, o papa não autorizou, o rei casou-se mesmo assim. Apesar
de todas as justificativas bíblicas que Henrique VIII usou, o que ele fez foi
afirmar a supremacia de sua vontade individual sobre a tradição. Em outras
palavras, Henrique VIII usa sua liberdade contra a tradição, quebra o que
“sempre foi” e torna válido um ato de rebeldia.
Por
meio século, os ingleses conviveram com súbitas mudanças de orientação nas diretrizes
religiosas do país. Ao contrário de uma Espanha que se unificava em torno do catolicismo,
expulsando judeus e muçulmanos e perseguindo as vozes discordantes, a Inglaterra
conheceu a relatividade religiosa.
No
século XVII, quando se iniciou a dinastia Stuart, a ilha estava fragmentada em inúmeras
denominações protestantes, vários focos de resistência católicos e a Igreja Anglicana
oficial.
O
SÉCULO XVII E OS STUART
A
Inglaterra estava em transformação. Primeiramente quanto à população: havia 2,2
milhões de ingleses em 1525 e esse número passaria a 4,1 milhões em 1601. A revolução
agrícola e o progresso das manufaturas fizeram da era Tudor um momento de
prosperidade.
No
século XVII, intensifica-se o processo de cercamentos (enclosures) que
tinham se iniciado no final da Idade Média. As velhas terras comuns e os campos
abertos, indispensáveis à sobrevivência dos camponeses, estavam sendo cercados
e vendidos pelos proprietários, principalmente em função do progresso de criação
de ovelhas. O capitalismo avançava sobre o campo e o desenvolvimento da
propriedade privada excluía muitos trabalhadores. Para diversos camponeses, o
fim das terras comuns foi também o fim da vida no campo.
O
êxodo rural cresce consideravelmente. As cidades inglesas aumentam e o número
de pobres nelas é grande. É dessa massa de pobres que sairá grande parte do
contingente que emigra para a América em busca de melhores condições.
Esse
processo de cercamentos e de êxodo rural foi analisado por Karl Marx, que destaca
as grandes transformações decorrentes dele. O rápido crescimento econômico e as
mudanças súbitas de valores criam uma época em que, segundo Marx, “tudo o que é
sólido se desmancha no ar”. As cidades se transformam. Não há verdades absolutas.
O mundo tradicional fica diluído inclusive com a ascensão de novos grupos sociais,
como a burguesia e a pequena nobreza inglesa.
A
política inglesa do século XVII convive com o espírito de Macbeth – a “política
moderna” – anteriormente explicada: os jogos de poder e a luta pelo mundo. A
dinastia Stuart, ao tentar governar sem a rédea do Parlamento, entra em colisão
com uma parte da sociedade da ilha. Estoura a Guerra Civil e a revolução
Puritana. O novo líder da Inglaterra, Cromwell, manda matar Carlos I. O
regicídio tinha sido comum nas conspirações da história da Inglaterra, porém,
pela primeira vez um rei era morto após um julgamento, como os franceses fariam
no século seguinte com Luís XVI. Ao matarem Carlos I, os ingleses estavam
declarando: os reis devem servir à nação e não o contrário. Os juízes, em 1649,
declararam que Carlos I era “tirano, traidor, assassino e inimigo público”.
Como disse o historiador Christopher Hill, a ilha da Grã-Bretanha tinha virado
a “ilha da Grã-loucura”. A necessidade concreta de grupos particulares pode vencer
tradição e leis. Isso é importante para reforçar o que já tratamos várias
vezes: o conceito de modernidade política.
Moderna
novamente, a Inglaterra torna-se sede da primeira e efetiva revolução burguesa
da Europa (por levar os burgueses ao controle do poder político), que, mais tarde,
formularia a Declaração de Direitos, estabelecendo novas bases para a política.
Era a Revolução Gloriosa, que depôs mais um Stuart em 1688. No mesmo ano, a França
vivia o apogeu do absolutismo sob o governo de Luís XIV, os portugueses eram dominados
pela dinastia de Bragança e os espanhóis continuavam sob o poder dos Habsburgo.
Os
choques constantes entre rei e burguesia, entre a religião oficial e grupos reformados,
bem como choques entre grupos mais democráticos e populares contra grupos
burgueses — tudo isso colabora para tornar o século XVII um momento conturbado
na história da Inglaterra e ajuda a explicar o pouco controle inglês sobre suas
colônias.
Outro
fator tornava as vidas inglesa e europeia bastante difíceis nos séculos XVI e XVII:
a alta de preços. A inflação dos produtos de primeira necessidade estava associada
à abundância de ouro e prata que jorrava da Espanha pelo continente. Os metais
retirados da América empurravam os preços para cima e, como costuma acontecer,
atingiam a classe baixa de forma particularmente violenta. As perturbações sociais
nesses séculos são constantes. A fome e a peste, filhas da inflação e do aumento
populacional, varrem a Europa.
Essa
situação da Inglaterra explica a inexistência de um projeto colonial
sistemático para a América e a própria “ausência” da metrópole no século XVII.
Há a falta de um referencial uniforme que norteie a colonização.
As
perseguições religiosas que marcaram o período também estimularam muitos grupos
minoritários, como os quakers, a se refugiarem na América. O aumento da pobreza
nas cidades favorece grupos sem posses a ver na América a oportunidade de melhorarem
sua vida e serem livres.
Os
ingleses que vêm para a América trazem uma tradição cultural diversa da espanhola
ou portuguesa. Os colonos ingleses, por exemplo, convivem com mais religiões. O
senso do relativo que a história inglesa ajudara a formar estabeleceria uma possibilidade
de opção bem maior, uma visão de mundo mais diversificada para nortear as
escolhas de vida feitas na nova terra.
O
Estado e a Igreja oficial, na verdade, não acompanharam os colonos ingleses. Aqui
eles teriam de construir muita coisa nova, inclusive a memória. No entanto, uma
nova memória só foi possível graças às transformações que a própria história
inglesa havia sofrido desde o final da Idade Média e a consequente criação de
novos referenciais culturais. O fantasma de Macbeth acompanhou os colonos. Suficientemente
fluido para permitir a criatividade. Suficientemente nítido para resistir à travessia
do Atlântico."
(KARNAL, Leandro. O modelo original: a Inglaterra. In: Karnal, Leandro; PURDY, Sean; FERNANDES, Luiz Estevam; MORAIS, Marcus Vinícius de. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed. 1. reimpr. São Paulo: Contexto, 2013, p. 31-37.)