Sobre o "Blog do Super Rodrigão"

*** O "Blog do Super Rodrigão" foi criado e editado por Rodrigo Francisco Dias quando de sua passagem como professor de História da Escola Estadual Messias Pedreiro (Uberlândia-MG). O Blog esteve ativo entre os anos de 2013 e 2018, mas as suas atividades foram encerradas no dia 27/08/2018, após o professor Rodrigo deixar a E. E. Messias Pedreiro. ***

terça-feira, 14 de abril de 2015

A Revolução Industrial

UM TEMPO DE TRANSFORMAÇÕES

Em decorrência do comércio e das atividades bancárias, houve uma notável ascensão social da burguesia europeia no século XVIII. Era muito comum que banqueiros emprestassem dinheiro aos reis ou financiassem os exércitos reais. Em troca, estes burgueses recebiam privilégios, como o monopólio do comércio entre a metrópole e suas colônias. Como as antigas corporações de ofício impunham limites à produção, os grandes comerciantes começaram a entregar a matéria-prima para artesãos que, trabalhando em suas próprias casas, produziam os artigos encomendados. Assim, a burguesia mercantil europeia passava a intervir na produção das mercadorias.

Durante muito tempo foi comum na Inglaterra e em outros lugares o sistema de produção artesanal, onde todas as etapas do processo produtivo eram executadas por uma única pessoa. O artesão era dono do seu próprio tempo, das ferramentas de trabalho e da matéria-prima. No caso da produção de tecidos de lã, todo o processo – da tosquia dos carneiros até a fiação, a tecelagem e o tratamento final dos tecidos – era baseado na mão de obra familiar, com o auxílio ocasional de pessoas contratadas. No intuito de aumentar os lucros e racionalizar o trabalho, os mercadores começaram a reunir vários trabalhadores em um único local, fornecendo-lhes a matéria-prima e as ferramentas necessárias para a fabricação dos artigos desejados, pagando-lhes um salário em dinheiro. Essa estratégia visava reduzir custos e aumentar a produtividade e o lucro. Foi assim que surgiram as primeiras manufaturas, antecessoras da fábrica moderna.

Na Inglaterra do século XVI era possível encontrar manufaturas que reuniam cerca de 600 trabalhadores assalariados. Com o passar do tempo, adotou-se a divisão do trabalho, ou seja, em vez de um trabalhador produzir integralmente artigo por artigo, ele passou a executar apenas uma operação, correspondendo a uma parte da peça a ser fabricada. O produto final era o resultado da soma de todas as operações. As vantagens dessa mudança foram analisadas por Adam Smith em 1776 na obra A riqueza das nações. De fato, a divisão do trabalho permitiu que a produção ficasse mais ágil. O aumento de produtos disponíveis no mercado estimulava o consumo e o surgimento de mais manufaturas, o que aumentava a oferta de empregos. Por sua vez, a expansão do mercado de trabalho aumentou o volume de dinheiro em circulação, estimulando ainda mais o consumo, e assim por diante. A nova forma de organização do trabalho permitiu o advento de uma relação de dependência entre o artesão e o comerciante.

Todo esse processo teve início na Inglaterra no século XVIII. Naquela época, esse país já era a nação mais rica do mundo, dispondo de jazidas de carvão e ferro, uma poderosa esquadra que lhe dava a supremacia naval, portos eficientes e uma rede de estradas que interligavam as várias regiões do país e facilitavam o escoamento dos produtos. Ademais, a existência de um vasto mercado consumidor em suas colônias na América e na Ásia permitia à Inglaterra usufruir da posição de líder do comércio internacional. É preciso lembrar também que, naquele período, a burguesia inglesa já havia se consolidado como uma importante força econômica e política, o que contribuiu para que os empecilhos impostos pela Igreja Católica à expansão burguesa fossem eliminados, como a condenação ao lucro e à cobrança de juros.

Como resquício do feudalismo, as comunidades rurais tinham autorização para usar livremente uma parcela das terras do senhor. Por meio do cultivo coletivo, as terras proporcionavam não só colheitas suplementares, mas também pasto para os animais domésticos e lenha, além da caça de pequenos animais. Todavia, entre os séculos XVI e XVIII, grandes proprietários rurais ganharam do governo inglês o direito de expulsar os camponeses das terras comunais. Era o processo dos cercamentos, e muitas das terras cercadas passariam a ser usadas para a criação de carneiros. Isso provocou o êxodo rural rumo às cidades, onde os camponeses se transformavam na principal fonte de mão de obra das indústrias que surgiam. Nas cidades, os antigos camponeses também podiam se transformar em mendigos. Os valores e costumes dos camponeses eram bem diferentes daqueles encontrados nos centros urbanos, pois nas cidades industriais imperavam a competição e o individualismo. O crescimento da oferta de mão de obra nas cidades gerou problemas como desemprego e falta de moradia.

Novas técnicas agrícolas vinham sendo desenvolvidas e aplicadas no campo desde o século XVII. O uso intensivo de esterco, a seleção de sementes, a rotação de culturas, a drenagem do solo e o plantio de novos gêneros alimentícios, como a batata e o nabo, por exemplo, fizeram com que a produção agrícola inglesa não mais ficasse voltada apenas para a subsistência da população, mas passasse a direcionar-se também para o comércio exterior. Ainda no campo, as relações de trabalho sofreram modificações, com a mão de obra servil sendo trocada pelo trabalho assalariado. Como resultado disso, houve o aumento da circulação de dinheiro, o que permitiu que a população mais pobre passasse a ter acesso a bens que antes não podia adquirir, como sapatos, tesouras, panelas, facas, chapéus, etc. O aumento da produção de alimentos ocorreu paralelamente ao crescimento demográfico. A população inglesa passou de 10,5 milhões para 18,1 milhões de habitantes entre 1801 e 1841.

No início do século XVIII, o setor agropecuário empregava boa parte da população inglesa. Muitos trabalhadores eram empregados na extração de lã de carneiros. Todavia, o algodão começou a ganhar cada vez mais destaque, uma vez que era mais barato do que a lã. O algodão produzido nas colônias inglesas da América do Norte era levado para a Inglaterra para ser transformado em peças de vestuário. As roupas assim produzidas eram posteriormente vendidas para os fazendeiros das Américas, para vestir a população escravizada.

Surgiram ainda novas tecnologias nas manufaturas, o que aumentaria ainda mais a produtividade. Na década de 1730, foi inventada a lançadeira volante, um dispositivo adaptado aos teares manuais que acelerou o processo de tecelagem, permitindo também a fabricação de tecidos com dimensões maiores do que os produzidos artesanalmente. Em 1764, James Hargreaves criou uma máquina de fiar que nada mais era do que uma roca manual de vários fios que permitia a uma única pessoa fazer o trabalho que antes era realizado por oito pessoas. Todavia, a qualidade dos fios produzidos pela spinning jenny era irregular, o que comprometia o resultado final. Em 1769, foi inventada a spinning frame, ou water frame, uma máquina movida a energia hidráulica que produzia fios mais grossos e resistentes. Em 1779, foi inventada a spinning mule, que reunia as qualidades das máquinas anteriores, tornando possível a produção em grande escala de fios finos e resistentes. Outra inovação tecnológica ocorreu quando, em 1769, James Watt desenvolveu um equipamento que usava a energia do vapor da água para impulsionar máquinas a uma velocidade considerável. A máquina a vapor permitiu que a força humana fosse substituída pela energia mecânica. Com o passar do tempo, a invenção de Watt foi aperfeiçoada e o desenvolvimento industrial se generalizou. Em 1785, Edmund Cartwright inventou o tear mecânico, movido justamente pela energia a vapor. A invenção de Watt permitiu também o desenvolvimento da siderurgia e da metalurgia. Todos esses avanços tecnológicos fizeram a antiga manufatura (do latim manus = mãos; factura = feitura) ser trocada pela maquinofatura. Era o nascimento das primeiras fábricas.

Em 1807, foi desenvolvido o primeiro barco a vapor e, a partir disso, as embarcações a vela foram progressivamente substituídas nas rotas marítimas comerciais. O transporte de passageiros, mercadorias e correspondências passava a ser feito com mais regularidade, sem a dependência dos ventos. O sistema de transporte fluvial e marítimo se modernizou, surgindo embarcações cada vez maiores e mais velozes. Em 1814, foi inventada a locomotiva a vapor, responsável por uma revolução no transporte terrestre. Em pouco tempo, as estradas de ferro se multiplicaram na Europa, nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Essas inovações nos meios de transporte causavam a sensação de que as distâncias entre diferentes regiões ficavam mais curtas. O deslocamento de pessoas ficou mais fácil e os custos com transporte foram reduzidos. O desenvolvimento dos novos meios de transporte causou impactos de ordem socioeconômica. Todo esse conjunto de transformações e avanços tecnológicos ocorridos a partir do século XVIII é chamado de Revolução Industrial. Essas novidades transformaram primeiramente a sociedade inglesa e, depois, as sociedades de diversos outros países. O período entre 1760 e 1850 ficou conhecido como a Primeira Revolução Industrial.

Três matérias-primas foram fundamentais no desenvolvimento da Revolução Industrial na Inglaterra: carvão mineral, ferro e algodão. A Inglaterra contava com reservas de carvão e de ferro, sobretudo nas regiões norte e oeste de seu território, em áreas próximas a rios e portos onde também se instalaram as primeiras indústrias têxteis. O carvão era usado como combustível para aquecer as caldeiras que transformavam água em vapor, sendo um recurso importante para a manutenção do sistema fabril. A produção de carvão na Inglaterra quadruplicou durante o século XVIII, chegando a 10 milhões de toneladas em 1800. O consumo de carvão aumentou com o advento das ferrovias. Por sua vez, o ferro tornou-se fundamental na construção de máquinas, equipamentos e até pontes, sendo também aplicado em trilhos, trens e navios. Novas técnicas tornaram possível a produção de formas mais resistentes e baratas de ferro. A partir da década de 1850, desenvolveu-se a transformação do ferro em aço, o que marcaria o início da Segunda Revolução Industrial, baseada no uso de novas formas de energia (elétrica) e novos combustíveis (petróleo) e que alcançaria muitas regiões além da Inglaterra, tais como França, Bélgica, Holanda, Prússia, norte da Península Itálica, Estados Unidos e Japão. Já o algodão era obtido pela Inglaterra nas suas colônias na Ásia e na América. Por serem mais leves, os tecidos de algodão passaram a ser consumidos também em regiões de clima mais ameno.

Os capitalistas enriqueceram rapidamente e estavam eufóricos com a Revolução Industrial. Para a burguesia e para os intelectuais liberais, o crescimento econômico era visto como algo deslumbrante. Havia quem acreditasse que a ciência e a racionalidade contribuiriam para a melhoria das condições de vida e para a ampliação da felicidade. Todavia, essa prosperidade do período não gerava benefícios para todas as pessoas. Os trabalhadores viviam sob condições de moradia extremamente precárias, habitando bairros insalubres e vivendo em casas muito simples e rudimentares, localizadas em ruas escuras e sem pavimentação. As casas dos operários eram mal ventiladas, não tinham água suficiente e possuíam péssimas condições sanitárias.

Se as condições de moradia eram ruins, também as condições de trabalho deixavam muito a desejar. As fábricas costumavam ser locais úmidos, quentes e sem ventilação adequada. Os trabalhadores recebiam uma alimentação insuficiente e de baixa qualidade. As jornadas de trabalho eram muito longas. Os salários eram baixos e não havia qualquer tipo de garantia ou assistência. Tudo isso fazia com que a expectativa de vida entre os operários fosse baixa. Para piorar a situação, a incidência de doenças e acidentes de trabalho era bastante elevada. Consideradas mais dóceis do que os homens adultos, tanto mulheres quanto crianças (muitas com 4 ou 5 anos de idade) eram contratadas para trabalhar nas fábricas. Nas fábricas, crianças e adolescentes trabalhavam o mesmo número de horas que um homem adulto, mas recebiam menos da metade de seu salário. Muitas crianças morriam por causa de acidentes de trabalho ou de doenças decorrentes das péssimas condições de trabalho e de vida (como a desnutrição). Apenas a partir da década de 1830 foram aprovadas leis que protegiam e regulamentavam as atividades de mulheres e crianças nas fábricas. Os operários chegavam a trabalhar entre 15 e 18 horas ininterruptas por dia, sob a vigilância de um supervisor. O ritmo e a duração do trabalho eram determinados pelo relógio. As longas jornadas de trabalho significavam maiores lucros para o patrão, uma vez que a produtividade era maior e o uso de máquinas e energia era otimizado. O cansaço provocava acidentes frequentemente, e estes não eram perdoados. Era comum que os trabalhadores sofressem punições bastante severas por causa de alguma falta cometida. A maioria dos operários recebia salários equivalentes a oito xelins[1] semanais, o que mal cobria os gastos com alimentação. Assim, era comum que todos os membros da família trabalhassem.

O ROMANTISMO

No final do século XVIII, surgiu um movimento artístico e literário chamado Romantismo, no qual escritores, músicos e pintores românticos olhavam para o mundo produzido pela Revolução Industrial de maneira crítica. Segundo esses intelectuais, o pensamento governado pela razão não necessariamente produziria um mundo melhor. O movimento não era homogêneo e nele havia tanto conservadores quanto progressistas. Enquanto alguns românticos defendiam valores religiosos tradicionais e o direito à propriedade, outros mostravam-se preocupados com as injustiças sociais ou davam à religiosidade um aspecto mais espiritualista. O desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da urbanização e o abandono da vida rural fizeram com que a sociedade moderna produzisse uma visão de mundo materialista. Paralelamente, a contestação de muitas ideias religiosas abriu novas perspectivas para a expressão da religiosidade. Alguns românticos questionaram as doutrinas religiosas vigentes, passando a refletir sobre a imortalidade da alma e a reencarnação. Tais pensamentos não estavam necessariamente ligados a uma religião específica, mas à ideia da existência de um Deus criador e infinito, diferente daquele apresentado pela Bíblia.

O Romantismo não era contrário ao capitalismo ou ao pensamento burguês, embora alguns românticos criticassem severamente a situação vivida pelos trabalhadores. No fundo, os românticos estavam mais interessados na mudança de valores culturais do que nos reflexos sociais e econômicos da Revolução Industrial. Para os românticos, critérios menos materialistas deveriam orientar as relações sociais. Eles salientavam a importância de outras dimensões humanas para além da razão, valorizando os sentimentos, as emoções, a intuição e a vida espiritual. Inspirando-se no mundo da Idade Média, os românticos viam nas formas de produzir voltadas para os interesses coletivos um contraponto para o mundo industrial, baseado na competitividade e no acúmulo de riquezas. A industrialização era vista por eles como algo que destruía um modo de vida que havia sido preservado por séculos. A herança cultural e os valores morais transmitidos de geração em geração eram tidos como um modelo da verdadeira existência. Segundo os românticos, nas sociedades pré-industriais as pessoas eram mais próximas da natureza, cultivavam tradições que as ligavam a um passado comum e eram mais solidárias. Os românticos criticaram o Classicismo, estilo predominante desde o Renascimento até o início do século XIX, visto por eles como decadente e ligado aos valores aristocráticos.

Os artistas do Romantismo se interessavam pelo sobrenatural, pelo fantástico, pelo misterioso e pelo desconhecido. Suas obras eram marcadas pelo misticismo, pelo orientalismo e pelo gosto por coisas exóticas e por sociedades com culturas diferentes da europeia, como a Índia, por exemplo. O pessimismo, a defesa da morte como a solução para uma existência vazia e o subjetivismo exacerbado se fazem presentes nas obras de alguns autores românticos. No âmbito da música, alguns nomes importantes do Romantismo são o alemão Ludwig Van Beethoven, o russo Tchaikovsky e o polonês Chopin. Já na literatura cabe mencionar os franceses François-René de Chateaubriand e Victor Hugo, o inglês Lorde Byron, os portugueses Alexandre Herculano e Almeida Garret, além do alemão Goethe.

OS TRABALHADORES LUTAM CONTRA A EXPLORAÇÃO

Durante muito tempo, não havia leis que protegessem os trabalhadores contra os abusos cometidos pelos patrões. Na Inglaterra, trabalhadores começaram a recusar os serviços nas fábricas, o que levou o governo a adotar medidas repressivas, como acusar de vadiagem e prender trabalhadores que abandonassem seus empregos. No intuito de combater a mendicância, o governo criou as workhouses (casas de trabalho), lugares para onde mendigos e desempregados eram enviados para realizar trabalhos compulsórios. Trabalhadores reagiram contra as péssimas condições de vida e de trabalho invadindo fábricas à noite para destruir as máquinas a golpes de martelos. O líder de tal movimento era aparentemente Ned Ludd, um homem de cuja existência muitos duvidam, e os ludistas viam nas máquinas as principais responsáveis pela situação de exploração em que viviam os trabalhadores, uma vez que elas geravam desemprego ao substituírem pessoas em condições de trabalhar. No início do século XIX, o ludismo espalhou-se da Inglaterra para outros países, como França, Bélgica e Suíça. Os ludistas assaltaram a manufatura de William Cartwright em 1811, fato que provocou a reação do Estado inglês, que condenou treze lideranças do movimento à morte. Além dos ataques às fábricas, os trabalhadores também criaram associações de auxílio mútuo, organizações que visavam criar fundos de reserva a serem usados em momentos de necessidade, como em casos de acidentes de trabalho, doenças e desemprego.

Em seguida, seriam desenvolvidos os primeiros sindicatos trabalhistas destinados a lutar pelos direitos do proletariado. A organização em sindicatos possibilitaria os trabalhadores a obterem diversas conquistas, como melhores salários, redução na jornada de trabalho, aposentadoria, descanso semanal remunerado, férias, etc. Entre as décadas de 1830 e 1840, ganhou destaque o movimento do cartismo quando, em 1838, trabalhadores ingleses reuniram suas reivindicações em um documento conhecido como Carta do povo. Nesse documento, os trabalhadores exigiam o sufrágio universal secreto, a limitação dos mandatos e o direito dos operários de participarem do Parlamento. As lutas dos trabalhadores tornaram possíveis algumas mudanças no mundo do trabalho: em 1833, o Parlamento inglês limitou em oito horas a jornada de trabalho de crianças; em 1842, ficou proibido o trabalho de mulheres em minas de carvão; em 1845, os trabalhadores adultos passaram a ter uma jornada de trabalho de 10 horas. Em seguida, outros países como França e Alemanha seguiram o exemplo da Inglaterra.

O SOCIALISMO

Além de levar ao surgimento do movimento operário, a situação de extrema exploração em que viviam os trabalhadores estimulou também o surgimento de teorias que criticavam o capitalismo e propunham novas formas de organização social. Entre essas teorias encontrava-se o socialismo. Os primeiros socialistas pensavam que era possível reformar o capitalismo por meio da ação do Estado ou da associação dos trabalhadores em cooperativas autogeridas. O objetivo dessa teoria era criar uma sociedade baseada na cooperação, e não na competição, onde a produção e a distribuição de bens seriam planejadas em prol do bem geral da sociedade. Homens como o inglês Robert Owen (1771-1858) e os franceses Saint-Simon (1760-1825) e Charles Fourier (1772-1837) propunham a criação de uma sociedade ideal, mas não definiram claramente os meios para se atingir tal fim. Acabaram ficando conhecidos como socialistas utópicos.

Robert Owen tornou-se coproprietário e gerente de uma fábrica de tecidos de algodão na Escócia, em 1799. Ele aumentou os salários dos operários, melhorou as condições de trabalho, providenciou-lhes moradia, alimentação e roupas a preços justos, e negou-se a contratar crianças com menos de 10 anos de idade. Owen deu ainda oportunidades educacionais para as crianças e deu início a um programa de ensino para os adultos. A sua intenção era demonstrar que um tratamento digno dado aos trabalhadores era compatível com a obtenção de lucros, pois, segundo ele, se os empregados estivessem mais felizes, eles automaticamente produziriam mais. A competitividade da sociedade industrial deveria ser substituída, de acordo com Owen, por um estilo de vida mais harmonioso e solidário. Owen chegou a estabelecer uma comunidade modelo em Indiana, nos Estados Unidos, mas as suas experiências fracassaram.

O francês Saint-Simon chegou a renunciar a seu título de nobreza durante a Revolução Francesa, e era um homem que defendia que o Iluminismo não fora capaz de orientar a reconstrução da sociedade após o processo revolucionário francês. Segundo ele, a ciência e a indústria deveriam modelar a nova sociedade, e não mais os parâmetros da Igreja. Saint-Simon dizia que os clérigos e os aristocratas deveriam ser substituídos por cientistas, industriais, banqueiros, artistas e escritores. Um novo clero, em contato com o conhecimento científico, deveria instruir os fiéis a amarem uns aos outros. O novo cristianismo deveria ser despojado de mitos e dogmas, ajustado à era da ciência e capaz de unir espiritual e moralmente os vários povos da Europa.

Charles Fourier defendia a organização de pequenas comunidades, onde as pessoas poderiam desfrutar de prazeres simples e satisfazer suas verdadeiras necessidades humanas. Nestes falanstérios, todos trabalhariam em tarefas que lhes interessassem e produziriam para si e para todos os outros. Não era uma defesa da igualdade absoluta, pois dinheiro e bens não seriam distribuídos igualmente, uma vez que aquelas pessoas que tivessem dotes especiais e responsabilidades deveriam ser recompensadas de acordo. Segundo Fourier, essa forma de organização social faria com que as pessoas sempre buscassem ser reconhecidas por suas ações.

As ideias desses socialistas utópicos tornaram-se objeto de crítica por parte de homens como Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), dois pensadores alemães adeptos do socialismo e que não acreditavam na possibilidade de reformar o capitalismo. Para Marx e Engels, a crítica científica do capitalismo e a ação autônoma do proletariado possibilitariam a transformação da sociedade por meio de uma revolução: a revolução proletária. Segundo os dois pensadores, após tomar o poder, o proletariado deveria acabar com a propriedade privada dos meios de produção e de troca (fábricas, fazendas, bancos, etc.) e criar uma sociedade baseada na associação autônoma dos trabalhadores e em formas coletivas de propriedade. O socialismo científico de Marx e Engels pregava que os trabalhadores tinham a missão histórica de destruir o capitalismo e conduzir a humanidade para uma sociedade igualitária. Essa doutrina também ficou conhecida como marxismo ou, ainda, materialismo histórico. Para os marxistas, a luta de classes (explorados x exploradores) movimenta a História, e os trabalhadores precisam adquirir a consciência a respeito do seu papel no processo de destruição do capitalismo. Só assim, os trabalhares terão condições de tomar o poder e estabelecer a ditadura do proletariado, etapa que antecede a chegada ao comunismo, quando qualquer forma de Estado será abolida e as pessoas viverão livres em uma sociedade sem classes e totalmente igualitária. Nessa doutrina, o comunismo significa o fim de todas as formas de sofrimento e violências geradas pelo capitalismo.

O ANARQUISMO

Outra forma de pensamento crítica ao capitalismo e à exploração dos trabalhadores que surgiu na segunda metade do século XIX foi o anarquismo. O movimento anarquista inspirava-se nas ideias do francês Pierre Joseph Proudhon (1809-1865), segundo as quais uma nova sociedade deveria ser criada para ampliar a liberdade individual e livrar o trabalho da exploração do capitalismo industrial. Na nova ordem social imaginada por Proudhon, as pessoas se tratariam com justiça e cada um desenvolveria o seu potencial. Em tal sociedade era completamente desnecessária a manutenção de um governo, uma vez que este era visto pelo ideário anarquista como algo que só servia para alimentar privilégios e suprimir a liberdade. Nas palavras de Proudhon, “A propriedade é um roubo”. Um importante pensador anarquista foi o russo Mikhail Bakunin (1814-1876), que defendia o fim do capitalismo por meio da abolição imediata do Estado burguês e da propriedade privada. Para atingir este fim, o uso da violência era, segundo ele, extremamente válido. Para os anarquistas, era preciso instaurar uma sociedade desprovida de qualquer tipo de Estado, sem classes sociais, e constituída por pequenas comunidades autônomas nas quais as pessoas pudessem se divertir com liberdade. Se Marx sustentava que a revolução seria feita pelos operários nos países industriais, Bakunin desejava que os oprimidos de todas as classes, incluindo os camponeses, se revoltassem. No fundo, Bakunin temia que os marxistas se transformassem nos novos exploradores após a derrubada do capitalismo, e era por isso que o pensador anarquista defendia o fim imediato de qualquer forma de Estado após a revolução. A “ditadura do proletariado” era vista por ele com bastante desconfiança.





[1] Xelim: unidade monetária inglesa. Antes de 1971, cada libra esterlina valia vinte xelins. Na segunda metade do século XVIII, um pão com quase 2 quilos custava 1 xelim.

terça-feira, 7 de abril de 2015

A Inglaterra entre os séculos XV e XVII

Recapitulando... A Formação da Inglaterra

No início do período medieval, a Grã-Bretanha foi ocupada por anglos e saxões. Como o rei anglo-saxão Eduardo, o Confessor (1042-1066), não deixou filhos herdeiros, houve uma disputa pelo trono. Em 1066, normandos vindos do norte da atual França invadiram a ilha e, sob a liderança de Guilherme, o Conquistador (primo de Eduardo), derrotaram os anglo-saxões na Batalha de Hastings, dando início à Dinastia Normanda. Desenvolveu-se um sistema administrativo para cobrança de impostos e um forte exército foi criado. Guilherme (1066-1087) dividiu o reino em condados, os shires, controlados pela nobreza e fiscalizados por funcionários chamados sheriffs.

Em 1154, a Dinastia Plantageneta substituiu a Dinastia Normanda quando Henrique II (1154-1189) subiu ao trono. Os monarcas da Dinastia Plantageneta estabeleceram a justiça real e o Common Law, um conjunto de leis que deveria ser aplicado em todo o território.

Ricardo I, ou Ricardo Coração de Leão (1189-1199), foi o sucessor de Henrique II. Ricardo I se envolveu em guerras contra a França e participou da Terceira Cruzada, contribuindo com sua ausência para enfraquecer o poder real na Inglaterra. No reinado de João Sem-Terra (1199-1216), irmão de Ricardo, a insatisfação dos nobres com o rei atingiu o seu ponto máximo.

Guerreando contra a França, indispondo-se com o papa, elevando os impostos e tentando taxar os bens da Igreja, João Sem-Terra acabou tendo que enfrentar a revolta da nobreza, que lhe impôs a Magna Carta (1215). Segundo o documento, o monarca só poderia criar impostos ou alterar leis após a aprovação do Grande Conselho, órgão controlado por membros do clero e da nobreza.

Portanto, o processo de centralização política na Inglaterra foi retardado por meio dessa limitação ao poder real. Controlado por membros da velha ordem feudal, o Grande Conselho tinha um caráter conservador, e só aceitou a participação de burgueses em 1265.

Em decorrência da disputa de territórios no norte da Europa, como a próspera região têxtil de Flandres, a Inglaterra se envolveu na Guerra dos Cem Anos contra França. Os ingleses obtiveram vitórias iniciais importantes, mas passaram a enfrentar alguns problemas, tais como a peste negra, as rebeliões camponesas (destacando-se o levante liderado por Wat Tyler e John Ball, em 1381) e o prolongamento da guerra. Neste quadro, houve o enfraquecimento da nobreza.


Os (des)caminhos do absolutismo inglês entre os séculos XV e XVII

Com o fim da Guerra dos Cem Anos, já no século XV, começou uma disputa pela sucessão do trono inglês que afetaria ainda mais a nobreza: a Guerra das Duas Rosas (1455-1485), confronto entre as famílias York e Lancaster. Este conflito foi mais um episódio que marcou o tumultuado processo de centralização política na Inglaterra, ao lado da Magna Carta e da Guerra dos Cem Anos. A disputa do trono inglês pelas famílias York e Lancaster envolveu toda a nobreza inglesa, que ficou enfraquecida após as batalhas. A dinastia Lancaster governava a Inglaterra desde 1399, quando Ricardo II foi deposto, preso e morto após uma revolta tramada por seu primo, que assumiu o poder sob o título de Henrique IV. Com a derrota na Guerra dos Cem Anos e com a doença mental de Henrique VI, os York passaram a reivindicar o trono inglês, o que levou à Guerra das Duas Rosas, que recebeu esse nome porque enquanto o símbolo dos York era uma rosa branca, o símbolo dos Lancaster era uma rosa vermelha. O conflito entre as duas famílias fragilizou a nobreza e possibilitou a centralização política do país, afinal, uma nova família, os Tudor, acabou assumindo o poder. Henrique Tudor, apoiado pelos Lancaster, derrotou Ricardo III, da família York, na Batalha de Bosworth. O novo rei foi coroado como Henrique VII (1485-1509) e pacificou os York e os Lancaster, uma vez que tinha laços com as duas famílias (o monarca era Lancaster por parte de mãe e casado com Elizabeth/Isabel de York). Henrique VII submeteu os nobres ao seu controle, concentrando poderes em suas mãos. Durante o seu governo, a Inglaterra desenvolveu-se economicamente, com a burguesia adquirindo terras e prosperando. Henrique VII estimulou o comércio, a marinha mercante, a construção de portos e transformou a nação em uma potência.

Todavia, seria o seu sucessor, Henrique VIII (1509-1547), que daria uma forma mais bem acabada ao absolutismo inglês. Henrique VIII casou-se com a viúva de seu irmão, Catarina de Aragão, para manter uma aliança com a Espanha, mas o primeiro-ministro Wolsey preferia uma aliança com a França. Paralelamente a isso, o rei estava descontente com sua esposa, pois ela não havia gerado um herdeiro masculino, o que provavelmente provocaria problemas de sucessão. Henrique VIII pediu ao papa Clemente VII para anular seu casamento com Catarina, de modo que pudesse se casar com a inglesa Ana Bolena. Todavia, o pedido do rei foi negado, uma vez que a Igreja Católica era aliada da Espanha. O rei submeteu o Parlamento e decretou o Ato de Supremacia em 1534, transformando o anglicanismo na doutrina religiosa oficial da Inglaterra. Semelhante ao catolicismo na forma, mas com conteúdo calvinista, a religião anglicana agradava à burguesia. Como chefe da Igreja Anglicana, o rei confiscou os bens da Igreja Católica, o que reforçava a sua autoridade e seu poder econômico. O rei teve uma filha com Ana Bolena, Elizabeth. Todavia, para se casar com Jane Seymour, Henrique VIII acusou Ana Bolena de adultério e ordenou que ela fosse decapitada. Jane Seymour, a nova esposa do rei, deu à luz um menino, Eduardo. Henrique VIII casou-se outras três vezes e, após sua morte, seu filho foi coroado como Eduardo VI, que morreu após cinco anos de reinado. Sua sucessora foi Maria, filha de Catarina de Aragão.

Durante o curto governo de Maria I (1553-1558), o catolicismo foi restaurado na Inglaterra, ocorrendo violentas perseguições aos protestantes. Todavia, o anglicanismo voltou a ser oficializado no reinado de Elizabeth I (1558-1603), filha de Henrique VIII e Ana Bolena, quando a Inglaterra adotou uma política mercantilista bastante agressiva, com a construção de uma poderosa frota, a exploração de colônias na América e a criação de manufaturas e companhias de comércio. Elizabeth I também criou uma rede de espionagem e decidiu convocar o Parlamento apenas em casos excepcionais, medidas que reforçavam o absolutismo.

Neste cenário, o aumento da presença inglesa nos mares e na América deu início a um clima de rivalidade entre Inglaterra e Espanha. Os ingleses atacavam as colônias espanholas e saqueavam os navios da Espanha em ações que tinham o apoio da rainha Elizabeth I (a Coroa ficava com uma parte do lucro obtido por meio da pirataria praticada pelos ingleses). O monarca espanhol Filipe II tentou invadir a Inglaterra usando a sua poderosa marinha, conhecida na época como a Invencível Armada. Contudo, a marinha inglesa venceu a frota de Filipe II em 1588. A rainha Elizabeth I morreu em 1603 sem deixar herdeiros, o que fez com que Jaime I (1603-1625), seu primo, assumisse o trono e iniciasse a dinastia Stuart.

Como o novo rei tinha origens escocesas, ele acabou unificando os dois reinos. Governando de maneira despótica e defendendo a ideia do direito divino dos reis, Jaime I perseguiu os puritanos (calvinistas), fazendo com que muitos deles decidissem migrar para a América do Norte. Foi nesse período que se intensificou o processo dos cercamentos, quando propriedades rurais que produziam vários itens passaram a se especializar na produção de um único produto voltado para comercialização no mercado. De maneira geral, ganhou espaço a criação de ovelhas, atividade que possibilitava a produção de lã, matéria-prima para as manufaturas têxteis. Um proprietário único passava a explorar assim determinada área em proveito próprio, empregando reduzida mão-de-obra. O resultado desse processo foi o êxodo rural, pois muitos camponeses que não tinham mais lugar no campo passaram a migrar para as cidades.

A partir dos cercamentos, boa parte da aristocracia se “aburguesou”, sobrepondo-se ao rei. Vale lembrar que as bases legais do absolutismo inglês eram bastante frágeis, uma vez que a Magna Carta limitava o poder real, dando um considerável espaço para as elites inglesas do Parlamento atuarem politicamente. No intuito de reverter essa situação, os Stuart decidiram enfrentar os poderes estabelecidos acentuando os aspectos católicos do anglicanismo. Foi nesse quadro que, defendendo os aspectos calvinistas da doutrina anglicana, burgueses começaram a questionar o poder real, formando o grupo dos puritanos. Jaime I chegou a pedir uma pensão vitalícia, mas o Parlamento se negou a atender o desejo do rei. O monarca acabou dissolvendo o Parlamento, que seria convocado só dez anos depois. O poder de Jaime I começou a sofrer séria oposição quando, para manter um exército fiel e uma corte luxuosa, o rei restaurou antigos impostos e implantou uma série de monopólios, medidas que desagradaram tanto as camadas mais pobres da sociedade quanto a burguesia. As críticas ao seu governo aumentaram ainda mais quando Jaime I tentou se reaproximar da Espanha, vista como inimiga pelos ingleses.

Os conflitos políticos e religiosos tornaram-se cada vez mais intensos. É preciso dizer que na Inglaterra havia uma variedade notável de doutrinas religiosas. Os puritanos se dividiam em presbiterianos – religiosos dirigidos por pastores e presbíteros (leigos idosos) – e puritanos independentes – pessoas que desejavam mais liberdade e menos controle nas organizações religiosas, defendendo a ideia de que os próprios fiéis deveriam assumir as funções de pastores e pregadores da palavra divina. O anglicanismo era aceito pela maioria dos pares, da alta nobreza e do clero, embora houvesse ainda aristocratas católicos. Boa parte dos comerciantes e nobres dedicados à produção de lã era formada por presbiterianos. Já o puritanismo independente era comum entre certos comerciantes e setores burgueses, bem como entre pequenos e médios proprietários rurais, trabalhadores assalariados, artesãos e camponeses. Havia ainda católicos e anglicanos em vários desses grupos sociais.

Após a morte de Jaime I, subiu ao trono o seu filho Carlos I (1625-1649). Mesmo sem a aprovação do Parlamento, o novo rei criou taxas alfandegárias para sustentar a família real, impôs aos proprietários um empréstimo forçado à Coroa e perseguiu os seus opositores. Em 1640, a Escócia calvinista rebelou-se contra a Inglaterra anglicana. Para combater os escoceses, era preciso que o rei inglês Carlos I aumentasse os impostos para conseguir montar um exército. No intuito de realizar tal empreitada, o rei convocou o Parlamento, mas este impôs condições para atender ao pedido real. O Parlamento exigiu alguns direitos, tais como ser consultado sobre questões tributárias, sobre a questão religiosa e sobre questões atinentes ao julgamento pelo júri. Carlos I não aceitou as exigências e ordenou o fechamento do Parlamento. As tropas do monarca inglês foram derrotadas pelo exército escocês, o que intensificou a crise política. Carlos I chegou a convocar novamente o Parlamento, mas este órgão acabou retomando seu antigo papel na estrutura do Estado inglês, revogando tributos estabelecidos pelo rei sem a sua aprovação e tornando automática a sua convocação independentemente da vontade do monarca. Em 1641, a Irlanda católica rebelou-se contra a Inglaterra, o que levava à necessidade de os ingleses formarem um exército. Para que o rei não controlasse esse exército, o Parlamento decidiu controlar as tropas militares.

Em 1642, começou uma violenta guerra civil na Inglaterra que colocou de um lado os cavaleiros (ou realistas) – nobres fiéis ao rei, bispos da Igreja Anglicana e alguns grandes burgueses –, que eram chamados assim em uma referência aos caballeros espanhóis que lutaram contra os protestantes durante os séculos XVI e XVII, e do outro os cabeças redondas – partidários do Parlamento, foco da reação burguesa e puritana contra a monarquia absolutista. Muitos dos cabeças redondas eram artesãos aprendizes que estiveram entre os primeiros voluntários do exército parlamentar, e receberam esse nome porque usavam os cabelos bem curtos, o que revelava a forma redonda da cabeça. Católicos e anglicanos ficaram do lado rei, enquanto os puritanos apoiaram o Parlamento. O exército parlamentar era basicamente formado por voluntários motivados por convicções políticas e religiosas. Ademais, no exército parlamentar havia uma valorização do mérito militar e os soldados sempre discutiam livremente as questões polêmicas que surgiam, ou seja, eles sabiam realmente por qual motivo estavam lutando. O puritano Oliver Cromwell, membro da Câmara dos Comuns que zelava pela religião protestante, liderou habilmente as tropas do Parlamento, vencendo as forças leais a Carlos I.

Após a vitória sobre as forças do rei, os puritanos se dividiram, pois os presbiterianos, que controlavam o Parlamento e temiam a radicalização da revolução, tentavam negociar com o rei, enquanto os puritanos independentes, que comandavam o exército, aproximavam-se cada vez mais de setores radicais da revolução. Havia uma instabilidade política interna por causa do descontentamento da população pobre, artesãos e jornaleiros. Liderados por John Lilburne, o Nivelador, esses grupos reivindicavam a redistribuição da propriedade, o sufrágio universal masculino e a abolição das elites intelectuais e religiosas que apoiavam os interesses dos grupos dominantes. Por sua vez, os diggers – cavadores – criticavam o controle dos proprietários sobre os trabalhadores rurais, algo que era visível nas taxas pagas pelo uso da terra e nos despejos que os trabalhadores rurais sofriam muitas vezes sem aviso prévio. Os diggers defendiam o direito dos trabalhadores rurais de cultivar a terra por conta própria. Havia um temor por parte dos presbiterianos de que esses grupos mais radicais assumissem o poder, por isso os presbiterianos planejavam recolocar Carlos I no trono. Com o tempo, tanto os niveladores quanto os diggers foram duramente reprimidos. O exército impediu o plano dos presbiterianos, não permitindo o retorno de Carlos I ao poder.

Destituído de seu posto, o rei foi condenado à morte por decapitação em 1649. Cromwell assumiu o poder e proclamou a República – chamada de Commonwealth –, passando a governar com poderes ditatoriais garantidos pelo exército. O novo governante chegou a dissolver o Parlamento, de maioria presbiteriana, em 1653, levando à dispersão dos seus membros que faziam oposição ao centralismo de Cromwell. O ditador recebeu o título vitalício de Lorde Protetor da Inglaterra, Irlanda e Escócia, mas recusou a coroa do rei quando esta lhe foi ofertada por alguns partidários. Privilégios feudais foram abolidos e ampliou-se o capital em circulação (especialmente por meio de joias, peças de ouro e bens de valor usados para custear os exércitos que se enfrentaram durante a guerra civil), o que estimulou o comércio e a produção artesanal. No intuito de atender os interesses mercantis da burguesia, Cromwell decretou os Atos de Navegação em 1651, leis que protegiam os comerciantes ingleses e estimulavam a construção naval. O objetivo dos Atos era enfrentar a poderosa concorrência holandesa, uma vez que a Holanda tinha uma grande frota mercante e transportava produtos em todo o mundo. Ficava estabelecido que as mercadorias só poderiam entrar na Inglaterra ou nas colônias inglesas se fossem transportadas por navios ingleses ou por navios de seus próprios países de origem. De caráter mercantilista, os Atos procuravam garantir o monopólio comercial, fato que gerou uma guerra entre Inglaterra e Holanda entre 1652 e 1654, conflito vencido pelos ingleses.

Cromwell morreu em 1658, o que acentuou a instabilidade na Inglaterra, pois o seu filho, Richard Cromwell, não conseguiu conter a reação monárquica e antipuritana. A monarquia Stuart acabou sendo restaurada, com Carlos II – filho de Carlos I – assumindo o poder. Carlos II preferiu não restaurar o absolutismo radicalmente, mas também trabalhou no sentido de limitar de alguma maneira a atuação dos parlamentares. Em decorrência de seu ódio a Cromwell, o rei ordenou que o cadáver do ditador fosse desenterrado, enforcado e tivesse a cabeça exibida sobre um poste, na entrada do Parlamento. Carlos II governou entre 1660 e 1685. Como o rei não tinha filhos legítimos, seu sucessor deveria ser o seu irmão Jaime, um católico fervoroso. Durante anos houve um debate no âmbito do Estado protestante inglês sobre a possibilidade de a Inglaterra ter um rei católico. No Parlamento formaram-se dois grupos: os liberais whigs, que queriam excluir Jaime da linha de sucessão, e os conservadores tories, que aceitavam o direito de Jaime assumir o trono.

Carlos II morreu em 1685 e foi sucedido pelo seu irmão, Jaime II, que assumiu o poder com o intuito de submeter o Parlamento e os governos locais, mas acabou ficando isolado por causa de seu catolicismo. De fato, Jaime II não agradava nem a Igreja Anglicana e muito menos as forças políticas que se rebelaram contra o seu pai, Carlos I. Ademais, o absolutismo era visto pelas elites dominantes como uma ameaça à paz, por causa da possibilidade de ocorrer uma nova guerra civil puritana, que poderia provocar prejuízos econômicos ao país. A situação de Jaime II ficou ainda mais delicada quando, em 1688, nasceu Jaime Francisco Stuart, filho legítimo do rei, pois a perspectiva de uma dinastia católica reinando na Inglaterra não agradava diversos atores sociais. Começou a se articular, então, uma conspiração por parte dos anglicanos e dos inimigos do absolutismo. Em 1688, sem derramamento de sangue, a Revolução Gloriosa afastou Jaime II do poder e colocou em seu lugar um novo monarca, o protestante Guilherme de Orange, holandês de origem e casado com a filha mais velha do rei deposto. Coroado como Guilherme III, o novo rei assinou a Declaração de DireitosBill of Rights –, por meio da qual abdicava, em seu nome e de seus sucessores, de tentar submeter o Parlamento. Jaime II exilou-se na França.

Ficavam garantidos os fundamentos da monarquia constitucional inglesa, a autonomia do judiciário, a liberdade de imprensa e a proteção à propriedade particular. A nova situação agradou a burguesia. Também ficou estabelecido que o Parlamento deveria aprovar novas taxações e que haveria liberdade religiosa a todos os protestantes, medida esta que foi definida pelo Ato de Tolerância. A partir da Revolução Gloriosa, a Inglaterra passou a ter um governo comprometido com o enriquecimento da classe dos homens de negócios, fato que nos ajuda a entender o desenvolvimento econômico inglês que ocorreria nos 200 anos seguintes.


Para pensar... O Absolutismo Inglês e o Teatro de Shakespeare

Leia abaixo um pequeno texto de autoria de Leandro Karnal, onde o autor analisa alguns aspectos do absolutismo inglês, a presença da "modernidade política" desenvolvida pelos ingleses nas peças de William Shakespeare e as relações entre a conjuntura inglesa do século XVII e o início da colonização inglesa da América do Norte:

"Já no século XV, a Inglaterra enfrentava o mais longo conflito da história: a Guerra dos Cem anos (1337-1453). Lutando contra um inimigo comum, os ingleses começam a pensar no que os unia, no que era ser inglês. Porém, mal terminada a Guerra dos Cem anos, a ilha é envolvida numa violenta guerra civil: a Guerra das Duas Rosas (1455-1485). A família York (que usava uma rosa branca como símbolo) e a família Lancaster (que usava uma rosa vermelha) submergiram o país em mais três décadas de violência.

Qual a importância das duas guerras para a Inglaterra? A luta contra a França estimulou certa unidade na ilha, reforçando o chamado “esplêndido isolamento”, como os ingleses denominaram seu relativo afastamento do continente. A sucessão de guerras colabora também para enfraquecer a nobreza e suscitar no país o desejo de um poder centralizado e pacificador. A dinastia Tudor (1485-1603), que surge desse processo, torna-se, de fato, a primeira dinastia absolutista na Inglaterra.

A família Tudor no governo seria responsável pela afirmação do poder real inglês em escala inédita. Um país cansado de guerras ofereceu-se à ação dos Tudor sem grandes resistências. A expressão “país cansado” pode dar a ideia de que a Nação seja um indivíduo. Quem é “o país”? Nesse momento, é importante destacar que as guerras atrapalhavam as atividades produtivas e comerciais. Logo, uma das partes do “país” que estava mais cansada era constituída por burgueses que, em sua maioria, queriam um poder forte e centralizado. A outra parte do “país”, que poderia oferecer resistência – os nobres –, tinha sido duramente atingida pelas guerras.

O poder dos Tudor aumentou ainda mais com a reforma religiosa (século XVI). Usando como justificativa sua intenção de divórcio, o rei Henrique VIII rompeu com o papa e fundou o anglicanismo, tornando-se chefe da igreja na Inglaterra e confiscando as terras da igreja Católica.

Os dois maiores limites ao poder real eram os nobres e a igreja Católica. Graças à Reforma e à fraqueza da nobreza inglesa, esses limites foram eliminados ou diminuídos durante a dinastia Tudor.

Se o inimigo francês fora a realidade do fim da Idade Média, na Moderna ele seria substituído pelo “perigo espanhol”, ou seja, o risco de a Espanha invadir a Inglaterra. Esse risco foi bastante alto (ao menos até a derrota da Invencível Armada da Espanha, em 1588). Um inimigo forte e agressivo no exterior refreia críticas internas. Atacar o rei, condutor da nação, diante do risco nacional permanente, parecia uma traição.

No século XVI, o nacionalismo na Inglaterra fortaleceu-se. O que significa isto: mesmo com todas as diferenças, cada inglês olha para o outro e sente que há pontos em comum, coisas que os diferenciam dos franceses e espanhóis, formando laços de união entre eles.

Os ingleses estavam desenvolvendo a “modernidade política”. Mas no que ela consistia? Basicamente, seria uma ação política independente da teologia e da moral. Em outras palavras, a ação dos príncipes modernos não procura levar em conta se o que fazem é moralmente correto. Os príncipes modernos agem porque tal ação é eficaz para atingir seus objetivos, dentre os quais o maior é conseguir o poder absoluto. Na história política da Inglaterra, entre o final da Idade Média e o início da Moderna, esse tipo de príncipe foi comum. Eram príncipes reais, concretos, sem fumos divinos ao redor do trono.

Essa memória política pôde servir de base para personagens de Shakespeare como Macbeth e Ricardo III. Mesmo ambientando suas cenas na Escócia medieval ou na Inglaterra do século anterior ao seu, Shakespeare remete à memória política dos ingleses, marcada pela astúcia, violência e, acima de tudo, por um apego à realidade.

Macbeth faz de tudo para conseguir o trono da Escócia. Mata, trai e personifica um tipo particular de política não muito distante daquele a que os ingleses haviam assistido no princípio da Idade Moderna. A fala das feiticeiras da peça Macbeth mostra que esse é um mundo em que os valores estão em transformação: “O belo é feio e o feio é belo”. Da guerra nasce uma relatividade nos valores tradicionais, uma das características do moderno. O que valia até aqui pode não valer mais, é isso que as feiticeiras dizem aos ingleses que assistem a sua fala.

Ricardo III segue os passos de Macbeth. Que outra figura a literatura terá criado com tamanha maldade e falta de escrúpulos? Ele é capaz de matar crianças e supostos amigos; feio, disforme, repugnante de corpo e alma. Ricardo, duque de Glócester, nos obriga a rever o conceito de maldade. Não obstante, Shakespeare o faz personagem central de uma peça.

No final de Ricardo III, Shakespeare anuncia o fim da guerra civil e o advento da paz com o início do governo Tudor. Era preciso descrever como era terrível o rei que antecedeu a dinastia para a qual o poeta trabalhava. Mesmo querendo realçar a ruptura entre Ricardo III e Henrique VII, Shakespeare acaba nos mostrando quanto a Inglaterra é fruto também de modernidade política, seja ela York, Lancaster ou Tudor. O dramaturgo distancia-se o suficiente do poder para analisá-lo, e este, bem ou mal exercido, torna-se um conceito. É possível, então, jogar com ele, distanciar-se, relativizar. Apesar do proverbial amor shakesperiano à ordem e a poderes absolutos e sua repulsa figadal a agitações populares, o bardo instalou uma modernidade extraordinária. Veja-se essa notável modernidade moral quando o vilão Iago (Otelo, o Mouro de Veneza – Ato I, cena III) rejeita qualquer traço externo a suas escolhas pessoais e proclama o primado absoluto da sua vontade individual:

Só de nós mesmos depende ser de uma maneira ou de outra. Nossos corpos são jardins e nossa vontade é o jardineiro. De modo que, se quisermos plantar urtigas ou semear alfaces, criar flores ou arrancar ervas, guarnecê-lo com um só gênero de plantas ou dividi-lo em muitos para torná-lo estéril por meio do ócio, ou fértil à força da indústria, muito bem!; o poder, a autoridade corretiva disto tudo residem em nossa vontade. Se a balança de nossas existências não tivesse o prato da razão como contrapeso à sensualidade, o sangue e a baixeza de nossa natureza nos conduziriam às mais desagradáveis consequências. Mas possuímos a razão para esfriar nossas furiosas paixões, nossos impulsos carnais, nossos desejos desenfreados.

O homem é livre. Não existe sina, estrela ou destino. Em vez da política dinástica e da crença na legitimidade do poder real, a Inglaterra entra na Idade Moderna tendo convivido com a relatividade desses valores. Mas a Inglaterra também passa a conviver com outra questão moderna: a diversidade religiosa.

Henrique VIII casara-se seis vezes. Ao casar-se pela segunda vez, rompera com a Igreja de Roma, tornando-se chefe da Igreja inglesa: a Igreja Anglicana. Ao morrer, deixa como herdeiro seu filho Eduardo VI, de tendências calvinistas. O curto reinado de Eduardo VI é seguido pelo de Maria I, alcunhada de “sanguinária” pelos ingleses. Maria recebeu esse apelido ao reprimir com grande violência os protestantes e tentar reinstalar o catolicismo na Inglaterra, chegando mesmo a casar-se com o rei Filipe II da Espanha, tradicional inimigo. Ao morrer sem deixar herdeiros, Maria abre o caminho do poder para sua meio-irmã, Elizabeth I, que por quase cinquenta anos afirmou o anglicanismo como religião da Inglaterra.

Difícil imaginar a importância da religião no século XVI. Romper com Roma, negar a autoridade do papa, sucessor de São Pedro e figura que por muitos séculos os ingleses respeitaram, representa muito mais do que uma ruptura política. Os ingleses e o rei, ao fundarem uma nova Igreja, criaram também uma nova visão de mundo. O rei desejou casar-se novamente, o papa não autorizou, o rei casou-se mesmo assim. Apesar de todas as justificativas bíblicas que Henrique VIII usou, o que ele fez foi afirmar a supremacia de sua vontade individual sobre a tradição. Em outras palavras, Henrique VIII usa sua liberdade contra a tradição, quebra o que “sempre foi” e torna válido um ato de rebeldia.

Por meio século, os ingleses conviveram com súbitas mudanças de orientação nas diretrizes religiosas do país. Ao contrário de uma Espanha que se unificava em torno do catolicismo, expulsando judeus e muçulmanos e perseguindo as vozes discordantes, a Inglaterra conheceu a relatividade religiosa.

No século XVII, quando se iniciou a dinastia Stuart, a ilha estava fragmentada em inúmeras denominações protestantes, vários focos de resistência católicos e a Igreja Anglicana oficial.

O SÉCULO XVII E OS STUART

A Inglaterra estava em transformação. Primeiramente quanto à população: havia 2,2 milhões de ingleses em 1525 e esse número passaria a 4,1 milhões em 1601. A revolução agrícola e o progresso das manufaturas fizeram da era Tudor um momento de prosperidade.

No século XVII, intensifica-se o processo de cercamentos (enclosures) que tinham se iniciado no final da Idade Média. As velhas terras comuns e os campos abertos, indispensáveis à sobrevivência dos camponeses, estavam sendo cercados e vendidos pelos proprietários, principalmente em função do progresso de criação de ovelhas. O capitalismo avançava sobre o campo e o desenvolvimento da propriedade privada excluía muitos trabalhadores. Para diversos camponeses, o fim das terras comuns foi também o fim da vida no campo.

O êxodo rural cresce consideravelmente. As cidades inglesas aumentam e o número de pobres nelas é grande. É dessa massa de pobres que sairá grande parte do contingente que emigra para a América em busca de melhores condições.

Esse processo de cercamentos e de êxodo rural foi analisado por Karl Marx, que destaca as grandes transformações decorrentes dele. O rápido crescimento econômico e as mudanças súbitas de valores criam uma época em que, segundo Marx, “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. As cidades se transformam. Não há verdades absolutas. O mundo tradicional fica diluído inclusive com a ascensão de novos grupos sociais, como a burguesia e a pequena nobreza inglesa.

A política inglesa do século XVII convive com o espírito de Macbeth – a “política moderna” – anteriormente explicada: os jogos de poder e a luta pelo mundo. A dinastia Stuart, ao tentar governar sem a rédea do Parlamento, entra em colisão com uma parte da sociedade da ilha. Estoura a Guerra Civil e a revolução Puritana. O novo líder da Inglaterra, Cromwell, manda matar Carlos I. O regicídio tinha sido comum nas conspirações da história da Inglaterra, porém, pela primeira vez um rei era morto após um julgamento, como os franceses fariam no século seguinte com Luís XVI. Ao matarem Carlos I, os ingleses estavam declarando: os reis devem servir à nação e não o contrário. Os juízes, em 1649, declararam que Carlos I era “tirano, traidor, assassino e inimigo público”. Como disse o historiador Christopher Hill, a ilha da Grã-Bretanha tinha virado a “ilha da Grã-loucura”. A necessidade concreta de grupos particulares pode vencer tradição e leis. Isso é importante para reforçar o que já tratamos várias vezes: o conceito de modernidade política.

Moderna novamente, a Inglaterra torna-se sede da primeira e efetiva revolução burguesa da Europa (por levar os burgueses ao controle do poder político), que, mais tarde, formularia a Declaração de Direitos, estabelecendo novas bases para a política. Era a Revolução Gloriosa, que depôs mais um Stuart em 1688. No mesmo ano, a França vivia o apogeu do absolutismo sob o governo de Luís XIV, os portugueses eram dominados pela dinastia de Bragança e os espanhóis continuavam sob o poder dos Habsburgo.

Os choques constantes entre rei e burguesia, entre a religião oficial e grupos reformados, bem como choques entre grupos mais democráticos e populares contra grupos burgueses — tudo isso colabora para tornar o século XVII um momento conturbado na história da Inglaterra e ajuda a explicar o pouco controle inglês sobre suas colônias.

Outro fator tornava as vidas inglesa e europeia bastante difíceis nos séculos XVI e XVII: a alta de preços. A inflação dos produtos de primeira necessidade estava associada à abundância de ouro e prata que jorrava da Espanha pelo continente. Os metais retirados da América empurravam os preços para cima e, como costuma acontecer, atingiam a classe baixa de forma particularmente violenta. As perturbações sociais nesses séculos são constantes. A fome e a peste, filhas da inflação e do aumento populacional, varrem a Europa.

Essa situação da Inglaterra explica a inexistência de um projeto colonial sistemático para a América e a própria “ausência” da metrópole no século XVII. Há a falta de um referencial uniforme que norteie a colonização.

As perseguições religiosas que marcaram o período também estimularam muitos grupos minoritários, como os quakers, a se refugiarem na América. O aumento da pobreza nas cidades favorece grupos sem posses a ver na América a oportunidade de melhorarem sua vida e serem livres.

Os ingleses que vêm para a América trazem uma tradição cultural diversa da espanhola ou portuguesa. Os colonos ingleses, por exemplo, convivem com mais religiões. O senso do relativo que a história inglesa ajudara a formar estabeleceria uma possibilidade de opção bem maior, uma visão de mundo mais diversificada para nortear as escolhas de vida feitas na nova terra.

O Estado e a Igreja oficial, na verdade, não acompanharam os colonos ingleses. Aqui eles teriam de construir muita coisa nova, inclusive a memória. No entanto, uma nova memória só foi possível graças às transformações que a própria história inglesa havia sofrido desde o final da Idade Média e a consequente criação de novos referenciais culturais. O fantasma de Macbeth acompanhou os colonos. Suficientemente fluido para permitir a criatividade. Suficientemente nítido para resistir à travessia do Atlântico."

(KARNAL, Leandro. O modelo original: a Inglaterra. In: Karnal, Leandro; PURDY, Sean; FERNANDES, Luiz Estevam; MORAIS, Marcus Vinícius de. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed. 1. reimpr. São Paulo: Contexto, 2013, p. 31-37.)

domingo, 5 de abril de 2015

A Revolução Mexicana

Depois de 1821, quando a independência do México foi proclamada, os mexicanos passaram a enfrentar um período de instabilidade política que foi marcado por ditaduras e pela dependência econômica. O país perdeu quase metade do seu território depois da guerra contra os Estados Unidos da América, em 1848. Entre 1861 e 1867, o México sofreu com as intervenções dos franceses, que queriam instalar naquele território o governo Habsburgo de Maximiliano, um prolongamento do Segundo Império Napoleônico na América. O resultado desses acontecimentos foi a deterioração das condições sociais.

Foi nesse cenário que instalou-se no México a ditadura de Porfirio Díaz (1877-1880, 1884-1911), marcada pela intensa concentração fundiária e pela entrada do capital estrangeiro no país, capital esse que buscava explorar e controlar os recursos minerais e a produção de artigos de exportação. Para a maioria da população mexicana – que habitava as áreas rurais – esse processo significou o aumento da miséria e da dependência em relação aos grandes senhores.

Essa situação levou a um clima de insatisfação no início do século XX. Ocorreram greves operárias nas cidades e revoltas na zona rural. Foi nessas lutas que surgiram duas lideranças populares: Emiliano Zapata e Pancho Villa. Eles reivindicavam a distribuição de terras por meio da reforma agrária e conseguiram mobilizar milhares de camponeses. Zapata e Villa opuseram-se aos latifundiários, o poderoso grupo social que contava com o apoio da Igreja e das elites constituídas. Mas a elite não era um grupo totalmente afinado com o poder, pois parte dela, sob o comando de Francisco Madero, insurgiu-se contra a ditadura porfirista. Os exércitos revolucionários uniram forças e depuseram Porfirio Díaz em maio de 1911.

As tímidas medidas sociais adotadas por Madero fizeram com que as camadas populares continuassem insatisfeitas. Zapata chegou a propor o Plano de Ayala, por meio do qual pedia a reforma agrária e a derrubada do governo de Madero.

Madero acabou assassinado em 1913. A ditadura foi reinstalada com o general Victoriano Huerta, ligado aos interesses dos EUA. Pancho Villa voltou a lutar contra as forças federais. Zapata passou a liderar a revolução camponesa pela reforma agrária no sul. Pressionado, Huerta renunciou em 1914 em favor de um governo constitucional liderado por Venustiano Carranza (1914-1915).

Carranza e Pancho Villa entraram em conflito. Os Estados Unidos apoiaram Carranza contra Villa, e este último perdeu boa parte dos seus efetivos e também foi emboscado. Pancho Villa determinou o fuzilamento de 17 engenheiros texanos que estavam no México, dos quais apenas um sobreviveu. Posteriormente, Villa atacou a cidade norte-americana de Columbus, fato que provocou uma represália do governo dos EUA, que ordenou uma perseguição a Villa no México. Villa conseguiu se esconder e, tempos depois, o desgaste gerado pela presença de soldados norte-americanos no México e o advento da Primeira Guerra Mundial em 1914 fizeram com que os EUA desistissem de capturar o revolucionário, retirando suas tropas do México. Em 1920, Villa foi anistiado pelo governo, indo morar em sua propriedade em Parral, onde foi assassinado em 1923. Emiliano Zapata, que estivera ao lado de Villa em vários combates, foi morto pelas forças de Carranza em 1919.

Em 1917, após a promulgação da nova Constituição liberal do México, Carranza foi eleito presidente. Enquanto isso, os movimentos populares continuaram em luta, pois estavam insatisfeitos com o não atendimento de suas reivindicações, em especial a redivisão fundiária. A reforma agrária, motivo da revolução de 1910, continuaria sendo uma questão delicada no México. Para se ter uma ideia, na década de 1930, ela ainda não tinha sido realizada e mais de 80% das terras mexicanas pertenciam a pouco mais de 10 mil mexicanos. Representando as manifestações nacionalistas e as reivindicações sociais, o presidente Lázaro Cárdenas (1934-1940) expropriou terras e companhias estrangeiras, nacionalizou o petróleo e estimulou a formação de sindicatos camponeses e operários. O partido do governo passou a se chamar Partido da Revolução Mexicana, que transformou-se no Partido Revolucionário Institucional, em 1948. O PRI permaneceu hegemônico no poder, vencendo todas as eleições presidenciais, até ser derrotado em 2000.

Ao final do século XX, porém, o que se viu no México foi a volta do domínio do latifúndio na estrutura agrária do país. Ademais, a subordinação aos capitais internacionais levou a economia mexicana à beira do colapso. A intensa dívida externa e a inflação levaram o presidente Andres Salinas de Gortari, em 1990, a buscar acordos internacionais que atraíssem investimentos estrangeiros, em especial os norte-americanos. O México acabou unindo-se à economia dos EUA e do Canadá por meio da sua entrada no Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre-Comércio), que foi oficializada em 1° de janeiro de 1994. O fato foi celebrado como a passagem para o mundo desenvolvido.

Entretanto, na mesma época houve o levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que tomou diversas cidades no estado de Chiapas, uma região pobre no sudeste do país. Os zapatistas exigiam “pão, saúde, educação, autonomia e paz” para os camponeses. Sob a liderança de um homem mascarado autodenominado subcomandante Marcos, eles se sublevaram contra o governo e denunciaram os perigos do Nafta para o povo mexicano.

O ano de 1994 foi marcado pelos enfrentamentos e pelos acordos entre o governo de Andres Salinas e os camponeses revoltosos, além da tensão das eleições presidenciais. Dois membros do partido do governo (PRI), Luis Donaldo Colosio – candidato que estava à frente nas pesquisas eleitorais – e José Francisco Massieu – secretário do partido –, ambos defensores de reformas políticas no país, foram assassinados.


A instabilidade econômica intensificou-se em meio a acusações de envolvimento do governo nos assassinatos, em especial o irmão do presidente, Raúl Salinas, e escândalos de corrupção. O novo candidato do PRI, Ernesto Zedillo, venceu as eleições e assumiu o cargo de presidente em dezembro de 1994. Nas eleições de 2000, o longo período de domínio do PRI chegou ao fim, com a vitória de Vicente Fox, pelo Partido de Ação Nacional (PAN). Em 2006, pelo mesmo partido, Felipe Calderón elegeu-se presidente com o apoio de Fox, derrotando Andrés Manuel López Obrador, do Partido da Revolução Democrática (PRD), em um clima de acusações de fraudes e contestações. O PRI retornou ao poder presidencial com Peña Nieto, empossado como presidente em 2012.

Sugestões de leituras

Para aprofundarmos um pouco mais no estudo da Revolução Mexicana, recomendamos a leitura dos textos abaixo (basta clicar nos links):