UM
TEMPO DE TRANSFORMAÇÕES
Em
decorrência do comércio e das atividades bancárias, houve uma notável ascensão
social da burguesia europeia no século XVIII. Era muito comum que banqueiros
emprestassem dinheiro aos reis ou financiassem os exércitos reais. Em troca,
estes burgueses recebiam privilégios, como o monopólio do comércio entre a
metrópole e suas colônias. Como as antigas corporações de ofício impunham
limites à produção, os grandes comerciantes começaram a entregar a matéria-prima
para artesãos que, trabalhando em suas próprias casas, produziam os artigos
encomendados. Assim, a burguesia mercantil europeia passava a intervir na
produção das mercadorias.
Durante
muito tempo foi comum na Inglaterra e em outros lugares o sistema de produção
artesanal, onde todas as etapas do processo produtivo eram executadas por uma
única pessoa. O artesão era dono do seu próprio tempo, das ferramentas de
trabalho e da matéria-prima. No caso da produção de tecidos de lã, todo o
processo – da tosquia dos carneiros até a fiação, a tecelagem e o tratamento
final dos tecidos – era baseado na mão de obra familiar, com o auxílio
ocasional de pessoas contratadas. No intuito de aumentar os lucros e
racionalizar o trabalho, os mercadores começaram a reunir vários trabalhadores
em um único local, fornecendo-lhes a matéria-prima e as ferramentas necessárias
para a fabricação dos artigos desejados, pagando-lhes um salário em dinheiro.
Essa estratégia visava reduzir custos e aumentar a produtividade e o lucro. Foi
assim que surgiram as primeiras manufaturas, antecessoras da fábrica moderna.
Na
Inglaterra do século XVI era possível encontrar manufaturas que reuniam cerca
de 600 trabalhadores assalariados. Com o passar do tempo, adotou-se a divisão do trabalho, ou seja, em vez de
um trabalhador produzir integralmente artigo por artigo, ele passou a executar
apenas uma operação, correspondendo a uma parte da peça a ser fabricada. O
produto final era o resultado da soma de todas as operações. As vantagens dessa
mudança foram analisadas por Adam Smith em 1776 na obra A riqueza das nações. De
fato, a divisão do trabalho permitiu que a produção ficasse mais ágil. O
aumento de produtos disponíveis no mercado estimulava o consumo e o surgimento
de mais manufaturas, o que aumentava a oferta de empregos. Por sua vez, a
expansão do mercado de trabalho aumentou o volume de dinheiro em circulação,
estimulando ainda mais o consumo, e assim por diante. A nova forma de
organização do trabalho permitiu o advento de uma relação de dependência entre
o artesão e o comerciante.
Todo
esse processo teve início na Inglaterra
no século XVIII. Naquela época, esse país já era a nação mais rica do mundo, dispondo
de jazidas de carvão e ferro, uma poderosa esquadra que lhe dava a supremacia
naval, portos eficientes e uma rede
de estradas que interligavam as
várias regiões do país e facilitavam o escoamento dos produtos. Ademais, a
existência de um vasto mercado
consumidor em suas colônias na América e na Ásia permitia à Inglaterra
usufruir da posição de líder do comércio internacional. É preciso lembrar
também que, naquele período, a burguesia inglesa já havia se consolidado como
uma importante força econômica e política, o que contribuiu para que os
empecilhos impostos pela Igreja Católica à expansão burguesa fossem eliminados,
como a condenação ao lucro e à cobrança de juros.
Como
resquício do feudalismo, as comunidades rurais tinham autorização para usar
livremente uma parcela das terras do senhor. Por meio do cultivo coletivo, as
terras proporcionavam não só colheitas suplementares, mas também pasto para os
animais domésticos e lenha, além da caça de pequenos animais. Todavia, entre os
séculos XVI e XVIII, grandes proprietários rurais ganharam do governo inglês o direito
de expulsar os camponeses das terras comunais. Era o processo dos cercamentos,
e muitas das terras cercadas passariam a
ser usadas para a criação de carneiros. Isso provocou o êxodo rural rumo às cidades, onde os camponeses se transformavam na
principal fonte de mão de obra das indústrias que surgiam. Nas cidades, os
antigos camponeses também podiam se transformar em mendigos. Os valores e
costumes dos camponeses eram bem diferentes daqueles encontrados nos centros
urbanos, pois nas cidades industriais imperavam a competição e o individualismo.
O crescimento da oferta de mão de obra nas cidades gerou problemas como
desemprego e falta de moradia.
Novas
técnicas agrícolas vinham sendo
desenvolvidas e aplicadas no campo desde o século XVII. O uso intensivo de
esterco, a seleção de sementes, a rotação de culturas, a drenagem do solo e o
plantio de novos gêneros alimentícios, como a batata e o nabo, por exemplo,
fizeram com que a produção agrícola inglesa não mais ficasse voltada apenas
para a subsistência da população, mas passasse a direcionar-se também para o
comércio exterior. Ainda no campo, as relações de trabalho sofreram
modificações, com a mão de obra servil sendo trocada pelo trabalho assalariado. Como resultado disso, houve o aumento da
circulação de dinheiro, o que permitiu que a população mais pobre passasse a
ter acesso a bens que antes não podia adquirir, como sapatos, tesouras,
panelas, facas, chapéus, etc. O aumento da produção de alimentos ocorreu paralelamente ao crescimento demográfico. A população
inglesa passou de 10,5 milhões para 18,1 milhões de habitantes entre 1801 e
1841.
No
início do século XVIII, o setor agropecuário empregava boa parte da população
inglesa. Muitos trabalhadores eram empregados na extração de lã de carneiros.
Todavia, o algodão começou a ganhar
cada vez mais destaque, uma vez que era mais barato do que a lã. O algodão
produzido nas colônias inglesas da América do Norte era levado para a
Inglaterra para ser transformado em peças de vestuário. As roupas assim
produzidas eram posteriormente vendidas para os fazendeiros das Américas, para
vestir a população escravizada.
Surgiram
ainda novas tecnologias nas manufaturas, o que aumentaria ainda mais a
produtividade. Na década de 1730, foi inventada a lançadeira volante, um dispositivo adaptado aos teares manuais que
acelerou o processo de tecelagem, permitindo também a fabricação de tecidos com
dimensões maiores do que os produzidos artesanalmente. Em 1764, James Hargreaves criou uma máquina de fiar que nada mais era do
que uma roca manual de vários fios que permitia a uma única pessoa fazer o
trabalho que antes era realizado por oito pessoas. Todavia, a qualidade dos
fios produzidos pela spinning jenny era
irregular, o que comprometia o resultado final. Em 1769, foi inventada a spinning frame, ou water frame, uma máquina
movida a energia hidráulica que produzia fios mais grossos e resistentes. Em
1779, foi inventada a spinning mule,
que reunia as qualidades das máquinas anteriores, tornando possível a produção
em grande escala de fios finos e resistentes. Outra inovação tecnológica ocorreu quando, em 1769, James Watt desenvolveu um equipamento
que usava a energia do vapor da água para impulsionar máquinas a uma velocidade
considerável. A máquina a vapor
permitiu que a força humana fosse substituída pela energia mecânica. Com o
passar do tempo, a invenção de Watt foi aperfeiçoada e o desenvolvimento
industrial se generalizou. Em 1785, Edmund
Cartwright inventou o tear mecânico,
movido justamente pela energia a vapor. A invenção de Watt permitiu também o
desenvolvimento da siderurgia e da metalurgia. Todos esses avanços
tecnológicos fizeram a antiga manufatura (do latim manus = mãos; factura =
feitura) ser trocada pela maquinofatura. Era o nascimento das primeiras fábricas.
Em
1807, foi desenvolvido o primeiro barco
a vapor e, a partir disso, as embarcações a vela foram progressivamente
substituídas nas rotas marítimas comerciais. O transporte de passageiros,
mercadorias e correspondências passava a ser feito com mais regularidade, sem a
dependência dos ventos. O sistema de transporte fluvial e marítimo se
modernizou, surgindo embarcações cada vez maiores e mais velozes. Em 1814, foi
inventada a locomotiva a vapor,
responsável por uma revolução no transporte terrestre. Em pouco tempo, as
estradas de ferro se multiplicaram na Europa, nos Estados Unidos e em outras
partes do mundo. Essas inovações nos meios de transporte causavam a sensação de
que as distâncias entre diferentes regiões ficavam mais curtas. O deslocamento
de pessoas ficou mais fácil e os custos com transporte foram reduzidos. O
desenvolvimento dos novos meios de transporte causou impactos de ordem
socioeconômica. Todo esse conjunto de transformações e avanços tecnológicos ocorridos a partir
do século XVIII é chamado de Revolução Industrial. Essas
novidades transformaram primeiramente a sociedade inglesa e, depois, as
sociedades de diversos outros países. O período entre 1760 e 1850 ficou
conhecido como a Primeira Revolução Industrial.
Três
matérias-primas foram fundamentais no desenvolvimento da Revolução Industrial
na Inglaterra: carvão mineral, ferro e algodão. A Inglaterra contava com reservas de carvão e de ferro,
sobretudo nas regiões norte e oeste de seu território, em áreas próximas a rios
e portos onde também se instalaram as primeiras indústrias têxteis. O carvão
era usado como combustível para aquecer as caldeiras que transformavam água em
vapor, sendo um recurso importante para a manutenção do sistema fabril. A
produção de carvão na Inglaterra quadruplicou durante o século XVIII, chegando
a 10 milhões de toneladas em 1800. O consumo de carvão aumentou com o advento
das ferrovias. Por sua vez, o ferro tornou-se fundamental na construção de
máquinas, equipamentos e até pontes, sendo também aplicado em trilhos, trens e
navios. Novas técnicas tornaram possível a produção de formas mais resistentes
e baratas de ferro. A partir da década de 1850, desenvolveu-se a transformação
do ferro em aço, o que marcaria o
início da Segunda Revolução Industrial, baseada no uso de novas formas de
energia (elétrica) e novos
combustíveis (petróleo) e que
alcançaria muitas regiões além da Inglaterra, tais como França, Bélgica,
Holanda, Prússia, norte da Península Itálica, Estados Unidos e Japão. Já o
algodão era obtido pela Inglaterra nas suas colônias na Ásia e na América. Por
serem mais leves, os tecidos de algodão passaram a ser consumidos também em regiões
de clima mais ameno.
Os
capitalistas enriqueceram rapidamente e estavam eufóricos com a Revolução
Industrial. Para a burguesia e para os intelectuais
liberais, o crescimento econômico era visto como algo deslumbrante. Havia
quem acreditasse que a ciência e a racionalidade contribuiriam para a melhoria
das condições de vida e para a ampliação da felicidade. Todavia, essa
prosperidade do período não gerava benefícios para todas as pessoas. Os
trabalhadores viviam sob condições de moradia extremamente precárias, habitando
bairros insalubres e vivendo em casas muito simples e rudimentares, localizadas
em ruas escuras e sem pavimentação. As casas dos operários eram mal ventiladas,
não tinham água suficiente e possuíam péssimas condições sanitárias.
Se
as condições de moradia eram ruins, também as condições de trabalho deixavam muito a desejar. As fábricas
costumavam ser locais úmidos, quentes e sem ventilação adequada. Os
trabalhadores recebiam uma alimentação
insuficiente e de baixa qualidade. As jornadas
de trabalho eram muito longas. Os
salários eram baixos e não havia qualquer tipo de garantia ou assistência. Tudo
isso fazia com que a expectativa de vida
entre os operários fosse baixa. Para
piorar a situação, a incidência de doenças
e acidentes de trabalho era bastante
elevada. Consideradas mais dóceis do que os homens adultos, tanto mulheres
quanto crianças (muitas com 4 ou 5 anos de idade) eram contratadas para
trabalhar nas fábricas. Nas fábricas, crianças e adolescentes trabalhavam o
mesmo número de horas que um homem adulto, mas recebiam menos da metade de seu
salário. Muitas crianças morriam por causa de acidentes de trabalho ou de
doenças decorrentes das péssimas condições de trabalho e de vida (como a desnutrição). Apenas a partir da década
de 1830 foram aprovadas leis que protegiam e regulamentavam as atividades de
mulheres e crianças nas fábricas. Os operários chegavam a trabalhar entre 15 e
18 horas ininterruptas por dia, sob a vigilância
de um supervisor. O ritmo e a duração do trabalho eram determinados pelo
relógio. As longas jornadas de trabalho significavam maiores lucros para o
patrão, uma vez que a produtividade era maior e o uso de máquinas e energia era
otimizado. O cansaço provocava acidentes frequentemente, e estes não eram
perdoados. Era comum que os trabalhadores sofressem punições bastante severas por causa de alguma falta cometida. A
maioria dos operários recebia salários equivalentes a oito xelins[1]
semanais, o que mal cobria os gastos com alimentação. Assim, era comum que todos
os membros da família trabalhassem.
O
ROMANTISMO
No
final do século XVIII, surgiu um movimento artístico e literário chamado Romantismo, no qual escritores, músicos
e pintores românticos olhavam para o mundo produzido pela Revolução Industrial
de maneira crítica. Segundo esses intelectuais, o pensamento governado pela
razão não necessariamente produziria um mundo melhor. O movimento não era
homogêneo e nele havia tanto conservadores quanto progressistas. Enquanto
alguns românticos defendiam valores religiosos tradicionais e o direito à
propriedade, outros mostravam-se preocupados com as injustiças sociais ou davam
à religiosidade um aspecto mais espiritualista. O desenvolvimento da ciência,
da tecnologia, da urbanização e o abandono da vida rural fizeram com que a
sociedade moderna produzisse uma visão de mundo materialista. Paralelamente, a
contestação de muitas ideias religiosas abriu novas perspectivas para a
expressão da religiosidade. Alguns românticos questionaram as doutrinas
religiosas vigentes, passando a refletir sobre a imortalidade da alma e a
reencarnação. Tais pensamentos não estavam necessariamente ligados a uma
religião específica, mas à ideia da existência de um Deus criador e infinito,
diferente daquele apresentado pela Bíblia.
O
Romantismo não era contrário ao capitalismo ou ao pensamento burguês, embora
alguns românticos criticassem severamente a situação vivida pelos
trabalhadores. No fundo, os românticos estavam mais interessados na mudança de
valores culturais do que nos reflexos sociais e econômicos da Revolução
Industrial. Para os românticos, critérios menos materialistas deveriam orientar
as relações sociais. Eles salientavam a importância de outras dimensões
humanas para além da razão, valorizando os sentimentos, as emoções, a intuição e a vida espiritual.
Inspirando-se no mundo da Idade Média, os românticos viam nas formas de
produzir voltadas para os interesses coletivos um contraponto para o mundo
industrial, baseado na competitividade e no acúmulo de riquezas. A
industrialização era vista por eles como algo que destruía um modo de vida que
havia sido preservado por séculos. A herança cultural e os valores morais
transmitidos de geração em geração eram tidos como um modelo da verdadeira
existência. Segundo os românticos, nas sociedades pré-industriais as pessoas
eram mais próximas da natureza, cultivavam tradições que as ligavam a um
passado comum e eram mais solidárias. Os românticos criticaram o Classicismo,
estilo predominante desde o Renascimento até o início do século XIX, visto por
eles como decadente e ligado aos valores aristocráticos.
Os
artistas do Romantismo se interessavam pelo sobrenatural, pelo fantástico, pelo
misterioso e pelo desconhecido. Suas obras eram marcadas pelo misticismo, pelo
orientalismo e pelo gosto por coisas exóticas e por sociedades com culturas
diferentes da europeia, como a Índia, por exemplo. O pessimismo, a defesa da
morte como a solução para uma existência vazia e o subjetivismo exacerbado se
fazem presentes nas obras de alguns autores românticos. No âmbito da música,
alguns nomes importantes do Romantismo são o alemão Ludwig Van Beethoven, o russo Tchaikovsky
e o polonês Chopin. Já na literatura
cabe mencionar os franceses François-René
de Chateaubriand e Victor Hugo,
o inglês Lorde Byron, os portugueses
Alexandre Herculano e Almeida Garret, além do alemão Goethe.
OS
TRABALHADORES LUTAM CONTRA A EXPLORAÇÃO
Durante
muito tempo, não havia leis que protegessem os trabalhadores contra os abusos
cometidos pelos patrões. Na Inglaterra, trabalhadores começaram a recusar os
serviços nas fábricas, o que levou o governo a adotar medidas repressivas, como
acusar de vadiagem e prender trabalhadores que abandonassem seus empregos. No
intuito de combater a mendicância, o governo criou as workhouses (casas de trabalho), lugares para onde
mendigos e desempregados eram enviados para realizar trabalhos compulsórios.
Trabalhadores reagiram contra as péssimas condições de vida e de trabalho
invadindo fábricas à noite para destruir as máquinas a golpes de martelos. O
líder de tal movimento era aparentemente Ned
Ludd, um homem de cuja existência muitos duvidam, e os ludistas viam nas
máquinas as principais responsáveis pela situação de exploração em que viviam
os trabalhadores, uma vez que elas geravam desemprego ao substituírem pessoas
em condições de trabalhar. No início do século XIX, o ludismo espalhou-se da Inglaterra para outros países, como França,
Bélgica e Suíça. Os ludistas assaltaram a manufatura de William Cartwright em
1811, fato que provocou a reação do Estado inglês, que condenou treze
lideranças do movimento à morte. Além dos ataques às fábricas, os trabalhadores
também criaram associações de auxílio
mútuo, organizações que visavam criar fundos de reserva a serem usados em
momentos de necessidade, como em casos de acidentes de trabalho, doenças e
desemprego.
Em
seguida, seriam desenvolvidos os primeiros sindicatos
trabalhistas destinados a lutar pelos direitos do proletariado. A
organização em sindicatos possibilitaria os trabalhadores a obterem diversas
conquistas, como melhores salários, redução na jornada de trabalho,
aposentadoria, descanso semanal remunerado, férias, etc. Entre as décadas de
1830 e 1840, ganhou destaque o movimento do cartismo quando, em 1838, trabalhadores ingleses reuniram suas reivindicações em um
documento conhecido como Carta do povo.
Nesse documento, os trabalhadores exigiam o sufrágio universal secreto, a
limitação dos mandatos e o direito dos operários de participarem do Parlamento. As lutas dos trabalhadores tornaram possíveis algumas mudanças no mundo do trabalho: em 1833, o
Parlamento inglês limitou em oito horas a jornada de trabalho de crianças; em
1842, ficou proibido o trabalho de mulheres em minas de carvão; em 1845, os
trabalhadores adultos passaram a ter uma jornada de trabalho de 10 horas. Em
seguida, outros países como França e Alemanha seguiram o exemplo da Inglaterra.
O
SOCIALISMO
Além
de levar ao surgimento do movimento operário, a situação de extrema exploração
em que viviam os trabalhadores estimulou também o surgimento de teorias que
criticavam o capitalismo e propunham novas formas de organização social. Entre
essas teorias encontrava-se o socialismo. Os primeiros socialistas
pensavam que era possível reformar o capitalismo por meio da ação do Estado ou
da associação dos trabalhadores em cooperativas autogeridas. O objetivo dessa
teoria era criar uma sociedade baseada na cooperação, e não na competição, onde
a produção e a distribuição de bens seriam planejadas em prol do bem geral da
sociedade. Homens como o inglês Robert
Owen (1771-1858) e os franceses Saint-Simon
(1760-1825) e Charles Fourier
(1772-1837) propunham a criação de uma sociedade ideal, mas não definiram
claramente os meios para se atingir tal fim. Acabaram ficando conhecidos como socialistas
utópicos.
Robert Owen
tornou-se coproprietário e gerente de uma fábrica de tecidos de algodão na
Escócia, em 1799. Ele aumentou os salários dos operários, melhorou as condições
de trabalho, providenciou-lhes moradia, alimentação e roupas a preços justos, e
negou-se a contratar crianças com menos de 10 anos de idade. Owen deu ainda
oportunidades educacionais para as crianças e deu início a um programa de
ensino para os adultos. A sua intenção era demonstrar que um tratamento digno
dado aos trabalhadores era compatível com a obtenção de lucros, pois, segundo
ele, se os empregados estivessem mais felizes, eles automaticamente produziriam
mais. A competitividade da sociedade industrial deveria ser substituída, de
acordo com Owen, por um estilo de vida mais harmonioso e solidário. Owen chegou
a estabelecer uma comunidade modelo em Indiana, nos Estados Unidos, mas as suas
experiências fracassaram.
O
francês Saint-Simon chegou a
renunciar a seu título de nobreza durante a Revolução Francesa, e era um homem
que defendia que o Iluminismo não fora capaz de orientar a reconstrução da
sociedade após o processo revolucionário francês. Segundo ele, a ciência e a
indústria deveriam modelar a nova sociedade, e não mais os parâmetros da
Igreja. Saint-Simon dizia que os clérigos e os aristocratas deveriam ser
substituídos por cientistas, industriais, banqueiros, artistas e escritores. Um
novo clero, em contato com o conhecimento científico, deveria instruir os fiéis
a amarem uns aos outros. O novo cristianismo deveria ser despojado de mitos e
dogmas, ajustado à era da ciência e capaz de unir espiritual e moralmente os
vários povos da Europa.
Charles Fourier
defendia a organização de pequenas comunidades, onde as pessoas poderiam
desfrutar de prazeres simples e satisfazer suas verdadeiras necessidades
humanas. Nestes falanstérios, todos trabalhariam em tarefas que lhes
interessassem e produziriam para si e para todos os outros. Não era uma defesa
da igualdade absoluta, pois dinheiro e bens não seriam distribuídos igualmente,
uma vez que aquelas pessoas que tivessem dotes especiais e responsabilidades
deveriam ser recompensadas de acordo. Segundo Fourier, essa forma de
organização social faria com que as pessoas sempre buscassem ser reconhecidas
por suas ações.
As
ideias desses socialistas utópicos
tornaram-se objeto de crítica por parte de homens como Karl Marx (1818-1883) e Friedrich
Engels (1820-1895), dois pensadores alemães adeptos do socialismo e que não
acreditavam na possibilidade de reformar o capitalismo. Para Marx e Engels, a
crítica científica do capitalismo e a ação autônoma do proletariado
possibilitariam a transformação da sociedade por meio de uma revolução: a revolução
proletária. Segundo os dois pensadores, após tomar o poder, o
proletariado deveria acabar com a propriedade privada dos meios de produção e
de troca (fábricas, fazendas, bancos, etc.) e criar uma sociedade baseada na
associação autônoma dos trabalhadores e em formas coletivas de propriedade. O socialismo
científico de Marx e Engels
pregava que os trabalhadores tinham a missão histórica de destruir o
capitalismo e conduzir a humanidade para uma sociedade igualitária. Essa
doutrina também ficou conhecida como marxismo ou, ainda, materialismo
histórico. Para os marxistas, a luta
de classes (explorados x exploradores) movimenta a História, e os
trabalhadores precisam adquirir a consciência a respeito do seu papel no
processo de destruição do capitalismo. Só assim, os trabalhares terão condições
de tomar o poder e estabelecer a ditadura do proletariado, etapa que antecede a
chegada ao comunismo, quando qualquer forma de Estado será abolida e as
pessoas viverão livres em uma sociedade sem classes e totalmente igualitária.
Nessa doutrina, o comunismo significa o fim de todas as formas de sofrimento e
violências geradas pelo capitalismo.
O
ANARQUISMO
Outra
forma de pensamento crítica ao capitalismo e à exploração dos trabalhadores que
surgiu na segunda metade do século XIX foi o anarquismo. O movimento
anarquista inspirava-se nas ideias do francês Pierre Joseph Proudhon (1809-1865), segundo as quais uma nova
sociedade deveria ser criada para ampliar a liberdade individual e livrar o
trabalho da exploração do capitalismo industrial. Na nova ordem social
imaginada por Proudhon, as pessoas se tratariam com justiça e cada um
desenvolveria o seu potencial. Em tal sociedade era completamente desnecessária
a manutenção de um governo, uma vez que este era visto pelo ideário anarquista como algo que só servia para alimentar privilégios e suprimir
a liberdade. Nas palavras de Proudhon, “A propriedade é um roubo”. Um importante
pensador anarquista foi o russo Mikhail
Bakunin (1814-1876), que defendia o fim do capitalismo por meio da abolição
imediata do Estado burguês e da propriedade privada. Para atingir este fim, o
uso da violência era, segundo ele, extremamente válido. Para os anarquistas, era preciso instaurar
uma sociedade desprovida de qualquer tipo de Estado, sem classes sociais, e constituída
por pequenas comunidades autônomas nas quais as pessoas pudessem se divertir
com liberdade. Se Marx sustentava que a revolução seria feita pelos operários
nos países industriais, Bakunin desejava que os oprimidos de todas as classes,
incluindo os camponeses, se revoltassem. No fundo, Bakunin temia que os
marxistas se transformassem nos novos exploradores após a derrubada do
capitalismo, e era por isso que o pensador anarquista defendia o fim imediato
de qualquer forma de Estado após a revolução. A “ditadura do proletariado” era
vista por ele com bastante desconfiança.
[1] Xelim: unidade monetária
inglesa. Antes de 1971, cada libra esterlina valia vinte xelins. Na segunda
metade do século XVIII, um pão com quase 2 quilos custava 1 xelim.